Pareceu-me, desde o início, uma curiosa coincidência que a visita de Ratzinger acontecesse no ano do centenário da implantação da República.
Não estava enganado. Logo no discurso de chegada, Ratzinger afirmou que «a viragem republicana (...) abriu, na distinção entre Igreja e Estado, um espaço novo de liberdade para a Igreja, que as duas Concordatas de 1940 e 2004 formalizariam».
À primeira vista, palavras de aceitação da separação de 1911, e portanto de apaziguamento. No entanto, Ratzinger omite (mas não ignora, certamente) que a ICAR de há cem anos resistiu a esse «espaço de liberdade» trazido pelo fim da funcionalização pública dos sacerdotes, pela «civilização» do registo de nascimentos, casamentos e mortes, e pela laicização do ensino. Resistiu porque preferia ser menos livre mas privilegiada como a monarquia garantia, do que mais livre mas igual às outra confissões religiosas, como a República pretendia. Enfim, ambiguidades.
Onde a pintura fica um bocado borrada é com a referência às Concordatas. Que garantem «liberdades» à ICAR, sem dúvida. Mas sacrificando a laicidade, e portanto a liberdade de todos. E sacrificando mesmo a liberdade dos próprios católicos, que não se puderam divorciar entre 1940 e 1975 justamente por causa da Concordata de 1940.
Finalmente, dizer que «o que divide é o valor dado à problemática do sentido e a sua implicação na vida pública» é justíssimo. O sentido que cada indivíduo dá à sua vida, a transcendência e as crenças, não têm papel na vida pública. As problemáticas que têm sentido e devem implicar na vida pública são aquelas a que todos temos a certeza de poder responder (como construir mais uma ponte ou subir os impostos).
Ah, e citar Cerejeira foi de mau gosto. Dispensava-se.
2 comentários :
Claro, a agenda do papa condicionada pelo centenário da república dá vontade de rir...
Quando chega o 5 de outubro o que nos é dado a ver sao as multidoes que se acotovelam munidas de barretes frígios e fervor anti-clerical. De resto para uma religiao supostamente com prazo de validade bem próximo o primeiro dia da visita papal nao correu nada mal heim? -)
Parece não ser essa a opinião do Ratzinger, Pedro.
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