sexta-feira, 7 de maio de 2010

O Vaticano nunca será laico

Os Estados democráticos modernos existem para defender os direitos dos seus cidadãos, enquanto o  «Estado» do Vaticano existe para defender uma religião. A diferença é enorme.

Existem outros Estados no mundo em que o clero tem poder político. O Irão (uma teocracia xiíta),  ou a Arábia Saudita (uma monarquia absoluta e clerical) serão os casos mais extremos (poderia acrescentar-se a Coreia do Norte, onde o clero é vermelho). Mas no Irão e na Arábia Saudita existem povos que, num dia que desejo próximo (e que no Irão parece cada vez mais próximo), se revoltarão contra os regimes locais. O Vaticano, hoje, não detém poder directo sobre uma população, e portanto está a salvo de insurreições populares. O fascista Mussolini, ao reconhecer a independência do actual Estado do Vaticano, criou um problema que ainda está connosco.

O Vaticano é um «Estado» sem população. Todos os «nacionais» do Estado do Vaticano (no sentido de portadores do respectivo passaporte) têm outra nacionalidade. O que evidencia a artificialidade do estatuto estatal do Vaticano: porque não há povo do Vaticano. Há a administração de uma comunidade religiosa, ou seja, funcionários.

Muitos dirão que, não havendo povo, não há opressão nem dano naquilo que é, em rigor, uma ditadura teocrática sem separação de poderes (ver artigo 1º da Lei Fundamental). Mas não é assim, e a próxima semana será uma ocasião para o confirmar.

É por ser reconhecido como «chefe de Estado» que o líder espiritual dos católicos pode exigir ser recebido pelo Presidente da República Portuguesa. E é por a Santa Sé ser o «governo» de um «Estado» que  pode celebrar Concordatas com o estatuto de «Tratados internacionais», furtando as relações da instituição católica com o Estado ao debate muito mais transparente e aberto das Constituições laicas e das leis democráticas.

A petição Cidadãos pela Laicidade levanta esta questão (entre outras; já assinou?). Porque a Santa Sé, sendo o arcaísmo teocrático que é, nunca será um Estado normal. Nunca assinará a Declaração Universal dos Direitos do Homem (o mais parecido que temos com uma «Carta de Direitos Fundamentais Mundial»), e nunca aceitará a jurisdição do Tribunal Penal Internacional. Será sempre um Estado fora da lei que, felizmente, vai sendo cada vez mais a lei mundial: entregar o destino colectivo da humanidade à discussão livre, aberta e democrática dos cidadãos e cidadãs. Estará sempre do outro lado: do lado das leis dogmáticas porque «divinas».

Só haverá verdadeira laicidade, em particular nos países latinos, quando a ICAR passar a ser uma instituição da sociedade civil.

20 comentários :

Filipe Castro disse...

O Vaticano é um estado-empresa. O sonho das empresas americanas é serem assim: independentes da vontade popular. Até agora têm-se escudado atrás dos congressistas e dos senadores - que faz de conta que representam os cidadãos - mas a ideia de terem uma cidade estado - como a Salt Lake City dos mormons - deve ser tentadora.

NG disse...

"Os Estados democráticos modernos existem para defender os direitos dos seus cidadãos,"

Se fosse só para isso não eram precisos tantos.

"Coreia do Norte, onde o clero é vermelho"

Claro. Tudo o que é ruim recebe o nome de clero. Mesmo que seja alguém que persegue e mata os que não são ateus.


" é, em rigor, uma ditadura teocrática"
... tão ditadura que nela ninguém nasce na condição de cidadão, todos o são por opção livre.

"Nunca assinará"
"nunca aceitará"
- Ricardo Alves, o astrólogo

"quando a ICAR passar a ser uma instituição da sociedade civil."

Então agora é uma instituição de que sociedade?

Ricardo,

Confesso que não fiquei muito entusiasmado com a eleição deste Papa. Mas depois de ler e ver as barbaridades a que você e um grupo de colegas entregam os vossos dias fico a pensar que deve ser das pessoas mais indicadas para a função nos dias que correm. E quero agradecer-lhe a si essa redescoberta de interesse e atenção por certos temas que o seu tipo de intervenção suscita. Sem esperar, vejo-me com vontade de ir para a Cova da Iria de estandarte ao ombro partilhar com outras pessoas uma série de mistérios e convicções. Se estivesse na metrópole era o que faria.

Anónimo disse...

O Vaticano nunca será um estado laico à moda do Camarado Alves e a minha casa nunca será uma democracia, por muito que bastante esquerdalhada revolucionária gostasse de entrar no meu lar para o revolucionar.

Cá em casa, tal como no Vaticano, as pessoas dão-se bem e aceitam as regras impostas por quem manda. A democracia é necessária como meio, não é um fim em si mesmo. Se tudo corre bem e as pessoas livremente aderem ao cumprimento de regras e reconhecimento de uma autoridade; quem está fora desse espaço não tem nenhuma justificação ou moral para exigir uma mudança. Sugiro que se preocupe antes com as belas democracias de esquerda republicana que existem por esse mundo fora. Aí sim, há violência e falta de liberdade.

Também é ridículo criticar o Vaticano por não assinar as declarações de organizações mundiais que bem entender(eles lá terão as suas razões), como se estas declarações fossem sagradas ou revelação divina, e não fosse o Cristianismo, do qual o Vaticano é um baluarte, a fonte inspiradora da civilização ocidental no que toca ao reconhecimento de direitos humanos-

Ricardo Alves disse...

Nuno,

«Se fosse só para isso não eram precisos tantos.»

Citei uma das razões. A que me interessava para este artigo.

«... tão ditadura que nela ninguém nasce na condição de cidadão, todos o são por opção livre.»

As crianças que são baptizadas não o são por opção livre. A última vez que verifiquei, uns 95% dos baptismos na ICAR eram de crianças.

«"Nunca assinará"
"nunca aceitará"»

E o problema é mesmo esse. O Vaticano só aceita leis de origem «divina». E, como todos os seus «cidadãos» são funcionários do Estado, e portanto comprometidos com a religião do Estado, aquilo não vai mudar.

O Nuno concebe alguma situação em que subitamente passe a haver separação de Estado e igreja no Vaticano? É a isso que eu gostaria que respondesse.

«Então agora é uma instituição de que sociedade?»

É uma comunidade religiosa e um semi-Estado, que em cada país em que opera usa o boné «Estado» ou «igreja» conforme a conveniência do momento.

«deve ser das pessoas mais indicadas para a função nos dias que correm»

Eu concordo consigo. É o melhor Papa possível para os ateus. Só um lefebvrista seria melhor ainda.

«E quero agradecer-lhe a si essa redescoberta de interesse e atenção por certos temas que o seu tipo de intervenção suscita.»

É sempre bom aprofundarmos as nossas convicções. ;)

Ricardo Alves disse...

Senhor Entrecosto,
não percebeu nada do que eu escrevi. Ou então nem sequer leu.

Leia com atenção antes de comentar.

Anónimo disse...

Li, sim senhor. Sobretudo esta sua conclusão:

"Só haverá verdadeira laicidade, em particular nos países latinos, quando a ICAR passar a ser uma instituição da sociedade civil."

Portanto, não diga que não está aqui em causa o seu desejo/apelo/militância para que o Vaticano deixe de ser reconhecido como Estado.

Para lhe explicar que só a existência do Vaticano permite que existam países laicos cujas sociedades são maioritariamente católicas, teria de perder muito tempo. Não que a questão seja muito díficil de compreender. Basta comparar com o Islão. Mas o Camarada Alves já sabe tudo, incluindo como deveriam funcionar as Igrejas que detesta...

Ricardo Alves disse...

É evidente que eu desejo que o Vaticano deixe de ser um Estado. O texto explica porquê.

Isso não tem nada a ver com aquilo que o Entrecosto faz dentro da sua casa, e por isso o seu primeiro comentário é disparatado.

A laicidade não é um produto cristão. Kemal Ataturk laicizou um país islâmico. No Líbano há neste momento um movimento laicista que junta pessoas de todas as religiões e nenhuma. O preconceito de que só pode haver laicidade em Estados em que a população foi ou é cristã, é só isso - um preconceito. E os contra-exemplos provam que a laicidade não é exclusivo do «cristianismo».

Anónimo disse...

Não disse que o Ricardo quer mandar na minha casa, disse que alguma esquerdalhada revolucionária não se importava de o fazer. Exemplos temos vários: educação sexual ou propostas de lei para proibir qualquer tarefa laboraral de menores em negócios familiares.

E também serviu como exemplo, afinal, o Ricardo preocupa-se muito por o Vaticano não ser laico ou uma democracia, mas não ouvi nenhum cidadão do Vaticano queixar-se disso. Preocuparmo-nos com a casa dos outros, quando existe ordem e paz por lá, só porque fazemos da democracia ou do estado laico um fim em si mesmo, é uma coisa um bocado patética.
E como nunca disse que só pode haver laicidade em estados com sociedades cristãs. A questão aqui não é o Cristianismo mas uma instituição ortodoxa com autoridade e tradição que, ao ter o estatuto de estado, é um contributo para os restantes estados europeus serem laicos. Mas também não me choca que alguns estados reconheçam oficialmente uma religião, desde que permitam liberdade de culto e de expressão às restantes.

NG disse...

"As crianças que são baptizadas não o são por opção livre."

Por opção livre, nem são baptizadas, nem tomam vacinas, nem comem o que lhes faz bem, nem aprendem a falar. Somos o que somos, em primeiro lugar, pelo corpo e pela cultura que recebemos do desejo de nossos pais. Muito estranho seria se as crianças passassem a crescer em função do desejo de pais de outros ou de quem nem deseja ser pai. Preocupe-se com os comportamentos e símbolos que lhe interessa transmitir aos seus filhos e deixe os dos outros.

Unknown disse...

Comparar o baptismo com as vacinas é no mínimo... estúpido! As vacinas são medicamentos cientificamente testados e que estatisticamente mostram que reduz drasticamente a mortalidade infantil.

Ter um padreco a deitar água em cima e murmurar umas baboseiras não torna nenhum míudo mais saudável, que eu saiba. E em relação ao iluminado que defende o trabalho infantil (em família!) e que acha que a forma de impedir gravidezes e DST's é lendo a bíblia, parece que é sempre possível continuarmos a ser surpreendidos!

Ricardo Alves disse...

Comparar o baptismo com as vacinas é, realmente, uma enormidade.

Não tenho conhecimento de que o baptismo evite alguma doença, mas o Nuno vai com certeza esclarecer-me.

Ricardo Alves disse...

Entrecosto,
ache «patético» à vontade. Eu não mencionei só o Vaticano. Também falei da Coreia do Norte, do Irão e da Arábia Saudita. A lógica do «não nos podemos meter na casa dos outros», levada ao limite, significa que não podemos considerar o regime chinês torcionário. Ou o nazi.

NG disse...

Transformar uma alusão a características que os progenitores consideram importante transmitir aos seus descendentes, ligadas, por exemplo, à saúde ou à cultura, numa comparação de efeitos terapêuticos é que é uma enormidade e revelador da inteligência e boa fé com que alguns Ricardos abordam certos temas.

Ricardo Alves disse...

Foi o Nuno quem meteu vacinas a baptismo na mesma frase.

Anónimo disse...

"Ter um padreco a deitar água em cima e murmurar umas baboseiras não torna nenhum míudo mais saudável, que eu saiba."

Mais doente também não. Logo, para quê preocuparem-se com algo que, do ponto de vista ateu e secular, é nada? Também querem proibir que se cantem os parabéns a você às crianças? Segundo o mesmo ponto de vista ateu e secular, é a mesma coisa. Assim se vê que criticar o batismo dos filhos dos outros é uma intromissão patética naquilo que não nos diz respeito: uma cerimónia privada e uma escolha por um tipo de educação que só diz respeito aos pais.

"E em relação ao iluminado que defende o trabalho infantil (em família!) e que acha que a forma de impedir gravidezes e DST's é lendo a bíblia, parece que é sempre possível continuarmos a ser surpreendidos!"

Sim, defendo a liberdade para os pais ensinarem os filhos a trabalhar. O que não defendo é a exploração de crianças para fins profissionais. Mas desempenhar tarefas, colaborar, ajudar, enfim, aprender desde cedo a trabalhar,não vejo mal nenhum. Pela lógica de certa esquerda, qualquer dia vamos vê-los a apoiar manifestações de crianças ( como já fazem nas patéticas greves dos alunos às aulas) contra a tirania dos pais que os mandam varrer a casa ou atender telefonemas no escritório do negócio lá de casa.

Sobre a leitura da Bíblia prevenir a gravidez e doenças sexuais, está bem visto, apesar de eu nem sequer ter falado na Bíblia.
Ler a Bíblia, em vez de ter relações sexuais, evita essas coisas. Ou não fossem as relações sexuais a causa delas. Agora, quem não goste de ler a Bíblia, pode fazer outra coisa para ocupar o tempo que não quer ocupar com a actividade que engravida e que causa doenças sexualmente transmíssiveis.
Mas é engraçado que eu diga que não quero esquerdistas marados da cuca e educar sexualmente os meus filhos e leve como resposta boquinhas sobre a Bíblia.

Tem de disfarçar mais esse rancor...

Ricardo Alves disse...

A ICAR refere frequentemente o número de baptizados como argumento para justificar vários dos privilégios de que goza. Esquecem-se, sistematicamente, de referir que os baptizados não atravessaram essa experiência voluntariamente.

Anónimo disse...

"A ICAR refere frequentemente o número de baptizados como argumento para justificar vários dos privilégios de que goza."

Que muitos portugueses batizam os filhos na Igreja, isso é indesmentível. É um facto que não deve contar para nada? Os pais não decidem livremente onde batizar e que tipo de educação dar aos seus filhos?
E nem me lembro de alguma vez ter ouvido algum católico ter utilizado o número de crianças batizadas para como argumento para "justificar privilégios".


"Esquecem-se, sistematicamente, de referir que os baptizados não atravessaram essa experiência voluntariamente."

Os que se batizaram em adultos atravessaram. Mas é normal que os batizados em criança não. Afinal, as crianças não escolhem voluntariamente muita coisa, não é?
Incluindo a participação em cerimónias privadas, que só dizem respeito aos pais das crianças, já que não as prejudicam em nada.

Os senhores laicistas esquerdistas republicanos pretendem proibir o batismo de crianças, em nome da liberdade de consciência ou querem que os números de batismos, voluntariamente decididos pelos pais das crianças, não conte como "argumento" em qualquer suposto debate sobre "privilégios"?

É que não está muito claro. Tendo em conta alguns gurus do neoateísmo que vos ilumina,desconfio que partilham é da tese de pessoas como Hitchens, para quem a educação religiosa é um abuso contra os menores, que os impede em adultos de pensar criticamente sobre a existência de Deus. Eu gostava de perceber melhor, para saber se o vosso caso é assim tão grave como indicia...

Anónimo disse...

Mussolini deveria ser santificado....(ironic mode)

Anónimo disse...

Faltou citar o regime sionista de Tel-Aviv.... faltou dizer que o clero sionista detém poder em inúmeros países ocidentais.... e muitos críticos deste clero são silenciados e perseguidos. Robert Faurisson que o diga!!

"Mas no Irão e na Arábia Saudita existem povos que, num dia que desejo próximo (e que no Irão parece cada vez mais próximo), se revoltarão contra os regimes locais."

Iran??? Ah sim... aqueles "revoltados" não passam de 5ª coluna do Sionismo Internacional..... O Iran é um estado de direito com eleições livres! (ao contrário de certas democraCIAs)

Anónimo disse...

E o Bastardos estado de Israel??? akela teocracia sionista!!