sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Ainda as touradas

Reajo ao post do Filipe Moura sobre as touradas, citando (ociosamente, mas também por representar plenamente o que penso) o Ludwig Krippahl no Que Treta!:

[...] No fundamento da ética está um facto e um valor: a compreensão de que outros também sentem e que isso importa para determinar como eu ajo. Sem esta conjunção não há ética, nem deveres morais nem direitos. Um tubarão não é eticamente responsável por morder, porque não tem compreensão do mal que causa. E um psicopata, indiferente ao que outros possam sentir, age em interesse próprio e nunca por algum sentido ético de bem ou mal. Regras morais de pacotilha, como «em democracia as minorias são respeitadas desde que não façam nada contra as maiorias», são o equivalente ético a um tubarão psicopata, ignorando quer os factos quer os valores fundamentais da ética.

Sabemos que espetar ferros no touro até ele perder litros de sangue enquanto corre furioso e assustado pela arena causa sofrimento ao animal. E esse tipo de coisa causa-nos constrangimento. O facto e o valor estão lá, e qualquer pessoa normal percebe o problema ético da tourada. O hábito de fazer isto ao touro tornou muita gente insensível a este caso particular, mas até o Miguel Sousa Tavares perceberia facilmente onde estão a barbaridade e a falta de cultura se fizessem espectáculos com homens de lantejoulas a espetar ferros em cavalos, cães ou gatos, em vez de torturarem os touros. Não só seria consensualmente reconhecido como imoral, como até já seria ilegal, pois desde 1995 que a nossa lei estipula serem «proibidas todas as violências injustificadas contra animais»(LPDA, Lei n.º 92/95).


A tourada é a excepção, na lei e na mente de alguns, mais por cobardia política do que por qualquer outra coisa. Mas não se justifica que o seja. Se é mau espetar ferros em cães ou cavalos, também é mau espetá-los num touro. E dizer que é tradição não justifica nada. Isso é uma desculpa bovina. O gado é que faz o que faz só porque sempre o fez. Nós não devíamos ser assim. A nossa espécie tem capacidade, e responsabilidade, de fazer melhor do que isso.(Que treta!:Gado)

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Tribunal da relação de Évora promove violência doméstica

Cito integralmente a seguinte notícia do Público:

«Na primeira instância, o Tribunal Judicial de Setúbal aplicara uma pena de um ano e meio de prisão, com pena suspensa, condenando o arguido por um crime de violência doméstica.

A suspensão da pena ficava dependente do pagamento de 8.000 euros à vítima.

O arguido recorreu e o Tribunal da Relação decidiu condená-lo apenas por um crime de ofensa à integridade física simples, em 800 euros de multa, e fixou em 500 euros o valor a pagar à mulher, por danos não patrimoniais.

O tribunal deu como provado que desde 2004 o arguido em "diversas ocasiões desferia murros e pontapés" e injuriava a mulher, com quem era casado há mais de 30 anos.

A 06 de Junho de 2008, o arguido, agricultor, agrediu a mulher com uma cadeira, dando-lhe uma pancada no peito e provocando-lhe uma contusão da parede torácica, um hematoma na região frontal e na mama e escoriações nos lábios e cotovelo.

Segundo a Relação, esta agressão "não foi suficientemente intensa" para justificar a qualificação do crime como violência doméstica.


O mesmo tribunal diz ainda que a descrição, que consta na sentença da primeira instância, sobre a alegada conduta violenta do arguido desde 2004 "mostra-se algo indefinida, vaga e genérica".

"Não esclarece o número de ocasiões em que as agressões ocorreram, a quantidade de murros e pontapés em causa ou qualquer elemento relativo à forma e intensidade como foram desferidos, ao local do corpo da ofendida atingido e suas consequências, em termos de lesões corporais", refere.

Tendo em conta que o arguido é delinquente primário, que já não vive com a mulher e que "apenas se provou em concreto uma agressão", a Relação considera que a pena de multa "satisfaz as finalidades da punição, isto é, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade".»


Esta notícia dá-me a volta ao estômago, e parece confirmar a frustração de Helena Matos. Afinal de contas, que melhor formar de colocar a ridículo todos aqueles cartazes que apelam à denúncia da violência doméstica, do que esta decisão grotesca do Tribunal da Relação de Évora?

Os apoiantes das touradas não "raciocionam" (ver vídeo)



Devo esclarecer que não posso discutir esta questão de um modo totalmente coerente porque não sou vegetariano. E só os vegetarianos podem ser totalmente coerentes sendo contra as touradas. O meu problema com as touradas é o mesmo que com as praxes académicas: acho que quem as pratica são uns grunhos, e considero que a grunhice deve ser fortemente combatida. E é interessante ver que da boca de apoiantes dos grunhos (não necessariamente grunhos eles mesmos) a primeira palavra que sai é "liberdade" (ver vídeo). A liberdade é, assim se confirma mais uma vez, o único argumento da grunhice.
Dito isto, duvido que a melhor maneira de lidar com a questão das touradas seja proibi-las: só irá reforçar a união à volta delas. Se não se proibirem, as touradas desaparecerão ou tornar-se-ão residuais em uma ou duas gerações.

Coisas fantásticas

Disseram-me que há um professor da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa que defende nas aulas que "a homossexualidade" se cura com injecções e electrochoques. Eu julgava que era só aqui (e no Uganda e no Irão), mas aparentemente os portugueses também não se deixam enganar com modernices.

Não sei se o museu criacionista de Mafra chegou a abrir, ou se ainda existe. Mas com os criacionistas, a equipa do Blasfémias, e este psicólogo fantástico, Portugal começa a parecer-se cada vez mais com o Texas (e com o Uganda).

Verdade seja dita que aqui não temos uma Santa da Ladeira (o Texas é muito plano e há poucas ladeiras), o nosso Sol não dá pulos como em Portugal e as azinheiras não têm Nossas Senhoras empoleiradas, ou se as têm são inconspícuas.

E Portugal tem melhor peixe, melhor clima e melhor vinho. Mas não haja dúvidas: com estes prodígios todos, mais os toiros e os campinos, o Barroso e o Paulo Portas, a desigualdade e os salários de fome, a poluição e a lei só para os pobres, Portugal e o Texas estão cada vez mais parecidos. Agora precisamos de implementar a pena de morte.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Atentos: quatro mil presidentes de Junta

Justamente quando todo o rectângulo exige que se controle o poder e as clientelas da autarquia madeirense, o governo da República lançou uma reforma das autarquias, mas das locais. Objectivos: extinguir empresas municipais, cortar 30% de vereadores, agregar freguesias e apenas «incentivar» as fusões de municípios. O governo tenta portanto, na falta de coragem para confrontar o PSD-Madeira e presidentes de Câmara e num jacobinismo saudável mas limitado, a redução de freguesias por critérios de densidade populacional, ruralidade e urbanidade, e distância à sede de concelho.

Existem evidentes desigualdades de densidade territorial no ramo de governo mais próximo dos cidadãos. O distrito de Braga, por exemplo, com idêntica população e metade da área do distrito de Setúbal, tem seis vezes mais freguesias. Só Vila Verde tem tantas como a Península de Setúbal inteira, e Barcelos, com uma área ligeiramente superior a Sintra e um terço da população, ganha 89 a 20 em freguesias. Bragança e Beja, semelhantes em área e população, têm respectivamente 49 e 18 freguesias. Não me alongo mais.

O detalhe desta reforma será conhecido em breve. Se afectar principalmente o Norte e o interior, terá potencial para ressuscitar o conflito Norte-Sul e causar uma apoplexia na base tradicional de apoio da direita. Se mantiver tudo na mesma, perderemos todos.

Então e o mérito, pá?

Nuno Crato era o único ministro do actual governo do qual eu tinha uma expectativa (moderadamente) positiva. Entre outras razões, porque dizia querer premiar o mérito. Ao centésimo dia de governo, e já depois de ter reforçado os subsídios às escolas privadas, descobre-se agora que os prémios de mérito das escolas secundárias não serão atribuídos aos alunos, mas desviados para vagos «projectos de apoio aos alunos». O aluno que seria premiado com 500 euros ficará apenas com a prerrogativa de decidir a que projecto será destinado o seu «ex-prémio».

Tanta conversa de «mérito», de distinguir «os melhores», para acabar a perverter uma medida meritocrática de Maria de Lurdes Rodrigues...

Relatório Marisa Matias sobre investigação aprovado no PE



Um excelente trabalho da Marisa que culminou na aprovação do relatório sobre o financiamento da investigação e inovação na União Europeia para 2014-2020. Foram meses de negociações e de debates onde participaram investigadores portugueses e de toda Europa, inclusivamente prémios Nobel.

Agora um conselho de amigo, Marisa: vai dormir. Desconfio que não deves ter tido uma noite de 8 horas de sono nos últimos meses.

terça-feira, 27 de setembro de 2011

Revista de blogues (27/9/2011)

  • «Parece que o governo está à espera que o número de municípios se reduza - através da fusão de municípios adjacentes - apenas por obra e iniciativa dos próprios municípios envolvidos. Eu diria que, se assim é, o governo bem pode esperar sentado. É que, nenhuma burocracia assina a sua própria sentença de morte. Se o governo quer que municípios se fundam, terá que ser ele mesmo a apresentar propostas concretas de fusão.

    Eu até nem sou favorável a uma grande redução do número de municípios. Mas até para mim é evidente que há bastantes municípios artificiosos, destinados a satisfazer os interesses de poder de burguesias locais, ou que existem apenas por razões históricas. Não faz sentido, por exemplo, que Castro Marim e Vila Real de Santo António, distantes de apenas três quilómetros, sejam sedes de municípios distintos. Não faz sentido a existência do município de São João da Madeira, que consiste apenas de uma freguesia e se situa na imediata vizinhança de Oliveira de Azeméis. Não faz sentido que a barra do porto de Aveiro, a apenas cinco quilómetros da cidade, se situe já num outro município (Ílhavo). Não faz sentido que Vila do Conde e Póvoa do Varzim, a apenas três quilómetros de distância uma da outra, sejam sedes de municípios distintos.

    Tem que ser o poder central a atuar, elaborando leis da Assembleia da República que façam a fusão de municípios (e, em muitos casos, o seu redesenho, transferindo freguesias para municípios que lhes estão mais próximos). Essas leis terão que, naturalmente, ser discutidas com os poderes locais que irão afetar. Mas não se pode esperar que sejam esses poderes locais a tomar a iniciativa.» (Luís Lavoura)

O populismo rasca de Medina Carreira a nu

Resolveu-se nos últimos anos endeusar as universidades. Mas então por que é que estamos tão mal? Porque não precisamos de tantos doutores, precisamos é de gente média que saiba fazer. As universidades aturam uma data de vadios e preparam a meia dúzia de gente que sempre foi boa
Medina Carreira, Casino da Figueira da Foz, 20/09/2011.

Esta trapalhada rasca e mal educada num país saudável nem teria resposta. Mas dada a tribuna mediática - sempre sem contraditório - que é atribuída a este indivíduo, se não se responder, estas asneiras tantas vezes proferidas passam a ser verdade.

A primeira frase revela apenas que os progressos significativos registados nas universidades públicas e na ciência incomodam Medina Carreira. Porquê? Atrapalha a sua intervenção política em prol das ideologias do estado mínimo. O falhanço estrondoso de uma sociedade fortemente dependente dos mercados responde à segunda frase, que no nosso caso se traduz numa dívida privada de 220% do PIB (sobretudo externa), dívida que Medina Carreira evita evocar. A terceira frase revela um misto de ignorância e rasteireza. Portugal não tem licenciados (doutores em medina-carreirês) a mais, tem licenciados a menos. Todos os países com melhor nível de vida que nosso têm uma maior percentagem de pessoas formadas no ensino superior do que nós temos. Nesses países os quadros médios (gente média em medina-carreirês) passaram quase todos pelo ensino superior (escolas técnicas, bacharéis ou licenciaturas). Essa ideia é reforçada pelo relatório que estabelece os objectivos científicos da União Europeia, "Towards 3%: attainment of the Barcelona target", que descreve o sucesso da aposta da Finlândia na ciência e nas universidades nos anos 90 para responder à maior recessão registada num país da Europa ocidental desde a II Guerra Mundial, a uma taxa de desemprego de 20% e a uma dívida externa incomportável.

Número de publicações científicas por ano de autoria ou co-autoria de investigadores portugueses incluídas no Science Citation Index Expanded (Thomson Reuters/ISI).

No tempo de Medina Carreira não eram os melhores alunos que entravam nas universidades, eram os filhos dos ricos. O próprio Medina frequentou a universidade graças ao nível de vida do seu pai, o historiador António Barbosa Carreira. Nesse tempo, tirando algumas honrosas excepções Portugal era praticamente um zero em ciência. Havia departamentos inteiros nas universidades que não tinham qualquer actividade científica. A maioria dos alunos andava a passear os livros, não acabava o curso, mas isso não os impedia de ostentar o título de doutor no quotidiano (começamos a perceber a origem do medina-carreirês). No entanto a aposta que foi feita nos últimos 20 anos nas universidades e na ciência teve um retorno científico exponencial (ver gráfico). O número de patentes e de empresas científicas e tecnológicas disparou. Quer instituições quer empresas de investigação participam hoje em redes científicas internacionais juntamente com a ESA, o CERN e outras instituições muito prestigiadas. Apesar de tudo ainda há um caminho longo a percorrer, mas prefiro de longe esta universidade de "vadios" do que a velha universidade de filhinhos do papá.

segunda-feira, 26 de setembro de 2011

França: vitória da esquerda no Senado

A vitória «histórica» da esquerda no Senado francês não reflecte necessariamente uma viragem popular à esquerda, dado que são eleições indirectas (em que os votantes são o equivalente ao que se obteria em Portugal somando todos os deputados do Parlamento com os deputados municipais, vereadores e deputados regionais). A «vitória da esquerda» corresponde, principalmente, a um reforço dos socialistas e dos ecologistas obtido à custa da UMP de Sarkozy. E, tal como na Alemanha, a esquerda ecologista (que no caso francês vai de um neoliberal como Cohn-Bendit até a um demagogo anticapitalista como José Bové) parece cada vez mais central na política dos Estados europeus.

Medina Carreira em registo tasca vínica

A palete de odores oscila entre o vinagre e o carrascão, num canto um velhinho mutilado trauteia uma moda num acordeão, sobre um banco corrido duas meretrizes asseguram a um cavalheiro que também são virgens, por baixo de uma das mesas um cão com duas feridas no dorso suspira. O cavalheiro de olhar esguio, levanta-se desconcertadamente tornando visíveis várias manchas tintas imprimidas na camisa e duas gotas grossas que lhe escorrem entre a cara e o pescoço, soltando em seguida esta frase em alta voz:

As universidades aturam uma data de vadios e preparam a meia dúzia de gente que sempre foi boa”.


Nah, estou a reinar. Isto foi proferido por Medina Carreira, ao que parece em estado sóbrio, em ambiente muito respeitável do Casino da Figueira na passada terça-feira.

Resultados do inquérito sobre o SIS/SIED: extinção dos serviços secretos

Metade dos votos no nosso inquérito foram pela extinção do SIS e do SIED: 49 em 98. Um em cada cinco (20), foram favoráveis a que o SIS e o SIED sejam «fundidos e reduzidos», e houve doze votos pela «redução (pessoal e poder)». Cinco votos defenderam a opção «fusão sem redução», tantos como os votos na opção «não sei», finalmente houve quatro na resposta «mantidos como estão» e apenas três na «alargados (pessoal e poder)».

domingo, 25 de setembro de 2011

Ladrão que investiga ladrão trabalha sempre para o perdão

Como é óbvio, os «serviços secretos» não servem para investigar os «serviços secretos»: o «inquérito interno» do SIRP foi «inconclusivo». Qual quadrilha de ladrões apanhados em flagrante delito, os «informaçõezinhas» protegem os seus. Pelo contrário, a Polícia Judiciária parece não ter tido dificuldade em identificar o funcionário da Optimus que colaborou com a escumalha do Forte do Duque. E se será um triste desfecho se o único responsabilizado por crimes do Estado for um funcionário de uma empresa privada de telecomunicações, o prosseguimento da investigação pode levar à curiosa questão de saber como e porquê colaborou com os pidezecos: ameaças, vil metal? Entre outras.

Pior, muito mau mesmo, será se este caso terminar culpando única e exclusivamente o já célebre Silva Carvalho (como se tenta fazer no blogue «oficioso» dos pides), ao invés de questionar o enquadramento legal, os métodos, o pessoal e a própria existência dos serviços ditos «de informações». Imaginar que há uma só maçã podre no cesto é muita ingenuidade. A mim, parece-me claro que estão por revelar dezenas de casos como este.

sábado, 24 de setembro de 2011

Milhares em protesto contra Ratzinger

Milhares de pessoas protestaram nas ruas de Berlim contra a visita de B-16, com o slogan «nenhum poder aos dogmas». Podem ver a reportagem da manifestação aqui, e fotografias aqui. Ratzinger, a cada país europeu que visita, chama multidões que protestam contra a influência indevida que a ICAR tem nas sociedades. Quem se recorda de Wojtyla não pode deixar de reparar que o ambiente em volta do catolicismo está a mudar radicalmente.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

Autonomia da Madeira: um fracasso

Não tenho pachorra para a conversa da independência da Madeira. Nem na versão continental («estamos fartos de aturar o Jardim e pagar-lhe os havanos»), nem na versão madeirense («se não nos dão mais dinheiro, então aparecem mais umas bandeiritas da FLAMA»). Porém, perante a gestão da Região Autónoma cada vez estou mais convencido de que se deveria discutir seriamente, isso sim, o fim da autonomia madeirense. Para representação política democrática bastam a República e os municípios. (Os Açores, enquanto forem geridos com um mínimo de decência, são outro assunto.)

Percentagem de funcionários públicos na população activa



Na Jugular, a Palmira partilha os resultados que encontrou neste relatório da OCDE. Por mostrar que os factos objectivos contradizem a imagem que é constantemente passada por grande parte dos comentadores nos meios de comunicação social (em particular as televisões), bem como por diversos autores de blogues de direita, vale a pena reproduzir o gráfico.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Revista de imprensa (23/9/2011)

  • «(...) este caso madeirense não é só números. Ontem, Alberto João Jardim mostrou-o numa reportagem da SIC. "Há uma coisa em quem eles são bons: é meterem-se na vida dos outros", disse Jardim falando dos portugueses do Continente. Está dita, em síntese, a falta de noção de Jardim sobre o que nos faz a todos Portugal, de Macedo de Cavaleiros ao Machico. Em tempos de bonança, essa falta presta-se ao sorriso, é espertice própria de grupo, como fazem os partidos, os sindicatos, as corporações. Mas, em plena crise nacional - agravada por erros que o próprio Jardim reconhece -, ouvir dele apelos à excomunhão dos outros portugueses é demais. Todos os portugueses podem meter-se na vida da Madeira: estão em casa. Não porque a pagaram, mas porque ela é sua.» (Ferreira Fernandes)
Comentário: nunca vi ninguém formular em Portugal a «West Lothian question» que fica implícita neste artigo de Ferreira Fernandes. Traduzida para português, a questão é a seguinte: se a Região da Madeira tem determinadas competências, nas quais quem vota é a Assembleia Legislativa da Madeira e não o Parlamento da República, com que legitimidade os deputados eleitos pela Madeira para a AR votam sobre essas mesmas competências quando dizem apenas respeito ao continente?

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

O que é um órgão de propaganda?

  • «(...) [Analisadas] 20 edições do Jornal da Madeira” do mês de Agosto que continham 57 artigos de opinião. “Destes, em 38 artigos de opinião identificaram-se elementos susceptíveis de constituir violação” da lei, “por neles se promover directa ou indirectamente a candidatura que suporta o Governo Regional e seus candidatos, em particular do seu cabeça de lista, ou se atacarem directamente outras candidaturas ou candidatos destas (...) em nenhuma das edições analisadas “foi possível descortinar um artigo de opinião que promovesse directa ou indirectamente qualquer outra candidatura” (...)» (Conclusão da Comissão Nacional de Eleições sobre o Jornal da Madeira).

Quarenta anos depois

O governo britânico anunciou hoje que pagará indemnizações às famílias das vítimas do massacre do «Domingo Sangrento», ocorrido em 1972 em Derry/Londonderry. Os familiares das vítimas recusam: os soldados que assassinaram treze civis desarmados nunca passaram um dia que fosse na prisão pelos actos daquele dia. E há quem admire a «democracia» reino-unidense e as «liberdades» locais...

Pena de morte

Um artigo no El País de hoje diz tudo o que interessa. A pena de morte é um vício bárbaro e medieval, uma coisa da infância da mente. Mas quando ainda por cima a justiça não é cega... lembram-se de Jimmy Carter perguntar a uma jornalista se conseguia imaginar um milionário a ser condenado à morte?

Um rico condenado à morte?! Eu acho que Carter queria dizer um rico condenado. Strauss-Kahn violou uma empregada e nem sequer levou uma palmada na mão. E disse à televisão francesa que o sexo tinha sido "consensual".

Israel: de vitória em vitória até...

Israel continua a abusar dos EUA e a colocar os americanos numa posição cada vez mais difícil, a terem de defender o apatheid e a violência quotidiana, como se esta situação fosse sustentável.

Devagar, ao mesmo tempo que a oligarquia que manda no mundo se regala com a situação política e económica, a internet está a permitir o acesso à informação a vários grupos de cidadãos que acreditam que as coisas podem mudar para melhor. Os media que os oligarcas controlam são cada vez mais irrelevantes e os ditadores que apoiavam Israel no Médio Oriente estão a cair um a um.

Cada vez mais Israel e os EUA vão ter de explicar as suas razões perante as populações da região, em vez negociarem com as casas reais e os ditadores que as controlavam. Um dia acontece-lhes como na África do Sul.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Cara Europa

Dias atrás entraram aqui em casa uns fiscais do estrangeiro para abrir os cofres, avaliar os móveis e conferir a contabilidade. Cedo se viu que vive cá um fulano de más contas, gastador inveterado e esquecido com as dívidas. Já sabíamos, mas por sorte eles não imaginavam que criámos este estroina. Vou explicar.

O tio Alberto é muito engraçado em família quando nos insulta e nós a ele. É uma animação, porque uns dizem que ele fica mal numa família que se quer europeia, que apalaçou o anexo do quintal mas é porque lhe pagamos a água e a luz e uma gorda mesada, que ainda acaba em tribunal e que vá chamar parente a outro. Ele então excita-se e grita que são tudo intrigas dos comunistas maçons e do lóbi gay, dos jornalistas e dos invejosos, e que tem "autonomia". Acaba sempre a sacar-nos mais um dinheirinho. Não entendo como, porque há décadas que ele o gasta mal gasto, nuns jantares e negociatas com os amigos, até a pagar missas e um jornal que só diz bem dele. Já não tem emenda e até diz que não precisa de nós.

Eu sei, cara Europa, que esta vergonha da família portuguesa não tem graça. E que não devíamos rir. Mas quem o deve chamar à razão cala-se, e a polícia nunca o prendeu. Ou são os tais amigos que o protegem, ou aqueles tios mais velhos que gostam que ele diga que isto devia ser como dantes. Mas esse antes em que não éramos europeus terminou. Eles não sabem?

Para o sr. Presidente da República, com carinho

Dualidades perversas - Inconformismo e Compromisso

Como já escrevi no texto anterior, «há dinâmicas sociais que dificultam a transformação do mundo num lugar melhor. Elas têm origem na existência de características humanas que tanto têm um lado positivo como negativo, sendo muito raro alguém te-las de tal forma que o lado positivo surge sem o negativo associado; ou a ausência do negativo não corresponde também à ausência do positivo.»

Olhemos para o inconformismo - a motivação para lutar pela transformação do mundo, em vez de aceitar os seus problemas e injustiças. A vontade de adpatar o mundo aos desejos de prosperidade, liberdade, e justiça, em vez nos adptarmos à existência de escassez, tirania, violência, injustiça.

O inconformismo descrito assim parece louvável, e certamente tem um lado muito positivo. Foram incomformistas aqueles que lutaram contra a escravatura, pelo sufrágio feminino, contra a monarquia absolutista, contra tantas formas de opressão injusta. Mas raramente o inconformismo é perfeitamente selectivo.

É comum que os mais inconformistas tenham maior dificuldade em aceitar o compromisso. Não se conformam com menos do que aquilo que acreditam ser justo, e por isso é que não se conformam com o mundo e têm volição para tentar mudá-lo, com todo o esforço que isso tantas vezes implica. Mas sem aceitar o compromisso, é mais difícil trabalhar em grupo de forma eficaz. Quando são precisos muitos para travar uma batalha, a forma como se organizam não poderá parecer justa e adequada para todos, dificilmente parecerá perfeita para a maioria, e será certamente inaceitável se os seus elementos forem incapazes de aceitar o compromisso.

Às vezes o problema pode ser ainda mais complicado. Alguns inconformistas têm volição e consequente empenho porque se vêem fortes e poderosos face ao mundo: não é o mundo quem dita as regras, eles podem muda-las. Mas este egocentrismo - com tudo o que de bom pode ter ao nível da independência intelectual, da originalidade do discurso, etc - pode dificultar também o trabalho de grupo. Mais dificilmente aceitam a perspectiva dos outros elementos, mais dificilmente se conformam quando o grupo rejeitou a sua, nem que seja a respeito de um mero detalhe.

Assim, aqueles que lutam para transformar fundamentalmente o mundo têm mais dicifuldade em ser eficazes quando se associam. E quando a mudança porque lutam é positiva...

... é uma pena.

terça-feira, 20 de setembro de 2011

Revista de blogues (20/9/2011)

  • «Como se fossemos um país sem divisão de poderes nem democracia digna desse nome, foi permitido que a Madeira se tornasse uma realidade à parte, onde as liberdades e as leis da República não eram para levar a sério.Toda a gente que tinha de saber o que ali se passava, sabia-o. Ninguém que tinha de fazer alguma coisa o fez.Poupem-nos à conversa do “já chegámos à Madeira” ou do “já chegámos à Grécia”. Onde nós chegámos na semana passada foi a Portugal. Chegámos à República Portuguesa, e ao seu Presidente da República, Anibal Cavaco Silva, que quando foi à Madeira aceitou não visitar o parlamento e acabou recebendo a oposição num quarto de hotel. Chegámos à política portuguesa e a um dos seus maiores partidos, o PSD, que nestes trinta anos foi validando e legitimando tudo o que Alberto João Jardim fez. Chegámos à Procuradoria-Geral da República, que só agora se lembrou de investigar o governo regional da Madeira, apesar do Tribunal de Contas detetar irregularidades nas contas madeirenses desde 2006.E poupem-nos também à conversa da culpa que é de nós todos. A culpa é de quem deixou Alberto João Jardim governar assim. (...)

    Cada primeiro-ministro esperou que o eleitorado madeirense lhe resolvesse o problema que ele evitava encarar, esquecendo as suas próprias responsabilidades. Em caso de dúvida encolhia os ombros e dizia: “é a democracia”. Mas a democracia não é só o povo eleger quem quiser. É também ninguém estar acima da lei. (...)» (Rui Tavares)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Manifesto Ciência lança propostas em Livro Branco

(publicado no portal Esquerda.net)

Tal como se temia, as medidas de austeridade alastraram à ciência, tendo-se traduzido muito recentemente na diminuição considerável do número de projectos financiados no concurso de 2011 pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. O caso de sucesso da Finlândia, que reforçou a aposta na ciência aquando da profunda recessão em que o país mergulhou no início dos anos 90 (consultar relatório da União Europeia, "Towards 3%: attainment of the Barcelona target"), não serviu de exemplo para o novo governo. Sem uma estratégia, nem a curto, nem a longo prazo, sem ministério, a ciência portuguesa está neste momento à deriva. Ninguém sabe, ninguém faz a menor ideia do que serão os próximos anos.

Perante este cenário, o movimento Manifesto Ciência lançou na forma de Livro Branco um conjunto de propostas que realçam o impacto da ciência no desenvolvimento económico das sociedades e o seu potencial para combater o desemprego e para ultrapassar períodos de crise. Neste particular são apresentadas propostas “que promovam a transferência de tecnologia e o empreendedorismo alicerçados na ciência portuguesa”. Mas também são apresentadas propostas muito relevantes para evitar um estado de deriva nos laboratórios e nos centros de investigação nacionais e para assegurar a sua sustentabilidade económica sem prejuízo da qualidade da investigação aí realizada. Uma das propostas apela para a abertura de concursos de projectos e de bolsas todos os anos, sempre na mesma data, com um período de avaliação e comunicação de resultados que não deverá exceder os 6 meses. À semelhança do que acontece no Reino Unido, apela-se à suspensão ou redução substancial do IVA (23%) no âmbito de despesas com os projectos de investigação. O IVA é neste momento um real problema no encorajamento à competição a financiamentos europeus e internacionais, dado que neste tipo de financiamentos as despesas de IVA não são aceites como despesas elegíveis. É proposto também um sistema misto para os recursos humanos: bolsas e contratos – actualmente não é garantido que o sistema de contratos se mantenha. Finalmente, de forma a garantir o desenvolvimento da cultura científica, a Manifesto Ciência propõe o incremento do número de revistas científicas subscritas pelos centros de investigação e universidades, “alargando a sua disponibilidade e reduzindo os custos de subscrição”.

domingo, 18 de setembro de 2011

Liberdade e a falta dela...

A questão da censura de ideias e opiniões na Universidade Católica - quando andei lá um professor disse-me para não ler o Max Weber, "que não valia a pena" - tem uma vertente muito divertida, que acho que merece ser discutida: a direita em Portugal age sempre como se não tivesse dúvidas nenhumas que, se houver liberdade de escolha, não é escolhida.

Eu dou aulas numa universidade que todos os anos aparece em primeiro lugar nos rankings das universidades públicas mais conservadoras dos EUA.

Os meus alunos são maioritariamente conservadores, religiosos e puritanos, quase 30% vêm de ambientes rurais e são a primeira geração de estudantes universitários, são quase todos criacionistas e vêem a FOX todas as noites. Mas a esmagadora maioria não tem medo das minhas ideias, porque os americanos são educados a não terem medo das ideias.

Uma das primeiras coisas que eu lhes digo no princípio de cada semestre é que não acredito que os professores podem ser neutros e que portanto eles devem ouvir com atenção e sentido crítico as coisas que eu digo e as ler com atenção e sentido crítico as coisas que eu os faço ler, porque eu sou de esquerda. Depois alerto-os: se acham que as convicções políticas e religiosas deles são fracas e estão coladas com cuspo, e se têm medo de mudar de opinião, ao fim destes anos todos, só por me ouvirem durante um semestre, devem fugir das minhas aulas e escolher outro professor!

Na Católica a estratégia é diferente: criar um ambiente onde os empregadores possam recrutar os alunos sem medo que eles tenham sido expostos a ideias dissonantes do pensamento único: o capitalismo, a globalização, os direitos dos homens e dos europeus sobre as mulheres e os outros povos "menos desenvolvidos".

Sabendo que estas coisas são complicadas e contingentes, acho que vale a pena perguntar se esta atitude - que tem prevalecido no ensino desde a Contra-Reforma - não será uma das causas do atraso de Portugal: uma oligarqia que controla os meios de produção, uma organização multinacional que opera no país com a protecção do governo e que promete uma vida eterna no céu a quem respeitar esta oligarquia em vida, e uma atitude de desconfiança hostil em relação à ideia de uma classe média forte, culta e informada.

O que a Universidade Católica fez foi gravíssimo: ignorar a competência de um candidato e recusá-lo por considerar as ideias dele dissonantes. Ou seja, reforçar a ideia de que a uniformidade faz a força. Eu acho que não: acho a uniformidade cinzenta e triste e medíocre, contrária à competição, à criatividade e à formação de um mercado das ideias.

Um dos comentadores do meu primeiro texto sobre este assunto escreveu que "nem que me pagassem uma fortuna, recusaria matricular-me num curso que aceitasse o Filipe Castro como professor". O desprezo pelo vil metal fica-lhe bem, mas eu acho que faz mal em pensar assim: a minha universidade é uma das universidades mais conservadoras dos EUA e está cheia de professores de direita, de esquerda e do centro (seis com prémios Nobel), que se respeitam, discordam e fazem listas de discussão onde todas as ideias são discutidas aberta e vigorosamente. Há uns anos, quando fui promovido a professor associado, o meu mentor foi o professor mais reaccionário do departamento, que eu acho que votou Bush duas vezes e apoiou a invasão do Iraque.

No dia 14 de Outubro torno-me cidadão americano e nenhum dos meus amigos de direita tem problemas com o meu empenho em promover activamente as ideias de George McGovern contra as de Nixon (e Bush e Perry): o país mais rico e mais poderoso do mundo devia lutar para melhorar a vida no nosso planeta, cada vez mais pequeno, em vez de se deixar governar por um grupo de criminosos que legalizou a corrupção e usa a violência e a intimidação para roubar os pobres e destruir o ambiente. Foi aliás Bush, mais precisamente John Ashcroft, quem me deu o estatuto de "outstanding professor or reseacher" que me permitiu receber a cidadania 13 anos depois ter começado o meu mestrado, com um visto de estudante por dois anos.

Ao contrário da administração da Universidade Católica, os americanos não têm medo das ideias. Hoje vi o documentário de Oliver Stone sobre Hugo Chavez com os meus filhos, na televisão. Está on-line, para toda a gente ver.

Jardim admite que mentiu

  • «Não era aconselhávél que mostrássemos o jogo todo porque senão o governo socialista que não era sério tirava-nos o dinheiro todo e nós estávamos em estado de necessidade. Por isso, agimos em legítima defesa»(*) (Diário de Notícias da Madeira)
A confissão do que pode ser um crime está registada em filme (ver na Jugular). Soube-se entretanto que Jardim é proprietário de 70 restaurantes.

(*) Respeitou-se a original ortografia do DN-Madeira.

sábado, 17 de setembro de 2011

Dualidades perversas?

Eu acho que o texto do João se refere a um problema gravíssimo de Portugal, que o Miguel Esteves Cardoso abordou eloquentemente há uns anos, a propósito das reacções públicas (nazis) de políticos e jornalistas, aos insultos que um israelita mal educado proferiu na altura sobre Portugal. MEC explicou aos leitores que em democracia há imensas pessoas que nascem, crescem e morrem sem saberem que são fascistas. A vida não lhes proporciona a oportunidade de meterem um ou dois vizinhos no forno e por isso vivem e morrem felizes e respeitáveis.

A questão da intolerância religiosa e ideológica nas universidades portuguesas é gravíssima, medieval, e é um dos obstáculos mais sérios ao desenvolvimento do país. Refiro-me aqui especialmente à Univ. Católica, onde estudei e assisti aos sussurros de quem não queria ser ouvido a criticar a hierarquia da igreja, ou as eminências pardas da instituição. O respeitinho é muito bonito, como diz o Paulo Portas. Mas eu acho que o respeitinho se merece. Ou não.

Esta atitude de perseguir quem se atreve a criticar a ICAR é gravíssima. Primeiro porque atenta contra a diversidade, contra o pensamento crítico, contra a decência, contra a liberdade, contra o saber e contra a inteligência. E depois porque a instituição de delitos de opinião numa universidade é o melhor e mais rápido caminho para a criação de uma cultura de sabujice medíocre e lascarina, onde os lambe-botas são promovidos e as vozes dissonantes são erradicadas.

Eu passo a vida a criticar o Rick Perry e os fascistas que o rodeiam e apoiam, mas na história da minha universidade só uma vez (em 130 anos) é que foi negada uma promoção a um professor por razões políticas ou religiosas - e foi no tempo do macartismo. Nunca ninguém competente deixou de ser contratado por razões de fé ou de opinião. A vitalidade da América está na diversidade e na liberdade de consciência e de expressão.

Em Portugal, a ICAR (como de resto o PC e os outros partidos, a maçonaria, os grupinhos gay, etc.) insiste no direito selvagem e medieval de perseguir quem se atreve a criticá-la, ou quem não for de confiança. Os outros. "Os da corda", como se dizia dos judeus.

Dualidades perversas - Sabedoria e Volição

Há dinâmicas sociais que dificultam a transformação do mundo num lugar melhor. Elas têm origem na existência de características humanas que tanto têm um lado positivo como negativo, sendo muito raro alguém te-las de tal forma que o lado positivo surge sem o negativo associado; ou a ausência do negativo não corresponde também à ausência do positivo.

Olhemos para a sensatez, a razoabilidade, a sabedoria. A estas características está geralmente associado um elevado espírito crítico. Também a elas está associada uma atitude de dúvida, de abertura para mudar de ideias, de consciência profunda da complexidade do mundo, de consciência do quanto não se sabe, e de como é possível que aquilo que se pensa ser correcto face à informação de que se dispõe, pode verificar-se errado na presença de nova informação.
Esta atitude é algo incompatível com uma demonização maniqueísta daqueles que pensam de forma diferente. Com um medo contagiante daqueles que têm ideias diversas.
É também incompatível com uma convicção inabalável, que não conheça dúvidas. Uma certeza profunda e absoluta de que não há qualquer equívoco quando se defende a alto e bom som aquilo que se pensa, uma confiança que quem ouve pode sentir.


Esta convicção tremenda, ou este medo maniqueísta das ideias contrárias, tende a trazer bem mais volição. O conceito de volição distingue-se do de «motivação» na medida em que a motivação é um processo exclusivamente racional, e a volição é todo ele emocional.
Assim, o convicto cruzado tende a ter mais volição em tudo o que envolve a defesa das suas ideias do que o sábio cheio de dúvidas. O primeiro sabe que está certo, tem medo dos que pensam de forma diferente, e não perde tanto tempo a questionar o que faz, centrando os seus esforços na acção. Os que o ouvem podem discordar dos seus argumentos, mas são frequentemente influenciados e algo persuadidos pela confiança com que exprime suas ideias.

E isto também é verdade ao nível de grupos e associações. Onde existem mais elementos cheios de dúvidas, tende a existir menos convicção e volição, e portanto menos eficácia na defesa dessas ideias. Se as ideias mais correctas tendem a atrair grupos com mais elementos sensatos, sábios razoáveis, isto quer dizer que tendem a atrair grupos compostos por elementos menos eficazes na defesa dessas ideias.

É uma pena.

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

2011 - o ano em que a Europa descobriu a Madeira

Estar sob os olhares da finança internacional e dos seus paus-mandados europeus tem perigos destes: hoje a Europa descobriu, pasmada, que tem um Estado federado chamado Madeira, uma espécie de enclave grego na Europa ocidental. Descobriram também que por lá o défice derrapa em 11% do PIB local, que o défice da República é agravado pelo ogre madeirense e mais ainda: que as contas da Região são aldrabadas.

Falta agora a União Europeia e o mundo descobrirem o resto: que o dinheiro é gasto a alimentar o clientelismo e a corrupção da recidiva salazarista da Macaronésia, a praxis anti-democrática indígena e a chantagem separatista. A pergunta fatal virá: e as autoridades centrais nada fizeram para asfixiar o monstro? E a classe política continental não poderá alegar desconhecimento, porque há décadas que o Tribunal de Contas detectava derrapagens e espertalhices contabilísticas na Bananalândia. E o anedotário político nacional entronizou Alberto João Jardim no papel de «bobo da corte» da 2ª República. Todos sabiam, e todos se habituaram a fechar os olhos, largar umas piadas entre o complacente e o cúmplice, e deixar correr.

Se algo de bom pode sair do regime troiquista em que vivemos, é matar alguns destes «elefantes na sala». É necessário que a atitude política nacional face ao jardinismo mude. Não basta Cavaco dizer banalidades de circunstância. O «sr. Silva» sabe que o problema não começou ontem nem é conjuntural. Se fosse Presidente de todos os portugueses, falaria alto e grosso. A um nível mais secundário, o líder do PSD deveria retirar o seu apoio político ao jardinismo. Não pode exigir sacrifícios a todos, falar em «responsabilidade criminal» por má gestão, apontar o dedo a Sócrates e simultaneamente apelar ao voto na pior gestão da República. Quanto à oposição, também deveria fazer algo mais do que apresentar-se a eleições dividida e apática.

Dinamarca vira à esquerda

É cedo para afirmar se a vitória da esquerda nas eleições legislativas dinamarquesas é o virar de maré na Europa, onde actualmente só a Espanha, a Grécia e pouco mais têm Primeiros Ministros «socialistas». Todavia, é muito celebrável a queda de um governo com apoio parlamentar da extrema direita anti-imigração. E deve registar-se uma lição para a esquerda lusitana: na Dinamarca, será muito natural um entendimento parlamentar entre sociais-democratas, sociais-liberais, socialistas e verdes-vermelhos. Se os primeiros são o equivalente do nosso PS, e os últimos semelhantes ao PCP (ou à ala esquerda do BE), os socialistas locais são parte dos «Verdes» a nível europeu. E participarão no governo. Como diz Paulo Pedroso: «erros nossos, sectarismos ardentes, má fortuna»...

quinta-feira, 15 de setembro de 2011

Deputados que dizem «não» ao Papa

Muitos deputados alemães não estarão no Bundestag durante o discurso de Ratzinger, líder da ICAR e chefe de Estado quando convém. É um exemplo positivo a registar.

A vida miserável de Ayn Rand

Não me posso pronunciar sobre os livros, que não consegui ler senão aos bocadinhos - como os discursos intermináveis dos heróis dela. Mas Glenn Beck tem promovido Ayn Rand regularmente na FOX (a musa dos yuppies, de Farrah Fawcet, Clarence Thomas e Alan Greenspan) como a filósofa mais importante do século XX. Os livros dela vendem-se outra vez como nos anos oitenta e em 2009 sairam mais duas biografias desta mulher horrível: "Ayn Rand and the World She Made" e "Goddess of the Market: Ayn Rand and the American Right".

"The Nation" publicou uma recensão crítica destes dois livros que vale a pena ler, mas a "Slate" explicou melhor a vida desta sociopata, cujo sucesso parece difícil de explicar. Diz Johann Hari: "Her heroes are a cocktail of extreme self-love and extreme self-pity: They insist they need no one, yet they spend all their time fuming that the masses don't bow down before their manifest superiority."

A hipocrisia e a ausência completa de empatia pela espécie humana, fazem desta mulher um monstro inexplicável: "O criador vive em função do seu trabalho. Ele não precisa de ninguém. Seu objetivo principal está dentro de si mesmo. O parasita vive em função dos outros, de segunda mão. Ele precisa dos outros. Os outros são a sua motivação principal".

Ayn Rand tinha morrido de fome se não fosse o altruísmo dos comunistas, que lhe proporcionaram o acesso à educação gratuita - na Rússia de antes da revolução, nem mulheres, nem judeus podiam estudar. Da mãe, do pai e dos irmãos, que venderam as jóias e arriscaram a vida para que ela pudesse ir para os EUA. Da comunidade judaica de Chicago, que lhe abriu os braços e a ajudou a arranjar um emprego e depois da comunidade judaica em Holywood, especialmente Cecil B. DeMille, que a ajudou mais uma vez de forma altruísta e desinteresada. Incapaz de gratidão, Ayn Rand passou o resto da vida a dizer que nunca tinha sido ajudada e que não precisava de ninguém, embora fosse completamente dependente do desgraçado que casou com ela, um actor de segunda que ela torturou psicologicamente e convenceu que aceitar a vida sexual dela fora do casamento era uma forma de grandeza e heroicidade, e de um miúdo - um sex toy - que ela perseguiu até à morte quando descobriu que era velha demais para ele e que ele "lhe era infiel". :o) A vida desta mulher é uma sequência interminável de actos repugnantes, mas eu não vos quero tirar o prazer de lerem o artigo da Slate. E o da "Nation". E o do "New Yorker". Na altura lembro-me de ter lido uma recensão particularmente virulenta, mas que não consigo encontrar agora.

O papa no International Criminal Court?

Um grupo de vítimas da Igreja Católica quer processar o papa e três altos funcionários do Vaticano por protegerem activamente criminosos. Eu acho boa ideia.

The Fountainhead

Li um dos grandes clássicos de Ayn Rand, The Fountainhead. E gostei.
Direi mais: gostei bastante.

Gostei porque é uma obra bem construída, povoada por personagens profundos e interessantes. Gostei porque tem um desenrolar imprevisível e original. Também porque toca em temas fundamentais, explorando-os ao longo da obra. E em grande medida porque consegue dar-me a conhecer outra perspectiva, outra mundividência, não num sentido apenas formal, mas num sentido estético.

Fruí prazenteiramente a obra, mas falhei aquele que parece ser o objectivo principal da mesma - cativar o leitor para o «objectivismo», a filosofia de Ayn Rand.

É que Ayn Rand pode ser uma excelente escritora mas, a meu ver, falha em toda a linha como filósofa.
Há coisas que na arte não são condenáveis, mas na filosofia são fatais. Ninguém pede clareza, precisão e rigor num poema, nem o rejeita por encontrar inconsistências e contradições. Já no pensamento filosófico, a inconsistência é o pecado maior.

Na maior parte do livro «The Fountainhead» os princípios filosóficos não são explicitados com clareza, antes são transmitidos de forma implícita através de inúmeros artifícios. Mais perto do final do livro, no entanto, cada vez mais se verifica um enunciar mais explícito da perspectiva objectivista. O culminar ocorre no climax final da obra, a altura em que o protagonista Howard Roark, representando-se a si próprio em Tribunal, profere as alegações finais do seu caso:

«Nenhum criador foi motivado pelo desejo de servir aos seus irmãos, porque seus irmãos rejeitavam a dádiva que ele oferecia, a dádiva que destruía a rotina preguiçosa de suas vidas. A verdade do criador era a sua única motivação. A sua própria verdade e o seu próprio esforço para alcançá-la da sua própria maneira. Uma sinfonia, um livro, um motor, uma filosofia, um avião ou um prédio – a sua criação era seu objetivo e sua vida. Não aqueles que ouviam, liam, operavam, acreditavam, pilotavam ou moravam na sua criação. A criação, não seus usuários. A criação, não os benefícios que ela trazia para os outros. A criação que dava forma à sua verdade. Ele colocava a sua verdade acima de tudo e defendia-a contra todos.

Sua visão, sua força e sua coragem originavam-se em seu próprio espírito. O espírito de um homem, entretanto, é o seu próprio ego. A entidade que é a sua própria consciência. Pensar, sentir, julgar e agir são funções do ego.

Os criadores não eram altruístas. Esse é todo o segredo do seu poder – que ele era auto-suficiente, automotivado, autogerado. Uma causa inicial, uma fonte de energia, uma força vital, um Primeiro Criador. O criador não servia a nada nem a ninguém. Ele vivia para si próprio.

E somente porque viveu para si próprio é que o criador pôde conquistar o que são as glórias da humanidade. Essa é a natureza da conquista.

O homem não pode sobreviver sem o uso de sua mente. Ele nasce desarmado. Seu cérebro é sua única arma. Os animais obtêm comida usando a força. O Homem não tem garras, presas, chifres, nem nenhuma grande força muscular. Ele tem que plantar sua comida ou caçá-la. Para plantar, ele precisa pensar. Para caçar, ele precisa de armas, e para fazer armas – precisa pensar. Da mais simples necessidade até a mais complexa abstração religiosa, da roda ao arranha-céu, tudo o que somos e tudo o que temos vem de um único atributo do homem – a capacidade de sua mente racional.
»

Há vários criadores motivados pelo «desejo de servir os seus irmãos», e nenhuma boa razão para acreditar que são uma minoria entre os criadores. E tal atributo do homem - a mente racional - desenvolveu-se precisamente como uma máquina social que permite a cada um conhecer a linguagem para melhor cooperar. Tudo o que sabemos sobre a natureza humana nos leva a crer que a tal «mente racional» só se desenvolve num contexto de interdependência social, que a autora, pela boca de Roark, tanto desdenha em nome da autonomia.

Avançando mais um pouco no seu discurso:

«Nada é dado ao Homem na Terra. Tudo o que ele precisa tem de ser produzido. E essa é a alternativa básica que o Homem enfrenta: ele pode sobreviver de duas maneiras – através do uso independente de sua mente ou como um parasita alimentado pela mentes dos outros. O criador origina. O parasita toma emprestado. O criador enfrenta a natureza sozinho. O parasita enfrenta a natureza através de um intermediário.

A preocupação do criador é a conquista da natureza. A preocupação do parasita é a conquista dos homens.

O criador vive em função do seu trabalho. Ele não precisa de ninguém. Seu objetivo principal está dentro de si mesmo. O parasita vive em função dos outros, de segunda mão. Ele precisa dos outros. Os outros são a sua motivação principal.

A necessidade básica do criador é a independência. A mente racional não pode funcionar sob qualquer forma de coação. Não pode ser limitada, sacrificada ou subordinada a nenhum tipo de consideração. Ela exige total independência no seu funcionamento e na sua motivação. Para o criador, todas as relações com os outros homens são secundárias.
A necessidade básica do parasita que vive de segunda mão é assegurar sua relação com outros homens para ser alimentado. Para ele, os relacionamentos estão acima de tudo. Ele declara que o Homem existe para servir aos outros. Ele prega o altruísmo.»

[...]

O altruísmo é a doutrina que exige que o homem viva para outros e dê mais importância aos outros que a si próprio.»

[...]

O homem que tenta viver para os outros é um dependente. É um parasita em sua motivação, e faz daqueles a quem serve parasitas também. Essa relação não produz nada além de corrupção mútua. É impossível conceber tal relação. O exemplo mais próximo na realidade – o homem que vive para servir aos outros – é o escravo. Se a escravidão física é repugnante, quão mais repugnante é o conceito de escravidão espiritual? O escravo, mesmo sendo subjugado, ainda retém um vestígio de honra. Ele tem o mérito de haver resistido e de saber que a sua condição é revoltante. Mas o homem que se escraviza voluntariamente em nome do amor é a criatura mais desprezível que existe. Ele degrada a dignidade do homem e degrada o conceito de amor. Mas é essa é a essência do altruísmo.
»

Um pequeno aparte para fazer notar como esta mundividência é completamente oposta ao cristianismo.
Sabemos que Any Ryand é ateia, e despreza a religião - isso é muito claro na sua obra. Mas eu imaginaria, dada a quantidade de líderes políticos cristãos que se identificam com o «objectivismo» ou com este tipo de estética e ética, que existisse alguma compatibilidade entre ambas as perspectivas.
Mas não existe nenhuma.

De qualquer forma, só agora compreendo algumas respostas que fui recebendo nalguns blogues de direita liberal. Parecia que o «altruísmo» era uma coisa horrível, que se associava a Hitler e Estaline, e eu nem compreendia bem o que se passava.
Agora percebo: algumas dessas pessoas, por influência da perspectiva de Ryand, associam o «altruísmo» ao «parasitismo»: uma força corruptora, uma força do «mal».

Avancemos neste discurso:

«A escolha não é sacrifício pessoal ou domínio sobre os outros. A escolha é independência ou dependência. O código do criador ou o código do parasita que vive de segunda mão. Essa é a questão básica. E ela procede da alternativa entre a vida e a morte. O código do criador é construído de acordo com as necessidades da mente racional que permite ao homem sobreviver. O código do parasita é construído de acordo com as necessidades de uma mente incapaz de garantir sua própria sobrevivência. Tudo o que resulta do ego independente do homem é bom. Tudo o que resulta da dependência de um homem pelo outro é mau.

O egoísta, no sentido mais absoluto, não é o homem que sacrifica os outros. O egoísta é o homem que está acima da necessidade de usar os outros de qualquer forma. Ele não funciona através deles. Nunca se preocupa com eles em questões fundamentais. Nem na escolha do seu objetivo, nem no seu motivo, nem no seu pensamento, nem nos desejos, nem na fonte da sua energia. Ele não existe para o benefício de nenhum outro homem – e não pede a nenhum outro homem que exista para o seu benefício. Essa é á única forma possível de irmandade e respeito mútuo entre os homens.

Graus de habilidade variam, mas o princípio básico permanece o mesmo: o grau de independência, iniciativa e amor pelo seu trabalho é o que determinam seu talento como trabalhador e seu valor como homem. A independência de um homem é a única medida da sua virtude e do seu valor. O que um homem é, e o faz de si mesmo; não o que fez, ou deixou de fazer, pelos outros. Não há substituto para a dignidade pessoal. O único padrão de dignidade pessoal que existe é a independência.

Em todos os relacionamentos dignos de respeito ninguém se sacrifica por ninguém. Um arquitecto precisa de clientes, mas não subordina seu trabalho aos desejos deles. E eles precisam de um arquiteto, mas não encomendam uma casa só para dar-lhe trabalho. Os homens trocam o seu trabalho por livre e espontânea vontade, com mútuo consentimento e para vantagem mútua, sempre que seus interesses pessoais coincidem e ambos desejam a troca. Se não desejam tratar um com outro, não são forçados a fazê-lo. Ambos podem continuar seguindo seus caminhos. Essa á única forma possível de relacionamento entre iguais. Qualquer outra forma é uma relação entre escravo e dono, ou entre vítima e carrasco.

[...]

O homem pensa e trabalha sozinho. O homem não pode roubar, explorar ou dominar – sozinho. Roubo, exploração e dominação pressupõem vítimas. Eles exigem a dependência. Eles são a província do homem que vive de segunda mão.

Aqueles que dominam outros não são egoístas. Eles não criam nada. A sua existência depende inteiramente de outros. O seu objetivo reside em seus súditos, no ato de escravizá-los. Eles são tão dependentes quanto o mendigo, o assistente social e o bandido. A forma da dependência não importa.

Mas os homens foram ensinados a ver os parasitas que vivem de segunda mão – os tiranos, imperadores e ditadores – como expoentes do egoísmo. Através dessa fraude, eles foram levados a destruir o ego, a si próprios e aos outros. O objetivo da fraude era destruir os criadores. Ou subjugá-los. O que é um sinônimo.

Desde o início da História, os dois antagonistas enfrentaram-se face a face: o criador e o parasita. Quando o primeiro criador inventou a roda, o primeiro parasita reagiu. Ele inventou o altruísmo.

O criador – rejeitado, oposto, perseguido, explorado – perseverou, seguiu adiante, e com sua energia carregou toda a humanidade com ele. O parasita não contribuiu com nada para esse processo, exceto com os obstáculos. A disputa tem outro nome: o indivíduo contra o coletivo.

[...]

A única forma de os homens se beneficiarem mutuamente e a única declaração de um relacionamento apropriado entre eles é: Sem interferência!
»

Pois bem: afinal os ladrões são «parasitas» tal como Ayn Rand define o termo. Eu diria que a maior parte dos ladrões não anda aí a pregar o altruísmo, mas enfim...

Aqui mesmo, no ladrão, encerra-se a enorme contradição de Ayn Rand - o ladrão é dependente, mas o comerciante não.

Vejamos: o ladrão, ao furtar, está a ser dependente, pois se a sua vítima não existisse, o furto seria impossível.
Mas o arquitecto quando vende o seu trabalho também está dependente do seu cliente. Se o seu cliente não existisse, a venda seria impossível.

O arquitecto até poderia ser autónomo, e estar disposto a viver na selva até que um cliente quisesse com ele cooperar, e nesse sentido não precisaria do cliente para viver.
Mas o mesmo poderá ser dito do ladrão. Poderia viver na selva até ter oportunidade de furtar um bem acrescido. Nesse sentido não precisaria da vítima para viver.
Mas o acto do furto é tão dependente da vítima como o acto da venda é dependente do cliente.

E a natureza voluntária da cooperação com o cliente, mesmo que torne o acto bem menos censurável que o furto, não o torna menos dependente - pelo contrário, aumenta a dependência da vontade da outra parte.

Any Ryand começa por confundir «egoísmo» com «egocentrismo». Alega que «egoísmo» não é uma coisa má, podendo ser até virtuosa, mas usa esta palavra referindo-se sempre ao conceito de «egocentrismo». E tem razão, o «egocentrismo» tem alguma virtude em algumas circunstâncias (quando se procura originalidade, por exemplo).

Mas nesta confusão entre egoísmo e egocentrismo, Any Ryand perde-se completamente. Howard Roark é um personagem íntegro, incapaz de comprometer os seus princípios, de roubar, de mentir. Mas um assistente social pode dizer que faz voluntariado porque se sente melhor, e dessa perspectiva o faz por si. Isso é uma interiorização de um comportamento altruísta, tal como o de Roark ao recusar-se a mentir ou roubar, mesmo que isso lhe traga vantagens. O tão amaldiçoado altruísmo...

Não, o ladrão não é mais dependente que o comerciante. Verdadeiramente independente é o eremita que vive na selva, se bem que mesmo esse já tenha usufruído de uma educação que o protegeu, e onde existiu suficiente altruísmo para o fazer chegar vivo à idade adulta.

Actualmente todos somos dependentes uns dos outros. E se o comércio muitas vezes é uma forma de dependência que cria valor, ao contrário do furto que o destrói, também é verdade que muitos altruístas criam valor, e muitos egoístas são parasitas - eu diria que em proporção superior...

Esta contradição de Any Ryand é tão grosseira e fundamental que, enquanto pedra basilar do seu pensamento político, garante que todo esse edifício colapsa em inconsistências.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

A culpa não é só da Alemanha

Após as lamentáveis declarações do comissário Gunther Oettinger, haverá a tendência para culpar os mauzões dos alemães, pois haverá – e não digo que não haja motivos para isso. Mas muito mais culpável, a meu ver, é um superior hierárquico de Oettinger, o presidente da Comissão Europeia. Que pode não o poder demitir, mas não tem que ficar calado. Ao nada dizer confirma a sua vocação de palhaço mestre de cerimónias, que já tinha revelado quando recebeu Bush nos Açores. Pergunto-me se este homem tentar refazer uma carreira política em Portugal (como candidato à presidência, por exemplo) alguém o chamará “grande patriota” que “pensa em Portugal acima de tudo”, como dele disseram em 2004, quando largou o seu compromisso com os portugueses para ir para Bruxelas?

Europa kaputt

A bandeira da UE, essa sim, deveria ser posta a meia haste. O velho europeísmo morreu, vítima da crise actual: já não há os "doze" ou os "quinze", como durante a euforia dos alargamentos, mas sim estados devedores e estados credores. E os "cidadãos europeus", admite-se agora, nunca existiram: existem contribuintes alemães, finlandeses "verdadeiros", desempregados espanhóis, revoltados gregos e "irresponsáveis" ingleses.

Olha-se em volta e, tal como Raul Proença há 86 anos, não se vê ninguém. A senhora Merkel, líder da Europa por inerência da chancelaria, pensa nos seus eleitores; Barroso e a Comissão gerem assuntos correntes com frieza de burocratas; o Parlamento Europeu pronuncia-se mas não decide, porque a democracia só é boa no âmbito estatal; e Trichet preocupa-se com os bancos mas não com as pessoas.

Não faltam sequer incendiários, saudosos de totalitarismos defuntos, que pedem sangue, tumultos, montras ou caras partidas e interrupções da democracia. Na passagem dos anos 20 para os 30 conseguiram esvaziar o centro para os dois extremos, mas hoje poucos europeus repetiriam o erro.

As alternativas são ou recuar (sair do euro e voltar às soberanias nacionais, limitadas pelas dívidas) ou seguir em frente (taxar a especulação financeira, criar impostos europeus e democracia europeia). A segunda é impensável com os actuais protagonistas políticos.

Balanço do congresso do PS: que é feito do sentido de estado?

Depois do lamentável episódio com António Costa (que fez a única coisa que poderia ter feito), perante as câmaras da TVI, apetece perguntar a António José Seguro: é parvo ou faz-se? É que o mais confrangedor disto tudo é, aparentemente, ser tudo “perfeitamente normal” para Seguro, a avaliar pela sua atitude. Para alguém deslumbrado perante as câmaras de televisão, tudo fazendo por lá aparecer (mesmo sendo uma figura pública há 25 anos), bem nos bastava a nossa primeira dama.

Governo viola memorando com a tróica e desperdiça dinheiro

Vamos aos factos.
  1. Praticamente metade dos alunos das escolas privadas são subsidiados pelo Estado.
  2. Um aluno de escola privada custa ao Estado 4400 euros; um da escola pública, 3750.
  3. Muitas escolas privadas subsidiadas pelo Estado estão próximas de escolas públicas subaproveitadas.
  4. «Reduzir os custos na área da educação (...) através da (...) redução e racionalização das transferências para escolas particulares com acordos de associação» (Memorando, 1.8)
  5. Decisão de Nuno Crato: aumentar os subsídios às escolas privadas com contrato de associação.
Começa mal.

terça-feira, 13 de setembro de 2011

O Blasfémias está certo

É muito importante renegociar as PPP, tendo em atenção que vários desses processos envolveram uma perniciosa promiscuidade entre o interesse público e diversos inconfessáveis interesses privados.

Paulo Morais, no blogue Blasfémias, faz referência a este seu texto, que passo a citar:

«Estado português chegou à bancarrota porque sucessivos governos andaram a beneficiar amigos, esbanjaram o dinheiro dos nossos impostos e transformaram a política numa megacentral de negócios. O exemplo mais vergonhoso da promiscuidade entre os grupos económicos e o poder político é constituído pelas tristemente célebres parcerias público-privadas (PPP). São disso exemplos alguns hospitais, redes de águas e saneamento, auto-estradas sem custo para o utilizador (Scut), a renovação de escolas através da empresa Parque Escolar ou até o Campus de Justiça, em Lisboa. Neste modelo de negócio (ou melhor, negociata), os riscos correm sempre por conta do Estado, mas os lucros são garantidos aos privados através de rendas pagas ao longo de décadas. As PPP constituíram um verdadeiro 'bodo aos... ricos' e hipotecaram de forma criminosa os impostos de várias gerações.

Não por acaso, muitos dos políticos dos diversos partidos, que promoveram as negociações em nome do Estado, integram agora os órgãos sociais dos concessionários reiteradamente beneficiados. Urge pois promover uma renegociação global destas parcerias.

Até porque este é um compromisso previsto no memorando de entendimento assinado com a troika que alguns tentam agora fazer esquecer ou até boicotam.

Para cada caso, deve comparar-se o valor consolidado de todas as rendas vencidas e vincendas com essoutro que resulte duma avaliação independente do real valor das infra-estruturas. A conclusão desta confrontação obrigará a que as rendas pagas aos concessionários sejam reduzidas para menos de metade. Não é admissível que se mantenham as garantias de rentabilidade dos valores escandalosos actualmente praticados, em regra superiores a 14%.

Com uma atitude determinada, o governo poderá mesmo obter uma poupança estimada em mais de dois mil milhões de euros por ano.

É este o tipo de cortes na despesa do Estado que se impõe, que afectem, de forma drástica, os beneficiários dessa verdadeira extorsão ao povo que são as PPP. Não é admissível que, na hora de poupar, sejam sacrificados os mais humildes, enquanto os grupos económicos que mais têm vivido da manjedoura do Estado parecem ficar impunes.»

No mesmo blogue, Carlos Loureiro reforça:

«Artigo 413.º do Código dos Contratos Públicos: "O contrato deve implicar uma significativa e efectiva transferência do risco para o concessionário."
Artigo 416.º: "O contrato só pode atribuir ao concessionário o direito a prestações económico-financeiras desde que as mesmas [...] sejam essenciais à viabilidade económico-financeira da concessão e não eliminem a efectiva e significativa transferência do risco da concessão para o concessionário."»

Um relógio parado também está certo duas vezes ao dia ;)

Ninguém faz nada?

  • «António Fontes, advogado, ex-militante da JSD e irmão de dois homens fortes de Jardim (Paulo Fontes e Rui Fontes, ambos ex-secretários regionais), confessa que, também na Madeira, quem ganhou as eleições [de 1980] foi Ramalho Eanes, mas que "os votos foram adulterados para que aparecesse Soares Carneiro a ganhar".
    O actual deputado do PND admite que participou na "chapelada" e pede agora observadores internacionais para que não se repita "o que viu nas presidenciais de 1980" - uma grande "aldrabice eleitoral".» (Diário de Notícias)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Os elefantes brancos não têm venda

O estádio de jogo de «pé-na-bola» de Leiria custou 100 milhões de euros. Vai (irá?) a hasta pública por 63 milhões de euros. Nunca encheu. Serviu para «satisfazer os mínimos» para a organização de um torneio qualquer em 2004. Hoje, é «a maior causa de sufoco financeiro» da autarquia.
Foi gira a festa, não foi?

«Respeito e consideração», dizem eles

O blogue Companhia da Inteligência, sempre a fingir/insinuar que é feito por espiões do SIS/SIED, pede «respeito e consideração» pelos «profissionais» dos «serviços de informações». Está bem. Então, dirijam-se a estes senhores e denunciem todos os crimes de que têm conhecimento. Depois, o respeito virá...

E por falar em homofobia...

A propósito deste assunto, ontem vi, por acaso, o comediante Bill Maher - o que fez o filme Religulous - a dizer que se a Michelle Bachman ganhar as eleições, o marido "fará uma excelente primeira dama". E fui ver quem era o desgraçado que casou com esta mulher horrível: Marcus Bachmann!

Marcus Bachmann tem uma clínica que cura a homossexualidade com rezas (Pray the Gay Away) e... é uma bicha doida! :o)

Homossexualidade

Nunca na minha vida pensei que a homossexualidade fosse uma coisa importante, mas a viver entre os aborígenes do Texas, geralmente fundamentalistas cristãos com (muito) poucas ideias, levo com esta obsessão deles em cima todos os dias.

Hoje estava a ler o Monde e verifico que não é só aqui que os rurais passam a vida a meter o nariz na vida dos outros e a querer-lhes impor pontos de vista pessoais e subjectivos, muitas vezes idiotas e cruéis, como é tantas vezes o caso quando se mete a religião no assunto.

Mas é verdade: sempre do lado errado dos problemas, a igreja católica francesa publicou um livro com o título "Gender, la controversie," como resposta a uma iniciativa do governo francês que tenta mitigar os preconceitos dos jovens na escola.

"Nous avons constaté que nombre d'enseignants étaient démunis face à ces questions, explique Mgr d'Ornellas, par ailleurs spécialiste des questions de bioéthique. Il s'agit de faire en sorte que cette partie du programme soit respectueuse de la dignité de personnes, en l'occurrence des jeunes en construction, c'est-à-dire vulnérables.""Ce n'est pas la même chose d'ouvrir un enseignement sur les "gender studies" à Sciences Po pour des étudiants de plus de 20 ans (ce que fait l'Institut d'études politiques cette rentrée) et d'aborder ces sujets avec des adolescents qui n'ont pas la même maturité humaine et psychologique", précise aussi Jean Matos, chargé d'animer le groupe de travail.

O ódio aos homossexuais aqui nos EUA faz com que haja entre três a sete vezes mais suicídios entre este grupo que no resto das pessoas. Na Europa não sei, mas como os europeus são menos religiosos, espero que a realidade seja menos trágica.

Em todo o caso, era bom que os políticos começassem a meter estes energúmenos na ordem e a chamar a atenção da sociedade quando os religiosos incitam a sociedade ao ódio e à segregação.

domingo, 11 de setembro de 2011

O futuro de Israel...

Hoje o Haaretz tem um artigo que confirma o que eu penso e alerta para o perigo de se pensar, como Bush e Roger Ailes, que é possível construirmos a nossa própria realidade.

Há já vários anos que eu prefiro não falar de Israel com os meus amigos israelitas. Em 2006 vi as imagens da invasão do Líbano (na televisão holandesa), e vi a CNN censurar um membro do governo inglês e as imagens que foram mostradas durante o comentário que ele fez.

Quando cheguei aqui percebi que os americanos não faziam a mais pequena ideia do sofrimento que aquela guerra causou, nem das brutaliades que o exército israelita perpetrou durante aqueles dias, com o apoio dos EUA e da Inglaterra. Ou seja, enquanto o mundo inteiro viu as cenas de sofrimento de crianças e mulheres, os americanos e os israelitas viram uma operação cirúrgica, sofisticada, vitoriosa e necessária para pacificar os "maus".

A indignação de 2006 foi sendo amplificada nos últimos cinco anos, por uma sucessão de governos arrogantes e violentos, que ignoram a lei e não hesitam em humilhar os dois únicos vizinhos que não lhe são (eram) hostis: o Egipto e a Turquia. Este jogo é perigoso e Netanyahu - que hoje recuou nas suas posições - pode já ter queimado mais pontes do que pensa. Sobretudo porque os EUA, depois de escorregarem em todas as cascas de banana que Bin Laden lhes estendeu, estão atolados numa data de guerras, caras e impossíveis de vencer, que sangram o país e incitam o mundo muçulmano ao ódio contra o Ocidente, multiplicam o número de fundamentalistas e tornam economicamente impossível defender as fronteiras e as cidades, na Europa e na América, quanto mais resolver os conflitos entre Israel e a Turquia.

E a vitória da extrema direita nas eleições americanas, com que alguns israelitas sonham, pode vir a ser mais um presente envenenado, como foram os atiçadores Bush e Rumsfeld, principais responsáveis pela deterioração das relações entre Israel e a Turquia.

sábado, 10 de setembro de 2011

A diferença entre Roosevelt e Reagan

As grandes reformas estruturais nos EUA tiveram resultados muito diferentes.

Vale a pena ver estes dados:



Eles mostram a diferença na qualidade de vida das pessoas quando se segue uma política de esquerda moderada (as décadas que se seguiram ao New Deal de Roosevelt), ou quando se opta pelas propostas da direita (as décadas que se seguiram à Reagonomics de Reagan).

Os dados vêem deste artigo de opinião do New York Times, mas tomei contacto com eles através deste texto do Jugular.

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Revista de blogues (9/9/2011)

  • «(...) Barreto foi um dos trânsfugas que permitiram a Sá Carneiro ornamentar a AD (Aliança Democrática) com penas de esquerda. Desde aí nunca mais o abandonou a sedução pela direita. Tem sido tão anti-socialista como foi anti-comunista na medíocre passagem pelo Governo numa pasta onde caiu como Pilatos no Credo e onde os seus despachos eram revogados pelos Tribunais dado o carácter ideológico com que contrariava as leis então vigentes.

    A última diabrura do omnipresente comentador televisivo foi o alvitre de uma nova Constituição para Portugal que dispensasse a democracia representativa e fosse votada por referendo. O que parece uma ideia original, felizmente ignorada pela comunicação social e pelos portugueses, o que prova que o País ainda não ensandeceu de todo, seria uma reedição do procedimento salazarista para a Constituição Política de 1933. Só não disse – porque isso ficaria para a ampla discussão popular que preconiza –, se as abstenções voltariam a contar como votos a favor. (...)» (Carlos Esperança)

Os Antónios Ribeiros Ferreiras

Na semana passada estava a falar aqui com um destes membros da direita religiosa e a explicar-lhe que foram os sindicatos que criaram a família, essa instituição que a direita gosta tanto de invocar, ao lutarem pela abolição do trabalho infantil - contra a Igreja Católica! - e pela limitação das horas de trabalho diárias, e por salários decentes. E que foram os sindicatos que lutaram pelo direito à educação universal. E que foram os sindicatos que lutaram pela implementação de medidas de segurança nas minas e nas fábricas, onde os acidentes de trabalho destruíam famílias inteiras.

Sem os sindicatos a Europa ainda vivia na miséria abjecta dos livros do Dickens.

Não faço ideia quem seja o autor deste panfleto idiota - nunca li o Correio da Manhã, que considero um pasquim repugnante - mas acho que os imbecis que escrevem estas coisas, a quererem partir espinhas, deviam ser obrigatoriamente organizados em milícias e mandados à muralha do Porto de Lisboa a partirem a espinha aos sindicalistas. Se forem capazes. Isso é que era patriotismo. Escrever incitações ao ódio nos jornais parece-me de uma cobardia que pede bengaladas no Rossio.

Frases que nunca escrevi nem escreverei

  1. «É urgente partir a espinha à Igreja católica.»
  2. «É urgente partir a espinha ao Islão.»
  3. «É urgente partir a espinha ao PSD e ao CDS.»
  4. «É urgente partir a espinha à FPF.»
  5. «É urgente partir a espinha à Ordem dos Médicos.»
  6. «É urgente partir a espinha às escolas privadas.»
  7. «É urgente partir a espinha ao patronato.»
  8. «É urgente partir a espinha aos sindicatos.»

Os deolindos e os evangélicos

Note that the banana:

1. Is shaped for human hand
2. Has non-slip surface
3. Has outward indicators of inward content:
Green-too early,
Yellow-just right,
Black-too late.
4. Has a tab for removal of wrapper
5. Is perforated on wrapper
6. Bio-degradable wrapper
7. Is shaped for human mouth
8. Has a point at top for ease of entry
9. Is pleasing to taste buds
10. Is curved towards the face to make eating process easy

Por falar em alarves de vária pena e pêlo, ontem a minha mulher estava-me a contar uma cena dum livro do Proust - Sodome et Gomorrhe - em que ele, de volta a Balbec, descreve a tristeza com que a morte da avó o abateu... e eu lembrei-me dum valente membro do Tea Party, com ambições culturais, que me declarou há pouco tempo que tinha tentado ler "o Proust", mas que ele "metia frases dentro de frases e não se percebia nada..."

A maioria dos texanos é avessa a tudo o que lhes cheire a cultura ou erudição. Há aqui uma raiva honesta e absoluta a tudo o que possa sustitar uma emoção estética, uma ideia, ou um raciocínio... O Woody Allen é "um porco", o Miles Davis "um drogado", o Andy Warhol "um oportunista"...

Aqui a felicidade é possível e depende de cinco coisas, todas baratas e abundantes: a Bíblia, a bandeira, doces, bacon e filmes pornográficos.

Don McLeroy, o dentista que durante anos foi presidente do Texas Board of Education, nomeado por Rick Perry, tinha no seu website (que eu não consigo encontrar) uma frase dum americano célebre do século XIX, chamado William James (1842-1910), que pregava a necessidade de ensinar aos estudantes "the will to believe".

Acho que todos os deolindos juntos, bêbedos e com vuvuzelas, não conseguem desatinar-me tanto como um único destes idiotas, criminosamente estúpido e poderoso, cada vez que abre a boca.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Luke e os deolindos

Conheci o Luke no hostel onde fiquei em Praga. O Luke era mais um australiano que dedicava uns meses da sua vida a conhecer outros países, tal como tantos outros australianos que se podem encontrar em tantas pousadas no mundo. Talvez por viverem longe de quase todos os outros países, não existe povo mais obcecado em viajar e conhecer o mundo que o australiano.
Também se encontram Europa fora grupos de portugueses e outros europeus, em inter-rails ou graças às companhias aéreas de baixo custo, mas sempre em grupos: nenhum como estes australianos, que viajam sozinhos durante meses, como era o caso do Luke.
Uma diferença importante entre os portugueses e os australianos é que estes, tipicamente, trabalham para poderem pagar o seu período de viagem, enquanto os jovens portugueses geralmente esperam que sejam os pais a financiarem. É uma crítica, provavelmente justa, que se faz à “geração 12 de Março”, os “deolindos”: estão habituados a receber tudo de mão beijada, não sabendo dar o devido valor às coisas. Não lhes passaria pelas cabeças trabalhar para pagar as férias.
Enquanto eu me entretinha nestas divagações, o Luke lá se entretinha ao longo dos dias a cozinhar esparguete e fazer cocktails. Eu estava a participar num congresso; à noite via-o sempre na sala comum, e comecei a ficar curioso sobre que vida era a dele. Um dia ele ofereceu-me uma mistura de rum com fanta, e foi nessa altura que lhe perguntei quanto tempo mais ia ficar em Praga. Ele disse que já tinha visto o que mais lhe interessava ver na Europa, e então tinha decidido ficar em Praga até à data do seu regresso, daí a duas semanas, pois lá tudo era mais barato incluindo a cerveja. Perguntei-lhe se não seria melhor alterar a data do bilhete de avião e antecipar o regresso. Ele respondeu-me que ainda tinha que ir a Valência, pois fazia questão de participar naquela coisa chamada “tomatina”.
Em Portugal, organizam-se manifestações (em que eu participei) contra a precariedade e mesmo a dificuldade em obter um emprego. A maioria dos participantes nessas manifestações não queria mais do que o acesso a um emprego digno, que lhes dê estabilidade, permita construir família e mais tarde ter uma reforma – é esse o seu objetivo. O objetivo dos jovens australianos, a avaliar pelo Luke, não passa por estabilidade nem por reforma – é viajar e participar na mais estúpida de todas as festas (tão estúpida que até já existe uma versão bracarense). Acho que prefiro os nossos deolindos.

E à Constituição disse nada

Obviamente, quando ouvido ontem perante a Comissão parlamentar, Silva Carvalho limitou-se a negar as acusações de que é alvo. O seu depoimento, e o comunicado distribuído à saída, têm mesmo assim pontos interessantes. Primeiro: afirmou que a sua única relação com a Ongoing foi apresentar-lhes uma proposta de criação de uma equipa de «espionagem industrial»(1). Tendo essa proposta sido recusada, o senhor Silva Carvalho não explica o que faz na Ongoing desde Dezembro, nem porque levou para lá dois rapazes do SIS/SIED. Estarão os três a jogar jogos de estratégia em rede nos computadores da empresa? Segundo ponto interessante: diz que os dados publicados são «em parte falsos, em parte deturpados». Como não se deturpa o que é falso, assumiu portanto que eram em parte verdadeiros. Terceiro, e o mais grave de todos: insiste que «nunca violou o segredo de Estado» e o «dever de sigilo», mas, tanto quanto veio a público, não jurou não ter violado a lei e a Constituição. Há silêncios que gritam, e este é um deles. Finalmente: é uma triste ironia que se queixe de «devassa» um indivíduo que teorizou publicamente sobre a necessidade que sentia de vigiar quem não cometera crime algum. «Bem prega Frei Tomás»...

Entretanto, para dar um toque rocambolesco aparece «no cacifo»(sic) do deputado Sérgio Sousa Pinto (PS) um envelope com documentos sobre a espionagem do SIED ao perigosíssimo jornalista Nuno Simas. E aprendemos no sábado passado que, já na Ongoing, Silva Carvalho terá pedido ao SIED, e conseguido, que fosse investigado um empresário madeirense, perigosíssimo para a segurança do Estado porque era o ex-marido da actual mulher de um quadro da Ongoing. Quando um serviço do Estado comete crimes por ordem de uma empresa, estamos no fim da linha. Será que a Ongoing também é protegida pelo segredo de Estado?

O que se passou nos serviços secretos é claro. Foi-lhes dada autorização (e treino) para cometerem crimes, com o argumento de que o Bin Laden quereria bombardear o Colombo, o Oceanário e o Cristo-Rei. As vítimas dos crimes, alegavam eles, seriam todos estrangeiros, muçulmanos e «perigosos para a segurança do Estado». A seguir, estando a máquina montada, o círculo dos «perigosos» foi-se alargando. Aos da ETA, do Real IRA, etc. Primeiro. A seguir, aos do tráfico de droga. Depois, aos anarquistas locais. E logo, a qualquer pessoa que escrevesse qualquer coisa sobre o SIS e o SIED, como foi o caso de Nuno Simas. Finalmente, a qualquer cidadão com quem um facínora do SIS ou do SIED tivesse uma questão pessoal.

A terminar: se os crimes ordenados pelo Estado são «segredo de Estado» e portanto ninguém é condenado (há precedente), quebra-se o contrato existente entre Estado e cidadãos desde 1975. E depois não se queixem. Mas, se for esse o caso, o governo deveria esclarecer que crimes podem o SIS e o SIED cometer impunemente sobre os cidadãos: apenas vigilância e escutas telefónicas, ou também tortura? E, já agora: homicídios? Se não acontecerem as devidas condenações em tribunal, temos o direito de saber com o que contamos daqui para a frente.