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segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Afeganistão e o complexo militar-industrial

Fico com pena que o anterior governo afegão tenha caído e que os Talibãs tenham voltado a assumir o controlo do país. Corrupto que fosse o governo anterior, parece-me claro que no curto prazo a situação vai piorar para as mulheres, para os não religiosos, para os não-fundamentalistas e, em geral, para a população. 

No entanto,

Não é apenas que concorde a 100% com a decisão de Joe Biden de retirar as tropas americanas por muitas e diversas razões. É que este desfecho dá-nos que pensar a respeito de uma delas. 

Olhemos para a situação há cerca de um ano: os talibãs controlavam uma parte substancial do território apesar do governo ter do seu lado a maior potência militar e económica do mundo inteiro. Porquê? Uma resposta imediata seria dizer que a população tem um grande apreço pelos talibãs, e que nem todos os recursos disponibilizados pelos EUA - que foram muitíssimos - poderiam ser capazes de inverter a situação. Seria uma população tão favorável ao fundamentalismo islâmico que nem décadas e milhões investidos numa estratégia de "ganhar mentes e corações" teria conseguido dar frutos. 

Parece-me uma resposta errada. Ao contrário do que aconteceu no Vietname ou noutros teatros de guerra, não existiram grandes potências investidas no falhanço dos EUA, e os recursos investidos na ocupação do Afeganistão seriam mais que suficientes para que uma larga maioria dos afegãos passasse a valorizar o ocidente em geral e os EUA em particular, se a estratégia fosse adequada. 

O problema é que não podemos assumir que os EUA agiram como um "estado racional" que tem um determinado objectivo estratégico e faz tudo o que pode para o cumprir. A estratégia dos EUA - usar bombardeamentos via drones de forma tão exagerada e com uma falta de critério bárbara e criminosa, como se quisessem facilitar ao máximo o recrutamento por parte dos talibãs e de todos os grupos fundamentalistas islâmicos pelo planeta fora - não faz sentido se pensarmos que o seu objectivo estava alinhado com os objectivos geoestratégicos dos EUA. Mas faz todo o sentido se pensarmos que o seu objectivo estava alinhado com os objectivos económico-financeiros da indústria de armamento. 

Vejamos: a indústria de armamento nos EUA é responsável por cerca de 10% da receita de publicidade das grandes cadeias televisivas (Fox, CNN, MSNBC, etc.). Como devem imaginar, não se gastam estes milhares de milhões em publicidade para convencer o eventual general a meio do seu zapping a comprar os tanques mais avançados, muito menos se assume que o público americano em geral é o "consumidor final" dos submarinos nucleares de última geração. A razão de gastar estes balúrdios todos os meses corresponde a uma estratégia de "relações públicas" por parte da indústria de armamento. Uma a que conduz a que a cobertura informativa seja tal que, enquanto mais de 70% dos europeus tinha perfeita noção de que não existiam armas de destruição massiva nenhumas no Iraque e que a pressa dos EUA em ignorar Hans Blix vinha precisamente da consciência dessa ausência; uma quantidade semelhante de americanos acreditava que Saddam tinha sido parcialmente responsável pelo ataque às torres gémeas.  Saddam, um ditador sanguinário conhecido pela perseguição implacável dos fundamentalistas religiosos. Esta desinformação do público americano não foi um acidente nem uma coincidência: com os principais órgãos de comunicação social sujeitos à "estratégia de relações públicas" da indústria militar, outro resultado não seria de esperar. 

E a maior ferramenta de controlo político por parte desta indústria nem sequer é essa. Nos EUA a legislação relativa a "contribuições de campanha" é muito permissiva. Ser a favor de uma invasão ou da subida de impostos / desfalcamento do estado social / endividamento que a financiam pode ser impopular e levar um legislador a perder votos dos eleitores mais atentos; mas a contribuição de campanha das indústrias militares que recompensam o legislador por essa opção permitem financiar anúncios e outras acções de campanha que conquistam muitos mais votos. Isto explica os corpos legislativos "às ordens" da indústria de armamento. E se isto é assim com uma invasão, também é assim com uma ocupação disfuncional que enche os bolsos da indústria de armamento. 

Esta explicação encaixa perfeitamente nos factos. Ao longo de 20 anos a ocupação americana não tornou o governo afegão mais popular: tornou-o menos popular. Bombardeando casamentos, funerais, assassinando inocentes e socorristas, e cometendo mais umas tantas atrocidades e crimes de guerra, os talibãs e toda a sorte de fundamentalistas islâmicos foram ficando cada vez mais populares e perigosos - fazendo a indústria de armamento ganhar duas vezes: uma pelas armas e munições usadas hoje; outra pelas que serão necessárias amanhã. 

Para acabar com o regime Talibã, Biden deu o primeiro passo. Quanto mais longe os EUA estiverem, mais próximo estará o dia em que o apoio popular aos talibãs termina. 

Até lá, os EUA só poderão resolver este problema e começar finalmente a combater o terrorismo quando fizerem uma reforma profunda no financiamento das campanhas eleitorais e deixarem de ter os fabricantes de armas a determinar a política externa. 

Existem outras razões pelas quais o abandono dos EUA foi uma boa notícia, mas esta é a principal.

sábado, 17 de julho de 2021

Esquerda e responsabilidade orçamental

A Iniciativa Liberal é um partido de direita cujas propostas orçamentais se pautam pela irresponsabilidade orçamental. A Iniciativa Liberal quer diminuir as taxas de IRS, IRC e uma série de outros impostos, reduzindo por essa via a receita fiscal, sem que proponham uma redução equiparável da despesa pública. Sim, existem as promessas vagas de combate ao desperdício e ineficiência, mas no que diz respeito às grandes rubricas, as propostas da IL vão no sentido de aumentar a despesa pública, prometendo um sistema de seguros privados mais custoso ou um cheque-ensino que sairia mais caro. 

Esta novidade é bem-vinda porque pode ajudar a destruir um conceito que tanto gente à esquerda como à direita já tinha interiorizado em Portugal: que a responsabilidade orçamental está associada à direita, ou que a irresponsabilidade orçamental é uma característica da esquerda. De facto, todos os partidos que têm defendido a necessidade de contas públicas equilibradas (PSD, CDS, PS) são partidos com um programa económico de direita (PSD, CDS) ou de centro-direita (PS). Se a isto somarmos o facto de muitas pessoas atribuírem a crise de 2011 ao suposto "despesismo" do PS e ao facto deste partido ter defendido uma consolidação orçamental mais suave que o PSD, está formada a "tempestade perfeita" para criar esta percepção errônea: quanto mais à esquerda, mais orçamentalmente irresponsável. 

Esta percepção errada não resiste ao alargamento de perspectivas: nos EUA, pelo menos nas últimas 4 décadas, têm sido os governos mais à direita aqueles que mais têm aumentado o défice, e os governos mais à esquerda aqueles que mais o têm combatido. E no panorama europeu verificamos que os estados sociais mais sólidos e robustos foram construídos pelos governos que têm mantido contas públicas mais sólidas. 

No entanto, o que há de mais curioso nesta noção de que a esquerda seria "orçamentalmente responsável", é pensar nas consequências de um saldo orçamental negativo "crónico" com as consequências de um saldo orçamental positivo "crónico". Em tese, faria sentido a direita ser orçamentalmente irresponsável e a esquerda ser orçamentalmente responsável, pelo menos se assumirmos que os gastos públicos servem principalmente para financiar o estado social.  

No seu livro "O Capital no Século XXI", ao procurar explicar o aumento galopante das desigualdades, Picketty considera que uma parte importante da equação diz respeito à evolução do património público: desde os anos 70 que vemos o capital público a diminuir em proporção do rendimento da economia e ainda mais enquanto proporção do capital total:


 
Para a direita, esta evolução é sem dúvida positiva, pois significa que uma maior proporção dos activos e meios de produção está nas mãos de actores privados que os gerem, alegadamente, de forma mais eficiente. 
A esquerda, pelo contrário, não pode separar esta evolução do aumento das desigualdades e estagnação dos salários reais que lhe está associada, e não costuma fazê-lo. É comum ver esta evolução como um retrocesso ao panorama social e político anterior às grandes guerras, marcado pela instabilidade e pelas profundas desigualdades que lhe deram origem.

Mas esta evolução é, no que concerne ao património público, uma consequência directa de saldos orçamentais negativos crónicos. Esta "trajectória económica de direita" é consequência de escolhas políticas que são vistas como sendo de esquerda por uma enorme proporção do público e dos actores políticos. Se o saldo orçamental das contas públicas for positivo, o património público aumenta. Se o saldo orçamental das contas públicas for negativo, o património público diminui. 
Assim sendo, faz todo o sentido que a Iniciativa Liberal faça propostas orçamentalmente irresponsáveis. Se o estado gastar mais dinheiro do que aquilo que recebe, terá de privatizar as empresas públicas que ainda restam para pagar as contas, ou então de agravar o seu grau de endividamento, o que significa que no longo prazo o estado passará a cobrar impostos aos trabalhadores em geral para pagar os juros aos credores. 
O que parece mais bizarro é que o BE, o PCP e o PEV também o façam. 

Claro que esta exposição simplifica um pouco o panorama. Nem a IL nem o BE, PCP e PEV alegam que querem aumentar o grau de endividamento do estado. Aliás, o BE, PCP e PEV até se bateram pela reestruturação da dívida pública na sequência da crise de 2011, precisamente como uma forma de diminuir este endividamento excessivo. 
Existem, no entanto, duas questões diferentes a considerar. Uma é a necessidade de políticas contra-cíclicas. Com poucas excepções, todos reconhecerão a importância de políticas contra-cíclicas, deficitárias quando a economia está em baixo, e vice-versa. Faz sentido que a esquerda seja ainda mais favorável do que a direita a uma intervenção "estabilizadora" neste sentido, na medida em que não só a mesma corresponde a uma intervenção pública no contexto de uma economia de mercado, como tipicamente terá um impacto redistributivo. Assim sendo, defender um défice pontual no contexto de uma crise como a de 2011 pode ser correctamente visto como uma posição de esquerda. Não é isso que está em questão neste texto: falamos daquilo que seria o défice "médio", num ano não especialmente bom, nem especialmente mau. 
Já tenho visto alguns líderes políticos de esquerda a defender um conjunto de políticas que resultaria num défice crónico dando a entender que se trataria de uma política contra-cíclica, destinada a estimular uma economia que tem crescido pouco ao longo das últimas duas décadas. Note-se que isto não é uma política contra-cíclica: uma política contra-cíclica defende saldos menores quando o crescimento está abaixo da média, não quando está abaixo dos nossos desejos. 

A segunda questão a considerar são as justificações dadas pela IL ou BE, PCP e PEV para alegar que as políticas que propõem não iriam aumentar significativamente a dívida pública. A IL entra no "Reagonomics" puro e duro: como baixam o IRS, as pessoas trabalham mais, a receita aumenta. Esta fantasia já foi testada várias vezes, falha sempre, resulta em défices avassaladores, e os líderes da IL sabem perfeitamente disso. Noutras circunstâncias não explicaria por má fé aquilo que poderia explicar por preconceito ideológico, mas Portugal já leva uns bons anos a mudar estas taxas para cima e para baixo e existem poucas dúvidas que uma forte redução das taxas de IRS iria reduzir a receita no actual contexto. Não existe sequer debate entre quem conhece os números a não ser quanto à dimensão da redução.  Dito isto, esta posição demagógica pode ser considerada menos irresponsável por quem partilhar o mesmo conjunto de valores e princípios, na medida em que tal erro apenas resultaria numa diminuição do património público, algo que dificilmente os apoiantes da IL considerarão trágico. 

Já as justificações do BE, PCP ou PEV para defender políticas que resultariam em défices crónicos são menos simples. Por vezes evitam a questão afirmando que as consequências futuras e perversas daquilo que defendem como justo (aumentar as prestações sociais, o investimento público e o financiamento dos serviços públicos sem aumentar a tributação) se devem às contradições e insustentabilidade do sistema capitalista em si. A ser levada a sério, esta justificação faria com que os eleitores que se sentem seduzidos pelo programa moderado e social-democrata destes partidos devam evitar votar neles: afinal de contas as suas propostas teriam, assumidamente, más consequências a menos que o capitalismo venha a ser abolido num futuro próximo. 

Outras vezes, no entanto, o argumento é mais complexo. Por vezes aquilo que se defende é que os défices só têm estas consequências perversas devido à falta de independência monetária do país. Que se o estado controlasse a política monetária (por exemplo, estando fora do euro), poderia endividar-se sem que isso trouxesse consequências perversas. Controlando a moeda, poderia manter juros baixos e qualquer nível de endividamento seria sustentável. 

Mas será que seria assim? O exemplo do Japão e dos EUA é frequentemente apontado, mas em ambos os casos verificou-se esta mesma redução do património público em consequência dos défices crónicos. Algo que conduz a um aumento das desigualdades e tem um impacto negativo no que concerne à distribuição da riqueza, com parte da receita fiscal do estado a servir como uma "renda" dos cidadãos com maior património. 
Se o estado pudesse controlar o banco central, poderia tentar usar a inflação para reduzir os juros reais que tem de pagar, mas essa é uma opção que apenas resulta temporariamente e não resolve o problema de fundo: os juros reais ficarão maiores do que inicialmente a médio prazo, assumindo que a autoridade monetária vai sempre evitar um fenómeno de hiper-inflação. Isto nem sequer é abstracto: Portugal teve autoridade monetária durante vários séculos, e os défices crónicos sempre deram origem a uma diminuição do património público. Não existe nenhum país que seja excepção a esta regra. 

Por estas razões, fica difícil de explicar porque é que em Portugal os partidos de esquerda assumem posições que por um lado contribuem para agravar as desigualdades e transferir riqueza de quem não tem património para quem tem, e por outro lado contribuem para que estes partidos sejam vistos como irresponsáveis e irrealistas pela população menos politizada. 

segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Aquilo que apreciei na actuação do Governo

Uma das primeiras polémicas com enorme impacto mediático que envolveu este Governo resultou da vontade política por parte do ministro da Educação de pôr fim ao financiamento abusivo de escolas com contrato de associação. Neste domínio o Governo não poderia estar mais certo, quer do ponto de vista da boa gestão do erário público, da defesa da escola pública, de uma maior justiça social, de evitar um "rentismo" parasitário. A sociedade portuguesa acabou por aplaudir a actuação do ministro, mas no momento em que a decisão foi tomada esse desfecho era tudo menos claro: com todo o esforço feito pelas escolas e com toda a direita e muita comunicação social do lado dos interesses instalados, a escolha do ministro foi um acto de enorme coragem política que merece o meu maior aplauso.

No que diz respeito ao Ensino Superior e ao sistema científico e tecnológico nacional, são de louvar os orçamentos plurianuais, bem como o regime de contratação de doutorados que vem estimular o emprego científico, ao prever contratos de trabalho para investigadores doutorados, com a duração até seis anos, em substituição de bolsas de pós-doutoramento.

Ainda no que diz respeito à prioridade dada à investigação, desenvolvimento e inovação, a aposta em medidas de simplificação administrativa, legislativa e de modernização dos serviços, com particular enfoque no atendimento aos cidadãos e empresários  - o SIMPLEX+2016 - é, a meu ver, uma aposta estratégica certeira para o desenvolvimento do país.

No que diz respeito a opções estratégicas, a opção do PS de navegar entre as pressões de Bruxelas de manter o cumprimento dos objectivos consolidação orçamental e as pressões dos seus parceiros de coligação para «virar a página da austeridade», exigiria que a «lendária» capacidade negocial de António Costa para bolinar entre águas revoltas fosse mais do que uma ficção. Aparentemente, assim é: a saúde da actual solução governativa está bem e recomenda-se, e Bruxelas também tem dado o seu aval às políticas seguidas.

Aliás, os vários pontos do acordo entre PS, BE, PCP e PEV têm sido concretizados, tais como a reposição de feriados, devolução de salários, protecção da penhora da casa de família, as alterações à lei do aborto, a anulação da subconcessão dos transportes urbanos a privados, bem como a manutenção da maioria do capital da TAP nas mãos do estado.

Neste contexto é possível dizer que o tom geral da actuação do Governo se pautou pelo cumprimento dos compromissos eleitorais. A respeito das 35h semanais para os trabalhadores da função pública, muitos portugueses do sector privado se sentem injustiçados, alegando que o número de horas semanais deveria ser igual para todos. Dificilmente poderia discordar mais desta crítica: a actual lei apresenta um tecto máximo para o número de horas semanais que um empregador pode exigir, não veicula todos os empregadores às "piores práticas"! Qualquer empregador pode - e deve! - contratar trabalhadores estabelecendo horários inferiores ao máximo que a lei permite. O estado é um empregador com um grande poder de mercado, ao dar um bom exemplo e contratar com melhores condições do que aquilo que a lei exige está a fazer algo louvável não apenas do ponto de vista simbólico: está a intervir no mercado de forma favorável aos trabalhadores no sector privado. Isto significa que os trabalhadores no sector privado vêm os seus vencimentos e condições de trabalho favorecidas por esta opção por parte do estado - a economia é um sistema de vasos comunicantes.
Pessoalmente, eu sou favorável às 35h semanais como tecto máximo para o sector privado - mas sou da opinião que nesse contexto o estado deveria dar o exemplo e reduzir os seus horários para as 30h.

Outra medida que tem recebido bastantes críticas mas que não posso deixar de aplaudir é o aumento do Rendimento Social de Inserção. Estou convencido que as pessoas que criticam esta medida partem de um enorme equívoco quanto à sua expressão orçamental: elas sentem que uma fracção importante daquilo que pagam em impostos serve para suportar atitudes de preguiça e «parasitismo». Na verdade, o impacto orçamental do RSI é inferior a 0.4% das receitas fiscais - por cada euro pago em impostos muito menos de um cêntimo é usado para financiar o RSI. No entanto, o RSI tem um papel importante no apoio aos mais fragilizados, na criação de oportunidades para as crianças em famílias em piores condições, e também na diminuição da criminalidade (sendo possível que a este respeito origine poupanças muito superiores ao seu insignificante custo). O Governo fez muito bem em ignorar tais críticas e reforçar uma prestação que, de quase inexistente, estava a colocar em causa a paz social e estava certamente aquém dos limites mínimos de decência para com os mais desfavorecidos.

Além dos importantes aspectos mencionados, há pequenos detalhes que mostram toda uma diferente postura e atitude de defesa do interesse público face aos interesses económico-comerciais. Muitos dos exemplos com que fui tomando contacto não tive o cuidado de registar, mas esta notícia sobre uma alteração legislativa que pretende acabar com o aumento do som das televisões durante os espaços publicitários e programas infantis é um exemplo elucidativo.

No que diz respeito ao Orçamento de Estado para 2017, o novo imposto sobre património de valor mais elevado (a que a direita carinhosamente chamou imposto Mortágua) foi uma excelente notícia do lado da receita. Tomas Piketty explica em detalhe a importância deste tipo de impostos, um complemento essencial aos impostos sobre o rendimento, para evitar a estabilização das desigualdades num patamar muito elevado.
No lado da despesa é de louvar que se volte a apostar na Ciência, na Educação e Cultura, que se compreenda a importância de financiar adequadamente o sistema de Justiça, que se invista na modernização da Administração Pública, etc. A curta margem orçamental também não impediu a actualização do valor do Indexante dos Apoios Sociais, o aumento do abono de família, a gratuitidade nos manuais escolares do 1º ciclo (que vai poupar às famílias muito mais do que custa ao estado), os descontos no passe de transporte público, e outras formas de inverter o ciclo de empobrecimento de uma parte considerável da população portuguesa, num contexto de sensibilidade e bom senso.

No que diz respeito à minha opinião sobre a actuação deste Governo, importa também ler o texto sobre aquilo de que desgostei na actuação do Governo.

Aquilo de que desgostei na actuação do Governo

No passado Abril, o Público noticiou que «o Governo retirou à Polícia Judiciária (PJ) os contactos e as trocas de informações com a Europol e a Interpol» abrindo «uma guerra dura entre os inspectores da PJ e o Governo», falando-se mesmo numa «aversão à PJ» que «cresceu na proporção em que cresceram os processos por corrupção e criminalidade económica e financeira e outros bem conhecidos», e que com esta medida «está aberta a porta a uma intromissão do poder político na investigação criminal».
Esta situação é muito grave e corresponde à continuação da incapacidade do PS em fazer face a uma teia de interesses que o envolve (aliás, não convém esquecer alguns problemas de António Costa com a transparência a que os líderes políticos devem estar obrigados).
Desenganem-se aqueles que acreditam que uma solução governativa ancorada no PSD seria diferente. A notícia menciona as seguintes declarações por parte da associação sindical dos investigadores da PJ (ênfase meu) «a decisão agora tomada é o culminar de uma guerra que, nos últimos anos, tem sido movida à PJ por um conjunto de interesses associados, uns mais directos quanto ao seu objecto, outros mais difusos e escondidos, mas igual e plenamente identificáveis».
Aliás, a própria falta de projecção mediática de uma medida tão inequivocamente problemática mostra como os partidos à direita do PS não estão insatisfeitos com o desenrolar dos acontecimentos.
Mas se os investigadores da PJ que lutam contra a corrupção perdem autonomia, as Polícias Secretas que desejem violar a nossa privacidade ganham poderes e ferramentas: António Costa quer dar às secretas acesso a dados dos telemóveis. Isto é absolutamente vergonhoso.

A crítica de que um governo de esquerda é despesista é repetida ad nauseum pela direita (com completa falta de noção a respeito daquilo que foi a actuação do seu Governo...), mas seria conveniente evitar escolhas e decisões que dessem toda a razão a essa crítica, em particular num contexto de crise acentuada em que faltam recursos para os serviços públicos e para prestações sociais essenciais.
Neste contexto, quando o Expresso noticia que «Autarcas deixam de ser punidos por dinheiro mal gasto», acrescentando que o «Governo inclui no orçamento norma que desresponsabiliza presidentes de Câmara e vereadores. Tribunal de Contas está “preocupado” e quer falar com Ferro» eu fico bastante revoltado.
Depois, existem questões que podem não ter uma expressão orçamental tão relevante, mas que revelam um alheamento da situação difícil em que o país se encontra. Um exemplo elucidativo é noticiado pelo Público: «Reposição dos 10% retirados aos partidos em 2010 vai custar 4,5 milhões de euros». Outros exemplos de medidinhas de impacto orçamental reduzido mas que representam injustiças e distorções lamentáveis são noticiados pelo DN («Camionistas podem abastecer ao preço de Espanha em 4 zonas do País») e pela TSF («Parlamento quer promover a alheira. PAN está contra»).

Com um impacto mais considerável na economia temos todo o episódio do BANIF. A este respeito não nos podemos esquecer a forma como o anterior Governo colocou os interesses eleitorais à frente do interesse nacional tentando, com enorme prejuízo para o país, encobrir as fragilidades estruturais até depois das eleições legislativas. O novo Governo fez algo semelhante: optou por antecipar o fecho do BANIF para que constasse de um orçamento no qual os governantes anteriores podiam ser co-responsabilizados, mesmo aumentando significativamente o risco de sanções europeias. Talvez fosse excessiva ingenuidade esperar que um Governo estivesse disposto a sofrer os custos políticos criados por uma derrapagem orçamental na qual não teve responsabilidade apenas para evitar um risco que Costa estava confiante de poder minimizar na mesa das negociações - mas não tenho qualquer dúvida que essa era a opção que colocaria o interesse nacional acima de possíveis dividendos eleitorais.
Em relação à Caixa Geral de Depósitos, concordo em linhas gerais com a opção estratégica de manter o controlo público, mas existiram vários episódios lamentáveis em toda essa telenovela, a começar pela nomeação de oito administradores não executivos em situação ilegal, e pela opção de alterar a lei em vez de encontrar candidatos mais adequados ao cargo, e a acabar no chumbo da proposta do PCP para limitar remunerações de gestores para permitir desde já uma remuneração superior a 46 mil euros ao Presidente da Caixa. A este respeito é importante fazer uma observação: poderia ser considerada boa gestão tentar igualar os salários dos quadros de gestão de topo praticados pelo sector privado, já que uma ligeira melhoria na capacidade decisória de orçamentos tão volumosos poderia corresponder a poupanças muito superiores a tais vencimentos exorbitantes. Acontece que já existe alguma fundamentação empírica para afirmar que estas remunerações «pornográficas» não se relacionam positivamente com a qualidade da gestão (relacionam-se quiçá negativamente), e além do custo que indirectamente recai sobre o contribuinte, este tipo de vencimentos ainda têm um impacto negativo sobre o sector privado acentuando desigualdades que a todos prejudicam.

Em relação ao Orçamento de Estado para 2017 convém reconhecer que a página da austeridade não foi virada. Pelo contrário, existe uma atenuação muito suave do ritmo de consolidação, como se pode ver na seguinte figura do próprio relatório do OE comparando o saldo primário nos anos recentes (assinalei as previsões para 2017 a vermelho):


Note-se que esta observação, de resto amplamente reconhecida até por deputados do PS, não constitui por si uma crítica. É fácil de compreender que há uma diferença de atitude simbólica mas importante entre ter o discurso de querer ir «para além da Troika» ou tentar consolidar o mínimo que o actual contexto (em relação aos mercados, mas principalmente em relação às relações de forças na UE) exige, mesmo que os saldos primários resultantes não sejam significativamente diferentes. Até porque uma das posturas luta no espaço europeu por alguma sanidade, enquanto a outra procurava dar força aos que querem acentuar a crise - e no médio prazo esta discreta diferença pode dar frutos importantes.
No entanto, não posso deixar de sentir como profundamente desonesto (mesmo que lhe reconheça a expediência política da opção) todo o discurso dominante por parte do Governo e seus apoiantes sobre como foi «virada a página da austeridade». Não nego que possa ser uma opção vantajosa do ponto de vista eleitoral tratar os eleitores como agentes profundamente ignorantes a quem se deve alimentar confusão entre a evolução do ciclo económico e uma profunda mudança de estratégia política - mas nunca será uma opção que aplaudirei, bem pelo contrário.
Também em relação ao Orçamento de Estado para 2017, o facto de se prever um aumento mais reduzido na receita proveniente do IRC do que dos impostos indirectos (que não têm um carácter progressivo) é surpreendente, já que estas alterações seriam tipicamente correspondentes às opções orçamentais de um governo de direita. Por outro lado, é revoltante o desinvestimento nos transportes públicos e o autêntico ataque ao sistema de saúde (uma redução das orçamentadas para esta área superior a 10% em 2017, apesar do sistema já estar tão fragilizado após todos estes anos de austeridade).
Outro ponto a lamentar é prever-se os pagamentos até então acordados no que concerne às PPPs e outras “rendas” afins, na assumpção implícita de que o esforço de renegociação não será consequente ao ponto de ter expressão orçamental (isto não é um problema do orçamento propriamente dito, mas da falta de trabalho prévio durante 2016 que permitisse realizar o orçamento sobre outros pressupostos).

De resto, há que reconhecer que, na generalidade, o Governo tem sido fiel aos compromissos eleitorais, o que desde já me parece à partida preferível a violá-los mesmo quando discordo dos compromissos em si. De qualquer forma, não posso deixar de mencionar dois compromissos que, a meu ver, não deveriam ter sido feitos.
Um é relativo à diminuição do IVA da restauração. A importante receita (estimada em 350 milhões) que se perde para financiar os serviços públicos ou prestações sociais essenciais vem tornar a fiscalidade menos simples e mais regressiva.
O outro é relativo ao aumento muito rápido do salário mínimo nacional já que sou da opinião que, para combater o desemprego e melhorar as condições de trabalho a pressão devia concentrar-se na diminuição dos horários (35h de trabalho para todos). Bem sei que a ideia de que o aumento do salário mínimo pode agravar os problemas de desemprego é um argumento da direita (e do actual ministro das Finanças...) que aliás é usado em toda e qualquer circunstância. Mas isso não quer dizer que os críticos da direita não tenham razão no actual contexto nacional (até um relógio parado...), e há indícios fortes de que assim é.
A este respeito não posso deixar de notar que a força política que apoiei nestas últimas eleições legislativas (e que continuo a apoiar) fez estes mesmos dois compromissos no seu programa eleitoral. Isto significa que, mesmo que discorde destas opções, não as considero de enorme gravidade (orgulho-me até bastante do nosso programa eleitoral).

No que diz respeito à minha opinião sobre a actuação deste Governo, importa também ler o texto sobre aquilo que apreciei na actuação do Governo.

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Esquerda e Europeísmo - IV

No texto anterior defendi que a forma da população recolher os benefícios da pertença a um mercado comum sem pagar o preço usual de aumento galopante das desigualdades é lutar por alargar o espaço da Democracia ao espaço desse mercado.
No caso concreto dos portugueses e europeus a resposta é clara: lutar por suprir o défice democrático da UE, fazendo da União Europeia um exemplo para o mundo. No que diz respeito ao comércio fora da UE, justifica-se uma política comum relativa às taxas aduaneiras que promova um comércio justo e sustentável.

Mas existem outras vantagens muito importantes neste processo, por oposição ao recuo ao estado-nação que o Daniel Oliveira e outros propõem. Existem três importantíssima razões acrescidas para lutar pela democratização da União Europeia, por oposição a um presumível abandono ou à manutenção do status quo.

A primeira vantagem tem a ver com a Paz, e falei sobre esse assunto em maior detalhe neste texto. Não é uma coincidência inesperada que a paz sem precedentes que se vive em grande parte do continente europeu aconteça precisamente no espaço geográfico e temporal da União Europeia. Quem viveu toda a sua vida em Paz tende a dá-la por garantida, mas um pouco de perspectiva histórica mostra os erros gravíssimos a que essa percepção equivocada nos pode conduzir.

A segunda vantagem tem a ver com o meio ambiente e a luta contra as alterações climáticas. Um conjunto desagregado de países tenderá, pelo processo da «tragédia dos comuns», a fazer muito menos que o adequado para combater as alterações climáticas e enfrentar outro tipo de desafios ambientais comuns. Portugal pode abandonar os mercados comuns, mas nunca poderá abandonar a «atmosfera comum» ou o «planeta comum». Na verdade, quanto mais agregados forem os blocos políticos, mais fácil (ou melhor dizendo, menos impossível) é a humanidade estar à altura dos desafios ambientais.
A razão é aquela que foi explicada no primeiro texto desta série: estamos perante um dilema do prisioneiro onde a acção concertada é a única saída. No caso dos problemas ambientais, abandonar o jogo não é uma opção. Se queremos proteger o clima, democratizar a UE é uma necessidade.

A terceira vantagem tem a ver com a força negocial face a multinacionais e paraísos fiscais. Quanto mais desagregados estiverem os estados, mais difícil será imporem condições e enfrentarem o poder das multi-nacionais.
Por outro lado, a importância económica dos paraísos fiscais cresce de ano para ano. Se os actuais blocos políticos dominantes com enormes défices democráticos (a UE e os EUA) não têm conseguido combater este flagelo - com tudo o que isso implica de injustiça e erosão do estado social - muito menos o conseguiriam estados isolados de muito menor dimensão.
Se o espaço de circulação do capital aumentou significativamente, o espaço de exercício da Democracia tem de acompanhar o passo.

Sem uma verdadeira democratização dos mercados comuns a Humanidade não conseguirá estar à altura dos desafios ambientais e sociais que se apresentam. 

quarta-feira, 13 de abril de 2016

Como meio mundo anda a roubar o outro meio

É o nome deste vídeo do Expresso:

«Imagine um empresário, um banqueiro, um advogado e um amigo. E veja como o dinheiro de vários negócios lícitos e subornos ilícitos entra e sai do circuito legal. Mesmo em Portugal. Os Panama Papers estão a denunciar práticas globais de ocultação de dinheiro e património, numa investigação jornalística internacional de que o Expresso é parceiro. Numa versão alargada do 2:59, o programa de jornalismo de dados do Expresso, veja como os dinheiros entram e saem do circuito legal»

O vídeo foca-se num aspecto dos paraísos fiscais: a privacidade que garantem - essencial para quem obteve receitas com origem criminosa. No entanto, para explicar a frase do título, que também é a conclusão final do mesmo, é preciso lembrar a função bem mais prosaica dos paraísos fiscais: permitir fugir aos impostos de forma perfeitamente "legal". É principalmente este o combustível que tem garantido aos paraísos fiscais um crescimento muito acelerado até ao ponto em que correspondem a cerca de um terço da riqueza mundial.

De qualquer forma, gostei bastante da forma como este vídeo alertou para o papel dos RERT como parte integrante e essencial no processo de lavagem de dinheiro ou utilização geral dos paraísos fiscais para efeitos de fuga fiscal.
Mariana Mortágua também fala sobre os RERT neste vídeo da sua intervenção, de forma bem assertiva e certeira. Começa por falar sobre o «pseudo-paraíso fiscal» que existe na Madeira, e depois aborda os problemas dos paraísos fiscais de forma mais abrangente, e conclui falando nalguns primeiros passos que devem ser dados para não agravar este problema. São seis minutos que merecem ser vistos do início ao fim:


Post também publicado no Espaço Àgora.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Austeridade: um erro crasso

No passado dia 9 de Maio, o Banco de Portugal organizou uma conferência intitulada «Growth and Reform in Europe in the Wake of Economic Crisis».

A apresentação de Paul De Grauwe relembrou aquilo que já é claro para quase todos os que estão por dentro do assunto: a resposta da Europa (em particular dos países da zona euro) à crise foi patética*, absurda, monstruosa nas suas consequências. Os países europeus fora da zona euro, os EUA, e outros países ricos e desenvolvidos afectados por esta crise tiveram respostas muito mais adequadas.

A razão: a "austeridade" à escala europeia. Criou um problema de procura agregada, que levou a um "ciclo vicioso": como os estados gastaram menos e cobraram mais impostos, os rendimentos das pessoas diminuíram, o que por sua vez afastou investimento, diminuindo ainda mais a procura, e ainda mais os rendimentos, e por aí fora.

Os adeptos da austeridade à escala europeia interpretaram os problemas como sendo problemas do lado da oferta, e a crise como uma oportunidade para fazer "reformas estruturais" que supostamente aumentariam as perspectivas de crescimento de longo prazo. Paul De Grauwe mostrou que não é razoável afirmar que as "reformas estruturais" tiveram esse efeito, mas que a política "austeritária" como um todo (diminuição da procura agregada e "reformas estruturais") teve o efeito oposto, de agravar as perspectivas de crescimento.

Claro que hoje, à excepção de um extremista ou outro, já todos aqueles mais versados em economia compreendem que a austeridade à escala europeia foi um erro crasso. O problema é que politicamente se torna muito inconveniente admitir certos erros. Nesse sentido, vai-se tentado mudar de política sem que se note, o que implica manter uma grande parte das políticas erradas (e que se sabe serem erradas), só para não perder a face. É isto que Merkel está a fazer.

Muitos respondem a estas evidências alegando que a austeridade à escala europeia foi muito má, mas que era inevitável. Isso é completamente falso. Nos EUA fez-se o contrário daquilo que se fez na Europa (só agora se começa a fazer, timidamente e tarde): um programa de estímulo, que a direita muito combateu. Quando comparamos os resultados, as conclusões são muito claras.


terça-feira, 24 de março de 2015

Miguel Sousa Tavares e a "Lista VIP"

As inenarráveis posições de Miguel Sousa Tavares defendendo a existência de uma "lista VIP" de contribuintes têm qualquer coisa de monárquico. O senhor acha mesmo que o estatuto de comentador que conquistou (e nisso não lhe tiro o mérito) atrai mais a atenção e a curiosidade sobre si (até aí é verdade). Mas acha que isto basta para justificar uma lei especial para pessoas como ele (e ainda tem o desplante de afirmar que é "para garantir a igualdade"). Quem definiria quem teria ou não direito a constar nessa tal lista não é coisa que o preocupe: a fidalguia sempre acha que a sua condição é natural e inquestionável.
E eis que, no comentário seguinte no Jornal da Noite da SIC, o mesmo Miguel Sousa Tavares se refere por várias vezes ao "engenheiro Henrique Neto". Tanto quanto eu sei (e li na entrevista que estrategicamente deu ao "i" há umas semanas atrás), Henrique Neto nunca se licenciou e sempre fez questão de o afirmar. Dizia eu: tudo isto me parece bastante monárquico.

domingo, 8 de março de 2015

A Troika e a salvação dos Bancos

A ideia de que o objectivo da Troika tinha sido «salvar os Bancos» era, até recentemente uma ideia algo radical/heterodoxa.
O PCP e o BE bem podiam dizê-lo e repeti-lo, mas muitos atribuíam tal perspectiva ao seu radicalismo/marxismo.

No ano passado, outras vozes, algumas insuspeitas começaram também a dar voz a esta ideia, com particular destaque para Philippe Legrain, que foi conselheiro económico independente de Durão Barroso.





Este ano, esta perspectiva parece ter deixado de ser um tabu. O presidente do Parlamento Europeu (do grupo parlamentar S&D), bem como o director do FMI, defendem abertamente a mesma ideia.














Esta mudança é um bom sinal. Apesar de uma certa cegueira colectiva inicial, os indícios e provas foram-se acumulando de tal forma que alguns representantes de instituições-chave já preferem admitir os factos.

Suponho, talvez com algum optimismo, que esta tendência se vai manter. 

domingo, 8 de fevereiro de 2015

O carácter de Pedro Passos Coelho

Recentemente discuti com um amigo meu se o Pedro Passos Coelho é um extremista alucinado com boas intenções (como o seu ex-ministro Vítor Gaspar), ou um indivíduo sem qualquer réstia de escrúpulos ou integridade (como o seu ex-ministro Miguel Relvas), disposto a sacrificar os seus concidadãos no altar da sua ambição pessoal, em nome da sua mesquinha vaidade.

Quem me conhece, sabe que acredito na segunda hipótese.
Por muito que queira combater e considere perigosas as ideias e convicções de Vítor Gaspar, que tanto mal fizeram a este país, é-me fácil ter algum respeito pelo indivíduo.
Não era um indivíduo estúpido (longe disso, pelo que percebi), estava a fazer o melhor que podia e sabia, e qualquer um de nós deve temer estar tão equivocado a respeito da realidade como ele estava.
Mas Pedro Passos Coelho é outra loiça.

I
Ainda muito antes de chegar ao poder já estava envolvido em situações duvidosas com o seu companheiro Miguel Relvas (que, anos mais tarde, tentou manter no governo tanto tempo quanto foi possível).
Desde o que se passou na Tecnoforma, e as respectivas "despesas de representação" não declaradas, até um sem número de cargos de administração que surgem sem currículo que o justifique, entre muitos outros episódios, a verdade é que estamos a falar de um indivíduo cujo passado não inspira confiança.

II
Depois, veja-se o próprio episódio que leva Pedro Passos Coelho ao poder.
O líder do PSD dizia acreditar que a dívida deveria ser paga integralmente, e que portanto seria necessária "austeridade". Se assim fosse, o interesse nacional seria aprovar o PEC IV - uma estratégia de "austeridade leve" - que não criaria uma crise política em cima de uma crise financeira, sem disparar os juros e colocar em causa a solvabilidade do país.
Note-se que eu não estou a defender o PEC IV, ou a criticar quem votou contra o PEC IV. Quem rejeita a estratégia austeritária tinha excelentes razões para votar contra esta via. Mas se Pedro Passos Coelho defendia o pagamento integral da dívida, certamente não iria preferir pagar juros mais altos a troco de nada que não a perda de soberania nacional... e por isso mesmo soube-se que ele iria aprovar o PEC IV.
Mas Marco António Costa disse "ou há eleições no país ou há eleições no PSD". E entre o interesse nacional e a sua ambição pessoal, Passos Coelho não hesitou.
Até o seu correlegionário Durão Barroso teve de reconhecer o prejuízo para o país que adveio da escolha de Passos Coelho.

Mas lembram-se de quando eu disse que única razão aceitável para ser contra o PEC IV seria a de ser contra a austeridade? Aparentemente Passos Coelho concordou comigo, porque teve a distinta lata de comunicar ao país que chumbava o PEC IV porque "chega de sacrifícios!".

Afinal, quem quer a todo o custo aplacar os mercados deve acreditar nos seus critérios, e as extraordinárias subidas de juros após a telenovela criada por Passos Coelho mostram que sua opção teve custos inequívocos e trágicos para Portugal.




III
Se foi em nome do "fim dos sacrifícios" que Pedro Passos Coelho chumbou o PEC IV, esse foi também o mote da sua campanha eleitoral. 
Este indivíduo "governou" durante cerca de três anos a dizer-nos que vivemos acima das nossas possibilidades e que são necessários mais sacrifícios, mas passou uma campanha eleitoral inteira a chorar pelos pobres portugueses demasiado sacrificados.



Nenhuma pessoa com um pingo de pudor e integridade teria aceitado governar como governou após uma campanha destas, ou fazer uma campanha destas acreditando no que disse acreditar ao longo dos últimos três anos.
Para ver este vídeo é preciso ter estômago, e estar preparado para sentir uma aversão à pessoa do nosso primeiro ministro que em muito ultrapassa qualquer divergência ideológica.


IV
A "governação" começou logo com a grande cambalhota discursiva. Passos Coelho começou de imediato a afirmar que os sacrifícios em vez de excessivos eram insuficientes, entre outras supostas "mudanças de perspectiva" (por exemplo: o TGV, que era supostamente uma obra decisiva para o nosso desenvolvimento, quando o que importava era atacar Manuela Ferreira Leite).
Mas o pior nem foi o discurso - foi a acção. Ao longo de um ano fiz uma compilação de fortes indícios (ou provas) de despesismo e corrupção durante a "governação" de Pedro Passos Coelho. Os exemplos eram tantos e tão frequentes que acabei por não encontrar tempo e disponibilidade para continuar este esforço. Alguns destes pontos, sendo da responsabilidade política do primeiro ministro, certamente não serão sua responsabilidade pessoal. 
No entanto, existem vários que nos dizem bastante sobre o carácter e (falta de) integridade de Pedro Passos Coelho, dos quais destaco esta promessa feita a Carlos Pinto, de acordo com o que a Visão nos relata. 


V
No fim, para compor o ramalhete, não posso deixar de falar na atitude "colaboracionista" do actual "governo".
Poder-me-ão responder que esta postura não demonstra a falta de escrúpulos dos actores envolvidos, que ele acreditam que uma atitude não confrontacional (servil) para com os alemães é aquilo que melhor serve o país, e eu terei de concordar que isso é possível.
Aliás, ainda acima digo que Vítor Gaspar - tanto quanto sei - é um indivíduo honesto, e ele próprio defendeu e executou esta estratégia de apaziguamento, levando-a ao extremo.
No entanto, os desenvolvimentos recentes permitem distinguir entre quem defende a estratégia de apaziguamento por acreditar genuinamente na sua incapacidade negocial para defender melhor os nossos interesses de outra forma, e quem o faz por considerar a sua sobrevivência política muito mais importante que o futuro do país.
Falo, claro, da vitória do Syriza e das implicações que traz para Portugal. Um governo que defendesse os nossos interesses (por anti-imperialismo à esquerda, ou patriotismo à direita) estaria hoje a apoiar as pretensões da Grécia, pois elas representam um enorme potencial ganho para Portugal.
Agora que receberam o inesperado apoio de Obama a Hollande, Portugal poderia aproveitar a ocasião para ganhar recursos e fazer poupanças, desperdiçando uma menor fatia do erário público em juros.
Claro que isso implicaria (indirectamente) reconhecer o falhanço da estratégia apaziguadora, mas um governante íntegro que a tivesse conduzido com as melhores intenções preferiria que a sua asneira se tornasse clara do que prejudicar os nossos interesses desta maneira.
Em vez disso, esta gente opta por tratar os seus eleitores como estultos, e falar-lhes nas ninharias que Portugal pode perder se a Grécia não pagar tudo, esperando que ninguém tenha capacidade mental para perceber que o país ganhará várias dezenas de vezes mais do que aquilo que possa perder, caso um cenário desse tipo tenha lugar.

domingo, 1 de fevereiro de 2015

Carta Aberta de Alexis Tsipras aos Leitores do Handelsblatt

Lida aqui:

«A maior parte de vós, caros leitores do Handelsblatt, terá já uma ideia preconcebida acerca do tema deste artigo, mesmo antes da leitura. Rogo que não cedais a preconceitos. O preconceito nunca foi bom conselheiro, principalmente durante períodos em que uma crise económica reforça estereótipos e gera fanatismo, nacionalismos e até violência.

Em 2010, a Grécia deixou de conseguir pagar os juros da sua dívida. Infelizmente, as autoridades europeias decidiram fingir que o problema poderia ser ultrapassado através do maior empréstimo de sempre, sob condição de austeridade orçamental, que iria, com uma precisão matemática, diminuir drasticamente o rendimento nacional, que serve para pagar empréstimos novos e antigos. Um problema de insolvência foi tratado como se fosse um problema de falta de liquidez.
Dito de outro modo, a Europa adoptou a táctica dos banqueiros com pior reputação, que não reconhecem maus empréstimos, preferindo conceder novos empréstimos à entidade insolvente, tentando fingir que o empréstimo original está a obter bons resultados, adiando a bancarrota. Bastava bom senso para se perceber que a adopção da táctica “adiar e fingir” levaria o meu país a uma situação trágica. Em vez da estabilização da Grécia, a Europa estava a criar as condições para uma crise auto-sustentada que põe em causa as fundações da própria Europa.

O meu partido e eu próprio discordamos veementemente do acordo de Maio de 2010 sobre o empréstimo, não por vós, cidadãos alemães, nos terdes dado pouco dinheiro, mas por nos terdes dado dinheiro em demasia, muito mais do que devíeis ter dado e do que o nosso governo devia ter aceitado, muito mais do que aquilo a que tinha direito. Dinheiro que não iria, fosse como fosse, nem ajudar o povo grego (pois estava a ser atirado para o buraco negro de uma dívida insustentável), nem sequer evitar o drástico aumento da dívida do governo grego, às custas dos contribuintes gregos e alemães.

Efectivamente, passado menos de um ano, a partir de 2011, as nossas previsões confirmaram-se. A combinação de novos empréstimos gigantescos e rigorosos cortes na despesa governamental diminuíram drasticamente os rendimentos e, não só não conseguiram conter a dívida, como também castigaram os cidadãos mais frágeis, transformando pessoas que, até então, haviam tido uma vida comedida e modesta em pobres e mendigos, negando-lhes, acima de tudo, a dignidade. O colapso nos rendimentos conduziu milhares de empresas à falência, dando um impulso ao poder oligopolista das grandes empresas sobreviventes. Assim, os preços têm caído, mas mais lentamente do que ordenados e salários, reduzindo a procura global de bens e serviços e esmagando rendimentos nominais, enquanto as dívidas continuam a sua ascensão inexorável. Neste contexto, o défice de esperança acelerou de forma descontrolada e, antes que déssemos por ela, o “ovo da serpente” chocou  – consequentemente, os neo-nazis começaram a patrulhar a vizinhança, disseminando a sua mensagem de ódio.

A lógica “adiar e fingir” continua a ser aplicada, apesar do seu evidente fracasso. O segundo “resgate” grego, executado na Primavera de 2012, sobrecarregou com um novo empréstimo os frágeis ombros dos contribuintes gregos, acrescentou uma margem de avaliação aos nossos fundos de segurança social e financiou uma nova cleptocracia implacável.

Recentemente, comentadores respeitados têm mencionado a estabilização da Grécia e até sinais de crescimento. Infelizmente, a ‘recuperação grega’ é tão-somente uma miragem que devemos ignorar o mais rapidamente possível. O recente e modesto aumento do PIB real, ao ritmo de 0,7%, não indica (como tem sido aventado) o fim da recessão, mas a sua continuação. Pensai nisto: as mesmas fontes oficiais comunicam, para o mesmo trimestre, uma taxa de inflação de -1,80%, i.e., deflação. Isto significa que o aumento de 0,7% do PIB real se deveu a uma taxa de crescimento negativo do PIB nominal! Dito de outro modo, aquilo que aconteceu foi uma redução mais rápida dos preços do que do rendimento nacional nominal. Não é exactamente motivo para anunciar o fim de seis anos de recessão!

Permiti-me dizer-vos que esta lamentável tentativa de apresentar uma nova versão das “estatísticas gregas”, para declarar que a crise grega acabou, é um insulto a todos os europeus que, há muito, merecem conhecer a verdade sobre a Grécia e sobre a Europa. Com toda a frontalidade: actualmente, a dívida grega é insustentável e os juros não conseguirão ser pagos, principalmente enquanto a Grécia continua a ser sujeita a um contínuo afogamento simulado orçamental. A insistência nestas políticas de beco sem saída, e em negação relativamente a simples operações aritméticas, é muito onerosa para o contribuinte alemão e, simultaneamente, condena uma orgulhosa nação europeia a indignidade permanente. Pior ainda: desta forma, em breve, os alemães virar-se-ão contra os gregos, os gregos contra os alemães e, obviamente, o ideal europeu sofrerá perdas catastróficas.

Quanto a uma vitória do SYRIZA, a Alemanha e, em particular, os diligentes trabalhadores alemães nada têm a temer. A nossa tarefa não é a de criar conflitos com os nossos parceiros. Nem sequer a de assegurar maiores empréstimos ou, o equivalente, o direito a défices mais elevados. Pelo contrário, o nosso objectivo é conseguir a estabilização do país, orçamentos equilibrados e, evidentemente, o fim do grande aperto dos contribuintes gregos mais frágeis, no contexto de um acordo de empréstimo pura e simplesmente inexequível. Estamos empenhados em acabar com a lógica “adiar e fingir”, não contra os cidadãos alemães, mas pretendendo vantagens mútuas para todos os europeus.

Caros leitores, percebo que, subjacente à vossa “exigência” de que o nosso governo honre todas as suas “obrigações contratuais” se esconda o medo de que, se nos derem espaço para respirar, iremos regressar aos nossos maus e velhos hábitos. Compreendo essa ansiedade. Contudo, devo dizer-vos que não foi o SYRIZA que incubou a cleptocracia que hoje finge lutar por ‘reformas’, desde que estas ‘reformas’ não afectem os seus privilégios ilicitamente obtidos. Estamos dispostos a introduzir reformas importantes e, para tal, procuramos um mandato do povo grego e, claro, a cooperação dos nossos parceiros europeus, para podermos executá-las.

A nossa tarefa é a de obter um New Deal europeu, através do qual o nosso povo possa respirar, criar e viver com dignidade.

No dia 25 de Janeiro, estará a nascer na Grécia uma grande oportunidade para a Europa. Uma oportunidade que a Europa não poderá dar-se ao luxo de perder.»

sábado, 29 de novembro de 2014

Joseph Stiglitz defende reestruturação profunda.

Já era para ter publicado em Março uma chamada de atenção para esta notícia.
O fim do governo de Pedro Passos Coelho poderá ser uma oportunidade muito importante para tomar as medidas fundamentais que se exigem. Não podemos perder mais oportunidades.

terça-feira, 18 de novembro de 2014

A proposta de Piketty

Acabei de ler recentemente «O Capital no séc XXI», livro que recomendo vivamente. A proposta do livro é ambiciosa: explicar as dinâmicas subjacentes à acumulação e distribuição de capital, a evolução de longo-prazo da desigualdade, a concentração da riqueza e o crescimento económico.
Estes debates têm estado no coração do debate político, mas os contributos da ciência económica foram até recentemente escassos (às vezes erróneos) por falta de dados históricos suficientes, ferramentas estatísticas para os analisar, e uma teoria com eles compatível.

É isto que o trabalho de Thomas Piketty vem mudar: à convicção mais ou menos assumida entre os economistas de que proporção do PIB para o factor trabalho (1 menos alfa) é aproximadamente constante no longo prazo, Piketty revela dados empíricos que mostram alterações profundas neste valor. Nas décadas que se seguiram às guerras mundiais, os países desenvolvidos viram as desigualdades diminuir ou estabilizar, e a aparente compatibilidade entre a economia de mercado e essa evolução da distribuição da riqueza levou a teoria económica - que tanto se desenvolveu nesses anos - a explicar tal compatibilidade, sem que existisse a perspectiva histórica para compreender que esses anos eram a excepção e não a regra. Thomas Piketty não só apresenta os dados que demonstram o carácter excepcional da evolução da distribuição da riqueza durante esses anos, como também desenvolve uma teoria que explica perfeitamente porque é que assim foi, e porque que é que esses anos foram a excepção e não a regra.
Efectivamente a economia de mercado conduziu a sociedades tão desiguais e tão pouco meritocráticas como as que a Europa já conheceu durante os séculos XVIII, XIX e início do século XX. Não admira, portanto, que nos países desenvolvidos as desigualdades estejam a aumentar, a mobilidade social a diminuir, e os "empreendedores" se vão transformando gradualmente em "rentistas". A teoria explica-o, os dados empíricos comprovam-no.

O livro não precisaria das cerca de 700 páginas para expor os dados e a teoria que os explica. Poucas dezenas seriam suficientes. Mas sendo a tese tão inovadora, e algo inconveniente, existe uma preocupação de que a mesma seja inatacável. Piketty faz um grande esforço para explicar cada passo, cada assumpção, e a antecipar cada crítica.
Na realidade, todas as vezes que li uma crítica ao livro de Piketty, tenho vontade de recomendar a leitura desta ou daquela página onde essa crítica foi antecipada e magistralmente refutada. Por exemplo, muitos alegam que Piketty falha ao não identificar como a criação de riqueza é hoje muito mais meritocrática do que era durante o século XIX, e até mencionam a lista Forbes e a quantidade de empreendedores que lá se encontram. Parecem não ter lido essa mesma observação no próprio livro, e até dados bem mais relevantes no mesmo sentido, e sem tantas debilidades metodológicas. Piketty não afirma que vivemos actualmente num mundo menos meritocrático que o passado vitoriano (dedica capítulos inteiros a afirmar e explicar o oposto), mas sim que ele se está a tornar mais desigual e menos meritocrático de dia para dia.

O livro termina com uma proposta política. Na realidade, ele dividido em quatro partes, três delas do foro científico, e a última do foro político. A solidez científica das teses apresentadas é tal que o livro acaba por merecer os mais inesperados elogios: desde a Economist, a Vítor Gaspar, e toda a sorte de economistas ligados à direita, muitos são unânimes: o contributo científico do trabalho de Piketty é louvável, mas as suas propostas políticas seriam contra-producentes.

Se o diagnóstico não estivesse tão bem fundamentado, certamente todos o recusariam. Não sendo o caso, muitos preferem aceitar o diagnóstico, desde que não se procure qualquer forma de tratamento. Ou às vezes dizem-se umas palavras bonitas sobre a magia da globalização e sobre como tudo correrá bem, ao arrepio daquilo que o livro demonstra com clareza.

Para mim, pelo contrário, a proposta de Piketty pareceu-me tão interessante como o resto do livro. As vantagens do imposto sobre o património (muito reduzido e progressivo) proposto por Piketty vão muito além do contributo para impedir as desigualdades extremas a que a economia de mercado pode conduzir (os impostos sobre o rendimento, mesmo progressivos, parecem atrasar a dinâmica descrita, mas não estancá-la): eles também promovem o empreendedorismo face ao "rentismo".

Estou convencido que esta pode ser a ferramenta mais importante para combater as desigualdades no século XXI: pela sua elegância e simplicidade, pela sua eficácia, pelos menores efeitos perniciosos que qualquer alternativa comparável, e pelo respeito intelectual que inspira mesmo nos seus detractores mais aguerridos, a proposta de Piketty pode realmente ser a pedra basilar de um programa progressista para o futuro. 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Os «fundos abutres» e a Argentina

A explicação dos recentes desenvolvimentos na Argentina relativos à última reestruturação:

sábado, 5 de julho de 2014

A quem é que o "resgate" ajudou?

Muitos já se deram conta da resposta, mas é sempre positivo que, para variar, os meios de comunicação social dêem voz a quem explica a situação sem rodeios.

Aproveito e recomendo esta entrevista, da qual destaco o seguinte:

«Essa é, até agora, a vossa principal conclusão?
O “resgate” errado, que apenas salvou os investidores estrangeiros, principalmente alemães, de perderem nos maus investimentos que fizeram, mina a confiança nas instituições democráticas dos países afectados. Os Governos e os Parlamentos desses países parecem ser apenas marionetas nas mãos de desconhecidos, e não eleitos, burocratas estrangeiros. E, ou, de investidores.

O que mais o surpreendeu na situação portuguesa?
O facto de terem tido - em proporção - a maior manifestação de todos os países em crise, mas que não teve qualquer impacto… Se, na Alemanha, 10% da população saísse à rua para protestar, o que significaria uma manifestação de 8 milhões de pessoas, nenhum Governo sobreviveria a isso intacto.

Os cidadãos alemães estão conscientes do que se passa nos países da periferia?
Infelizmente, não. De modo nenhum. A maioria dos alemães acredita realmente que o seu Governo está a “ajudar” os gregos e os portugueses com “dinheiro dos contribuintes”.»

sexta-feira, 27 de junho de 2014

Afinal teria sido melhor reestruturar a dívida de Portugal

E quem o diz é o FMI.

A evidência de que uma reestruturação teria sido a melhor opção para Portugal vai sendo cada vez mais persuasiva. A opção que há uns anos só recolhia o apoio da CDU e BE tornou-se mais tarde partilhada por personalidade de um largo espectro ideológico, passando por Mário Soares e chegando mesmo a Freitas do Amaral, Manuela Ferreira Leite, Bagão Félix. Hoje o próprio FMI reconhece o erro.

No entanto, mesmo quando era uma posição minoritária e impopular, nunca foi uma posição extremista. Pelo contrário, essa posição era uma posição ampla que captava todo o universo de posições intermédias entre as duas posições extremistas: a da CGTP, POUS (e agora MAS), de não pagar um cêntimo, e a do Governo de Pedro Passos Coelho, de não deixar de pagar um cêntimo.

A política que Portugal seguiu foi uma política extremista, apesar das aparências que a impopularidade das alternativas criava. Não creio, no entanto, que se tenha tratado de um erro inocente, de "cegueira ideológica" ou algo do tipo. Os mais poderosos e influentes, cá em Portugal e lá fora, ficaram muito beneficiados por este erro estratégico crasso.

Hoje os bancos alemães podem dormir descansados, que já não serão afectados por qualquer tipo de reestruturação. A dívida que detinham está hoje nas mãos da Troika ou da nossa Segurança Social. Podem agradecer a Pedro Passos Coelho e ao XIX Governo (in?)Constitucional de Portugal. 

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A Dívida, de novo



A propósito desta notícia, vale a pena relembrar alguns excelentes textos que foram sendo escritos sobre a dívida, quer neste blogue, quer noutros blogues.

O sector financeiro tem tido muito sucesso na forma como tenta influenciar o debate público a seu favor, mas a verdade é como azeite... Um dia a ignomínia das actuais políticas será tão reconhecida e consensual como hoje é evidente injustiça da prisão de Mandela (apenas uma minoria de extremistas se recusam a reconhecê-lo). 

terça-feira, 18 de junho de 2013

Professores a mais? Aumentem-se os horários!

Muitas das reacções à contestação dos professores passam pela constatação de que o número de alunos tem diminuído nas últimas décadas, e o número de professores aumentado. Existiria um excesso de alunos, que os professores não reconhecem, e que o Estado não pode pagar. Assim, o Governo teria toda a razão nesta disputa.

É verdade que o número de alunos tem diminuído, mas essa observação será enganadora para aferir a necessidade de professores se ignorar os sucessivos aumentos na escolaridade obrigatória que resultam numa maior necessidade de docentes. E é precisamente por isso - porque com mais escolaridade obrigatória são necessários mais professores - que os docentes têm continuado a ser contratados.

Mas o que é realmente absurdo é trazer esta observação para o debate público a propósito da tentativa de aumento da carga horária dos professores. Que bem é que faria ao ministério aumentar a carga horária dos seus trabalhadores, se os tivesse em excesso? Não procuraria ao invés negociar uma diminuição da carga horária (e respectivas contrapartidas)?
Um gestor que está disposto a lutar para aumentar os horários é um gestor que não se confronta com uma mão de obra em excesso. Isso seria lutar para agravar o seu problema: se já tinha mão de obra em excesso com os horários anteriores, o excesso será ainda superior com a nova carga horária.

A tendência de aumento dos alunos por turma ao longo dos últimos anos, a redução dos apoios pedagógicos, a redução das cargas horárias das disciplinas, são novamente incompatíveis com a ideia de que existem "professores a mais". Um ministro confrontado com professores "a mais" nunca iria proceder a uma série de medidas que pioram a qualidade do ensino mas libertam mão-de-obra para supostamente ficar de braços cruzados.

É verdade que vão existir professores em excesso. Muitos serão despedidos. Mas não é por causa das tendências demográficas. É porque, ao aumentar o número de alunos por turma, ao reduzir os apoios pedagógicos, ao reduzir a carga horárias das disciplinas, mas aumentar a dos professores, sacrifica-se a qualidade de ensino para diminuir a necessidade de professores.
Se essa mão de obra já estivesse em excesso, nada disso faria sentido.

Assim, o objectivo é fazer uma poupança que sairá muito cara ao país. 

sábado, 16 de março de 2013

A promessa de Passos Coelho e outros episódios

O relatório de avaliação do Grupo de Estados contra a Corrupção (GRECO) do Conselho da Europa mostra que o combate à corrupção em Portugal continua "sem progressos".

O contrário é que seria surpreendente, como a lista de despesismo e corrupção que tenho vindo a actualizar tem tornado claro. E novos episódios não param de surgir. Tomemos o caso da promessa de Passos Coelho, que a Visão relata em detalhe, e que merece ser lido com bastante atenção. Não resisto a citar:

«O problema é que poucos são os que conseguem explicar a necessidade desta obra pública, com um custo previsto de 30 milhões de euros, que há mais de dez anos levanta polémicas kafkianas à administração pública do País. Contra a sua edificação há uma lista enorme de entidades: 13 municípios vizinhos da Covilhã, pareceres das autoridades ambientais, as Ordens dos Arquitetos e Arquitetos Paisagistas, as associações ambientalistas. O próprio Governo de Passos Coelho concluiu, em novembro passado, pela "não existência de fundamentos respeitantes à necessidade de construção desta infraestrutura para resolver problemas de qualidade da água" (parecer de uma equipa multidisciplinar designada pelo Ministério da Agricultura e Ambiente para avaliar a situação).

[... A] infraestrutura, que custa 30 milhões, endivida ainda mais o concelho (que já é devedor de mais de 80 milhões de euros), contraria o Plano Diretor Municipal (que prevê a construção da barragem noutra localização), inunda uma zona protegida (Parque Natural da Serra da Estrela, Reserva Ecológica Nacional), e destrói um conjunto patrimonial considerado único por vários especialistas em arquitetura e paisagismo (de Siza Vieira ao Centro Nacional de Cultura).»

Mas não posso deixar de acrescentar que só conhecendo os restantes detalhes da notícia se pode ter uma noção completa de quão pertinente para esta lista é este episódio.

Também me parece pertinente mencionar a decisão de Relvas e Franquelim transferirem empresas para nome das filhas. A mesma fonte também relata, noutra notícia, que a ESPAP «surgiu no âmbito do Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC), que previa poupanças de 100 milhões de euros com a reestruturação dos organismos do Estado. Contudo, a poupança foi quase nula no caso da ESPAP, que agregou a Empresa de Gestão Partilhada dos Recursos da Administração Pública (GERAP), a Agência Nacional de Compras Públicas (ANCP) e o Instituto de Informática do Ministério das Finanças (IIMF)». A isto não terá sido alheio o aumento de 25% dos vencimentos dos dirigentes.