sábado, 28 de maio de 2022

Peso dos salários no PIB, esquerda e direita

Uma das métricas mais importantes (e simples de medir) para aferir se as políticas económicas são de esquerda, direita ou de centro é a evolução do rácio entre os salários e o PIB: políticas de esquerda tenderão a aumentar o rácio; políticas de centro tenderão a manter o rácio e políticas de direita tenderão a reduzi-lo. 

Nas últimas décadas este rácio tem descido na generalidade dos países, e em particular na OCDE e em Portugal:



(A primeira imagem corresponde a cálculos meus feitos a partir da Penn World Table, enquanto a segunda imagem corresponde a cálculos de Paulo Coimbra e João Rodrigues publicados na edição portuguesa do Le Monde Diplomatique)   


Os economistas têm discutido as causas desta alteração substancial. Será que o problema está no mercado dos produtos, onde se tem verificado um aumento da concentração e uma subida das margens de lucro; ou será que está no mercado do trabalho onde o mesmo aumento da concentração das empresas e redução do poder dos sindicatos levou a aproximar o panorama do caso extremo do monopsónio? Têm sido apresentadas respostas diversas, mas sempre reconhecendo que o panorama da estagnação salarial é real, e não coincide com a evolução da produtividade. A produtividade aumenta, os salários não. 


Em Portugal, assinalei com dois traços verticais o período em que esteve no poder a "geringonça". Foi um período aparentemente apreciado pelos portugueses, que deram aos partidos que a compuseram a votação mais elevada que já tinham atingido em conjunto. Embora não pareça ter ocorrido nenhuma política radical e disruptiva que nos fique na memória, foi palco de uma subida rápida e sustentada no peso dos salários no PIB. 



Infelizmente, e dando razão a quem diz que o PS não é um partido de esquerda (muito embora seus militantes o sejam), assim que terminou a "geringonça", a tendência de descida do peso dos salários no PIB voltou ao que era.

E para 2022 prevê-se uma descida maior e mais rápida que qualquer das outras representadas no gráfico. Seria necessário um aumento dos salário nominais na casa dos 8-10% para não se verificar uma descida do peso dos salários, dado aumento da produtividade e o valor da inflação. O governo não controla os segundos, mas tem algum controlo e influência sobre o primeiro, e até um moderado como Paulo Trigo Pereira considera que as opções do governo estão aquém daquilo que poderia fazer para defender o interesse de quem vive do seu trabalho.