tag:blogger.com,1999:blog-113341502024-03-13T17:20:27.005+00:00Esquerda Republicana«<em>entre le fort et le faible, entre le riche et le pauvre, entre le maître et le serviteur, c’est la liberté qui opprime, et la loi qui affranchit.</em>»
<br>(Lacordaire)Ricardo Alveshttp://www.blogger.com/profile/03801903003049105480noreply@blogger.comBlogger5368125tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-36208470921524055802023-08-12T19:54:00.004+01:002023-08-12T19:54:56.240+01:00Sim à Laicidade, não à Concordata<p>Portugal assiste por estes dias a um evento católico assumidamente promovido pelo Governo da República e por muitas autarquias. Uma grande parte dos cidadãos critica o apoio financeiro do Estado e a submissão simbólica da República à Igreja organizadora, mas não a realização do evento (que decorre da liberdade religiosa). A <a href="https://www.publico.pt/jornada-mundial-juventude">jornada da juventude católica</a>, um acontecimento pontual, permite lançar um olhar para formas mais sistemáticas de favorecimento.
<p>A Laicidade existe para nos proteger da ditadura da maioria, inclusivamente em liberdades tão fundamentais como as de consciência, expressão e circulação, mas nem é certo que a maioria hoje concorde com a promoção estatal deste evento ou com outras excepcionalidades católicas. O catolicismo foi, no passado, a religião oficial do Estado português, imposta sem piedade. Não espanta portanto o automatismo com que 78% dos residentes se identificam como "católicos" ao censo. Mas deve reflectir-se em como o comportamento social é radicalmente incongruente: 60% das crianças nascem fora do casamento, 70% dos casamentos são civis e existem 60 divórcios por cada 100 casamentos (metade dos quais de casamentos religiosos).
<p>No caso concreto da jornada da juventude católica, uma sondagem concluiu que 48% dos respondentes consideram que o apoio financeiro deveria ter sido menor, enquanto só 6% defendem que fosse maior e 42% concordam com o apoio dado. Existe portanto uma cada vez maior contradição entre a reverência institucional e o anacrónico favoritismo com que o poder político lida com a ICAR (Igreja Católica Apostólica Romana), e o comportamento social e a vontade política dos cidadãos.
<p>A indignação contra a promoção simbólica e financeira desta jornada pode orientar-se para mudar este estado de coisas. O privilégio estrutural da ICAR em Portugal tem desde 1940 um instrumento jurídico, actualizado em 2004: a Concordata. Estabelece um regime de excepção que, ao contrário de todas as outras comunidades religiosas, reconhece automaticamente a ordem interna dessa Igreja (o "Direito Canónico") por exemplo na criação, extinção e modificação de associações e fundações, compromete a República com a oferta de "Educação Moral e Religiosa Católica" em todas as escolas públicas com professores nomeados pela autoridade eclesiástica mas contratados e pagos pelo Estado, e garante a "afectação permanente", livre de encargos, para o culto católico de uma parte significativa do património monumental do Estado. Portanto, a Concordata não confere direitos: atribui privilégios.
<p>Um passo decisivo para afirmar a igualdade de tratamento das comunidades religiosas (e também dos cidadãos) será revogar a Concordata, <a href="https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=laicidade-sim">como pede a petição da Associação República e Laicidade</a> à Assembleia da República, e aplicar a Lei da Liberdade Religiosa à ICAR. Todos os direitos necessários ao livre exercício de qualquer religião estão garantidos pela Constituição de 1976, lei fundamental do Estado português que garante as liberdades de religião e de culto, assim como as liberdades de expressão e de reunião.
<p>Um outro passo necessário será suprimir o n.º5 do artigo 135 do Código Penal, que coloca o segredo religioso acima do sigilo das profissões laicas, e também revogar o artigo 5.º da Concordata, que estipula que os "eclesiásticos não podem ser perguntados pelos magistrados ou outras autoridades sobre factos e coisas de que tenham tido conhecimento por motivo do seu ministério".
<p>Finalmente, é claramente necessário discutir se a liberdade de consciência de cada um é realmente respeitada enquanto os impostos de todos os cidadãos financiam templos e cerimónias de uma qualquer confissão religiosa, seja a católica, a islâmica, a judaica ou a evangélica. Mais de um século depois, volta a compreender-se o sentido do artigo 4.º da Lei de Separação das Igrejas do Estado de 1911: "A República não reconhece, não sustenta, nem subsidia culto algum".
<p>(<a href="https://www.publico.pt/2023/08/03/opiniao/opiniao/sim-laicidade-nao-concordata-2059154"><i>Público</i>, 3 de Agosto de 2023</a>)Ricardo Alveshttp://www.blogger.com/profile/03801903003049105480noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-23379241258825251622023-07-29T12:34:00.004+01:002023-07-29T12:35:58.598+01:00Petição pela revogação da Concordata<p>A <a href="https://www.laicidade.org/peticao-pela-revogacao-da-concordata/">Associação República e Laicidade</a> lançou uma petição pela revogação da Concordata, que pode ser assinada aqui:
<ul>
<li><a href="https://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=laicidade-sim">Petição «Sim à Laicidade, não à Concordata»</a></li>
</ul>
<p><a href="https://www.tsf.pt/portugal/sociedade/republica-e-laicidade-critica-apoios-estatais-a-jmj-e-lanca-peticao-contra-concordata-16773437.html">Como reproduzido na TSF</a>:
<ul>
<li>«<i>O "favorecimento simbólico e financeiro da Igreja Católica toma formas pontuais", como a Jornada Mundial de Juventude (JMJ), que decorre de terça-feira a domingo, em Lisboa, e "formas mais sistemáticas, como a existência de 'Educação Moral e Religiosa Católica' na escola pública, a proteção do 'segredo eclesiástico' ou as isenções fiscais de que beneficiam as instituições católicas", lê-se num comunicado da associação.
A associação, que já tinha criticado os gastos com o altar-palco da jornada, alertou ainda que o "favorecimento sistemático de uma comunidade religiosa é incompatível com a Constituição de 1976, e a laicidade do Estado só será concretizada se se revogar a Concordata".
Só dessa forma se poderá "caminhar para a igualdade de tratamento entre comunidades religiosas e para a igualdade entre cidadãos de diferentes opções"</i>».
</ul>Ricardo Alveshttp://www.blogger.com/profile/03801903003049105480noreply@blogger.com8tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-56120543803843307412023-04-11T18:49:00.004+01:002023-04-11T19:40:41.762+01:00Se adormecemos no banho é porque a temperatura da água está boaNuma comunicação apresentada no Instituto "Mais Liberdade" e <a href="https://www.publico.pt/2023/03/19/politica/ensaio/metafora-duche-razoes-portugal-precisa-abrir-torneira-agua-fria-2%20042567" target="_blank">reproduzida na forma de ensaio no suplemento P2 do PÚBLICO</a> de 19 de Março, João Miguel Tavares estabelece uma metáfora entre o equilíbrio no confronto das forças e ideias políticas e a temperatura ideal da água para tomar banho. Embora o autor faça dessa metáfora quase um programa político, a mesma parece-me bastante simplista e redutora. Para esta conclusão, basta considerar alguns casos onde ela é aplicada referidos no mesmo artigo. <div>Com efeito, a temperatura com a qual se atinge o conforto térmico, salvo pequenas variações, é mais ou menos a mesma para todos os seres humanos. Pode haver pessoas mais e menos friorentas ou encaloradas, mas é seguramente muito mais fácil encontrar um consenso para a temperatura da água do banho do que para uma política a seguir. Não é preciso um grande conhecimento de canalização para regular a temperatura da água do banho: com torneiras e esquentador funcionais é um problema simples. Mas governar é tudo menos simples, e uma das razões para isso é a enorme disparidade de ideias e pontos de vista, não traduzíveis numa dicotomia simplista de água fria ou quente. (É curioso que o autor classifique como redutora a dicotomia esquerda-direita, para depois acabar por resumir o seu pensamento político a uma dicotomia bem mais redutora.) Genericamente, a "metáfora do duche" parece pretender defender as virtudes do compromisso político. Essas virtudes são bem reconhecidas, mas esse compromisso tem que se estabelecer com base em convergências e pontos de vista comuns. Esses pontos de vista nunca são universais. </div><div> A primeira falha da metáfora está neste ponto: Tavares pretende convencer-nos de que toda a gente deve partilhar a bondade das suas ideias, como se fosse a temperatura da água do banho (daí o título: Portugal precisa de abrir a água fria, como se fosse um facto). Para nos demonstrar essa bondade e que ele próprio é um "centrista moderado" que toma banho em água morna, Tavares manifesta a sua admiração por Obama e demarca-se do pior dos EUA, o capitalismo selvagem e a total ausência de um Estado Social ou, na sua metáfora, a água gelada. Para os EUA Tavares aceita, portanto, um duche de água quente. Pela mesma lógica da metáfora, o duche de água fria deveria destinar-se a países com a água muito quente. O curioso é que os exemplos do que seria água muito quente são muito genéricos: países "de constituição de matriz marxista". Na verdade, Tavares defende que em Portugal se abra a torneira da água fria, mas não julga que a temperatura da água do banho esteja muito alta! É o próprio autor que reconhece - e acusa - o governo e a esquerda que antes o apoiava de manterem o país "adormecido", ou seja, necessariamente em conforto térmico. Não que eu concorde com este diagnóstico, pelo menos no presente, mas o que me importa aqui sublinhar é que Tavares defende que baixemos a temperatura da água do nosso banho, não por esta estar excessivamente quente, mas por achar que devemos tomar banho em água mais fria, independentemente de vivermos numa casa com aquecimento central, numa casa sem conforto térmico ou de sermos sem-abrigo. Esta opinião do autor é democrática e legítima, mas é uma opinião. Querer disfarçá-la como moderada, "de centro" e de equilíbrio é que me parece enganador e errado. </div><div>A justificação para esta opinião é a habitual ("não há dinheiro"), mas mais uma vez disfarçada: "a esquerda é mais cara do que a direita". Leia-se: não há dinheiro para conforto térmico para todos; há quem, tendo aquecimento central em casa, não queira mais contribuir para o aquecimento geral da água do banho. A política do governo de Passos Coelho é descrita como tendo-se limitado a aplicar o memorando da troika e não podendo ter procedido de forma diferente (mesmo tendo em conta a miséria, o desemprego e a emigração em valores recorde): nas palavras de Tavares, tudo isso foi um "duche de água fria obrigatório", preferindo assim ignorar os aspetos desse duche que apesar de tudo não eram nada obrigatórios: nomeadamente as privatizações, muito além do previsto, e os cortes nos salários e nas pensões, que a troika exigiu que fossem temporários mas que Passos quis tornar permanentes. </div><div>Só estes exemplos bastariam para demonstrar que, ao contrário do que Tavares vem afirmando há mais de dez anos, as políticas do governo de Passos foram uma opção ideológica (de direita), e não uma inevitabilidade. Se João Miguel Tavares não consegue ver isto, é porque provavelmente para si não há opção às políticas de direita: tais políticas são sempre uma inevitabilidade. É por isso que classifica as suas propostas como centristas e moderadas, quando de centristas e moderadas não têm nada. Tenta apresentá-las como um duche de água fria quando na verdade pretende baixar definitivamente a temperatura, independentemente do conforto térmico dos portugueses. A metáfora "Portugal precisa de abrir a torneira de água fria" traduz-se de uma forma muito mais simples, menos enganadora, como "só sairemos desta situação empobrecendo". Onde é que já ouvimos isto?</div>Filipe Mourahttp://www.blogger.com/profile/02271995980543311487noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-31164061859201831412023-03-18T18:11:00.004+00:002023-03-18T18:11:37.722+00:00O Elefante no Meio da Sala<p>A revista "<a href="https://a-gralha.pt/">A Gralha</a>" publicou um artigo que escrevi chamado "<a href="https://a-gralha.pt/artigo.zul?id=39&titulo=O_Elefante_no_Meio_da_Sala">O Elefante no Meio da Sala</a>". Nele argumento que, no que concerne ao combate às alterações climáticas na Europa, não existe nenhuma questão tão importante como o abandono do <a href="https://energy-charter-dirty-secrets.org/pt/">Tratado da Carta da Energia</a> (TCE):</p><p>«O Tratado da Carta da Energia estabelece um sistema de justiça paralelo que coloca as empresas multinacionais numa situação de privilégio face às empresas nacionais em geral, mas também ameaça as finanças públicas, a economia e a <a href="https://a-gralha.pt/artigo.zul?id=27&titulo=Globaliza%C3%A7%C3%A3o_e_Democracia">Democracia</a>. É um obstáculo à luta contra a pobreza energética e as rendas excessivas, sendo plausível que em Portugal tenha estado associado à <a href="https://www.plataforma-troca.org/accionistas-da-edp-isds-e-o-contribuinte-portugues/">demissão do secretário de Estado da Energia</a> Jorge Seguro Sanches por ter lutado com eficácia contra estas rendas.</p><p>Além disto, para o período entre 2018 e 2050, o TCE protege um volume de emissões que é <a href="https://www.plataforma-troca.org/cinco-vezes-mais/">cinco vezes</a> superior ao volume que a UE pode emitir no mesmo período se quiser atingir o alvo de 1,5º estabelecido no Acordo de Paris. O TCE é completamente incompatível com os compromissos climáticos assumidos pela União Europeia e qualquer decisor político tem obrigação de saber que é impossível respeitá-los sem abandonar este acordo.»</p><p>Neste momento já vários países abandonaram ou anunciaram abandonar o TCE, correspondendo a mais de 70% da população da UE, e o abandono coordenado, recomendado pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia, estão em cima da mesa. É um momento absolutamente crucial e a decisão do governo português - seja a de apoiar publicamente este processo, seja a de se opor silenciosamente - vai ter mais impacto no combate às alterações climáticas que a totalidade de todas as suas medidas no plano nacional. Se não apoiar publicamente este processo, estará a contribuir directa e consequentemente para o incumprimento do Acordo de Paris, apenas para proteger os lucros excessivos da EDP e outras empresas que tais. </p><p><br /></p><p><br /></p>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-54748688561400343952023-02-20T14:58:00.002+00:002023-02-20T15:01:51.410+00:00A “lei dos sefarditas”: um erro histórico<p>Há dez anos, aprovou-se por unanimidade na Assembleia da República a alteração à lei da nacionalidade conhecida como "lei dos sefarditas". Afirmou-se no debate parlamentar que se pretendia "a promoção do retorno a Portugal dos descendentes dos judeus expulsos ou perseguidos" (Simões Ribeiro, PSD), fez-se votos de que "'a planta do pé dos judeus' que têm raízes em Portugal 'aqui ache descanso'" (Maria de Belém, PS) e falou-se mesmo em "reparação histórica" por ser "muito bom podermos tê-los de volta" (Ribeiro e Castro, CDS).</p>
<p>Quase uma década passada (<a href="https://www.publico.pt/2015/01/29/politica/noticia/descendentes-de-judeus-sefarditas-ja-vao-poder-pedir-a-nacionalidade-1684394" target="_blank">a lei entrou em vigor em 2015</a>), deve-se aferir se era real o desejo de "retorno" a Portugal que os deputados tomavam por generalizado nos judeus sefarditas espalhados pelo mundo. "Voltaram"?</p>
<p><span style="color: var(--global-palette4); font-family: var(--global-body-font-family);">O número de locais de culto judaicos em Portugal manteve-se estável nestes anos: quatro sinagogas. Mas o número de residentes que se identificam como "judeus" nos censos do INE até baixou: passaram de 3061 em 2011 para 2910 em 2021. Sublinhe-se: certificados pelas sinagogas de Porto e Lisboa quase 140 mil processos de aquisição de nacionalidade, </span><a href="https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2022-09-02-comunidade-israelita-do-porto-faz-queixa-a-ue-por-conspiracao-antissemita-em-portugal/" target="_blank" style="font-family: var(--global-body-font-family);">concluídos pelo Estado mais de 50 </a><a href="https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2022-09-02-comunidade-israelita-do-porto-faz-queixa-a-ue-por-conspiracao-antissemita-em-portugal/" target="_blank" style="font-family: var(--global-body-font-family);">mil</a><span style="color: var(--global-palette4); font-family: var(--global-body-font-family);">, a pequena comunidade de três mil judeus que realmente cá vive teve um ligeiro declínio. Todavia, bastaria que apenas 1% dos que obtiveram a nacionalidade (ou seja, uns quinhentos cidadãos) aqui viessem residir para que essa comunidade crescesse. Mas o "retorno" não aconteceu. Nem é plausível que aconteça.</span><br></p>
<p>O interesse na nacionalidade portuguesa destes nossos novos compatriotas tem uma explicação prosaica: para nacionais de Israel, da Turquia ou do Brasil (respetivamente, 69%, 15% e 7,5% dos <a href="https://www.publico.pt/2022/01/02/sociedade/noticia/30-mil-descendentes-sefarditas-ja-naturalizaram-desde-2015-1990464">naturalizados pela "via sefardita"</a>), um passaporte da União Europeia abre novas portas pelo mundo, sem novos deveres e por um custo individualmente razoável. Multiplicado por dezenas de milhares de processos, esse custo (250€ por certidão) ascende aos milhões de euros e <a href="https://www.publico.pt/2022/02/11/sociedade/investigacao/comunidade-israelita-porto-lucros-milionarios-nacionalidade-portuguesa-1994989">enriqueceu tremendamente a sinagoga do </a><a href="https://www.publico.pt/2022/02/11/sociedade/investigacao/comunidade-israelita-porto-lucros-milionarios-nacionalidade-portuguesa-1994989">Porto</a> (quase 90% dos pedidos de nacionalidade, muito acima de Lisboa), uma pequena comunidade religiosa de 400 pessoas que <a href="https://www.publico.pt/2022/02/11/sociedade/investigacao/cip-origem-filmes-epopeia-sefarditas-1994990">financia filmes com orçamentos </a><a href="https://www.publico.pt/2022/02/11/sociedade/investigacao/cip-origem-filmes-epopeia-sefarditas-1994990">milionários</a>.</p>
<p>É triste que uma lei feita com o pensamento elevado numa "reparação" aos judeus massacrados pelas turbas quinhentistas, perseguidos pela Inquisição ou pelos nazis, caia na realidade rasteira de um negócio de venda de passaportes por intermédio de sinagogas. Um negócio que nacionaliza principalmente israelitas que nem devem saber apontar Portugal no mapa, e em menor número <a href="https://www.publico.pt/2022/07/29/sociedade/noticia/oligarca-suspeito-ligacoes-crime-organizado-aguarda-nacionalidade-2015453" target="_blank">oligarcas russos coniventes com a autocracia de </a><a href="https://www.publico.pt/2022/07/29/sociedade/noticia/oligarca-suspeito-ligacoes-crime-organizado-aguarda-nacionalidade-2015453" target="_blank">Putin</a>, em ambos os casos pessoas que não querem partilhar o nosso destino, falar português ou sequer residir em Portugal. Mas evidencia que as leis de "reparação histórica" são uma ilusão: não se emenda o mal feito a falecidos, e é um absurdo fazê-lo 15 ou 20 gerações depois (distância à qual qualquer um de nós tem entre 30 mil e um milhão de antepassados).</p>
<p>Respeitar estritamente a laicidade do Estado teria evitado a trapalhada vergonhosa em que se converteu a "lei dos sefarditas". Respeitar a laicidade não delegando tarefas estatais em comunidades religiosas, particularmente uma tarefa de especial responsabilidade como a instrução de processos de nacionalidade. E respeitar a laicidade com leis universais que não distingam cidadãos por religião, como aliás estipula o artigo 13.º da Constituição (a "lei dos sefarditas" ignora completamente os descendentes de muçulmanos ou protestantes que saíram de Portugal devido a perseguições religiosas).</p><p>Retirar direitos a pessoas por serem de uma religião foi um erro manuelino mas típico do tempo medieval; conferir direitos a indivíduos por serem dessa mesma religião é um erro moderno, mas anacrónico, numa época em que se caminha para não distinguir cidadãos pela religião ou pela etnia.</p><p>Não há razões válidas para o Parlamento adiar a inevitável revogação desta lei.</p>
<br>
</p>(<a href="https://www.publico.pt/2023/02/18/opiniao/opiniao/lei-sefarditas-erro-historico-2038894"><i>Público</i>, 18 de Fevereiro de 2023</a>)Ricardo Alveshttp://www.blogger.com/profile/03801903003049105480noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-204796342928119702023-02-15T19:03:00.004+00:002023-02-15T19:05:55.088+00:00Laicidade em Portugal: perspetiva histórica e filosófica<iframe width="560" height="315" src="https://www.youtube.com/embed/6cUe9ncxam4" title="YouTube video player" frameborder="0" allow="accelerometer; autoplay; clipboard-write; encrypted-media; gyroscope; picture-in-picture; web-share" allowfullscreen></iframe>
<p>Palestra na Biblioteca dos Coruchéus, no dia 24 de Fevereiro de 2023.Ricardo Alveshttp://www.blogger.com/profile/03801903003049105480noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-39705099831205899912023-01-31T17:49:00.007+00:002023-01-31T17:51:33.890+00:00Igualdade de oportunidades ou igualdade de resultados? Sim!<p><span style="background-color: white; color: #050505; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Há quem afirme que uma questão política crucial é saber se queremos igualdade de oportunidades ou igualdade de resultados. Dificilmente poderia discordar mais. </span></p><div dir="auto" style="background-color: white; color: #050505; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Afinal, ao promover a igualdade de oportunidades vamos aumentar a igualdade de resultados; e ao promover a igualdade de resultados vamos aumentar a igualdade de oportunidades. </div><div dir="auto" style="background-color: white; color: #050505; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Por essa razão, as sociedades com mais desigualdade de oportunidades são as com maiores desigualdades de resultados e vice-versa. </div><div dir="auto" style="background-color: white; color: #050505; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Em todas as <span style="font-family: inherit;"><a style="color: #385898; cursor: pointer; font-family: inherit;" tabindex="-1"></a></span>disputas políticas relevantes, aquela opção que aumenta a igualdade de oportunidades também aumenta a igualdade de resultados e vice-versa.</div><div dir="auto" style="background-color: white; color: #050505; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;"><br /></div><div dir="auto" style="background-color: white; color: #050505; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Em teoria, pode existir uma incompatibilidade entre estes dois objectivos? Sim: numa sociedade com inteira igualdade de oportunidades que ainda assim tivesse desigualdade de resultados, esses dois objectivos estariam em oposição. Nesse contexto ou noutros muito semelhantes, esse debate seria consequente e politicamente importante. </div><div dir="auto" style="background-color: white; color: #050505; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Mas para as sociedades em que vivemos neste planeta, essa discussão é como estar no deserto do Saara, perdidos com uma bussola e um mapa, e discutir se o mapa está orientado para o Norte magnético ou o Norte geográfico: é uma discussão inconsequente e irrelevante. Se queremos ir para Norte, ir para onde a bússola aponta é boa ideia, mais grau, menos grau. </div><div dir="auto" style="background-color: white; color: #050505; font-family: Helvetica, Arial, sans-serif; font-size: 15px; white-space: pre-wrap;">Quem quer lutar por mais igualdade é favorável quer à igualdade de oportunidades, quer à maior igualdade de resultados que daí resulta; ou a maior igualdade de resultados também pela maior igualdade de oportunidades que daí advém. Estar a discutir qual destas é prioritária é pouco relevante.</div>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-78471338377794846632022-12-14T11:36:00.006+00:002022-12-14T17:03:40.716+00:00A "Obsessão" do Défice e a "Nova Teoria Monetária"<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEig1qgf2vyFC_fQziAnEwvgZP4nxulgYloeNPfc0iw5eOJy-LwiU14-HriBmT7IcA0CeY5EVHh9jScM60m8qaTEgEXZenRGVKbehnXux0TaQ3knNcDCA7koArnoduIGww0aOyfw9Lr817ZX91mKL_DfG9GuQEsnX4hT3_NOb0b46JXdPoFVSA4/s2075/CH3-F3.4-4.jpg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1432" data-original-width="2075" height="276" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEig1qgf2vyFC_fQziAnEwvgZP4nxulgYloeNPfc0iw5eOJy-LwiU14-HriBmT7IcA0CeY5EVHh9jScM60m8qaTEgEXZenRGVKbehnXux0TaQ3knNcDCA7koArnoduIGww0aOyfw9Lr817ZX91mKL_DfG9GuQEsnX4hT3_NOb0b46JXdPoFVSA4/w400-h276/CH3-F3.4-4.jpg" width="400" /></a></div><p><br /></p><p>A revista "<a href="https://a-gralha.pt/">A Gralha</a>" publicou um artigo que escrevi chamado "<a href="https://a-gralha.pt/artigo.zul?id=30&titulo=A%20Obsess%C3%A3o%20do%20D%C3%A9fice">A Obsessão do Défice</a>".</p><p>Nele argumento que a preocupação com a consolidação orçamental é a única forma de alcançar objectivos de esquerda no médio/longo prazo, e que a esquerda deveria ser mais «obcecada com o défice» do que a direita.</p><p>O argumento principal é que receitas fiscais superiores às despesas correntes (e depreciação) aumentam o património público e vice-versa.</p><p>Depois, tal como um património positivo tende a originar rendimentos, que podem aliviar a carga fiscal, um património negativo tem associados encargos, que vão acentuar a carga fiscal. Como uma proporção relevante das receitas fiscais do Estado provém de impostos sobre o trabalho, um Estado cujo património líquido seja muito negativo é um Estado que cobra impostos aos trabalhadores para pagar juros aos credores, redistribuindo do factor trabalho para o factor capital, exactamente o oposto daquilo que a esquerda tenciona fazer.</p><p>No texto esclareço o que está em causa é o saldo médio, não existência de políticas contra-cíclicas (que se recomendam). Também argumento que, por muitas críticas justas e legítimas ao euro e BCE, este mecanismo teria lugar (e teve lugar, e frequentemente tem lugar) em contextos de completa autonomia monetária.</p><p>O texto nunca refere a "Nova Teoria Monetária" (NTM), mas queria dizer ainda algumas palavras sobre a relação entre essas ideias e as do texto (carregue em "<a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2022/12/a-obsessao-do-defice-e-nova-teoria.html#more">ler mais</a>" para continuar). <br /><br /><br /></p><span><a name='more'></a></span><span></span><p><br /></p><p>Este texto parece opor-se à NTM, mas na realidade eu não tenho muito a apontar - em termos descritivos - à NTM pois parece-me que muito do que esta teoria defende corresponde exactamente ao que é defendido pela teoria neoclássica, simplesmente com um foco diferente. Naquilo em que esta teoria se diz opor à teoria neoclássica, em termos descritivos, existe ou uma distorção do que é a teoria neoclássica (por exemplo, quando alega que a teoria neoclássica diz que a inflação vem apenas das questões associadas à procura agregada; enquanto a NTM reconhece a importância da oferta agregada; quando na verdade a teoria neoclássica apenas diz que é da discrepância entre ambas que pode vir o problema, e a NTM se formos bem a ver diz o mesmo); ou uma questão com pouca relevância efectiva (por exemplo, a NTM insiste que o estado gasta o dinheiro primeiro e depois é que o cobra em impostos; uma observação que a meu ver tem a relevância de dizer que o ovo vem antes da galinha e não o oposto: num ciclo contínuo de ovos e galinhas ao longo de milénios, pode ter alguma importância histórica saber quem veio primeiro, mas pouco mais). </p><p>Já em termos prescritivos, a NTM é compatível com políticas de esquerda no médio-longo prazo apenas se os tais "défices continuados" corresponderem a bom investimento público líquido de depreciação superior a esses défices. Nesse caso é possível ter o património público a aumentar de forma sustentada. A tendência natural, no entanto, é a oposta: saldos orçamentais negativos tendem a estar associados a receitas inferiores à soma da despesa corrente com a depreciação. Saldos orçamentais negativos tendem a estar associados a um património público decrescente, algo que é o <b>oposto</b> de um objectivo de esquerda de médio/longo prazo no actual contexto. </p><p>Pelo contrário: a afirmação de que saldos orçamentais positivos continuados correspondem a um endividamento do sector privado, como se fosse algo preocupante, exige alguma reflexão. Vejamos: é perfeitamente compatível que o sector privado esteja a aumentar o seu património num contexto de saldos orçamentais positivos: basta que o consumo privado (somado à depreciação do património privado) seja inferior ao rendimento disponível, algo que se verifica em praticamente todas as economias, praticamente sempre. Se o sector privado está a aumentar o seu património e a endividar-se, isso apenas nos diz que o investimento é superior às poupanças, algo que dificilmente traz problemas de cariz macroeconómico (se trouxer outros, deve existir legislação específica para os combater). Em resultado desse endividamento privado, parte dos lucros desse investimento vai ser distribuído dos investidores para o colectivo. Porque é que isto seria considerado indesejável pela esquerda? <b>Saldos orçamentais positivos continuados não tem nada de insustentável ou indesejável, de uma perspectiva de esquerda</b>. O oposto sim. </p>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-77973449856886520272022-11-17T05:42:00.004+00:002022-11-17T22:46:02.713+00:00Globalização e Democracia<p> A revista "<a href="https://a-gralha.pt/">A Gralha</a>" publicou um artigo que escrevi chamado "<a href="https://a-gralha.pt/artigo.zul?id=27&titulo=Globaliza%C3%A7%C3%A3o_e_Democracia">Globalização e Democracia</a>".</p><p>O artigo é mais para o longo, mas expõe em linhas gerais a minha perspectiva política sobre as causas dos problemas políticos, económicos, sociais e ambientais que o mundo enfrenta e o que podem a UE e os EUA fazer para os resolver. </p><p>Argumento que, face ao alargamento dos mercados, urge também alargar geograficamente os espaços de exercício do poder democrático, e que os défices democráticos a essa escala geográfica mais elevada acabam por ter efeitos catastróficos que se reflectem no aumento das desigualdades, insustentabilidade ambiental da actividade económica, ascensão da extrema direita, etc. <br />Pelas mesmas razões, importa também <a href="https://www.plataforma-troca.org/37-propostas-para-colocar-o-comercio-ao-servico-da-transicao-ecologica-e-social-post/">mudar radicalmente a política de comércio</a>. <br /><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirla4eSMK6KMP-ucTd_2QPusk2MRF6_VBx79r3-QLR58GoY8Vv7NgUoM_T2awRDrDUxxjP9XSFOJXedvlv5Mixcu8CsCs7kpLSLN0-Flo_OtSPYIqDxAcCxLzF-lZima-3JLnfQpt2mFBNx8emqdMe2HCGGQVzBZmiWrrlIDIae6IRztwVK0M/s1167/labor_share_OECD_2.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="967" data-original-width="1167" height="331" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEirla4eSMK6KMP-ucTd_2QPusk2MRF6_VBx79r3-QLR58GoY8Vv7NgUoM_T2awRDrDUxxjP9XSFOJXedvlv5Mixcu8CsCs7kpLSLN0-Flo_OtSPYIqDxAcCxLzF-lZima-3JLnfQpt2mFBNx8emqdMe2HCGGQVzBZmiWrrlIDIae6IRztwVK0M/w400-h331/labor_share_OECD_2.png" width="400" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-50931888803849782162022-10-26T10:28:00.002+01:002022-10-26T10:28:55.372+01:00Este post vai contra os padrões de comunidade do facebook<p>Algures numa discussão de facebook coloquei o seguinte comentário:<br /><br /><br />«<br /> " e o superávit no sector privado"</p><div class="x1iorvi4 xjkvuk6 x1lliihq"><span class="x193iq5w xeuugli x13faqbe x1vvkbs x10flsy6 x1lliihq x1s928wv xhkezso x1gmr53x x1cpjm7i x1fgarty x1943h6x x4zkp8e x41vudc x6prxxf xvq8zen xo1l8bm xzsf02u" dir="auto" lang="pt"><div class="xdj266r x11i5rnm xat24cr x1mh8g0r x1vvkbs"><div dir="auto">Nem por isso. </div><div dir="auto">O
estado proporciona bens e serviços ao sector privado (infra-estruturas,
segurança, saúde, educação, etc.) pelo que é normal que o sector
privado pague por esses serviços aquilo que eles custam. </div><div dir="auto"><a tabindex="-1"></a>Isso em si não corresponderia a nenhum superavit.</div><div dir="auto">Mas
além disso, nos países ricos o estado tem estado a perder património
desde os anos 80, o que decorre dos défices, e isso tem contribuído para
um aumento das desigualdades (<a class="x1i10hfl xjbqb8w x6umtig x1b1mbwd xaqea5y xav7gou x9f619 x1ypdohk xt0psk2 xe8uvvx xdj266r x11i5rnm xat24cr x1mh8g0r xexx8yu x4uap5 x18d9i69 xkhd6sd x16tdsg8 x1hl2dhg xggy1nq x1a2a7pz xt0b8zv x1fey0fg" href="https://1.bp.blogspot.com/-IYd4dTthMqM/YPMhGrMAuWI/AAAAAAAAKLs/I2lj_b1gIDYqLYKkFJ5-MgGEWT3pNnYbACLcBGAsYHQ/s1939/Picketty_publicAssets_2.jpeg?fbclid=IwAR3FTHXSrVEOPrhmXqJxnJNxo6-mwRyot-TdIpQO2LSySIHM9j3YW4M1v-w" rel="nofollow noopener" role="link" tabindex="0" target="_blank">https://1.bp.blogspot.com/.../Picketty_publicAssets_2.jpeg</a>).</div><div dir="auto">Se
o estado recuperasse património teria de aumentar o seu património, o
que implicaria cobrar mais ao sector privado do que aquilo que
providencia em serviços. No longo prazo isso permitiria cobrar menos
impostos ao sector privado já que contaria com o rendimento do seu
património (ou pagaria menos em juros), mas até lá estaria a impor um
défice ao sector privado, sim. Foi o que aconteceu na Europa a partir do
fim da segunda guerra, e aquilo que aconteceu nos projectos de esquerda
mais bem sucedidos, como a Suécia.<br />»<br /><br />O facebook considerou que violava os padrões de comunidade e embora me tenha dado oportunidade de exprimir a minha discordância com a decisão, afirmou não ter recursos para a rever.<br /><br />Aparentemente dizer que a esquerda devia ser orçamentalmente responsável vai contra os padrões de comunidade do facebook. </div></div></span></div>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com4tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-83544870397163373592022-09-21T23:19:00.008+01:002022-10-04T18:57:21.358+01:00O T de «LGBT»<p style="text-align: justify;">Os chamados «direitos trans» têm sido tratados nas redes sociais e nos media como se estivessem na continuidade direta das reivindicações LGB das últimas cinco décadas. Todavia, colocam problemas políticos muito diferentes, nomeadamente:</p>
<ol>
<li style="text-align: justify;">Legitimam intervenções médicas irreversíveis em menores de idade;</li><li style="text-align: justify;">Geram conflitos de direitos com outros grupos (concretamente, as mulheres);</li><li style="text-align: justify;">Exigem da sociedade muito mais do que a mera indiferença.</li></ol><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkAuWi1tQ6JiGtsQGDhz4BxoDHhUfaI5k6dQlvRSxcJDA7wp4Bv0YfTJQUrAiFatxlWlQJZK6DcXg0cxKguXNTIZskyw7YGkNzZQDVkSSpwEeRSGfwo8cL7X4x-7tWIe9nld01hi_6KB5OyR35lLlKt_1maM0Ry5yaRvfsGcEYgIV5Umo/s640/Gay_Pride_Flag.svg.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="395" data-original-width="640" height="198" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhkAuWi1tQ6JiGtsQGDhz4BxoDHhUfaI5k6dQlvRSxcJDA7wp4Bv0YfTJQUrAiFatxlWlQJZK6DcXg0cxKguXNTIZskyw7YGkNzZQDVkSSpwEeRSGfwo8cL7X4x-7tWIe9nld01hi_6KB5OyR35lLlKt_1maM0Ry5yaRvfsGcEYgIV5Umo/s320/Gay_Pride_Flag.svg.png" width="320" /></a></div><div style="text-align: justify;">Em Portugal, a<span style="text-align: left;"> descriminalização da homossexualidade (1978) ou a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo (2009) passaram com o apoio ativo de uma minoria progressista (os «ativistas»), a resistência por vezes estridente de uma minoria conservadora (os «talassas»), e a passividade de uma maioria ampla da sociedade (os «indiferentes»). Esta indiferença deve ser sublinhada: a maioria da sociedade nunca se importou (muito) com os «direitos LGBT»</span><span style="text-align: left;">. A maioria de «indiferentes» </span><span style="text-align: left;">acatou essas mudanças legislativas e sociais porque</span><span style="text-align: left;"> «os adultos fazem o que querem», porque</span><span style="text-align: left;"> </span><span style="text-align: left;">não era retirado direito nenhum a quem nunca usufruiria dos «direitos LGBT»</span><span style="text-align: left;">, por lhes ser no fundo indiferente a vida privada alheia,</span><span style="text-align: left;"> ou ainda</span><span style="text-align: left;"> por achar que assim se </span><span style="text-align: left;">maximizaria o número de pessoas felizes (o que é sempre positivo)</span><span style="text-align: left;">. </span>O T em LGBT dificilmente conseguirá passar da mesma forma, porque dificilmente conseguirá a passividade dos «indiferentes».</div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEht2I8z4pbeE5qj4tMdD27dJ2_QJvKOXGHE3uR5OUPdDyAopBI5wFxyOBh5XTZY4zn8k1dztWj2RIaD7gRG9O1rxg1BMM2tjqFSjFM3SW_giM6HbsnPmn5GqkfRY09Xa8OeiI10Q7QGwQBu84f5MnEX1yaYTJ0SD9dBiz6VzRCt3ibjElM/s1024/1024px-Transgender_Pride_flag.svg.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="614" data-original-width="1024" height="192" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEht2I8z4pbeE5qj4tMdD27dJ2_QJvKOXGHE3uR5OUPdDyAopBI5wFxyOBh5XTZY4zn8k1dztWj2RIaD7gRG9O1rxg1BMM2tjqFSjFM3SW_giM6HbsnPmn5GqkfRY09Xa8OeiI10Q7QGwQBu84f5MnEX1yaYTJ0SD9dBiz6VzRCt3ibjElM/s320/1024px-Transgender_Pride_flag.svg.png" width="320" /></a></div></div><p style="text-align: justify;">1. Existem crianças e adolescentes que reportam algum desconforto com o carácter sexual do seu corpo. Numa abordagem mais médica, trata-se de uma «disforia de género» que deve ser acompanhada e tratada; numa abordagem politizada, uma «identidade de género» que deve ser celebrada e afirmada (primeiro com bloqueadores de puberdade, depois com hormonas do sexo contrário, e finalmente com operações cirúrgicas). De passagem: há quem não tenha aprendido a importante lição que politizar a biologia e a medicina nunca dá bons resultados. Mas adiante: pessoas que ainda nem cidadãos plenos são (e não podem casar, trabalhar, ser presos, etc) não têm maturidade para tomar decisões irreversíveis sobre a sua saúde. Não têm, e fora da bolha trans não se encontra quem generalize esta presunção de maturidade precoce para outras áreas da vida.</p><p style="text-align: justify;">Como se sabe, a puberdade é quase sempre traumática (ainda mais para as raparigas do que para os rapazes): inclui muito desconforto físico e psicológico com mudanças anatómicas, fisiológicas e sociais. Mas a puberdade não é uma doença e não é de certeza prudente «tratar» as angústias da adolescência deixando pessoas mutiladas ou inférteis para o resto da vida (notar que existem testemunhos <a href="https://www.youtube.com/watch?v=Mj9dImEgNqI">trágicos</a>, embora estatisticamente pouco significativos, de pessoas <a href="https://www.youtube.com/watch?v=LjiE6UQdy3w">arrependidas</a> de «transições de género» que as prejudicaram fisicamente sem melhorar a sua saúde mental). E não deixa de ser contraditório e chocante que uma sociedade que tenta eliminar (e muito bem) a <a href="https://expresso.pt/sociedade/2022-08-19-Mais-de-cem-mutilacoes-genitais-femininas-detetadas-em-Portugal-ate-julho-sao-quase-tantas-como-em-todo-o-ano-passado-5e82d9f4">mutilação genital de menores</a> em nome da cultura ou da religião assista sem reação à <a href="https://www.publico.pt/2022/08/01/p3/cronica/medo-pessoas-trans-2015542">defesa</a> de procedimentos médicos irreversíveis (até cirúrgicos) em menores em nome da «identidade de género». </p><p style="text-align: justify;">Politicamente, <b>defendo que o direito dos adultos a disporem de si próprios tenha poucos limites</b>. Quer a morte assistida quer a mudança anatómica de género me parecem dentro desses limites <em>em adultos</em> <i>esclarecidos</i> das consequências e devidamente acompanhados (mas, mesmo nesses casos, não é assunto para celebrações ou <i>likes</i> de redes sociais). <b>Inaceitável é efetuar procedimentos irreversíveis (hormonais ou cirúrgicos) em menores de idade</b>.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">2. Existem óbvios conflitos de direitos entre as reivindicações trans e as feministas. Considerem-se dois casos: os espaços segregados e os desportos.</p><p style="text-align: justify;">Nos espaços segregados, é óbvio que mulheres trans correm um grande risco de violência em prisões masculinas (por exemplo); mas também deveria ser óbvio que mulheres trans não operadas <a href="https://www.theguardian.com/society/2018/oct/11/karen-white-how-manipulative-and-controlling-offender-attacked-again-transgender-prison">colocam em risco</a> mulheres não trans em prisões femininas. Este conflito de direitos existe também (com menor gravidade) em enfermarias hospitalares ou vestiários. E <b>é improvável que exista uma solução que acomode perfeitamente os direitos de ambos os grupos</b>. Teremos que viver com uma situação confusa e conflituosa? Já não será mau se se reconhecer que <b>os direitos de cada um acabam onde começam os dos outros</b>. O que no caso do movimento trans será difícil: é um típico movimento identitário, que não considera que as reivindicações do seu grupo possam ser limitadas por qualquer outro grupo.</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhndY68Pvx_A4soRyEdgUuDkp7ExWcoVFAQ7a6zH_kLKmDFUy-mEG9l4beKfneI98iIsZQDxsPGXi17X1Jk5pEmFOL9SHndSRuJGutQ9RSztiozfTfjHE5AGijQf0qoaGXYrx1jhSB26k96Q9kZji-UGMaJORO_DGieQrNW0rSMSojKGx4" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img data-original-height="1185" data-original-width="750" height="400" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhndY68Pvx_A4soRyEdgUuDkp7ExWcoVFAQ7a6zH_kLKmDFUy-mEG9l4beKfneI98iIsZQDxsPGXi17X1Jk5pEmFOL9SHndSRuJGutQ9RSztiozfTfjHE5AGijQf0qoaGXYrx1jhSB26k96Q9kZji-UGMaJORO_DGieQrNW0rSMSojKGx4=w253-h400" width="253" /></a></div><p></p><p style="text-align: justify;">Nos desportos, a existência de categorias segregadas por sexo garante que as mulheres ganhem medalhas e, no caso dos desportos de contacto, que os pratiquem em segurança. O movimento trans <a href="https://www.theatlantic.com/culture/archive/2022/09/sports-gender-sex-segregation-coed/671460/">reivindica</a> que qualquer pessoa que se auto-identifique como mulher (ou que esteja legalmente reconhecida como mulher) possa concorrer nas categorias femininas. Ora, é simplesmente injusto: atravessar a puberdade com biologia masculina e a correspondente dose maciça de testosterona tem consequências na força muscular, na resistência, e na solidez óssea (<a href="https://www.worlddata.info/average-bodyheight.php">e na altura</a>). Consequentemente, há vantagem masculina na quase totalidade das modalidades (com exceções como a ultra-maratona e o tiro ao arco).</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjpe6dI4b2JQcssr2XVHXAwUTyggAtmE_IlUo5JzSwJEnV3xuMQmCuOFGCoNw6sTkZ_eqLqVDA5FrFcYBPZ0C4hrmG24DLxxjKhoksRx7-Qjil4R7dDitpYljZLaa0YGTFqAQjNsVari7U1F-v3lffaLIGsG_Md9Ulu12g-FFI1USlPOH4" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img data-original-height="900" data-original-width="663" height="640" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjpe6dI4b2JQcssr2XVHXAwUTyggAtmE_IlUo5JzSwJEnV3xuMQmCuOFGCoNw6sTkZ_eqLqVDA5FrFcYBPZ0C4hrmG24DLxxjKhoksRx7-Qjil4R7dDitpYljZLaa0YGTFqAQjNsVari7U1F-v3lffaLIGsG_Md9Ulu12g-FFI1USlPOH4=w472-h640" width="472" /></a></div><div style="text-align: justify;"><b>Ser atleta não é um direito, é um privilégio</b>. E se <a href="https://www.bbc.com/sport/58732146.amp">no desporto</a> a única solução equilibrada for cada um concorrer na categoria de sexo de origem, não se estará a retirar direitos a ninguém. Impedir-se-à, sim, que no limite haja pódios femininos dominados por mulheres trans. O que seria injusto para as mulheres não trans. Nos casos em que existe risco de danos físicos, parece haver menos dúvidas, e a Federação Mundial de Rugby <a href="https://www.world.rugby/the-game/player-welfare/guidelines/transgender">proibiu</a> as mulheres trans de competirem com mulheres não trans. O que, admita-se, é injusto para as mulheres trans. <b>Não há solução justa</b>.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><p></p><p></p><p style="text-align: justify;">3. Finalmente, e deixando de lado as reivindicações dos dois pontos anteriores, o movimento «trans» não se satisfaz com o apoio dos ativistas e a indiferença da maioria. Exige de toda a sociedade a adesão a um conjunto de conceitos pseudo-científicos, a formas de tratamento pouco convencionais, no limite a uma linguagem (dita «inclusiva»).</p><p style="text-align: justify;"></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgmtVwY02vmoF4VyJHyPCJkH8st_J9u4ld4MNduAenrBNDSNmqgTXrOq82dde5muW6kj_0bI8ikZN7gWxiZVer8AnfoFwU3Ek558xiGzLLHBs2l0rdMOpLGkvYD-h4G3eXy50Ix1c40Gl6udDhMW0ogMwBdC6SLrwNYaiD4K9J5sa6nq5U" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="301" data-original-width="230" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgmtVwY02vmoF4VyJHyPCJkH8st_J9u4ld4MNduAenrBNDSNmqgTXrOq82dde5muW6kj_0bI8ikZN7gWxiZVer8AnfoFwU3Ek558xiGzLLHBs2l0rdMOpLGkvYD-h4G3eXy50Ix1c40Gl6udDhMW0ogMwBdC6SLrwNYaiD4K9J5sa6nq5U=s16000" /></a></div><div style="text-align: justify;">Entre os conceitos pseudo-científicos conta-se a ideia absurda de que há pessoas que «<a href="http://lounge.obviousmag.org/fear_and_loathing_on_obvious/2013/12/quando-se-nasce-no-corpo-errado.html">nascem no corpo errado</a>» (como se existisse uma parte não corpórea da nossa espécie animal); de que existe um contínuo biológico entre sexo masculino e sexo feminino (apesar de 99,5% dos seres humanos se situar de um dos lados dessa dicotomia); ou ainda que a diferença sexual é uma <a href="https://www.skeptic.com/downloads/conceptual-penis/23311886.2017.1330439.pdf">construção social</a> (no caso do extremismo butleriano). Aceitar a submissão da ciência, em particular a menos social e mais «exata», a uma qualquer ideologia (por exemplo, condicionar a ciência a tudo o que se considere que torna mais «válidas» as «identidades trans») deu resultados historicamente trágicos. <b>A realidade biológica não é uma construção social</b> e a ciência não é uma ideologia.</div><p></p><p style="text-align: justify;">Compreensível, por outro lado, é que as pessoas adultas que concretizam uma transição de género, mesmo que apenas social, queiram ser tratadas por outrem pelo género com que se identificam. É o menor dos problemas e não deve ser razão para conflitos. Já redefinir os conceitos de «homem» e «mulher» de forma a significarem «aquilo que as pessoas dizem ser» dificilmente será completamente exequível. <b>Há contextos em que será sempre necessário distinguir sexo feminino e sexo masculino</b>. Por exemplo, o aborto é um direito das pessoas do sexo feminino (e não de «todos os géneros»); e o cancro da próstata é um problema das pessoas do sexo masculino (e não de «todos os géneros»). Perde-se bastante em contextos médicos e científicos (e políticos?) se se fizer a categoria «género» predominar sobre o «sexo».</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhqE-98ID8-YlCOpjELST_Lyj_hOXF5f60y5nokH_5tLIHIHg79trzk1n6G5LGhGL035yObOWTGpuRNA3lhaSwFPvbscvjPPFD6ZcBjnf_r1TmU4PZLX9efsCDw-PZY5P30M_Y4MvrHBwFFogzTIFzKtxpP1lm3iiw__85AJNlWiMLqmgM" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="1080" data-original-width="1080" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhqE-98ID8-YlCOpjELST_Lyj_hOXF5f60y5nokH_5tLIHIHg79trzk1n6G5LGhGL035yObOWTGpuRNA3lhaSwFPvbscvjPPFD6ZcBjnf_r1TmU4PZLX9efsCDw-PZY5P30M_Y4MvrHBwFFogzTIFzKtxpP1lm3iiw__85AJNlWiMLqmgM" width="240" /></a></div><p></p><p style="text-align: justify;">Já agora: é falso que em Portugal exista «género atribuído à nascença». O que acontece, como todos sabemos, é que a partir da <i>observação</i> genital do nascituro se define a categoria legal «sexo (M/F)». Não resulta daí nenhuma classificação na categorial social «género».</p><p></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjpRpyNAwEQ62XUzKyo4IxUlQ1LeAYLoCYGmawhIRaH0RmsJTqCaoCNdNVD1iGWNwyxcblBm_-hNosX-MDv93gl6N7tje4_mkRZ2g58A1GsBm4MCYajbLfGQgDUHNh8Rmc983-Wxl4PFpme3M3nu2VbWlCyX7mqEXM6mToKjcz95QgwLtg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="284" data-original-width="437" height="208" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjpRpyNAwEQ62XUzKyo4IxUlQ1LeAYLoCYGmawhIRaH0RmsJTqCaoCNdNVD1iGWNwyxcblBm_-hNosX-MDv93gl6N7tje4_mkRZ2g58A1GsBm4MCYajbLfGQgDUHNh8Rmc983-Wxl4PFpme3M3nu2VbWlCyX7mqEXM6mToKjcz95QgwLtg" width="320" /></a></div><p style="text-align: justify;">Finalmente, se a minoria de ativistas acredita que vai impor toda uma nova linguagem à totalidade da população, vive numa ilusão (e querer que todos saibamos todas as definições de categorias de género e de orientação sexual existentes começa a ser, na fase atual de fúria classificativa com multiplicação infindável de caixinhas, uma exigência quase sádica). Mais: a maioria de indiferentes, se forçada a mudar - por imposição ideológica - de linguagem e de conceitos básicos como homem e mulher, pode chatear-se. É que a maioria gostaria presumivelmente de continuar indiferente a estas questões.</p><p style="text-align: justify;">Aconteça o que acontecer, já sabemos que quando as tropas de Putin chegarem à fronteira do Caia não estaremos a discutir quantos anjos cabem na ponta de um alfinete, mas sim em quantos <a href="https://www.mumsnet.com/talk/womens_rights/4634871-wpath-soc8-now-published-eunuch-chapter-retained">géneros</a> se divide a espécie de primatas a que pertencemos. E se houver mobilização geral, os homens terão uma escapatória: declararem-se mulheres ou não binários.</p><span><a name='more'></a></span><p style="text-align: justify;">Nota final: ao contrário do que é demasiadas vezes argumentado, a existência de pessoas com síndromas de insensibilidade a androgénios, desordens de desenvolvimento sexual, <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Klinefelter_syndrome">síndroma de Klinefelter</a>, <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Turner_syndrome">síndroma de Turner</a>, etc («<a href="https://differently-normal.com/2021/10/25/the-invention-of-intersex/">intersexo</a>») não justifica, «valida» ou muito menos explica a existência de pessoas com disforia de género («trans»). Este artigo deixou portanto deliberadamente de fora esse grupo de pessoas. Num certo sentido, as duas categorias (ambas bem mais políticas que científicas, registe-se) são até opostas: «intersexo» são pessoas que nascem com diferenças anatómicas, fisiológicas ou cromossómicas face à maioria; «trans» são pessoas que estando anatómica, fisiológica e cromossicamente dentro da norma manifestam vontade de não estar (e devem poder não estar, se forem maiores e ficarem realmente melhor assim).</p>Ricardo Alveshttp://www.blogger.com/profile/03801903003049105480noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-53067085800673538132022-05-28T17:59:00.003+01:002022-05-28T19:07:57.646+01:00Peso dos salários no PIB, esquerda e direita<p>Uma das métricas mais importantes (e simples de medir) para aferir se as políticas económicas são de esquerda, direita ou de centro é a evolução do rácio entre os salários e o PIB: políticas de esquerda tenderão a aumentar o rácio; políticas de centro tenderão a manter o rácio e políticas de direita tenderão a reduzi-lo. </p><p>Nas últimas décadas este rácio tem descido na generalidade dos países, e em particular na OCDE e em Portugal:</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMPRixZYdznJBmw6ZR38bFDpY5ZDKeNR5jS3BwU7yVI6_BzXeDHMi0kZf5Ilw4nEAUwcjphD4KabPhw5NC3Owc3d31CWvG-3YWyqXoYZMojqL386ETsdh3zy0MeUoIXP6rewgjPfMbpBlVmoDVeFkOrJF0XyFE1eG3M3tRqLCc_tCM8ZSS6ng/s1167/labor_share_OECD.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="908" data-original-width="1167" height="311" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgMPRixZYdznJBmw6ZR38bFDpY5ZDKeNR5jS3BwU7yVI6_BzXeDHMi0kZf5Ilw4nEAUwcjphD4KabPhw5NC3Owc3d31CWvG-3YWyqXoYZMojqL386ETsdh3zy0MeUoIXP6rewgjPfMbpBlVmoDVeFkOrJF0XyFE1eG3M3tRqLCc_tCM8ZSS6ng/w400-h311/labor_share_OECD.png" width="400" /></a></div><p><br /></p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQ6RZiDo-6l1fS8JWuEl3WIklaerWYs_t0M6bxUEGFWks1qZM3P2tXI7-zrD5wjM92lEhJk9edrITISvqdXZabTa09UL69pA6PQMYxNQe1MLovhhsBwDmCQx955S_dWiMiEAV_A0g5Pu6XQzm3_gMu_7-TauDeUc-DWYQ7pZ_OrFswyJyOhSA/s998/labor_share_Portugal.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="614" data-original-width="998" height="394" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhQ6RZiDo-6l1fS8JWuEl3WIklaerWYs_t0M6bxUEGFWks1qZM3P2tXI7-zrD5wjM92lEhJk9edrITISvqdXZabTa09UL69pA6PQMYxNQe1MLovhhsBwDmCQx955S_dWiMiEAV_A0g5Pu6XQzm3_gMu_7-TauDeUc-DWYQ7pZ_OrFswyJyOhSA/w640-h394/labor_share_Portugal.png" width="640" /></a></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><p>(A primeira imagem corresponde a cálculos meus feitos a partir da <a href="https://www.rug.nl/ggdc/productivity/pwt/?lang=en">Penn World Table</a>, enquanto a segunda imagem corresponde a cálculos de Paulo Coimbra e João Rodrigues publicados na <a href="https://pt.mondediplo.com/">edição portuguesa do Le Monde Diplomatique</a>) </p><p><br /></p><p>Os economistas têm discutido as causas desta alteração substancial. Será que o problema está no mercado dos produtos, onde se tem verificado um aumento da concentração e uma subida das margens de lucro; ou será que está no mercado do trabalho onde o mesmo aumento da concentração das empresas e redução do poder dos sindicatos levou a aproximar o panorama do caso extremo do monopsónio? Têm sido <a href="https://noahpinion.substack.com/p/the-economists-revolt?s=r">apresentadas</a> <a href="https://noahpinion.substack.com/p/the-econ-nobel-we-were-all-waiting?s=r">respostas</a> <a href="https://www.youtube.com/watch?v=wEmu6ZM9Nhg">diversas</a>, mas sempre reconhecendo que o panorama da estagnação salarial é real, e não coincide com a evolução da produtividade. A produtividade aumenta, os salários não. </p><p><br /></p><p>Em Portugal, assinalei com dois traços verticais o período em que esteve no poder a "geringonça". Foi um período aparentemente apreciado pelos portugueses, que deram aos partidos que a compuseram a votação mais elevada que já tinham atingido em conjunto. Embora não pareça ter ocorrido nenhuma política radical e disruptiva que nos fique na memória, foi palco de uma subida rápida e sustentada no peso dos salários no PIB. </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfaOXFSAERKUyHItRqQNcUAgwzLIn6euz9Wo3S51-w-CTBYEWdJMdlKI5nvPq7-2wyeLOiDRPIFjJcWwhznuvB5wMOyuNDSXnLfwnmzyukwXCbCLZDEYUMd9jvoefQIWF_mBZmAKVtHKQm4XAyDg7ke_CNJExJjGnw7Zo7LC-H7G6mPTWog2s/s998/labor_share_Portugal_geringon%C3%A7a.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="614" data-original-width="998" height="394" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgfaOXFSAERKUyHItRqQNcUAgwzLIn6euz9Wo3S51-w-CTBYEWdJMdlKI5nvPq7-2wyeLOiDRPIFjJcWwhznuvB5wMOyuNDSXnLfwnmzyukwXCbCLZDEYUMd9jvoefQIWF_mBZmAKVtHKQm4XAyDg7ke_CNJExJjGnw7Zo7LC-H7G6mPTWog2s/w640-h394/labor_share_Portugal_geringon%C3%A7a.png" width="640" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Infelizmente, e dando razão a quem diz que o PS não é um partido de esquerda (muito embora seus militantes o sejam), assim que terminou a "geringonça", a tendência de descida do peso dos salários no PIB voltou ao que era.</p><p>E para 2022 prevê-se uma descida maior e mais rápida que qualquer das outras representadas no gráfico. Seria necessário um aumento dos salário nominais na casa dos 8-10% para não se verificar uma descida do peso dos salários, dado aumento da produtividade e o valor da inflação. O governo não controla os segundos, mas tem algum controlo e influência sobre o primeiro, e até um moderado como Paulo Trigo Pereira considera que as opções do governo estão <a href="https://www.jornaldenegocios.pt/economia/financas-publicas/orcamento-do-estado/detalhe/paulo-trigo-pereira-sem-brilharete-ha-margem-para-subir-salarios-na-funcao-publica">aquém</a> daquilo que poderia fazer para defender o interesse de quem vive do seu trabalho. </p>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com3tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-30426062934443623272022-02-11T11:58:00.005+00:002022-02-11T17:00:24.776+00:00A «lei dos sefarditas»: um erro histórico?<div style="text-align: justify;">A «lei dos sefarditas» terá sido feita com algumas boas intenções: permitir que alguns descendentes de alguns judeus perseguidos pela Inquisição se tornassem portugueses. Mas transformou-se num negócio de venda da nacionalidade portuguesa e de subsídio à comunidade judaica, como explica <a href="https://www.publico.pt/2022/02/11/sociedade/investigacao/comunidade-israelita-porto-lucros-milionarios-nacionalidade-portuguesa-1994989">este artigo de hoje</a>. Efetivamente, a Comunidade Israelita do Porto cobra emolumentos de 250€ por certificar processos de aquisição de nacionalidade. Já foram concluídos <a href="https://www.publico.pt/2022/01/02/sociedade/noticia/30-mil-descendentes-sefarditas-ja-naturalizaram-desde-2015-1990464">mais de 30 mil processos</a>, 90% dos quais nesta comunidade do Porto (e os restantes em Lisboa), o que dá quase sete milhões de euros em emolumentos de aquisição de nacionalidade para uma comunidade religiosa. Segundo as notícias, estarão mais uns cinquenta mil processos em andamento. Belo negócio.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgKY3EKJfEyLLA3W6XPikXE2us31AaXniYfCaDRviGlHltNZ1lMudp57miB4Vo_lpoNqjh2yMqj4eIA69CvgZWTqxAOCBveVEWuSimn_1sgJ1tfL1Ev1N7CrxtDnCIbN0BLLHgyXSoD76wiiCgmxKf2-hSLanC5mbXQKys8lSQF6fkM3_Y=s1368" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" data-original-height="1368" data-original-width="716" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgKY3EKJfEyLLA3W6XPikXE2us31AaXniYfCaDRviGlHltNZ1lMudp57miB4Vo_lpoNqjh2yMqj4eIA69CvgZWTqxAOCBveVEWuSimn_1sgJ1tfL1Ev1N7CrxtDnCIbN0BLLHgyXSoD76wiiCgmxKf2-hSLanC5mbXQKys8lSQF6fkM3_Y=s320" width="167" /></a></div>O grave é que a nacionalidade portuguesa não deveria ser de base religiosa. Tão português é um judeu como um católico ou um ateu. Os descendentes dos judeus perseguidos entre os séculos 15 e 19 que vivam em Israel ou na Turquia (países de onde vem a esmagadora maioria dos pedidos) serão muito bem vindos em Portugal, por mim. Desde que queiram vir para Portugal, e não apenas terem um passaporte de conveniência que permite viajar na União Europeia e entrar sem visto em quase 160 países. Porque é isso que se está a passar: a venda do passaporte português por uma comunidade religiosa.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A lei dos sefarditas deveria ser revogada ou, no mínimo, alterada de forma a que se exigisse a residência em Portugal por uns dois anos a quem quisesse, lá está, ser português. A continuar assim, será um escândalo interminável.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div>Ricardo Alveshttp://www.blogger.com/profile/03801903003049105480noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-61131862911202734342022-01-20T01:31:00.010+00:002022-01-20T19:44:17.431+00:00O voto LIVRE nas próximas eleições à Assembleia da República<p>Já vem sendo habitual que partilhe neste espaço as minhas razões para votar no LIVRE nas eleições à Assembleia da República. Gostaria de destacar duas razões muito importantes e duas razões menos importantes, embora existam muitas outras. Comecemos pelas mais importantes:</p><p><b>1- Razões de cariz ambiental.</b> São poucos os partidos que colocam o ambiente no centro das suas preocupações. O actual contexto é um que exige uma acção urgente e determinada de combate às <a href="https://www.ipcc.ch/report/ar6/wg1/downloads/report/IPCC_AR6_WGI_SPM_final.pdf">alterações climáticas</a>, ao <a href="https://www.nytimes.com/2020/09/15/climate/biodiversity-united-nations-report.html">colapso da biodiversidade</a> e a um conjunto de <a href="https://www.sciencedaily.com/releases/2021/10/211027122120.htm">outros</a> <a href="https://www.nationalgeographic.com/animals/article/bumblebees-going-extinct-climate-change-pesticides">problemas</a> <a href="https://www.sciencedirect.com/topics/earth-and-planetary-sciences/soil-degradation">ambientais</a> que assumem cada vez mais os contornos de um desafio civilizacional. A sociedade continua em grande medida <a href="https://www.imdb.com/title/tt11286314/">inerte</a> e <a href="https://www.imf.org/en/Publications/WP/Issues/2019/05/02/Global-Fossil-Fuel-Subsidies-Remain-Large-An-Update-Based-on-Country-Level-Estimates-46509">míope</a> face a estes problemas, e o debate político reflecte essa indiferença e incapacidade de reagir com a urgência e determinação necessária. Três partidos colocam o ambiente no centro da sua acção política: o LIVRE, o PAN e o PEV. A exclusão do MPT é deliberada (no parlamento europeu juntaram-se à bancada liberal e não à bancada verde e votaram a favor de acordos de comércio e investimento com impactos ambientais absolutamente desastrosos - são menos ecologistas que qualquer partido de esquerda), e o PEV não concorre isoladamente nestas eleições, sendo que correspondem a uma pequena proporção dos deputados eleitos pela CDU, a qual, no seu todo, não coloca as questões ambientais no centro da sua acção política. O eleitor que considere as questões ambientais absolutamente cruciais e prioritárias terá dificuldade em votar num partido que não o LIVRE ou o PAN. Partidos como o Volt ou o BE merecem um honroso segundo lugar, relativamente distante dos restantes partidos. O PS, juntamente com todos os partidos à sua direita, pela sua <a href="https://www.plataforma-troca.org/razoes-absurdas-para-nao-abandonar-o-tce/">posição</a> face ao <a href="https://energy-charter-dirty-secrets.org/pt/">Tratado da Carta da Energia</a>, defende que se continue a acelerar em direcção ao abismo. É lamentável. </p><div style="text-align: left;"><b>2- Um plano progressista que pode funcionar. </b>Os partidos "tipo PS" têm partilhado o poder ao longo das últimas décadas nos países desenvolvidos. Não só <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2022/01/a-desvalorizacao-do-trabalho.html">as desigualdades de rendimento e poder não diminuíram enquanto estes partidos estiveram no poder, como até aumentaram</a>. Além do que isso representa de negativo para os rendimentos da classe média e das populações mais vulneráveis, isso tem também outros impactos sociais indesejáveis (menor esperança média de vida, pior impacto ambiental do consumo, menos confiança inter-pessoal, etc.) e, mais recentemente, tem conduzido à ascensão da extrema-direita que <a href="https://www.economist.com/graphic-detail/2020/11/27/democracy-in-retreat">ameaça a Democracia</a>. A verdade é que estes partidos não têm conseguido cumprir um projecto de esquerda no que concerne às questões económicas. Têm cumprido um projecto de direita (<a href="https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2016/06/pdf/ostry.pdf">privatizações, desregulamentação, abertura de mercados, etc.</a>) que têm conduzido à <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2022/01/a-desvalorizacao-do-trabalho.html">desvalorização do trabalho</a>, se bem que a um ritmo mais lento que o de partidos "tipo PSD". <br />Infelizmente, partidos/coligações como o BE ou a CDU não constituem boas alternativas. Há uma boa razão pela qual o Syriza não conseguiu implementar um projecto progressista que merecesse o aplauso do BE, e em vez disso governou de forma pouco distinta da de um partido "tipo PS". É que quando a direita diz que o tipo de medidas progressistas que o BE e a CDU defendem iriam tornar o país menos competitivo, o que reduziria o investimento e encorajaria fugas de capital, com impactos negativos no emprego e nos salários ela tem, no actual contexto, ... alguma razão. </div><div style="text-align: left;">E o BE e CDU até o reconhecerão. A CDU tem um projecto para mudar o contexto: a União Europeia é um espaço com enorme mobilidade de capital, e a CDU apresenta-se como euro-céptica. Pode não ser tão clara e inequívoca como MAS ou o PCTP, mas não é nenhum segredo de Polichinelo que, se dependesse da coligação, não estaríamos na UE. No entanto, se Portugal não estivesse na UE, o contexto geopolítico seria tal que facilmente teríamos aceite acordos de comércio e investimento com o mesmo efeito na mobilidade do capital, mas ainda menos controlo democrático sobre o "espaço de mercado" por eles criado (o Reino Unido, que tem um peso que Portugal não tem, está não obstante a seguir este caminho). Em alternativa (muito improvável), teríamos uma economia tão mais autárcica que os salários seriam, com toda a probabilidade, muitíssimo inferiores aos actuais. </div><div style="text-align: left;">O BE, pelo contrário, não tem um projecto consequente para mudar de contexto, pelo menos no que concerne à UE. Existem no BE três facções com três propostas diferentes e opostas (uma delas muito semelhante à do LIVRE), e como a relação de forças entre elas é relativamente equilibrada o BE não é capaz de apresentar um conjunto de propostas que efectivamente consigam mudar o panorama. </div><div>O LIVRE vai ao fundo da questão. A UE não está a propiciar o contexto que resulta nos maiores ganhos de qualidade de vida para os seus cidadãos devido aos <a href="https://partidolivre.pt/25-abril-europa">défices democráticos que existem</a>. A Democracia tende a gerar políticas públicas <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Selectorate_theory">mais alinhadas com os interesses dos cidadãos</a> do que outros regimes políticos alternativos. Assim, para mudar o contexto económico importa propor transformações na arquitectura institucional da UE. O LIVRE não só propõe <a href="https://programa.partidolivre.pt/propostas/21.1">mudanças que devem ser feitas em conjunto</a> pelos vários estados-membros da UE através de mudanças dos tratados (reforçar os poderes do Parlamento Europeu face ao Conselho, televisionar as reuniões do Conselho, etc.) como também mudanças que <a href="https://programa.partidolivre.pt/propostas/21.1">Portugal pode implementar unilateralmente</a>, tais como eleger o nosso representante no Conselho da UE. Estas mudanças são análogas às mudanças que Roosevelt trouxe aos EUA que constituíram uma tremenda vitória histórica das forças progressistas, uma que "mudou as regras do jogo". </div><div>(O Volt é o único partido além do LIVRE que também propõe uma alteração da arquitectura da UE, mas não propõe nada que Portugal possa implementar unilateralmente a este respeito, sendo por essa razão inferior neste domínio. Além disso, não se assume como um partido de esquerda, nem identifica o <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2022/01/a-desvalorizacao-do-trabalho.html">aumento das desigualdades e a desvalorização do trabalho</a> como um problema grave.)</div><p>As duas razões acrescidas são as seguintes:</p><p>3- <b>Entendimentos à esquerda.</b> Rui Tavares insistiu muito neste ponto durante os debates, e foi das questões mais esmiuçadas pela comunicação social. Parece relativamente plausível que <a href="https://youtu.be/yLnSLJqg9bQ">a eleição de deputados do LIVRE torne mais fácil o entendimento à esquerda</a>. O LIVRE pode aliás criar o "ponto focal" para esse entendimento. </p><p>4- <b>Combate à corrupção.</b> O <a href="https://programa.partidolivre.pt/">programa do LIVRE</a> tem um <a href="https://programa.partidolivre.pt/capitulos/19">capítulo dedicado a esta questão</a>. Não conheço nenhum partido com melhores propostas nesta matéria. O combate à corrupção pode ajudar o país a convergir com o resto da UE. </p><p><br /></p>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-28063919251251921972022-01-14T15:30:00.006+00:002022-01-20T18:01:15.101+00:00A desvalorização do trabalho<p>O gráfico que se segue (obtido <a href="https://www.adb.org/sites/default/files/publication/484346/adbi-wp920.pdf">aqui</a>) apresenta a evolução rácio entre os rendimentos do trabalho e o PIB. O rácio é calculado usando diferentes critérios, uns que assumidamente sobrevalorizam o rácio, outros que assumidamente o subvalorizam. Seja qual for o critério adoptado, no entanto, a evolução temporal é clara - desde os anos 80 que esse rácio tem vindo a diminuir:</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh6Z6CiUQRRkbZ6btpFCTdnn3gG9d2rJjIcr3A4bdqo2eQjbS1cTdnzlzhAuwy1XB2sBO-RnyBq4AvXBPz7BD0x1MEIG4P8fPOiqdV3Uc3cCt9oRJkuQ_L0EMD6NH9qw9RF2uMc1lRLcaDkquGhTBSGW9kcZFL1SzepHev3Z-GAjUALctjhaCI=s1141" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="775" data-original-width="1141" height="434" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEh6Z6CiUQRRkbZ6btpFCTdnn3gG9d2rJjIcr3A4bdqo2eQjbS1cTdnzlzhAuwy1XB2sBO-RnyBq4AvXBPz7BD0x1MEIG4P8fPOiqdV3Uc3cCt9oRJkuQ_L0EMD6NH9qw9RF2uMc1lRLcaDkquGhTBSGW9kcZFL1SzepHev3Z-GAjUALctjhaCI=w640-h434" width="640" /></a></div><br /><p>Se os salários tivessem subido a par e passo com a produtividade, o rácio seria constante. Vemos, pelo contrário, que os ganhos de produtividade não se têm reflectido em aumentos salariais equivalentes.</p><p>A situação é pior do que aqui parece. Para os países ricos o declínio deste rácio tem sido ainda mais acentuado. Além disso, o aumento das desigualdades salariais faz com que a razão entre o salário mediano (aquele que mais importa para a generalidade das pessoas) e o salário médio seja cada vez pior. </p><p>A economia é um sistema de vasos comunicantes e os mesmos fenómenos que têm decorrido nos EUA acabam por ter impacto na economia europeia e nacional. Estes dados também nos dizem muito sobre as consequências económicas das escolhas políticas que têm sido feitas. Atentemos portanto à <a href="https://www.epi.org/publication/charting-wage-stagnation/">evolução salarial</a>:</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjfYTsiRD45kxKRYte0kTrTzPshHJzG830ld_kLBwYNezGf89bKSlmF_9lwVvmpPSCc6zqctenzeyalbx-S1KfdtmcdTQANjrsakhPey-IL2i9eYlhJHtKsSlBEuEmCqtjQnpx-Y-IS1NSysFApYSx3QANGIBLApjKDR-rwWFlVMW3MJ7mGLvM=s1374" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="760" data-original-width="1374" height="354" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjfYTsiRD45kxKRYte0kTrTzPshHJzG830ld_kLBwYNezGf89bKSlmF_9lwVvmpPSCc6zqctenzeyalbx-S1KfdtmcdTQANjrsakhPey-IL2i9eYlhJHtKsSlBEuEmCqtjQnpx-Y-IS1NSysFApYSx3QANGIBLApjKDR-rwWFlVMW3MJ7mGLvM=w640-h354" width="640" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Apesar de se ver o início da divergência em 1973, quando termina o sistema "Bretton Woods" e se deu o arranque no que mais tarde se veio a tornar o processo de "<a href="https://unctad.org/system/files/official-document/tdr2018_en.pdf">hiperglobalização</a>", a divergência torna-se muito mais clara e relevante a partir dos anos 80, com a presidência histórica e verdadeiramente transformadora de Ronald Reagan. É com a "Reagonomics" que podemos observar uma redução nos rendimentos do trabalho, cada vez mais distantes da produtividade. </p><p>No entanto, o panorama para a generalidade das famílias é ainda pior. É que os gráficos acima falam de salários médios, mas a desigualdade salarial <a href="https://www.epi.org/publication/charting-wage-stagnation/">aumentou</a> muito:</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhveyoyrPOcYoYka8MszVHlQMOVtsleBLf5bpoWXzco2huWm4C824xSezGBka97OnpCdEk9k_D6NSl31Yz2NUqfrU5E3dfL7iK46jxkIw2ahG9Lmqa5vOWQrzVXAUf_iCmGS1bPSYPAVoSP4QsswqAjatQPkSXKlMpU59ecHebLYMnl5HiExPE=s582" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="389" data-original-width="582" height="268" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEhveyoyrPOcYoYka8MszVHlQMOVtsleBLf5bpoWXzco2huWm4C824xSezGBka97OnpCdEk9k_D6NSl31Yz2NUqfrU5E3dfL7iK46jxkIw2ahG9Lmqa5vOWQrzVXAUf_iCmGS1bPSYPAVoSP4QsswqAjatQPkSXKlMpU59ecHebLYMnl5HiExPE=w400-h268" width="400" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Com o aumento da desigualdade salarial <a href="https://www.epi.org/publication/charting-wage-stagnation/">podemos ver</a> o seguinte:</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgPi1lNifv0JvivDUr7EVwDpwY-DIrgrA7tAr3dZlyVW-JijI8a_Joih7DE_oqWj6Zw7DNcLe_m-4DQPXK4ZMaNetvP5eucInN2ZxI_aDXuSN3Vpx59VDK7Wp6MIsPVucNAfydxaWoh4kX3tpAMlwsVCLiIrE2MabsrMLQh5BYmv2rstXt3ylw=s577" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="389" data-original-width="577" height="270" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgPi1lNifv0JvivDUr7EVwDpwY-DIrgrA7tAr3dZlyVW-JijI8a_Joih7DE_oqWj6Zw7DNcLe_m-4DQPXK4ZMaNetvP5eucInN2ZxI_aDXuSN3Vpx59VDK7Wp6MIsPVucNAfydxaWoh4kX3tpAMlwsVCLiIrE2MabsrMLQh5BYmv2rstXt3ylw=w400-h270" width="400" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Ou seja, para o trabalhador mediano, a relação entre o salário e a produtividade piorou ainda mais do que aquilo que os gráficos acima sugerem.</p><p>Em consequência destas evoluções, as <a href="https://www.wook.pt/livro/o-capital-no-seculo-xxi-thomas-piketty/15745463">desigualdades de rendimento têm aumentado de forma muito acentuada</a>. Isso tem tido várias consequências. As desigualdades têm uma <a href="https://www.wook.pt/livro/the-spirit-level-kate-pickett/10240371">forte relação</a> com a coesão social, com o impacto ambiental do consumo, com a esperança média de vida e a saúde em geral, com a confiança inter-pessoal, com a criminalidade, com a corrupção, com o sexismo e violência doméstica, entre outras. Uma das consequências é a incapacidade da generalidade da população poupar e a criação de maiores disparidades no património e consequente concentração do poder dos mais ricos. Nos EUA, China, Reino Unido, França, Alemanha e Espanha, podemos <a href="https://www.conferencemanager.dk/hybridconferencecopenhagenmacrodaysoctober2021/programme-7-8-october-2021">observar</a> a seguinte evolução temporal:</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgmNHkdGFy_bXUSGNFWdP2hQ91fGVEHyDom_A4Yh3fAuiiGVKeUqJVRgvt8CxrKy11NPgY4vbKLmZiQkz1uF0YADBqO4jb-v2I-BFR_Q3DWcc3bvDdsp5zcFvwcYqgbQMzeItN002wMm5s9Z_t0YIUKN8X0Bl_uk8vsCNZ2aako30qIs5YGXE0=s881" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="653" data-original-width="881" height="474" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgmNHkdGFy_bXUSGNFWdP2hQ91fGVEHyDom_A4Yh3fAuiiGVKeUqJVRgvt8CxrKy11NPgY4vbKLmZiQkz1uF0YADBqO4jb-v2I-BFR_Q3DWcc3bvDdsp5zcFvwcYqgbQMzeItN002wMm5s9Z_t0YIUKN8X0Bl_uk8vsCNZ2aako30qIs5YGXE0=w640-h474" width="640" /></a></div><br /><p>A consequência deste fenómeno é um mundo com fortes pressões deflacionárias com um impacto económico negativo juntamente com uma maior instabilidade financeira que se manifesta em crises com a de 2008 ou 2011. Até o FMI publicou <a href="https://www.imf.org/external/pubs/ft/fandd/2016/06/pdf/ostry.pdf">um texto</a> onde alerta que as políticas neoliberais que têm vindo a ser seguidas têm impactos económicos perversos. Recentemente a <a href="https://www.businessinsider.com/how-bad-is-inequality-trickle-down-economics-thomas-piketty-economists-2021-12">Business Insider</a> fez o mesmo. Não são propriamente aqueles que esperaríamos ver criticar o "neoliberalismo dominante". Estas desigualdades e estas crises, por seu lado, <a href="https://www.moritzschularick.com/app/download/12568838499/GTE.pdf?t=1640017232">têm provocado a ascensão da extrema-direita</a> que podemos observar, que estão a ameaçar as Democracias em todo o mundo. </p><p>De facto, há um século atrás as desigualdades de rendimento atingiram um valor semelhante ao actual, antes de serem violentamente comprimidas na sequência da Segunda Guerra Mundial e da tremenda derrota da extrema direita que representou. Que vejamos a mesma ascensão da extrema direita quando as desigualdades estão a atingir valores semelhantes não me parece uma mera coincidência. </p><p><br /></p><p><b>E em Portugal?</b></p><p>Em Portugal o rácio entre os salários e o PIB baixou nas últimas décadas mais ainda do que no resto da zona euro, de acordo com os <a href="https://ec.europa.eu/info/business-economy-euro/indicators-statistics/economic-databases/macro-economic-database-ameco/ameco-database_en">dados da AMECO</a>. Segundo a <a href="http://pordata.pt/">Pordata</a>, a produtividade aumentou mais de 10% acima dos salários médios ao longo deste período. </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj96M7GTbLDfagCwZQ22NzhCDJeHH2JYvx2TThR5pK37GDdHixuM_cQP47xnuNtFmZ1AagJA7au9qYL8PH2jBH5Qk5rymihZ8kMXxyN-7QAbc77zXdX_vEG3-V5jOsTcvLqnTUVURPVjubrbIFc0VW2UKkCGRxAXEPue2dEggCETi-IUhQ86aM=s537" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="384" data-original-width="537" height="286" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEj96M7GTbLDfagCwZQ22NzhCDJeHH2JYvx2TThR5pK37GDdHixuM_cQP47xnuNtFmZ1AagJA7au9qYL8PH2jBH5Qk5rymihZ8kMXxyN-7QAbc77zXdX_vEG3-V5jOsTcvLqnTUVURPVjubrbIFc0VW2UKkCGRxAXEPue2dEggCETi-IUhQ86aM=w400-h286" width="400" /></a></div><p>Deve dizer-se que a descida dos rácios nos restantes países ricos condicionou a nossa evolução salarial, de forma negativa. Se nos restantes países ricos os rácios não tivessem descido, os mesmos salários em Portugal seriam considerados relativamente mais baratos por parte dos investidores, o que iria atrair mais investimento e criação de emprego num contexto de alta mobilidade do capital em que os países estão a travar uma "corrida para o fundo" que, como vemos, prejudica os trabalhadores em geral. </p><p>Claro que podemos escolher a lógica do "se não os podes derrotar, junta-te a eles", e tentar ser ainda mais rápidos nesta "corrida para o fundo", recolhendo dividendos no processo, como a Irlanda ou o <a href="https://youtu.be/0uLhh5GSxsQ">Luxemburgo</a>. Vamos todos perder no fim, mas ao menos aproveitamos para passarmos a perna aos outros durante o caminho. </p><p>Ou então, podemos batalhar para mudar as circunstâncias que têm conduzido a esta situação. E podemos fazê-lo a diferentes escalas. Na escala mais abrangente, de topo, a mudança mais urgente é ultrapassar os défices democráticos que deram origem a estes desfechos. A <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Selectorate_theory">teoria do selectorado</a> é muito certeira e seria de esperar que o surgimento de défices democráticos gerasse as circunstâncias políticas para políticas públicas menos alinhadas com os interesses da população em geral, e foi precisamente o que aconteceu: nos EUA com <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Buckley_v._Valeo">decisões</a> <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Citizens_United_v._FEC">judiciais</a> que tornaram o sistema <a href="https://www.bbc.com/news/blogs-echochambers-27074746">mais oligárquico</a>, na UE com a travagem na caminhada rumo a <a href="https://partidolivre.pt/25-abril-europa">uma democracia europeia</a>. </p><p>Numa escala mais próxima, podemos e devemos aderir a um sindicato se não tivermos já feito. Pela minha parte não podia estar mais satisfeito com a minha entidade patronal, mas mesmo assim fiz questão de me inscrever. Uma sociedade com sindicatos mais fortes tende ser mais justa, menos desequilibrada e a valorizar mais o trabalho. Veja-se o <a href="https://www.epi.org/publication/charting-wage-stagnation/">caso dos EUA</a>: </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgKGLOqd48Nyb92snqetxLxpTd7SBd2bE17vvB2vLOAGQkk5iAXUrZmAPUcGj2IvPKxSqJP8ycI0OQJlLDJaaZF0aipijlWKtOHCa6VFJNhbpZoD59sbV67F6FF5H2_spSRh_d6kS095DTwqo2mBvQFyqT0AAv02lAg91SyRHO6Z-MwwxefnCY=s584" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="422" data-original-width="584" height="289" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgKGLOqd48Nyb92snqetxLxpTd7SBd2bE17vvB2vLOAGQkk5iAXUrZmAPUcGj2IvPKxSqJP8ycI0OQJlLDJaaZF0aipijlWKtOHCa6VFJNhbpZoD59sbV67F6FF5H2_spSRh_d6kS095DTwqo2mBvQFyqT0AAv02lAg91SyRHO6Z-MwwxefnCY=w400-h289" width="400" /></a></div><p><br /></p>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-64558868616188606352022-01-13T11:20:00.005+00:002022-01-13T11:32:11.565+00:00A gargalhada<p>É recorrente: os membros e dirigentes da Iniciativa Liberal apresentam os países nórdicos como exemplo de "países liberais", por oposição a Portugal, que é "socialista". Frequentemente referem a Suécia em particular. Uma das minhas melhores amigas após terminar o curso superior em Portugal viveu na Suécia vários anos e, numa conversa onde pediu para me pôr a par das novidades políticas (o surgimento da IL era uma delas) contei-lhe a apreciação que a IL fazia a respeito da Suécia. Ela primeiro pensou que estaria a ouvir ou entender mal, e depois pensou que eu estaria a fazer uma hipérbole, que eles não diriam que a Suécia é "mais liberal" e "menos socialista" do que Portugal. Quando se apercebeu que não havia equívoco nem hipérbole desatou-se a rir. Não queria acreditar que um partido fosse capaz de apresentar à população portuguesa uma enormidade desse tamanho.</p><p>Como se sabe, o robusto estado social sueco foi construído por 70 anos quase ininterruptos de Social Democracia (<a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/12/deriva-de-direita-em-imagens-parte-iii.html">que em Portugal soa a centro-direita por causa dos nomes dados aos partidos quando o Zeitgeist era o do PREC</a>, mas) que é uma ideologia <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Social_democracy">bem à esquerda do actual centro</a>. Na Suécia o peso do estado na economia está em linha com a média europeia, que por sua vez é bastante superior ao peso do estado na economia em Portugal. Se formos comparar a carga fiscal, a diferença é ainda mais discrepante.</p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgc_WnFyoBovBh9GW94Sa7qErgiTOEe_V043KkHjxKn4zsbXaXDmdKUfKLaqZ2GXGwCebjaXa8JcqNnL59CsCyb7NPdn_34DjLV-TcDM1dUdX7mJdG_Qmf_izgXkklUz3tPE1Xveq2D2cYjpPQdn5LMNmK7Xt-HFg5ioeYAPbdwKh9c-y1Yvh0=s1175" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="758" data-original-width="1175" height="413" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgc_WnFyoBovBh9GW94Sa7qErgiTOEe_V043KkHjxKn4zsbXaXDmdKUfKLaqZ2GXGwCebjaXa8JcqNnL59CsCyb7NPdn_34DjLV-TcDM1dUdX7mJdG_Qmf_izgXkklUz3tPE1Xveq2D2cYjpPQdn5LMNmK7Xt-HFg5ioeYAPbdwKh9c-y1Yvh0=w640-h413" width="640" /></a></div><p>Na Suécia a desigualdade de rendimentos é muito inferior. Os serviços públicos são muito melhor financiados. O número de funcionários públicos corresponde a uma proporção da mão-de-obra que é mais do dobro da portuguesa. </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjGlVnNkrMEIZNmX4hVq58b01Z_KtSWWyYy-LuYHOC-TxH4iAR17RKkA6i3pql0KU2xusSaLordXtK_G-rk79-nj-bpoFnniUdnDSQ9snzGahFJkIEFXA-hgAK74ubtf2htYcWw1usmvDLJea4lliakWmutWhVzyYC3ejnHCDHYp_e3tH6XGac=s526" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="357" data-original-width="526" height="434" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEjGlVnNkrMEIZNmX4hVq58b01Z_KtSWWyYy-LuYHOC-TxH4iAR17RKkA6i3pql0KU2xusSaLordXtK_G-rk79-nj-bpoFnniUdnDSQ9snzGahFJkIEFXA-hgAK74ubtf2htYcWw1usmvDLJea4lliakWmutWhVzyYC3ejnHCDHYp_e3tH6XGac=w640-h434" width="640" /></a></div><br /><p>As empresas públicas na Suécia têm um peso da economia que é mais do quádruplo do nosso. </p><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgkAu-bqMbA3NUQEl67ZFq269P9WDnnH2f3DXnz2JADFZV_H0-Az7Z5UvO0Flq0-3PQq5z7fZ93fxv2ba957-qcvIl7f8XC0rFZxifmjhSv6XlbAek3FED_speJZ1BnPIt-_ZQ1waELKuzRKVIkCN7PCOhvWn_NreJN3Qx9sk66iRZO6ahiFpI=s1200" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="675" data-original-width="1200" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/a/AVvXsEgkAu-bqMbA3NUQEl67ZFq269P9WDnnH2f3DXnz2JADFZV_H0-Az7Z5UvO0Flq0-3PQq5z7fZ93fxv2ba957-qcvIl7f8XC0rFZxifmjhSv6XlbAek3FED_speJZ1BnPIt-_ZQ1waELKuzRKVIkCN7PCOhvWn_NreJN3Qx9sk66iRZO6ahiFpI=w640-h360" width="640" /></a></div><br /><p><br /></p><p>Tipicamente, quando são apresentados estes dados, os membros da IL costumam responder que uma coisa é a robustez do estado social e o valor dos impostos, outra coisa é a forma como estado regula e interfere na economia. O termo "socialista" referir-se-ia à segunda. Como é evidente, contesto a premissa: o termo socialista não está muito bem definido, mas são os próprios membros da IL que falam em "socialismo" sempre que está em causa o aumento das receitas públicas, o financiamento do estado social ou o aumento do número de funcionários públicos, e - veja-se pelo episódio da TAP - o peso das empresas públicas. Mas mesmo que a premissa fosse aceite, continuaria a ser disparatado alegar que a Suécia é "mais liberal" e "menos socialista" que Portugal. Portugal foi um líder mundial na descriminalização do consumo de drogas, a Suécia, pelo contrário, dá ao estado o monopólio da venda de bebidas alcoólicas. Portugal mal regula o mercado dos serviços sexuais, enquanto a Suécia o ilegaliza. O jogo na Suécia também é mais regulado. O mercado da habitação, com o peso tremendo que tem na economia e no património da classe média, é muitíssimo mais regulado na Suécia. A regulação da concorrência é muito mais activa e interventiva. E por aí fora... </p><p>Note-se que não serve este texto para dizer que devemos seguir o exemplo da Suécia ou dos restantes países nórdicos. Devemos seguir-lhes o exemplo na importância dada à educação, mas fazer o nosso próprio caminho. Este texto serve para tornar claro que a gargalhada da minha amiga se justificava em pleno. E apesar de conhecer um pouco melhor a realidade sueca que a dos restantes países nórdicos, as semelhanças culturais e económicas que existem e que podemos observar nos gráficos acima mostram com toda a clareza que dizer que estes países são "mais liberais" ou "menos socialistas" é uma verdadeira "fraude intelectual". </p><span></span><p><br /></p><span><a name='more'></a></span><p><br /></p><p>PS- Quis escrever este texto quado dei de caras com o segundo e terceiro gráficos <a href="https://ladroesdebicicletas.blogspot.com/2022/01/temos-tantos-liberais-em-cima-de-nos.html">neste texto</a> do blogue <a href="https://ladroesdebicicletas.blogspot.com">Ladrões de Bicicletas</a>. </p>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com10tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-37665191060165239492022-01-10T15:17:00.004+00:002022-01-10T15:18:56.540+00:00Debate sobre a lei dos sefarditas<p style="text-align: justify;">Podcast sobre a lei dos sefarditas com Ricardo Alves, Marisa Filipe e João Massena: <a href="https://www.mixcloud.com/estadodeemergencia/debate-sobre-a-lei-dos-sefarditas/">MixCloud</a>, <a href="https://anchor.fm/m-apa/episodes/Debate-sobre-a-lei-dos-sefarditas-e1cokfo">outras plataformas</a>.</p>Ricardo Alveshttp://www.blogger.com/profile/03801903003049105480noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-35385755628358325562021-12-23T21:46:00.002+00:002021-12-23T21:52:00.604+00:00Hierarquia vs Consenso <p>Diferentes formas de organização colectiva podem ser classificadas quanto ao grau de hierarquia presente. Existem colectivos extremamente hierárquicos, tais como algumas empresas privadas, os exércitos, alguns estados não-democráticos. Depois existem formas de organização intermédia, onde se elege um órgão dirigente com um mandato limitado e sujeito a uma série de outros controlos de cariz democrático mais directo nuns casos e indirecto noutros. No extremo oposto, existem formas de organização completamente baseadas no consenso ou, pelo menos, radicalmente democráticas, nas quais não é possível encontrar nenhuma estrutura dirigente formal. </p><p>A esquerda, por defender a liberdade e igualdade, tende a preferir formas de organização colectiva menos hierárquicas, sendo que, no entanto, os regimes classificados como sendo de "extrema esquerda" foram e são de cariz extremamente hierárquico (se bem que muitos dos seus defensores aleguem que não). </p><p>Não obstante esta contradição (que <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2020/06/a-extrema-esquerda-e-o-autoritarismo.html">aprofundei aqui</a>), a actuação política de esquerda foi, em muitos contextos, de luta - bem sucedida - para tornar a organização colectiva menos hierárquica, e os valores de esquerda têm implícitos esta preferência por formas de organização mais horizontais.</p><p>Identificando-me pessoalmente com a esquerda libertária, deveria ter esta preferência por formas de organização mais horizontais ainda mais vincada. E tenho: como já escrevi anteriormente, acredito que <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/11/democracia-e-aristocracia-iii.html">se o sistema democrático aumentar o grau de participação dos eleitores, a qualidade das políticas públicas tenderá a melhorar</a>, pelo menos no médio/longo prazo. Existem <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Selectorate_theory">fortes</a> <a href="https://www.nytimes.com/2009/08/16/magazine/16Bruce-t.html">razões</a> para acreditar que assim será. </p><p>No entanto, importa também reflectir sobre as limitações das formas de organização mais horizontais e os méritos das formas de organização mais hierárquicas. As segundas não são adoptadas de forma tão generalizada apenas por ignorância ou pela reprodução de formas de organização prévias: têm vantagens que devem ser reconhecidas se quisermos implementar um sistema adequado e funcional. </p><p>Os sistemas mais horizontais tendem, a diferentes escalas, a propiciar uma maior qualidade e adequação das decisões, se não tivermos em conta a velocidade da tomada da decisão como um factor que afecta a sua qualidade. <br /><br />Há contextos onde não podemos deixar de fazer essa consideração. Uma guerra, por exemplo, exige uma coordenação de estruturas sociais muito complexas que seja muito rápida. Os exércitos são estruturas extremamente hierárquicas porque uma estrutura menos hierárquica estaria em forte desvantagem se em confronto, num contexto que muda radicalmente a cada minuto. <br /><br />As estruturas mais horizontais tendem a propiciar, no médio/longo prazo, mais estabilidade (o que por si pode trazer muitos benefícios em vários contextos) e <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/11/democracia-e-aristocracia-ii.html">decisões mais alinhadas com os interesses dos afectados</a>; mas também uma tomada de decisão que pode ser excessivamente lenta, o que nalguns contextos pode ser fatal. <br /><br />Isso significa que, pelo menos enquanto não mudarem radicalmente as nossas capacidades de organização colectiva (as ferramentas tecnológicas já permitiram um substancial aumento dessa capacidade, como <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/11/democracia-e-aristocracia-iii.html">aqui referi</a>, mas não devemos sobrestimar os seus efeitos) podemos acreditar que muitas organizações - em particular o estado - beneficiam de maior horizontalidade, mas que, para organizações mais complexas (com muitos elementos, sem que existam necessariamente relações de convívio e confiança entre os mesmos) que têm de actuar numa escala temporal mais apertada, existe um ponto a partir do qual o nível de horizontalidade pode promover a disfuncionalidade.</p><p>Uma vez reconhecendo este facto (e apenas para estruturas muito amplas que o exijam), importa tentar conciliar, na medida do possível - e sabendo que irão existir limitações - a horizontalidade com uma distribuição de competências decisórias que pode ser lida como "algo hierárquica" mesmo que isso não seja reconhecido de forma formal. Mantendo, claro está, o adequado escrutínio, e todo o tipo de garantias que evitem qualquer abuso de poder. </p><p><br /></p>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-24371947627586424922021-11-04T12:14:00.008+00:002021-11-05T10:47:19.248+00:00Os problemas do termo "decrescimento"<div dir="ltr" style="text-align: left;" trbidi="on">
Escrever o texto que se segue é uma experiência bastante frustrante.<br />
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É-me relativamente fácil identificar os erros e contradições da direita, ou de um grupo que me pareça bastante equivocado, mesmo correndo o risco de ser identificado como estando «do outro lado da barricada». A verdade é que as minhas diferenças de valores e prioridades são tais que, para a maioria dos efeitos práticos, eu <b>estou</b> do outro lado da barricada, a lutar para que a sociedade caminhe num sentido diferente e inconciliável.</div>
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Já em relação às pessoas que defendem a importância do decrescimento, o mesmo não se passa. Pelo contrário, sinto uma afinidade de valores, princípios e prioridades substancial. </div>
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Geralmente são pessoas que priorizam as várias dimensões da qualidade de vida (em particular o tempo livre e a saúde) em vez de sobrevalorizar a prosperidade material; são pessoas que valorizam uma distribuição equilibrada da riqueza e rendimento (nisto estão acompanhadas pela esquerda em geral); e finalmente são pessoas com a lucidez de compreender a importância da sustentabilidade ambiental da actividade humana, por oposição à forma míope como quase toda a sociedade desvaloriza essas questões e é incapaz de sacrificar qualquer migalha de prosperidade material no presente para evitar catástrofes de dimensões bíblicas no futuro próximo. </div>
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São também pessoas com consciência das limitações do PIB enquanto medida da criação de valor, e do erro social que é não dar a mesma ou maior importância a outro tipo de medidas (que corrigem ou atenuam algumas limitações do PIB) no âmbito do debate público.<br />
Estas quatro razões, e outras, fazem com que a minha proximidade política com este movimento seja muito significativa, o que se consubstancia no abraçar das mesmas causas e bandeiras (exemplos: implementação de um RBI emancipador e progressista, implementação de taxas de carbono mais elevadas, urgência da reconversão energética, defesa da redução dos horários máximos - com prioridade face à subida do salário mínimo, medição (acrescida) por parte dos institutos nacionais de estatística de indicadores de desenvolvimento diferentes). Essa proximidade consubstancia-se também numa grande simpatia pessoal e relação de camaradagem relativamente às pessoas que conheço que se batem por estas ideias.</div>
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No entanto, o texto que se segue expõe e fundamenta aquilo que me separa destas ideias. </div>
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As pessoas que defendem o decrescimento têm uma aversão visceral a qualquer discurso ou medida que apresente o crescimento económico como algo positivo ou desejável. É fácil de perceber porquê.<br />
Por um lado, o aumento do PIB está geralmente associado a um impacto ambiental superior. Se existem bens e serviços com um impacto ambiental quase nulo (uma peça de teatro, uma massagem, fruta da época produzida de forma sustentável), outros há que têm um impacto ambiental relevante (um <i>smartphone</i>, gasolina, uma peça de fruta vinda do outro canto do planeta) e um aumento agregado dificilmente deixará de representar um agravamento do impacto ambiental num contexto em que esse impacto já está bem para lá dos limites da sustentabilidade.<br />
Por outro lado, o desejo de aumentar a prosperidade material tem alguma relação com um conjunto de valores ligados ao consumismo que associam nível de consumo ao valor intrínseco ou estatuto social de cada indivíduo e/ou promovem a ilusão de que a satisfação dos desejos de consumo podem ter um impacto muito superior na felicidade e bem-estar do que aquele que efectivamente tem.<br />
<br />
Reconhecendo estas questões importantes, discordo desta forma de encarar qualquer proposta de acção.<br />
Considerando que as considerações ambientais devem ser prioritárias face ao desejo de aumentar a prosperidade material no contexto de desafio civilizacional em que nos encontramos associado à insustentabilidade do nosso impacto, sou da opinião que, <i>para um mesmo impacto ambiental (positivo ou negativo)</i>, é desejável alcançar o maior crescimento económico possível (se outras questões sociais e ambientais não se aplicarem, claro está).<br /><br /><br />Seria mais fácil sistematizar a minha divergência se olharmos para diferentes medidas com impacto económico e ambiental na seguinte matriz:</div><div><br /></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><br /></div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://lh3.googleusercontent.com/-ILAFTdse_Tg/YYO-jWkj-4I/AAAAAAAAKQE/-G6wSsTn9icC7K-sHIux0pl7ufGgmQjXgCLcBGAsYHQ/image.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="494" data-original-width="744" src="https://lh3.googleusercontent.com/-ILAFTdse_Tg/YYO-jWkj-4I/AAAAAAAAKQE/-G6wSsTn9icC7K-sHIux0pl7ufGgmQjXgCLcBGAsYHQ/s16000/image.png" /></a></div><br />As pessoas que defendem o decrescimento tendem a ver fundamentalmente os pontos vermelhos: medidas com impacto económico positivo (a construção de uma nova fábrica de roupa, o aumento da procura e consumo de material electrónico, a construção de uma central termo-eléctrica a carvão num país com energia eléctrica insuficiente) tendem a ter um impacto ambiental negativo; e medidas com impacto ambiental positivo (redução abrupta das viagens aéreas no início da pandemia; redução da procura e consumo de roupa ou material electrónico) tendem a ter um impacto económico negativo, pelo menos no curto prazo.</div><div><br /></div><div>No entanto, também existem pontos azuis. </div><div><br /></div><div>Existem medidas com impacto ambiental negativo que também têm um impacto económico negativo. Um exemplo da maior importância são os subsídios que existem às energias fósseis, que distorcem os mercados de forma a causar uma pior alocação dos recursos, ao mesmo tempo que incentivam a um aumento substancial do volume de gases causadores do efeito de estufa. O impacto destes subsídios na economia mundial é massivo, já que a economia mais rica do mundo gasta uma elevada proporção dos dinheiros públicos neste processo. Outro exemplo de uma medida com impacto económico negativo e impacto ambiental negativo foi, no caso da UE, a participação no <a href="https://energy-charter-dirty-secrets.org/pt/">Tratado da Carta da Energia</a>. Trata-se do maior obstáculo à luta contra as alterações climáticas na Europa, mas representa também uma tremenda distorção dos mercados que desincentiva a inovação e a reconversão energética, promovendo a concentração, a emergência de monopólios, e preços mais elevados para a electricidade, enquanto ameaça as finanças públicas. </div><div><br /></div><div>Por outro lado, existem medidas que reduzem o impacto ambiental e promovem o crescimento económico. O investimento doméstico no isolamento das casas; o investimento industrial no aumento da eficiência energética para redução do consumo de energia; ou qualquer tipo de investimento industrial na redução o consumo de matérias primas com impacto ambiental terá impactos económicos e ambientais positivos. Isto para não falar na reversão das medidas listadas acima: se implementar subsídios ao consumo de combustíveis fósseis tem um impacto económico negativo e um impacto ambiental negativo, então acabar com esses subsídios tem um impacto económico positivo e um impacto ambiental desejável. </div><div><br /></div><div>A miopia social conduziu-nos a um ponto onde as questões ambientais foram minoradas, sem consciência do impacto negativo tremendo que trariam à Humanidade. Como tal, a sociedade durante as últimas décadas, no seu discurso, priorizou a segunda coluna deste gráfico face à primeira: crescimento a todo o custo. </div><div>
<br /></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://lh3.googleusercontent.com/-z62FZtHR1R0/YYPEijI_frI/AAAAAAAAKQM/thXlFcRBuQsoxiIuvNXHhbHaRLnUwGB2gCLcBGAsYHQ/image.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="494" data-original-width="744" src="https://lh3.googleusercontent.com/-z62FZtHR1R0/YYPEijI_frI/AAAAAAAAKQM/thXlFcRBuQsoxiIuvNXHhbHaRLnUwGB2gCLcBGAsYHQ/s16000/image.png" /></a></div><br /><br /></div><div>Isso levou-nos a um contexto tal que a questão ambiental tem de assumir uma prioridade nunca antes alcançada. A resposta a esta "miopia" deveria ser:</div><div><br /></div><div><br /></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://lh3.googleusercontent.com/-iq0rXzw3Y98/YYPFKrRybzI/AAAAAAAAKQU/5kqQvm_0c84en_K5JtWuR_ApHy8uxWORACLcBGAsYHQ/image.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="494" data-original-width="744" src="https://lh3.googleusercontent.com/-iq0rXzw3Y98/YYPFKrRybzI/AAAAAAAAKQU/5kqQvm_0c84en_K5JtWuR_ApHy8uxWORACLcBGAsYHQ/s16000/image.png" /></a></div><br /><br /></div><div>Em vez disso, o discurso do decrescimento passa a mensagem literalmente oposta à "miopia" convencional, substituindo-a por aquilo que me parece uma perspectiva menos incorrecta, mas ainda assim insuficientemente lúcida:</div><div><br /></div><div><br /></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://lh3.googleusercontent.com/-_xEIwNAH7h8/YYPFy37aXmI/AAAAAAAAKQc/i00AIJJrru0Pgl4pXQPWf6vAf57dl5gwQCLcBGAsYHQ/image.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="494" data-original-width="744" src="https://lh3.googleusercontent.com/-_xEIwNAH7h8/YYPFy37aXmI/AAAAAAAAKQc/i00AIJJrru0Pgl4pXQPWf6vAf57dl5gwQCLcBGAsYHQ/s16000/image.png" /></a></div><br />Dito isto, devo clarificar que ninguém que se manifeste em favor do decrescimento vai defender explicitamente medidas no canto superior esquerdo. As pessoas em defesa do decrescimento, para todos os efeitos práticos, defendem as medidas assinaladas a verde - como deviam. Em particular, são favoráveis a várias medidas assinaladas a azul que teriam um impacto ambiental e económico favoráveis, tais como a eliminação de subsídios às empresas de combustíveis fósseis, ou o favorecimento do investimento doméstico no isolamento dos edifícios. </div><div><br /></div><div>No entanto, por um lado o discurso associado ao decrescimento passa a mensagem assinalada neste último esquema, de acordo com a qual as medidas assinaladas a laranja seriam as adequadas. Por outro, mesmo entre as medidas assinaladas a verde, não só não existe a preocupação de priorizar as que tenham melhores impactos económicos, como existe a preocupação de não valorizar essa dimensão. Tratam-se, no meu entender, de dois erros tremendos, por razões de ordem táctica (<i>politics</i>) e razões associadas à optimização das políticas públicas (<i>policy</i>):</div><div><br /></div><div><b>1-Razões de ordem táctica</b></div><div>Sucede-se que os princípios e valores de uma sociedade têm uma grande inércia e geralmente* demoram décadas a sofrer alterações substanciais, o que não se coaduna com a natureza urgente dos problemas ambientais que vivemos. Salientar os aspectos associados ao aumento dos rendimentos (ou ausência de diminuição relevante) é importante para conseguir aliados políticos para acções que teriam um impacto ambiental bastante positivo.</div><div>Sim, essa procura de aliados implicaria salientar que existirão benefícios para o crescimento (para propostas "azuis") ou um pequeno impacto (para propostas "vermelhas"). Mostrar indiferença ou aversão pelas prioridades que julgamos erradas inibe ou impede o compromisso com sectores menos sensíveis à urgência ambiental que vivemos que têm de ser cativados para a acção.</div><div>Isto não implica que se abandone a procura por uma mudança de valores e prioridades, no sentido de valorizar a natureza e compreender de forma mais lúcida o impacto destruidor da acção humana. Mas implica procurar criar condições políticas para uma acção urgente que diminua o impacto ambiental ainda antes dessa mudança de valores e princípios ter ocorrido.</div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /></div><div><b>2- Razões associadas à optimização das políticas públicas</b></div><div>Qualquer medida do crescimento real do PIB enferma de problemas graves (não considerar devidamente a destruição de valor** associada ao impacto da actividade humana sobre a natureza; não considerar todos os bens e serviços produzidos fora dos mecanismos de mercado, etc.) e alguns deles inultrapassáveis, mas isso não implica que não capturem algo de positivo (que pode não justificar os custos, dependendo das circunstâncias).</div><div>Note-se que, mesmo levando em conta estes problemas, estou a assumir o PIB como uma medida do valor dos bens e serviços produzidos, e não do bem-estar social (para isso teriam de ser levados em conta variadíssimos factores, desde a distribuição da riqueza, ao tempo de lazer, entre outros).</div><div><br /></div><div>No entanto, apesar destas questões, a verdade é que o PIB, tal como é medido, tem uma relação próxima com uma série de indicadores sociais relevantes e positivos, tais como a esperança média de vida, e a «satisfação com a vida». </div><div><br /></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://lh3.googleusercontent.com/-16Cy5ZQTst8/YYPKfp9ua5I/AAAAAAAAKQk/XhLWQ-ujs8EfqjjBCj3uTFY_P2Fv0fm2QCLcBGAsYHQ/image.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="239" data-original-width="400" src="https://lh3.googleusercontent.com/-16Cy5ZQTst8/YYPKfp9ua5I/AAAAAAAAKQk/XhLWQ-ujs8EfqjjBCj3uTFY_P2Fv0fm2QCLcBGAsYHQ/s16000/image.png" /></a></div><br /><br /></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://lh3.googleusercontent.com/-Fe2aXutssMk/YYPKlkvqazI/AAAAAAAAKQo/Vw9zy-EoXecxShJhdGBcb4Oy_tQsHPPlwCLcBGAsYHQ/image.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="226" data-original-width="320" src="https://lh3.googleusercontent.com/-Fe2aXutssMk/YYPKlkvqazI/AAAAAAAAKQo/Vw9zy-EoXecxShJhdGBcb4Oy_tQsHPPlwCLcBGAsYHQ/s16000/image.png" /></a></div><br /><br /></div><div><br /></div><div><div>Quer isto dizer que os valores consumistas não são uma ilusão assim tão grande? Que, não fossem os problemas ambientais, lutar pela subida do PIB seria a forma adequada de aumentar o bem-estar social?</div><div>Parece-me claro que <b>não</b>.</div><div><br /></div><div>O aumento do PIB tende a estar associado a um aumento dos rendimentos em todos os percentis, e também associado a um aumento das receitas fiscais para um mesmo aparato fiscal (e nível de redistribuição socialmente aceite).</div><div>Acontece que para quem rendimentos muito reduzidos o aumento dos rendimentos tem realmente um impacto muito positivo no seu bem-estar. Já em relação a quem tem rendimentos muito elevados, a crença de que o aumento do rendimento terá um impacto muito elevado é fundamentalmente ilusória (e em grande medida fruto de técnicas de manipulação emocional deliberadas). Isto quer dizer que quanto mais rica é uma sociedade, menos deve valorizar esta questão (que, repito-me, deve subordinar-se às questões de sustentabilidade ambiental). Por essa razão, tendo a preferir o termo pós-crescimento (que é usado na Alemanha para designar este movimento) ao termo decrescimento. O termo pós-crescimento não se apresenta como inerentemente adverso ao crescimento, mas consciente de que os níveis de produção e consumo das sociedades ricas fazem com que outras prioridades associadas ao aumento da qualidade de vida (mais tempo de lazer, etc.) alcancem uma prioridade ainda maior.</div></div><div><br /></div><div><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://lh3.googleusercontent.com/-LFozO45Qhqk/YYPLHfWxUPI/AAAAAAAAKQ0/RbG2M6E4w9cJ_OtzfvlqmKuFpV7If-rfwCLcBGAsYHQ/image.png" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img alt="" data-original-height="149" data-original-width="200" src="https://lh3.googleusercontent.com/-LFozO45Qhqk/YYPLHfWxUPI/AAAAAAAAKQ0/RbG2M6E4w9cJ_OtzfvlqmKuFpV7If-rfwCLcBGAsYHQ/s16000/image.png" /></a></div><br /><br /></div><div><br /></div><div><br /></div><div><div>Em Portugal um aumento do PIB resulta num aumento dos rendimentos de uma quantidade significativa de pessoas que ainda estão numa situação financeira que faz com que isso seja realmente importante para a sua qualidade de vida. Por outro lado, o aumento de receitas públicas cria recursos que podem ser importantes para tornar viáveis políticas que também podem ter um efeito desejável importante, tais como aumentar os recursos para o sistema nacional de saúde, para o sistema de Justiça (actualmente algo disfuncional) ou aumentar o RSI para lidar com as situações de miséria mais agudas.</div><div><br /></div><div>Estas razões, importa-me deixar isto muito claro, não justificam que abdiquemos de procurar diminuir o impacto ambiental com medo do impacto económico desta decisão. Elas justificam sim que procuremos encontrar, para as medidas com igual redução de impacto, as que têm menor impacto negativo no PIB (tudo o resto igual), ou até positivo.</div></div><div><br /></div><div><br /></div><div><br /></div><div><div>Notas adicionais:</div><div><br /></div><div>* Por vezes existem experiências traumáticas que mudam de forma repentina os princípios e valores de uma sociedade. A segunda guerra mundial transformou profundamente duas sociedades (alemã e japonesa) cujos valores dominantes tinham uma componente marcial/beligerante relevante, tornando-as em sociedades extremamente avessas a qualquer forma de militarismo ou agressão, num espaço de menos de duas décadas.</div><div>As catástrofes ambientais para que a humanidade caminha inconscientemente têm o potencial de ser muito mais graves e traumáticas do que a segunda guerra mundial, pelo que poderiam propiciar as condições para uma alteração de valores rápida e radical.</div><div>A razão pela qual descartei esta possibilidade é porque estou, talvez ingenuamente, a partir do princípio que o objectivo será lutar com todas as forças para evitar que passemos por tais catástrofes, pelo que a acção terá de antecipar o trauma que elas podem propiciar. É evidente que não sou ingénuo ao ponto de acreditar que não vamos sofrer colectivamente situações de enorme gravidade que fazem parecer os incêndios deste Verão como apenas a ponta do icebergue. Mas acredito que é possível anteciparmo-nos às situações mais traumáticas.</div><div><br /></div><div>** Fora de um enquadramento antropocêntrico (e a minha posição sobre essa questão já foi explorada <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2012/04/o-ser-humano-e-natureza.html#more">aqui</a>), a destruição do património natural tem consequências negativas que ultrapassam o valor que esse património tem para nós. Isso quer dizer que, mesmo que o PIB contemplasse a destruição de valor por via do impacto ambiental, continuariam a existir razões ambientais para não maximizar essa medida do PIB.</div><div>Mas essa medida do PIB seria efectivamente mais adequada para aquilo que o PIB se propõe medir. Se à contribuição dada pela GALP para o PIB devida à venda de combustível refinado é subtraído o valor associado às compras de petróleo bruto necessárias, não deveríamos ser cegos para com os outros custos associados à produção que acabaremos eventualmente por pagar.</div><div><br /></div><div>-Não mencionei a questão do «crescimento infinito». Nada daquilo que escrevi assume que o crescimento pode ser infinito, mas este texto já vai longo, e essa questão exige um post inteiro para a explorar. De qualquer forma, afirmação de que os economistas presumem um crescimento constante (e por consequência infinito) exige um exame mais aprofundado.</div><div><br /></div><div>-Foquei particularmente os custos ambientais do crescimento económico, e não mencionei aqueles que podem ser vistos como «custos sociais». Não obstante, o enquadramento exposto para lidar com a relação entre impactos económicos e impactos ambientais pode também ser aplicado à relação entre impactos económicos e impactos sociais, e as críticas que apresentei ganham igual ou maior pertinência, no meu entender. </div></div><div><br /></div>
</div>
João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com1tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-8085046517308808822021-09-05T12:46:00.004+01:002021-09-05T12:46:28.827+01:00Ainda sobre o Afeganistão - e não só<p style="text-align: justify;">Em 2003, pouco antes da invasão do Iraque, a cadeia televisiva MSNBC cancelou um programa televisivo com enorme audiência e despediu o escritor e apresentador Phil Donahue que era responsável. </p><p style="text-align: justify;">Poderíamos especular a respeito do "porquê" dessa decisão, mas uma <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Phil_Donahue">fuga de informação permite conhecer a resposta</a>: </p><p style="text-align: justify;">«<i>Soon after the show's cancellation, an internal MSNBC memo was leaked to the press stating that Donahue should be fired because he opposed the imminent U.S. invasion of Iraq and that he would be a "difficult public face for NBC in a time of war" [21] and that his program could be “a home for the liberal anti-war agenda”.[22] Donahue commented in 2007 that the management of MSNBC, owned at the time by General Electric, a major defense contractor, required that "we have two conservative (guests) for every liberal. I was counted as two liberals."[23]</i>»</p><p style="text-align: justify;">Na altura não se falava em "fake news" e na pandemia de desinformação, mas já existiam <a href="https://en.wikipedia.org/wiki/Media_coverage_of_the_Iraq_War#Criticisms_of_pro-invasion_bias">inquéritos que mostravam que cerca de 69% dos americanos acreditava que Saddam esteve directamente envolvido no ataque aos EUA no dia 11 de Setembro</a>. </p><p style="text-align: justify;">Esta percepção completamente oposta à realidade não surgiu "do nada": os meios de comunicação social "tradicionais" desinformaram o público a tal ponto que <b>quanto menor o consumo de informação televisiva, menor a probabilidade de estar equivocado a respeito da invasão do Iraque</b>. Programas satíricos como o "Daily Show" proporcionavam à sua audiência uma percepção mais fidedigna dos factos do que as grandes cadeias televisivas. </p><p style="text-align: justify;">Isto não foi coincidência ou acidente: foi deliberado. O que o memorando relativo ao despedimento de Phil Donahue mostra é que as perspectivas críticas da invasão foram deliberadamente suprimidas, tornando qualquer análise da invasão distorcida, enviesada e desinformativa.</p><p style="text-align: justify;">Mas este <a href="https://www.theguardian.com/media/2003/mar/31/broadcasting.Iraqandthemedia1">nem sequer é caso único</a>:</p><p style="text-align: justify;">«<i>NBC has fired the Pulitzer prize-winning reporter Peter Arnett after he gave a controversial interview to Iraqi state television in which he said American military plans had failed.</i>»</p><p style="text-align: justify;">E há mais <a href="https://www.globalissues.org/article/461/media-reporting-journalism-and-propaganda">umas tantas dezenas</a>.</p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">O peso tremendo que a indústria de armamento tem nos conteúdos informativos dos EUA ajuda a explicar o enorme falhanço da sua ocupação do Afeganistão. Fora do Afeganistão, os americanos foram, de longe, os principais prejudicados com a ocupação deste território. </p><p style="text-align: justify;">Já as acções das cinco maiores empresas de armamento viram o seu preço aumentar dez vezes nos últimos vinte anos. Superaram amplamente o resto do mercado e foram dos melhores investimentos que alguém poderia ter feito. </p><p style="text-align: justify;"><br /></p><p style="text-align: justify;">A "mama" no Afeganistão acabou, mas agora é importante criar a percepção no público de que a retirada foi um erro colossal, para que outro Presidente não se atreva tão cedo a enfrentar o poderoso complexo militar-industrial. </p>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com13tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-16108575910045966992021-08-16T17:11:00.005+01:002021-08-17T10:01:09.063+01:00Afeganistão e o complexo militar-industrial<p style="text-align: justify;">Fico com pena que o anterior governo afegão tenha caído e que os Talibãs tenham voltado a assumir o controlo do país. Corrupto que fosse o governo anterior, parece-me claro que no curto prazo a situação vai piorar para as mulheres, para os não religiosos, para os não-fundamentalistas e, em geral, para a população. </p><p style="text-align: justify;"><b>No entanto,</b></p><p style="text-align: justify;">Não é apenas que concorde a 100% com a decisão de Joe Biden de retirar as tropas americanas por muitas e diversas razões. É que este desfecho dá-nos que pensar a respeito de uma delas. </p><p style="text-align: justify;">Olhemos para a situação há cerca de um ano: os talibãs controlavam uma parte substancial do território apesar do governo ter do seu lado a maior potência militar e económica do mundo inteiro. Porquê? Uma resposta imediata seria dizer que a população tem um grande apreço pelos talibãs, e que nem todos os recursos disponibilizados pelos EUA - que foram muitíssimos - poderiam ser capazes de inverter a situação. Seria uma população tão favorável ao fundamentalismo islâmico que nem décadas e milhões investidos numa estratégia de "ganhar mentes e corações" teria conseguido dar frutos. </p><p style="text-align: justify;">Parece-me uma resposta errada. Ao contrário do que aconteceu no Vietname ou noutros teatros de guerra, não existiram grandes potências investidas no falhanço dos EUA, e os recursos investidos na ocupação do Afeganistão seriam mais que suficientes para que uma larga maioria dos afegãos passasse a valorizar o ocidente em geral e os EUA em particular, se a estratégia fosse adequada. </p><p style="text-align: justify;">O problema é que não podemos assumir que os EUA agiram como um "estado racional" que tem um determinado objectivo estratégico e faz tudo o que pode para o cumprir. A estratégia dos EUA - usar bombardeamentos via drones de forma tão exagerada e com uma falta de critério bárbara e criminosa, como se quisessem facilitar ao máximo o recrutamento por parte dos talibãs e de todos os grupos fundamentalistas islâmicos pelo planeta fora - não faz sentido se pensarmos que o seu objectivo estava alinhado com os objectivos geoestratégicos dos EUA. Mas faz todo o sentido se pensarmos que o seu objectivo estava alinhado com os objectivos económico-financeiros da indústria de armamento. </p><p style="text-align: justify;">Vejamos: a indústria de armamento nos EUA é responsável por cerca de 10% da receita de publicidade das grandes cadeias televisivas (Fox, CNN, MSNBC, etc.). Como devem imaginar, não se gastam estes milhares de milhões em publicidade para convencer o eventual general a meio do seu zapping a comprar os tanques mais avançados, muito menos se assume que o público americano em geral é o "consumidor final" dos submarinos nucleares de última geração. A razão de gastar estes balúrdios todos os meses corresponde a uma estratégia de "relações públicas" por parte da indústria de armamento. Uma a que conduz a que a cobertura informativa seja tal que, enquanto mais de 70% dos europeus tinha perfeita noção de que não existiam armas de destruição massiva nenhumas no Iraque e que a pressa dos EUA em ignorar Hans Blix vinha precisamente da consciência dessa ausência; uma quantidade semelhante de americanos acreditava que Saddam tinha sido parcialmente responsável pelo ataque às torres gémeas. Saddam, um ditador sanguinário conhecido pela perseguição implacável dos fundamentalistas religiosos. Esta desinformação do público americano não foi um acidente nem uma coincidência: com os principais órgãos de comunicação social sujeitos à "estratégia de relações públicas" da indústria militar, outro resultado não seria de esperar. </p><p style="text-align: justify;">E a maior ferramenta de controlo político por parte desta indústria nem sequer é essa. Nos EUA a legislação relativa a "contribuições de campanha" é muito permissiva. Ser a favor de uma invasão ou da subida de impostos / desfalcamento do estado social / endividamento que a financiam pode ser impopular e levar um legislador a perder votos dos eleitores mais atentos; mas a contribuição de campanha das indústrias militares que recompensam o legislador por essa opção permitem financiar anúncios e outras acções de campanha que conquistam muitos mais votos. Isto explica os corpos legislativos "às ordens" da indústria de armamento. E se isto é assim com uma invasão, também é assim com uma ocupação disfuncional que enche os bolsos da indústria de armamento. </p><p style="text-align: justify;">Esta explicação encaixa perfeitamente nos factos. Ao longo de 20 anos a ocupação americana não tornou o governo afegão mais popular: tornou-o menos popular. Bombardeando casamentos, funerais, assassinando inocentes e socorristas, e cometendo mais umas tantas atrocidades e crimes de guerra, os talibãs e toda a sorte de fundamentalistas islâmicos foram ficando cada vez mais populares e perigosos - fazendo a indústria de armamento ganhar duas vezes: uma pelas armas e munições usadas hoje; outra pelas que serão necessárias amanhã. </p><p style="text-align: justify;">Para acabar com o regime Talibã, Biden deu o primeiro passo. Quanto mais longe os EUA estiverem, mais próximo estará o dia em que o apoio popular aos talibãs termina. </p><p style="text-align: justify;">Até lá, os EUA só poderão resolver este problema e começar finalmente a combater o terrorismo quando fizerem uma reforma profunda no financiamento das campanhas eleitorais e deixarem de ter os fabricantes de armas a determinar a política externa. </p><p style="text-align: justify;">Existem outras razões pelas quais o abandono dos EUA foi uma boa notícia, mas esta é a principal.</p>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-55468587445201300962021-07-17T20:24:00.011+01:002021-11-22T07:39:47.055+00:00Esquerda e responsabilidade orçamental<div style="text-align: justify;">A Iniciativa Liberal é um partido de direita cujas propostas orçamentais se pautam pela irresponsabilidade orçamental. A Iniciativa Liberal quer diminuir as taxas de IRS, IRC e uma série de outros impostos, reduzindo por essa via a receita fiscal, sem que proponham uma redução equiparável da despesa pública. Sim, existem as promessas vagas de combate ao desperdício e ineficiência, mas no que diz respeito às grandes rubricas, as propostas da IL vão no sentido de aumentar a despesa pública, prometendo um sistema de seguros privados mais custoso ou um cheque-ensino que sairia mais caro. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Esta novidade é bem-vinda porque pode ajudar a destruir um conceito que tanto gente à esquerda como à direita já tinha interiorizado em Portugal: que a responsabilidade orçamental está associada à direita, ou que a irresponsabilidade orçamental é uma característica da esquerda. De facto, todos os partidos que têm defendido a necessidade de contas públicas equilibradas (PSD, CDS, PS) são partidos com um programa económico de direita (PSD, CDS) ou de centro-direita (PS). Se a isto somarmos o facto de muitas pessoas atribuírem a crise de 2011 ao suposto "despesismo" do PS e ao facto deste partido ter defendido uma consolidação orçamental mais suave que o PSD, está formada a "tempestade perfeita" para criar esta percepção errônea: quanto mais à esquerda, mais orçamentalmente irresponsável. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Esta percepção errada não resiste ao alargamento de perspectivas: nos EUA, pelo menos nas últimas 4 décadas, têm sido os governos mais à direita aqueles que mais têm aumentado o défice, e os governos mais à esquerda aqueles que mais o têm combatido. E no panorama europeu verificamos que os estados sociais mais sólidos e robustos foram construídos pelos governos que têm mantido contas públicas mais sólidas. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No entanto, o que há de mais curioso nesta noção de que a esquerda seria "orçamentalmente responsável", é pensar nas consequências de um saldo orçamental negativo "crónico" com as consequências de um saldo orçamental positivo "crónico". Em tese, faria sentido a direita ser orçamentalmente irresponsável e a esquerda ser orçamentalmente responsável, pelo menos se assumirmos que os gastos públicos servem principalmente para financiar o estado social. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">No seu livro "O Capital no Século XXI", ao procurar explicar o aumento galopante das desigualdades, Picketty considera que uma parte importante da equação diz respeito à evolução do património público: desde os anos 70 que vemos o capital público a diminuir em proporção do rendimento da economia e ainda mais enquanto proporção do capital total:</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;"><div class="separator" style="clear: both; text-align: center;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-IYd4dTthMqM/YPMhGrMAuWI/AAAAAAAAKLs/I2lj_b1gIDYqLYKkFJ5-MgGEWT3pNnYbACLcBGAsYHQ/s1939/Picketty_publicAssets_2.jpeg" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" data-original-height="1354" data-original-width="1939" height="446" src="https://1.bp.blogspot.com/-IYd4dTthMqM/YPMhGrMAuWI/AAAAAAAAKLs/I2lj_b1gIDYqLYKkFJ5-MgGEWT3pNnYbACLcBGAsYHQ/w640-h446/Picketty_publicAssets_2.jpeg" width="640" /></a></div><br /> </div><div style="text-align: justify;">Para a direita, esta evolução é sem dúvida positiva, pois significa que uma maior proporção dos activos e meios de produção está nas mãos de actores privados que os gerem, alegadamente, de forma mais eficiente. </div><div style="text-align: justify;">A esquerda, pelo contrário, não pode separar esta evolução do aumento das desigualdades e estagnação dos salários reais que lhe está associada, e não costuma fazê-lo. É comum ver esta evolução como um retrocesso ao panorama social e político anterior às grandes guerras, marcado pela instabilidade e pelas profundas desigualdades que lhe deram origem.</div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas esta evolução é, no que concerne ao património público, uma consequência directa de saldos orçamentais negativos crónicos. Esta "trajectória económica de direita" é consequência de escolhas políticas que são vistas como sendo de esquerda por uma enorme proporção do público e dos actores políticos. <b>Se o saldo orçamental das contas públicas for positivo, o património público aumenta. Se o saldo orçamental das contas públicas for negativo, o património público diminui.</b> </div><div style="text-align: justify;">Assim sendo, faz todo o sentido que a Iniciativa Liberal faça propostas orçamentalmente irresponsáveis. Se o estado gastar mais dinheiro do que aquilo que recebe, terá de privatizar as empresas públicas que ainda restam para pagar as contas, ou então de agravar o seu grau de endividamento, o que significa que no longo prazo o estado passará a cobrar impostos aos trabalhadores em geral para pagar os juros aos credores. </div><div style="text-align: justify;">O que parece mais bizarro é que o BE, o PCP e o PEV também o façam. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Claro que esta exposição simplifica um pouco o panorama. Nem a IL nem o BE, PCP e PEV alegam que querem aumentar o grau de endividamento do estado. Aliás, o BE, PCP e PEV até se bateram pela reestruturação da dívida pública na sequência da crise de 2011, precisamente como uma forma de diminuir este endividamento excessivo. </div><div style="text-align: justify;">Existem, no entanto, duas questões diferentes a considerar. Uma é a necessidade de políticas contra-cíclicas. Com poucas excepções, todos reconhecerão a importância de políticas contra-cíclicas, deficitárias quando a economia está em baixo, e vice-versa. Faz sentido que a esquerda seja ainda mais favorável do que a direita a uma intervenção "estabilizadora" neste sentido, na medida em que não só a mesma corresponde a uma intervenção pública no contexto de uma economia de mercado, como tipicamente terá um impacto redistributivo. Assim sendo, defender um défice pontual no contexto de uma crise como a de 2011 pode ser correctamente visto como uma posição de esquerda. Não é isso que está em questão neste texto: falamos daquilo que seria o défice "médio", num ano não especialmente bom, nem especialmente mau. </div><div style="text-align: justify;">Já tenho visto alguns líderes políticos de esquerda a defender um conjunto de políticas que resultaria num défice crónico dando a entender que se trataria de uma política contra-cíclica, destinada a estimular uma economia que tem crescido pouco ao longo das últimas duas décadas. Note-se que isto não é uma política contra-cíclica: uma política contra-cíclica defende saldos menores quando o crescimento está abaixo da média, não quando está abaixo dos nossos desejos. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">A segunda questão a considerar são as justificações dadas pela IL ou BE, PCP e PEV para alegar que as políticas que propõem não iriam aumentar significativamente a dívida pública. A IL entra no "Reagonomics" puro e duro: como baixam o IRS, as pessoas trabalham mais, a receita aumenta. Esta fantasia já foi testada várias vezes, falha sempre, resulta em défices avassaladores, e os líderes da IL sabem perfeitamente disso. Noutras circunstâncias não explicaria por má fé aquilo que poderia explicar por preconceito ideológico, mas Portugal já leva uns bons anos a mudar estas taxas para cima e para baixo e existem poucas dúvidas que uma forte redução das taxas de IRS iria reduzir a receita no actual contexto. Não existe sequer debate entre quem conhece os números a não ser quanto à dimensão da redução. Dito isto, esta posição demagógica pode ser considerada menos irresponsável por quem partilhar o mesmo conjunto de valores e princípios, na medida em que tal erro apenas resultaria numa diminuição do património público, algo que dificilmente os apoiantes da IL considerarão trágico. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Já as justificações do BE, PCP ou PEV para defender políticas que resultariam em défices crónicos são menos simples. Por vezes evitam a questão afirmando que as consequências futuras e perversas daquilo que defendem como justo (aumentar as prestações sociais, o investimento público e o financiamento dos serviços públicos sem aumentar a tributação) se devem às contradições e insustentabilidade do sistema capitalista em si. A ser levada a sério, esta justificação faria com que os eleitores que se sentem seduzidos pelo programa moderado e social-democrata destes partidos devam evitar votar neles: afinal de contas as suas propostas teriam, assumidamente, más consequências a menos que o capitalismo venha a ser abolido num futuro próximo. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Outras vezes, no entanto, o argumento é mais complexo. Por vezes aquilo que se defende é que os défices só têm estas consequências perversas devido à falta de independência monetária do país. Que se o estado controlasse a política monetária (por exemplo, estando fora do euro), poderia endividar-se sem que isso trouxesse consequências perversas. Controlando a moeda, poderia manter juros baixos e qualquer nível de endividamento seria sustentável. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Mas será que seria assim? O exemplo do Japão e dos EUA é frequentemente apontado, mas em ambos os casos verificou-se esta mesma redução do património público em consequência dos défices crónicos. Algo que conduz a um aumento das desigualdades e tem um impacto negativo no que concerne à distribuição da riqueza, com parte da receita fiscal do estado a servir como uma "renda" dos cidadãos com maior património. </div><div style="text-align: justify;">Se o estado pudesse controlar o banco central, poderia tentar usar a inflação para reduzir os juros reais que tem de pagar, mas essa é uma opção que apenas resulta temporariamente e não resolve o problema de fundo: os juros reais ficarão maiores do que inicialmente a médio prazo, assumindo que a autoridade monetária vai sempre evitar um fenómeno de hiper-inflação. Isto nem sequer é abstracto: Portugal teve autoridade monetária durante vários séculos, e os défices crónicos sempre deram origem a uma diminuição do património público. Não existe nenhum país que seja excepção a esta regra. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div><div style="text-align: justify;">Por estas razões, fica difícil de explicar porque é que em Portugal os partidos de esquerda assumem posições que por um lado contribuem para agravar as desigualdades e transferir riqueza de quem não tem património para quem tem, e por outro lado contribuem para que estes partidos sejam vistos como irresponsáveis e irrealistas pela população menos politizada. </div><div style="text-align: justify;"><br /></div>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com12tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-18108202212349871092021-06-02T20:35:00.009+01:002021-06-02T21:04:05.728+01:00A deriva de direita na política monetária<p>Neste blogue <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/12/deriva-de-direita-em-imagens.html">tenho</a> <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/12/deriva-de-direita-em-imagens-parte-ii.html">várias</a> <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/12/deriva-de-direita-em-imagens-parte-iii.html">vezes</a> afirmado que tem havido uma "deriva de direita", e até fiz uma <a href="https://esquerda-republicana.blogspot.com/2011/12/deriva-de-direita-em-imagens-parte-iii.html">previsão bem certeira</a>, antecipando a popularidade do CHEGA anos antes desse partido sequer surgir no mapa. </p><p>Mas é interessante olhar para essa deriva no contexto específico da política monetária. Teria talvez maior pertinência tê-lo feito há mais tempo, quando a inflação estava claramente abaixo do alvo (talvez estejamos a entrar num contexto onde a economia viverá o problema oposto). </p><p>Mas recuemos uns anos, em plena crise de falta de procura agregada, juros perto de zero, e inflação abaixo do alvo. Perante este contexto, como deveria a sociedade responder no que concerne à política monetária?</p><p>Vamos colocar possíveis soluções para essa crise económica, da direita para a esquerda. Tentarei descrever cada uma fazendo um esforço para traduzir o ponto de vista de quem a defende como correcta:</p><p>1- <b>Solução "austríaca"</b>. Ter a política monetária nas mãos de burocratas é um erro. Em vez de manter o sistema de reservas fractional e uma moeda "artificial", deveriam ser os mercados a ter o controlo total, pois são as distorções de mercado causadas por políticas monetárias desajustadas que estão a causar estes problemas. Deviam deixar de existir bancos centrais e os bancos em geral teriam de garantir os depósitos a 100%.</p><p>2- <b>Subir os juros.</b> Sim a inflação (Pi) está muito abaixo do alvo, mas ter juros tão perto de zero é inaceitável. A solução correcta seria subir os juros nominais (i). No longo prazo a inflação irá inevitavelmente subir até porque para os mesmos juros reais (r) temos a relação i=r+PI, e portanto aumentar os juros nominais i deverá causar uma subida da inflação Pi.</p><p>3- <b>Manter os juros constantes </b>(perto de zero)<b>.</b> Sim, a inflação está muito abaixo do alvo, mas será que isso é mesmo mau? Os preços descerem não acaba por ser melhor para as pessoas, que assim ganham poder de compra? São de evitar intervenções do Banco Central pouco ortodoxas, de resultado incerto, que vão inevitavelmente criar distorções.</p><p>4- <b>Quantitative Easing (QE)</b>. Já que não podemos baixar os juros, pelo menos podemos comprar activos no mercado secundário para conseguir que chegue maior quantidade de dinheiro à economia e fazer a inflação ficar mais perto do alvo. Isso tem a vantagem de estimular directamente o investimento (valoriza os activos, tornando o investimento mais apetecível, aumentando a liquidez dos investidores, etc.).</p><p>5- <b>Dinheiro de Helicóptero</b>. Se queremos que chegue dinheiro às pessoas para que a inflação fique mais perto do alvo, que tal dar dinheiro <u>directamente </u>às pessoas? Isso vai estimular a procura (num contexto em que está em falta) e indirectamente estimular o investimento (pois o investimento é mais rentável se existir procura para os produtos do que se não existir). O QE favorece as pessoas com mais património, esta solução é mais justa e provoca menos distorções.</p><p>6- <b>Senhoriagem temporária</b>. Se queremos que chegue dinheiro à economia, podemos financiar o investimento público sem aumentar a carga fiscal: basta criar dinheiro e dar directamente aos estados. O problema disto é causar inflação, mas se a inflação está abaixo do alvo isso não é um problema, é uma solução! Matam-se dois coelhos de uma só cajadada.</p><p>7 - <b>Senhoriagem permanente. </b>Faz pouco sentido ter os Bancos Centrais dirigidos por burocratas não eleitos. Numa sociedade democrática, a política monetária também deve ser controlada democraticamente e utilizada como mais uma ferramenta económica por parte dos poderes públicos. A criação de moeda pode ser uma fonte de financiamento público utilizada para financiar até o estado social ou outras políticas públicas. O alvo para a inflação não precisa de ser tão baixo, e é possível usar a política fiscal para garantir que o alvo é atingido (baixar os impostos se a inflação estiver abaixo, subi-los se estiver acima). </p><p>8- <b>Solução anti-capitalista.</b> Estas fantochadas todas não passam de "soluções" para salvar o capitalismo, mas esta crise mostra que o capitalismo é um sistema instável e insustentável. Em vez de usar políticas monetárias para sair da crise, devemos usar a crise para perceber que o capitalismo tem falhas estruturais e deve ser abandonado.</p><p>Faltarão outras, mas o texto já vai longo.</p><p>Na sequência da crise de 1929, onde a opção da Reserva Federal por uma política algures entre o 3 e o 2 conduziu a uma das maiores catástrofes económicas na História recente, o pensamento político e económico sobre este assunto mudou consideravelmente.</p><p>As opções "aceitáveis" sobre o que fazer em relação a este cenário hipotético passaram a estar algures entre o 7 e o 5. Na defesa da política 5 destaca-se Milton Friedman, uma das figuras mais à direita no panorama político e ideológico da altura. E assim foi durante algumas décadas. </p><p>Mas, a partir dos anos 80, a "deriva de direita" no que concerne à política económica começou e não parou desde então. E, a determinada altura, na sequência da crise de 2008 e depois de 2011 o "cenário hipotético" tornou-se realidade. </p><p>E o debate político sobre qual a política monetária adequada, onde se situou? Sabemo-lo: entre os pontos 3 e 4. A solução 5 não foi sequer contemplada como uma possibilidade realista, a não ser por algumas figuras mais à esquerda. Elas atreveram-se a propor algo que antes era defendido por Milton Friedman.<br /><br />É de repetir: "centro" do debate político nesta matéria passou dos pontos 7 a 5 para os pontos 3 a 4. As soluções mais à direita entre as aceitáveis passaram a estar à esquerda das soluções mais à esquerda entre as aceitáveis. </p><p>Assim vemos como nesta questão económica crucial - a própria "quantidade de dinheiro" em causa! - o debate "moderado" se desviou tanto. Uma ideia defendida pelas figuras mais à direita passou a ser considerada irrealista por estar tão à esquerda. <br /></p>João Vascohttp://www.blogger.com/profile/14810948198773329192noreply@blogger.com2tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-62218215304370145752021-01-26T02:15:00.001+00:002021-01-26T02:17:02.962+00:00Contas miudinhas e algumas considerações avulsas<p>Votaram na eleição presidencial de domingo 4,3 milhões de cidadãos, menos do que
na primeira eleição de Marcelo em 2016 (4,7 milhões) e na reeleição de Cavaco
Silva em 2011 (4,5 milhões), mas mesmo assim só francamente pior do que em 2006,
quando votaram 5,5 milhões (e não vale a pena recuar mais). Num contexto de
pandemia e de reeleição, foi uma participação muito boa.
<p>O facto maior da eleição é obviamente a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa (havia um único cargo em disputa, o resto são vitórias morais, derrotas simbólicas e testes de popularidade), e também ter sido tão expressiva (61%), só inferior às releições de Soares em 1991 (70%) e de Eanes em 1980 (62%). Venceu em todos os municípios (creio que nunca acontecera). A partir de Março, a maioria parlamentar de esquerda enfrentará em Belém um Presidente empoderado por um resultado historicamente frágil do campo progressista: uns meros 24%. Duvido que não paguemos este resultado muito caro: habitualmente, os segundos mandatos dos presidentes são bem menos equilibrados e centristas.
<div class="separator" style="clear: both;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-Cpc-dHrNBXs/YA9vjxAxg5I/AAAAAAAABxY/qmDBIYWKhBQrihs4eMkAWmdr31RB8OgWwCLcBGAsYHQ/s0/MRS3.jpg" style="display: block; padding: 1em 0; text-align: center; "><img alt="" border="0" data-original-height="518" data-original-width="920" src="https://1.bp.blogspot.com/-Cpc-dHrNBXs/YA9vjxAxg5I/AAAAAAAABxY/qmDBIYWKhBQrihs4eMkAWmdr31RB8OgWwCLcBGAsYHQ/s0/MRS3.jpg"/></a></div>
<p>O principal responsável por a esquerda não conseguir sequer um quarto do eleitorado chama-se António Costa. O mesmo político que conseguiu quebrar com quatro décadas de muro entre as duas esquerdas parece não ter compreendido que os acordos de 2015 lhe conferiam uma responsabilidade especial, e que a partir daí nada seria igual. Talvez não tenha compreendido que a partir de agora é um Primeiro Ministro precarizado.
<p>Ana Gomes teve um resultado honroso em condições políticas e pessoais muito difíceis. O PS ter faltado à chamada, mesmo muito mais do que quando o candidato era Alegre ou Nóvoa, é algo que deveria fazer reflectir sobre se não faltará um partido menos acomodado nessa área. E, felizmente, André Ventura foi estúpido ao ponto de prometer demitir-se se ficasse atrás de Ana Gomes e de lhe ter chamado a «candidata cigana». Sem esses dois gestos fúteis, o político mais incoerente e histérico da 2ª República talvez tivesse ficado em segundo.Ricardo Alveshttp://www.blogger.com/profile/03801903003049105480noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-11334150.post-53062946326417325762021-01-22T23:52:00.005+00:002021-01-22T23:57:01.343+00:00Voto Ana Gomes<p>Voto Ana Gomes porque devemos sempre votar em quem defende o ideal de sociedade mais próximo do que desejamos. Nenhuma outra candidatura se aproximou mais de defender a República democrática pela qual os melhores lutam desde 1974. Tem também a grande vantagem de ter um extenso currículo no combate contra as corrupções que são usadas (quase sempre ilegitimamente) para desacreditar o regime que mais progresso trouxe a este país.
<p>No próximo domingo, os que votarem Ana Gomes poderão dizer que não se deixaram adormecer num centrão equívoco que é o pasto de todos os populismos, e que Marcelo, infelizmente coadjuvado por Costa, tem alimentado. Mais: estarão de consciência tranquila para um segundo mandato que será, como sempre tem sido, muito diferente do primeiro, provavelmente com mais vetos e magistraturas de influência musculadas do que fotografias e momentos de redes sociais.
<p>Entretanto, desejo o melhor às candidaturas de esquerda que somam votos contra o maior dos males.
<div class="separator" style="clear: both;"><a href="https://1.bp.blogspot.com/-GU483jq5zjI/YAthnadtWII/AAAAAAAABxE/nueiwmw0UMg-3BHNxZHX7SKI84A-uG40gCLcBGAsYHQ/s0/Ana-Gomes.jpg" style="display: block; padding: 1em 0; text-align: center; "><img alt="" border="0" data-original-height="274" data-original-width="440" src="https://1.bp.blogspot.com/-GU483jq5zjI/YAthnadtWII/AAAAAAAABxE/nueiwmw0UMg-3BHNxZHX7SKI84A-uG40gCLcBGAsYHQ/s0/Ana-Gomes.jpg"/></a></div>Ricardo Alveshttp://www.blogger.com/profile/03801903003049105480noreply@blogger.com0