segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A aliança do velho clericalismo com o neoliberalismo


Já o disse e repito: nenhum governo depois do 25 de Abril foi tão fortemente apoiado pela ICAR como o actual. As razões são profundas: a ICAR compreendeu que esta crise e a destruição do Estado social são a oportunidade do século para alargar a sua influência institucional. Muito simplesmente, porque onde fechar uma escola pública abrirá um colégio católico (conferir o cheque ensino de Crato), onde fechar um hospital público abrirá um hospital da «sociedade civil» (conferir a entrega de hospitais às Misericórdias por P. Macedo), onde houver um pobre lá estará a caridade, agora sem alternativas (conferir o aumento do desemprego e a diminuição das prestações sociais, por Mota Soares).

Não é um acaso que as declarações de Policarpo e Clemente sejam programadas para acertar em momentos críticos: quando o povo saiu à rua contra a TSU, Policarpo apelou a que não se manifestassem, mas que pelo contrário se «sacrificassem»; quando o «aguenta-aguenta» de Ulrich causava escândalo, ele fez coro com o banqueiro; quando os professores abalaram Crato, Clemente apelou a que parassem com a greve, e na crise de Julho disse que «recusava» eleições e queria estabilidade. Agora, no momento de mais uma manifestação e perante as dificuldades do orçamento de 2014, Policarpo esclarece que mantém o apoio ao governo, à política de austeridade e ao empobrecimento das classes médias:
  • «Parece que ninguém sabe que Portugal está numa crise e dá a ideia que todos reagem como se o estado pudesse satisfazer as suas reivindicações (...) Não encontrei ninguém das oposições - todas elas - que apresentasse soluções».
Note-se: as reivindicações da ICAR, essas, têm sido satisfeitas. E há «oposições» que ainda lhe beijam o anel. Será que não entendem?

Lou Reed: «The Day John Kennedy Died»

Lou Reed (1942-2013)

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Sócrates: um vira-casacas ou um convertido sincero à causa dos Direitos Humanos?

Sócrates escreveu um livro contra a tortura, ao que consta. A ser verdade, acho bem. Simplesmente, acontece que este senhor ocupou o principal cargo executivo da República durante mais de seis anos (3/2005-6/2011), período que coincidiu com a ocultação de actos de tortura, e provavelmente com a sua prática. Vale a pena confrontar o Sócrates que foi «Familiar do Santo Ofício» com o Sócrates que agora se diz crítico da tortura.
  1. Circulavam pelos Açores (e outros aeroportos) aviões de Guantánamo e (menos) para Guantánamo (mas não faz muita diferença, porque a tortura não seria em Guantánamo, geralmente, mas antes ou depois). O governo português sabia, como o provaram os telegramas da Wikileaks. Luís Amado mentiu com todos os dentes quando o negou. Sócrates mentiu ao Parlamento, negando ter conhecimento dos voos (ver o vídeo). Agora, mantém que «Eu não sabia e acredito que o Ministro dos Estrangeiros também não sabia!»; mais, «[os EUA] fizeram-no abusivamente e abusando da boa-fé dos países amigos (...) os EUA enganaram muitos dos seus aliados» (Revista do Expresso, 19 de Outubro). Tão engraçado. Foi enganado pelos EUA, ou pelo sinistro Amado (nesta e noutras...)? Se quer que acreditemos nisso, esquece-se que podemos ler os boletins da embaixada dos EUA, que descrevem conversas do «bandalho» Amado com o «estupor» Sócrates sobre esses mesmos voos («the Minister said that he would push hard with the Prime Minister to allow Lajes to be used as a transit point in repatriating Guantanamo detainees», em 2006), e que garantem a autorização do próprio neo-militante anti-tortura: «Socrates agreed to allow the repatriation of enemy combatants out of Guatanamo through Lajes Air Base on a case-by-case basis» (em 2007).
  2. Às quatro da manhã de 1 de Outubro de 2006, um argelino chamado Sofiane Laib foi «expulso» de Portugal. Alegadamente, por elementos do SEF (armados!). Ou do SIS? A ordem de expulsão estava judicialmente suspensa, mas havia interesse da CIA em interrogá-lo sobre o 11 de Setembro (seria da Al-Qaeda). Foi levado para a Argélia, naquilo que pode configurar um sequestro. Ou algo mais, porque não é do conhecimento público se terá sido torturado em Argel ou Plovdiv. E Sócrates era Primeiro Ministro. Não soube de nada?
  3. Silva Carvalho (sim, o pide mais famoso depois do 25 de Abril) foi nomeado por Sócrates para liderar o SIED, em 2008. Antes de o ser, o «filho da mãe» já fazia campanha pública pela alteração da Constituição, para que as escutas ilegais passassem a ser legais (esse grande salto civilizacional). Quando o foi (até 2010), continuou a campanha. Não me recordo de o Primeiro Ministro José Sócrates ter defendido a privacidade dos cidadãos nessa época (e o SIED até dependia da Presidência do Conselho de Ministros). Mas recordo-me de um ministro chamado Alberto Costa ter apoiado essa campanha liberticida.
  4. A Lei Orgânica dos Serviços de Espionagem e Crime Organizado pelo Estado é de 2007. Está assinada por José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Alargou as atribuições/poderes/prerrogativas dos espiões. Aliás, o orçamento da espionagem e o número desses criminosos aumentaram imenso enquanto Sócrates era Primeiro Ministro. Ele «acreditava» que era para fazerem recortes de jornais?

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Revista de imprensa (24/10/2013)

  • «O programa cautelar consiste num tipo de assistência financeira a países que pertençam ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), criado por Tratado Intergovernamental em 2012, e que desde 1 de julho de 2013 é o único mecanismo permanente da Zona Euro para acudir a países em dificuldades financeiras. O MEE integra também o FEEF, o anterior fundo de resgate envolvido nos programas de ajustamento da Grécia, da Irlanda e de Portugal. (...) O crédito (empréstimo, ou compra de obrigações no mercado primário) seria cedido por um ano, renovável nos dois semestres seguintes. O País teria de assinar um novo Memorando de Entendimento com a Comissão Europeia, seria submetido a uma "vigilância reforçada" por parte das autoridades europeias de supervisão, incluindo o sector bancário, teria de apresentar relatórios mensais de execução ao MEE... Só mais um detalhe. Sobre tudo isto paira a sombra de um adiado acórdão do Tribunal Constitucional...alemão. Só ele vinculará, ou não, Berlim a todo o edifício da ligação entre o MEE e o BCE, de que depende o programa cautelar. O Tribunal de Karlsruhe terá a chave da nossa possível passagem de um "protetorado" no inferno do resgate para outro no purgatório cautelar.» (Viriato Soromenho Marques)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sábado, 26 de Outubro



O autor destas palavras é Warren Buffet e ele tem toda a razão. 
Os mais poderosos concentraram o seu poder, riqueza e influência nas últimas décadas, curto-circuitando a Democracia, e fazendo dos Governos seus criados. Tentam espalhar a mensagem de que não existem alternativas às políticas que os favorecem, e têm uma vitória em cada crédulo que nela acredita, em cada papagaio que a repete. 
Os grandes bancos provocaram uma crise internacional, e pagam milhões para que todos acreditem que a culpa é do estado social; eles viveram acima das nossas possibilidades, e alegam que os trabalhadores, desempregados e reformados é que têm de apertar o cinto; eles aumentam os seus lucros e o seu poder, e juram a pés juntos que têm de fechar escolas e hospitais - pois claro, os recursos são finitos e não dão para tudo. 
Cegos e desorganizados, caminhamos para um novo feudalismo, ouvimos ou repetimos as ladainhas usadas pelos poderosos para nos roubarem.

Impõe-se a dignidade da resistência. O imperativo moral de lutar pela Justiça. 

Não sei aonde é que esta manifestação vai chegar, mas sei que mas sei que levantar-me do sofá este Sábado é o mínimo que posso fazer. 
Menos que isso é conformismo, desistência, e o cinismo conveniente dos preguiçosos. 
Mais que isso, está nas nossas mãos: podemos não ter os recursos materiais e organizacionais, o tempo e a disponibilidade para enfrentar esta luta que os mais poderosos têm. Mas a história mostra que a necessidade aguça o engenho: se não desistirmos, teremos a criatividade, a iniciativa, a solidariedade, a força, os números, a convicção, a capacidade para vencer.  
Vamos transformar este mundo num lugar melhor.

Isto é só o começo. 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Criticar a Jerónimo Martins nas suas próprias barbas

Gostei da ousadia do Rui Tavares, ao denunciar a gigantesca fuga aos impostos operada pela Jerónimo Martins numa conversa organizada pela Fundação Manuel dos Santos (dirigida pela própria Jerónimo Martins). Muitos falam, falam, mas quando são convidados pela Fundação Manuel dos Santos fazem como se nada estivesse a acontecer, como se a Manuel dos Santos/Jerónimo Martins não estivesse a ir aos bolsos dos portugueses. Estou a pensar sobretudo em muita gente de esquerda.
Vivemos numa sociedade revoltada para dentro e que se deixa comprar por muito pouco. Precisamos mais desta ousadia, de boicotar as empresas que roubam os cidadãos, de gente a sair para a rua a protestar e a desobedecer pacificamente.

Quem elegeu a Comissão Europeia?

Uma organização intergovernamental de meia dúzia de países da Europa ocidental produziu um governo de facto de um continente inteiro, governo esse que não resulta de eleições e que se dá ao luxo de criticar o Tribunal Constitucional da democracia portuguesa. Há ditaduras menos subtis, é certo, mas a Comissão Europeia é talvez a maior responsável política pela crise dos últimos anos - e não a podemos sancionar em eleições.

O mundo ao contrário

Este artigo graxista do Público é uma pérola. Note-se:
  • «[Rui Moreira] enquadra-se aí, num certo pensamento republicano, numa certa tradição liberal de esquerda, setembrista e patuleia».
«Republicano», um membro da Causa Real (curiosamente, os monárquicos só reclamaram Moreira como seu no dia seguinte à eleição... talvez soubessem que antes seria prejudicial às hipóteses de eleição); «de esquerda», um homem que aceitou o apoio do CDS e de parte do PSD, e cujo pai terá sido do ELP. Até é «setembrista e patuleia»; não tarda nada, foi das FP's-25. Mais:
  • «Em 1991, aos 35 anos, decide vender as suas companhias. Não se sabe por quanto terá vendido nem quanto terá ganho. Sabe-se que foi o suficiente para manter uma vida abastada, para viajar, para abrir negócios pouco ortodoxos, como o da discoteca Pop ou para adquirir uma casa ampla e luxuosa na zona mais privilegiada da Avenida da Boavista».
Portanto, o «empresário» Rui Moreira já não o é, e há mais de vinte anos. Vendeu as lucrativas empresas que herdara da família, e vive dos rendimentos. Uau. Continuemos.
  • «Rui Moreira foi construindo lenta mas inexoravelmente uma imagem de portuense e portista culto, engagé, corajoso, informado e, à boa maneira republicana, determinado a bater-se por causas».
OK, já sabemos: é republicano. Que não haja espaço para dizer que é monárquico, isso é que é estranho. Outro assunto:
  • «(...) não eram porém meios de chegar às classes mais populares. Essa lacuna seria suprida com a entrada no painel de comentadores do programa da RTP-N Trio de Ataque, no qual Rui Moreira defenderia o FC Porto face ao benfiquista António Pedro Vasconcelos e ao sportinguista Rui Oliveira e Costa».
É também para isso que serve o futebol, está certo. Que Moreira não se demarque dos aspectos mafiosos do futebol, enfim, iria estragar a aproximação às «classes populares». Fica claro o retrato, de qualquer modo.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

A quadrilha da Tecnoforma reforça governo


Saiu Miguel Relvas entra Paulo Pereira Coelho. A quadrilha da Tecnoforma continua bem representada no governo. 
Para quem não sabe Paulo Pereira Coelho foi membro da direção da JSD juntamente com Miguel Relvas e Passos Coelho. Foi também presidente da Comissão de Coordenação Regional do Centro até 2004 e gestor do Programa Foral na Região Centro tendo selecionado e aprovado o financiamento da Tecnoforma gerida por Passos Coelho. Este financiamento está atualmente a ser investigado pela União Europeia. Pereira Coelho adjudicou ainda em 2004 um contrato de mais de 700 mil euros à empresa GPS, à qual se ligaria um ano depois. Em 2008 foi constituído arguido por crime de participação económica no projeto do Galante na Figueira da Foz. Em 2009, no âmbito do negócio do Edifício de Coimbra foi investigado por depósitos de 75 mil euros, em numerário, na conta de uma empresa sua. Pelo meio há contas muito mal explicadas sobre os milhões executados no âmbito do programa Lusitanea.
Segundo o Diário da República, Pereira Coelho não será remunerado. Veio-me uma lágrima ao canto do olho. Nem que ele pagasse para trabalhar, da mesma forma que Bernard Madoff não deveria trabalhar para a Reserva Federal dos EUA nem que pagasse milhões.
Se tivéssemos um presidente que presidisse isto dava direito a demissão do Primeiro Ministro.

sábado, 12 de outubro de 2013

Uma lei bem intencionada, mas muito mal escrita

Refiro-me à lei da limitação de mandatos, claro. As discussões sobre se se referia a presidentes "da" câmara ou presidentes "de" câmara merece ficar no anedotário.
Da minha parte, sou totalmente favorável à lei em si, na interpretação que o TC lhe deu. Tratando-se de um presidente que após três mandatos se candidata a outro município, a minha posição depende do caso. Genericamente não acho que deva ser proibido, embora acho que devesse ser nos casos de Luís Filipe Meneses e do seu delfim Ribau Esteves. Talvez devesse ser proibido dentro de municípios da mesma Junta Metropolitana (casos de Porto e Gaia, de Meneses) ou Comunidade Intermunicipal (casos de Ílhavo e Aveiro, de Ribau - que já era presidente dessa mesma Comunidade). Municípios vizinhos, portanto. Mas se se possibilitar candidaturas em Comunidades Municipais deiferentes, temos os candidatos "pára-quedistas", como Moita Flores (de Santarém para Oeiras) ou o senhor do Prós e Contras-de-cujo-nome-não-me-recordo, das Caldas da Rainha para Loures. Essa solução não me parece desejável, mas tenho dúvidas de que devesse ser proibida.
Muito mais obviamente para mim deveriam ser proibidas situações como a de Ferreira de Aves, onde a mulher conquistou a junta de freguesia e renunciou pelo marido (que vinha a seguir na lista), ou Elvas (onde o presidente da câmara em exercício se candidatou ao cargo de vereador, mesmo não estando previsto o cabeça de lista renunciar). Um presidente em final de três mandatos não deve poder voltar a pertencer ao executivo no mandato seguinte, seja como presidente ou vereador, seja numa junta ou câmara. O facto de a lei não prever esta possibilidade demonstra que é claramente defeituosa, devendo ser revista em breve.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A (luta pela) boa educação


A entrevista de Malala Yousafzaï - que hoje ganhou o Prémio Sakharov - a John Stewart, terça-feira passada.

A má educação

Imagine-se uma escola que garante «um rácio de cinco alunos/professor e 247 funcionários, assim como "piscina coberta, pista de atletismo, campo de futebol de 11 relvado, pista para aeromodelismo, tanques para remo, sala de esgrima, picadeiro (coberto e descoberto) e cavalariças"» (no fundo, um colégio de luxo, que evidentemente selecciona alunos na admissão e até os segrega pelo sexo). Apesar destas condições paradisíacas, os castigos físicos e os abusos de mais velhos sobre mais novos parecem ser não apenas comuns como instituídos e recomendados pela hierarquia paramilitar da escola. Apesar de 600 punições por ano num universo de 400 alunos, os abusos continuam, geração após geração na «lei do silêncio».
Uma escola destas, se fosse privada, seria fechada pela Segurança Social por causa da cultura de abusos prevalecente. No entanto, é estatal: é o Colégio Militar. Esta escola é paga com os nossos impostos.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

2+2=4

Não surpreende ninguém que a associação fascizante OSCOT defenda que não pode haver manifestações políticas na Ponte 25 de Abril: alguém viu, uma vez que fosse, esse grupo neofascista defender alguma liberdade?

sábado, 5 de outubro de 2013

República

5 de Outubro de 1910: quando o povo conquistou o poder, neste local.
5 de Outubro de 2013: quando o poder se fechou do povo, no mesmo local.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Braga

Ainda me lembro de uma rubrica da revista de sábado do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, onde era relatado o modo como os convidados se entretinham: o seu programa favorito de fim de semana. Era uma entrevista temática, disfarçada. Houve vários convidados de Lisboa e do Porto que levaram a revista a museus, espetáculos, jardins, bares noturnos... Um dia, o entrevistado foi o então presidente da Câmara de Braga. O seu entretenimento favorito era passar as tardes de fim de semana a jogar à sueca com os amigos, num restaurante perto do Bom Jesus.
Lembrei-me dessa rubrica ao ler este texto no facebook de Luís Tarroso Gomes:

"Mesquita Machado não foi um visionário. Entretido nos tempos livres a jogar à sueca, nunca quis saber de todas as outras cidades que nos poderiam ter servido de inspiração e é sintomático que se gabasse de passar férias em Braga. Como é visível numa simples volta de carro, Braga cresceu à toa sem qualquer preocupação de articulação com a velha cidade. Expandiu-se pelas quintas que se iam desmantelando e que um pequeno grupo de empreiteiros em ascensão havia comprado, certamente longe de imaginar que em breve o PDM alteraria a sua classificação para solo urbanizável. E cresceu sem futuro porque Mesquita Machado nunca quis nada com os académicos e os notáveis, rodeando-se sempre de gente sem grande mérito, talvez com medo que lhe tomassem o lugar. Mesquita Machado foi, no entanto, um político hábil: soube sempre calcular o preço dos que lhe faziam frente e, em vez de os ostracizar, contratava-os. A Câmara, as empresas e os serviços municipais funcionaram como uma espécie de cadeia perpétua para os seus opositores, que lhe permitiram também criar uma enorme rede que prendeu milhares de famílias a empregos municipais, assegurando as sucessivas reeleições. Nos últimos meses o desespero da saída e da crise levou a decisões que visam às claras dar apoio a privados e até a familiares em prejuízo do interesse público. Mesquita Machado, como todos aqueles que não sabem deixar o poder, sai, forçado, pela porta dos fundos." 

Mesquita Machado gaba-se de, quando chegou ao poder, ter encontrado uma cidade primitiva, onde escolas partilhavam espaço com currais. Isto poderia ser verdade há 37 anos. Hoje já não é. É possível que Mesquita Machado fosse um bom presidente há 37, há 30, mesmo até há 20 anos. Hoje, claramente não era. Não se soube afastar e teve de ser afastado.

Os pormenores e responsabilidades da sua gestão serão revelados, espero eu, após a auditoria que espero que seja feita à Câmara. Independentemente disso, para mim Mesquita Machado era um homem que se entretinha a jogar sueca e que se gabava de nunca sair de Braga. Os seus defeitos como autarca podem ser resumidos nisto.

Porto

Lamento o vencedor da eleição para a Câmara Municipal do Porto: parece-me um tipo com um discurso tão oco como o seu slogan. Slogan, aliás, tipicamente monárquico: "o nosso partido é o Porto". Coloca-se acima da disputa partidária... como um rei. Regozijo-me por os portuenses terem rejeitado o populismo de Luís Filipe Meneses, mas lamento a alternativa em que confiaram. Se bem que o apoio implícito do anterior presidente (vários membros do seu staff pertenciam à lista vencedora de Rui Moreira) justifica muita coisa.

Para o que eu não encontro justificação é para o PS ter perdido esta oportunidade de ouro, através da divisão do eleitorado de direita que as candidaturas de Moreira e Meneses significavam. Manuel Pizarro pode ser sério e competente (acredito que sim), mas parece-me não ter grande carisma. Compare-se com o caso de Sintra: o PS apostou num político conhecido nacionalmente (com todos os seus defeitos...) e ganhou. Poderia ter sucedido o mesmo no Porto.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A abstenção, agora sem percentagens

A maneira mais eficaz de comparar a participação eleitoral em anos diferentes é simplesmente contar quantos cidadãos votaram. A «taxa de abstenção» só baralha, porque é uma percentagem inflacionada pelos «eleitores-fantasma».

Os dados brutos da participação eleitoral são os do quadro seguinte (via Pordata).

     AnoInscritos      Votantes
     19766.460.5284.170.494
 19796.761.7514.987.734
 19827.185.2845.131.483
 19857.593.9684.852.563
 19898.121.0454.946.196
 19938.530.2975.408.119
 19978.922.1825.362.609
 20018.738.9065.254.180
 20058.840.2235.390.571
 20099.377.3435.533.824
 20139.497.3034.995.174

Note-se que houve efectivamente menos meio milhão de votantes entre 2009 e 2013, mas que 2009 também foi o ano em que mais cidadãos votaram nas autárquicas em toda a história da 2ª República. Mais: em 1985 e 1989 votaram ainda menos cidadãos do que domingo passado. A participação eleitoral, em dez autárquicas (1976 foi uma excepção), oscilou sempre «apenas» entre 4,85 milhões e 5,4 milhões de votantes. O que faz realmente «subir a abstenção taxa de abstenção» no longo prazo (ver o gráfico), é o aumento (quase) contínuo no número de inscritos, que só baixou em 1998 (revisão Guterres dos cadernos eleitorais). Entre 2005 e 2009, a abstenção fictícia (devida aos eleitores fantasma) subiu espectacularmente* (com a participação efectiva... a subir). O que me faz desconfiar que a grande «fábrica do abstencionismo» mais recente se chama... Cartão do Cidadão.