O gráfico que se segue (obtido aqui) apresenta a evolução rácio entre os rendimentos do trabalho e o PIB. O rácio é calculado usando diferentes critérios, uns que assumidamente sobrevalorizam o rácio, outros que assumidamente o subvalorizam. Seja qual for o critério adoptado, no entanto, a evolução temporal é clara - desde os anos 80 que esse rácio tem vindo a diminuir:
Se os salários tivessem subido a par e passo com a produtividade, o rácio seria constante. Vemos, pelo contrário, que os ganhos de produtividade não se têm reflectido em aumentos salariais equivalentes.
A situação é pior do que aqui parece. Para os países ricos o declínio deste rácio tem sido ainda mais acentuado. Além disso, o aumento das desigualdades salariais faz com que a razão entre o salário mediano (aquele que mais importa para a generalidade das pessoas) e o salário médio seja cada vez pior.
A economia é um sistema de vasos comunicantes e os mesmos fenómenos que têm decorrido nos EUA acabam por ter impacto na economia europeia e nacional. Estes dados também nos dizem muito sobre as consequências económicas das escolhas políticas que têm sido feitas. Atentemos portanto à evolução salarial:
Apesar de se ver o início da divergência em 1973, quando termina o sistema "Bretton Woods" e se deu o arranque no que mais tarde se veio a tornar o processo de "hiperglobalização", a divergência torna-se muito mais clara e relevante a partir dos anos 80, com a presidência histórica e verdadeiramente transformadora de Ronald Reagan. É com a "Reagonomics" que podemos observar uma redução nos rendimentos do trabalho, cada vez mais distantes da produtividade.
No entanto, o panorama para a generalidade das famílias é ainda pior. É que os gráficos acima falam de salários médios, mas a desigualdade salarial aumentou muito:
Com o aumento da desigualdade salarial podemos ver o seguinte:
Ou seja, para o trabalhador mediano, a relação entre o salário e a produtividade piorou ainda mais do que aquilo que os gráficos acima sugerem.
Em consequência destas evoluções, as desigualdades de rendimento têm aumentado de forma muito acentuada. Isso tem tido várias consequências. As desigualdades têm uma forte relação com a coesão social, com o impacto ambiental do consumo, com a esperança média de vida e a saúde em geral, com a confiança inter-pessoal, com a criminalidade, com a corrupção, com o sexismo e violência doméstica, entre outras. Uma das consequências é a incapacidade da generalidade da população poupar e a criação de maiores disparidades no património e consequente concentração do poder dos mais ricos. Nos EUA, China, Reino Unido, França, Alemanha e Espanha, podemos observar a seguinte evolução temporal:

A consequência deste fenómeno é um mundo com fortes pressões deflacionárias com um impacto económico negativo juntamente com uma maior instabilidade financeira que se manifesta em crises com a de 2008 ou 2011. Até o FMI publicou um texto onde alerta que as políticas neoliberais que têm vindo a ser seguidas têm impactos económicos perversos. Recentemente a Business Insider fez o mesmo. Não são propriamente aqueles que esperaríamos ver criticar o "neoliberalismo dominante". Estas desigualdades e estas crises, por seu lado, têm provocado a ascensão da extrema-direita que podemos observar, que estão a ameaçar as Democracias em todo o mundo.
De facto, há um século atrás as desigualdades de rendimento atingiram um valor semelhante ao actual, antes de serem violentamente comprimidas na sequência da Segunda Guerra Mundial e da tremenda derrota da extrema direita que representou. Que vejamos a mesma ascensão da extrema direita quando as desigualdades estão a atingir valores semelhantes não me parece uma mera coincidência.
E em Portugal?
Em Portugal o rácio entre os salários e o PIB baixou nas últimas décadas mais ainda do que no resto da zona euro, de acordo com os dados da AMECO. Segundo a Pordata, a produtividade aumentou mais de 10% acima dos salários médios ao longo deste período.
Deve dizer-se que a descida dos rácios nos restantes países ricos condicionou a nossa evolução salarial, de forma negativa. Se nos restantes países ricos os rácios não tivessem descido, os mesmos salários em Portugal seriam considerados relativamente mais baratos por parte dos investidores, o que iria atrair mais investimento e criação de emprego num contexto de alta mobilidade do capital em que os países estão a travar uma "corrida para o fundo" que, como vemos, prejudica os trabalhadores em geral.
Claro que podemos escolher a lógica do "se não os podes derrotar, junta-te a eles", e tentar ser ainda mais rápidos nesta "corrida para o fundo", recolhendo dividendos no processo, como a Irlanda ou o Luxemburgo. Vamos todos perder no fim, mas ao menos aproveitamos para passarmos a perna aos outros durante o caminho.
Ou então, podemos batalhar para mudar as circunstâncias que têm conduzido a esta situação. E podemos fazê-lo a diferentes escalas. Na escala mais abrangente, de topo, a mudança mais urgente é ultrapassar os défices democráticos que deram origem a estes desfechos. A teoria do selectorado é muito certeira e seria de esperar que o surgimento de défices democráticos gerasse as circunstâncias políticas para políticas públicas menos alinhadas com os interesses da população em geral, e foi precisamente o que aconteceu: nos EUA com decisões judiciais que tornaram o sistema mais oligárquico, na UE com a travagem na caminhada rumo a uma democracia europeia.
Numa escala mais próxima, podemos e devemos aderir a um sindicato se não tivermos já feito. Pela minha parte não podia estar mais satisfeito com a minha entidade patronal, mas mesmo assim fiz questão de me inscrever. Uma sociedade com sindicatos mais fortes tende ser mais justa, menos desequilibrada e a valorizar mais o trabalho. Veja-se o caso dos EUA: