quarta-feira, 30 de novembro de 2005

Revista de blogues (30/11/2005)

  1. «Os crucifixos na escola pública são inconstitucionais», por mim próprio, no Diário Ateísta.
  2. «O fascismo que sustenta a cruz», por Boss, no Renas e veados.
  3. «Crucifixos», por Jerico, n´O Jumento.
  4. «Símbolos discriminatórios», por José Pedro Nunes, no Blasfémias.
  5. «O que são falácias grosseiras», por Carlos Abreu Amorim, no Blasfémias.
  6. «Cumprir a lei - mas só se pedirem muito», por João Gato, no Boina Frígia.
  7. «Radicalismo e intolerância», por Rui Pena Pires, no Canhoto.

terça-feira, 29 de novembro de 2005

Manuel Alegre e a integração dos imigrantes

«"Defendo que quem nasce aqui tem o direito de ser português, se os pais assim o quiserem", disse Manuel Alegre, durante contactos com associações das comunidades de São Tomé e Príncipe, Cabo Verde e Brasil, numa referência à Lei da Nacionalidade em discussão na Assembleia da República.
Ressalvando que alterar a lei "não é competência do Presidente da República", o candidato quis pronunciar-se sobre o assunto, acrescentando: "Tenho o direito de me exprimir e faço-o, ao contrário de outros".
(...)
Manuel Alegre defendeu um alargamento progressivo do direito de voto concedido aos imigrantes a todos os actos eleitorais, a presença de "mais deputados destas comunidades" no Parlamento - "a multiculturalidade tem de estar presente na Assembleia da República", salientou -, tudo para evitar "fracturas sociais e urbanas" como a registada recentemente em França
Basear a nacionalidade no direito de solo (e não na ascendência) e conceder o direito de voto no princípio da residência são duas causas que me são caras. É bom que Manuel Alegre as abrace. (Já quanto à presença de deputados de origem imigrante no Parlamento, tenho algumas dúvidas quanto à sua importância; nestas coisas, a artificialidade pode ser uma armadilha.)

sexta-feira, 25 de novembro de 2005

Avançaram-se mais uns centímetros? Ou é só mais uma tese?

«Quem é que deu a ordem de sublevação aos pára-quedistas?
Foi a estrutura militar do PCP, que queria alterar a correlação de forças dentro da Força Aérea, forçando a nomeação de um novo chefe do Estado-Maior (CEMFA) e substituindo Morais e Silva por Costa Martins. O projecto não passava por nenhum golpe de Estado, já que eles sabiam não ter condições para isso. Na minha opinião, a ideia de que o PCP tentou tomar o poder a 25 de Novembro é um mito. O que eles queriam era mudar a correlação de forças na Força Aérea. E chegaram a chamar Rangel de Lima para ser CEMFA.
(...)
Ordem que partiu do PCP ou do SDCI?
Do que sei, a ordem partiu de Pereira Pinto e Ramiro Correia, que estavam no SDCI.
E que fez o PCP para os apoiar?
Quando viu a mobilização do adversário, percebeu que ia perder. Foi mais ou menos nessa altura, a meio da noite do dia 25, que o PCP optou por falar directamente com Costa Gomes, tentando evitar a sua ilegalização. E Costa Gomes pediu-lhes, em troca, que o PCP retirasse os civis que rodeavam as bases militares e os depósitos de armamento, o que os comunistas fizeram.
É isso que explica que Rosa Coutinho e Martins Guerreiro tenham ajudado a travar a saída dos fuzileiros?
Sim.
Mas também houve quem estivesse na Rua Castilho e se tenha transferido para o Copcon. Dá a sensação de que havia duas dinâmicas a do PCP, que negoceia, e a de alguns militares gonçalvistas que forçam os acontecimentos...
Havia pessoas que pensavam que o poder estava ao seu alcance e outras que temiam pelo futuro, se se entregassem assim, sem mais nem menos. Por isso, existiram várias dinâmicas. Mas Varela Gomes, por exemplo, aludiu sempre às dificuldades que existiam na Rua Castilho, onde foi montado um posto de comando à pressa e onde não existiam facilidades de comunicação.
Não é por isso que se mudam para o Copcon, onde existia uma estrutura?
Mas o facto de não terem um posto de comando é o que revela que o objectivo deles não era tomar o poder. Como não tinham mais nada, tentaram encostar-se ao Otelo, esperando que ele os apoiasse. Mas, para mim, a questão fundamental é a do posto de comando. Sem um comando operacional não se pode fazer nada. Isso é básico.
O Grupo dos Nove tinha um...
Tinha um posto de comando e tinham planos e missões atribuídas. Ao contrário dos gonçalvistas. Mas a dinâmica também não lhes era favorável. Nem no que respeita à Europa, nem dentro das forças armadas. É isso que os leva a actuar: recuperar a influência perdida entre militares.
Mas há ou não uma Esquerda Militar mais próxima do PCP e outra menos, que se movem em sentidos diferentes na noite de 25 para 26 de Novembro?
As pessoas que vão da Rua Castilho para o Copcon são só as pessoas que o PCP desejava já que não atrapalhassem mais. Até porque, nessa altura, já não havia nada para fazer no Copcon. Basta ver o que aconteceu com Varela Gomes. Falou para o Alfeite, convenceu um antigo camarada da Academia, mas depois apareceu o Rosa Coutinho e acabou com tudo. Tentou falar para a Marinha, mas sempre que o fazia atendia o Martins Guerreiro, que lhe desligava o telefone. Portanto...»

American heroes (1.5): Thomas Jefferson

«To talk of immaterial existences is to talk of nothings. To say that the human soul, angels, god, are immaterial, is to say they are nothings, or that there is no god, no angels, no soul. I cannot reason otherwise... without plunging into the fathomless abyss of dreams and phantasms. I am satisfied, and sufficiently occupied with the things which are, without tormenting or troubling myself about those which may indeed be, but of which I have no evidence.»

(Thomas Jefferson, numa carta a John Adams, em 1820; um parágrafo que poderia ser assinado por qualquer agnóstico.)

quarta-feira, 23 de novembro de 2005

Eu e a blogo-esfera (2): vantagens e desvantagens

É evidente que os blogues têm vantagens. À partida, a facilidade de edição de páginas (editar html não é para todos), que abre a possibilidade de construir uma colecção pessoal daquilo que se quiser: reflexões pessoais, fotografias de pessoas com quase toda a pele à mostra, tentativas literárias, linques para artigos que não se quer arquivar no disco rígido, fotografias de paisagens ou de amigos, canções pilhadas na internete, ou ainda uma mistura de alguns ou mesmo de todos os itens anteriores. Quem mantém um blogue porque persegue uma paixão estética ou satisfaz um impulso «colecionista» tem todo o meu respeito: no fundo, procura apenas alguma realização pessoal, escrevendo sobretudo para si e para meia dúzia de amigos.
No entanto, os blogues que chamaram a atenção dos media partem de uma intenção totalmente diferente: a de serem pequenos jornais de opinião política. É evidente que isso é também inteiramente legítimo (embora seja menos desinteressado), e pode mesmo ser inovador. O «meu» Diário Ateísta, por exemplo, tenta fornecer um serviço que, de outra forma, seria impossível obter em língua portuguesa: o mundo visto de um ponto de vista ateísta, notícias sobre as religiões ignoradas noutros media, alguma divulgação científica. A propósito, não é demais enfatizar que os jornais portugueses, quando escrevem sobre religião o fazem de um ponto de vista exclusivamente católico, e que só falam de ateísmo quando o Saramago é entrevistado. Mais: que me recorde, só existe uma coluna regular sobre ciência (a de Nuno Crato no Expresso). É essa mais-valia (trazer ao debate público informação e pontos de vista de outro modo ausentes) que me fez entrar e me faz continuar na blogo-esfera, assim como me fizera participar nos niusgrupes.
No entanto, a maior parte dos blogues com enfoque político têm uma falta de originalidade aflitiva. Limitam-se a repetir os destaques do telejornal das 20 horas, por vezes acrescido de uma opinião roubada num qualquer jornal obscuro de língua inglesa, quando poderiam trazer ao debate informação ignorada ou subestimada em Portugal. É portanto forçoso concluir que se encaram mais como um complemento às colunas de opinião dos jornais do que como uma alternativa aos media tradicionais. Significativo a este respeito é o facto de se dar grande importância aos blogues de pessoas que se tornaram conhecidas através dos media tradicionais, como o Abrupto de Pacheco Pereira ou o Causa Nossa de Vital Moreira e Ana Gomes. Pessoalmente, raramente visito o famosíssimo blogue de Pacheco Pereira, justamente porque me dá pontos de vista a que já tinha acesso através dos media tradicionais, quando o que eu procuro na internete são os pontos de vista dos excluídos desses media...
A ausência de uma procura deliberada da inovação não seria grave em si mesma, se a própria ferramenta blogue não criasse efeitos perversos que a longo prazo têm sido muito mais nocivos e que acabam por conferir à maior parte dos blogues todos os defeitos dos media tradicionais e ainda mais alguns. Mas isso fica para o próximo fascículo...

(Volumes anteriores nesta colecção: Eu e a internete, Eu e a blogo-esfera(1).)

terça-feira, 22 de novembro de 2005

Entrevista imaginária com Cavaco Silva

Pergunta - Pensa que o Tratado constitucional europeu deve ser revisto?
Resposta - Finanças!
P. - E deverá haver um referendo sobre matéria europeia?
R. - Competência!
P. - E o aborto deve ser despenalizado?
R. - Economia!
P. - E acha que os homossexuais se podem casar?
R. - Tecnocracia!
P. - E adoptar?
R. - Finanças!
P. - E se houver uma guerra contra o Irão?
R. - Competência!
P. - Admite exonerar Alberto João Jardim?
R. - Economia!
P. - Empossaria um governo de frente de esquerda?
R. - Tecnocracia!
P. - Pensa convidar sacerdotes católicos para cerimónias oficiais?
R. - Finanças!
P. - Em que condições pensa reunir com o Conselho de Estado?
R. - Economia!
P. - E o centenário da República?
R. - Competência!
P. - E quanto à integração dos imigrantes?
R. - Tecnocracia!
P. - E se a regionalização for novamente proposta?
R. - Finanças!
P. - E as relações com os países lusófonos?
R. - Competência!
P. - E a situação dos idosos?
R. - Economia!
P. - E se houver uma greve complicada, ouve as pessoas em privado, em público, ou vai para fora?
R. - Tecnocracia!
P. - E se alguém de repente lhe oferecer flores?
R. - Tecnocracia!

segunda-feira, 21 de novembro de 2005

Linguiça, Lobo Antunes e outras divagações

Hoje liguei a TV, e por acaso acabei no RTP-N. Simultaneamente desmentindo o mito do «domínio mediático da esquerda» e traindo as obrigações de equilíbrio da televisão pública, o debate era entre dois homens de direita: António Costa Pinto e (creio que) Rui Ramos. Inevitavelmente, estavam de acordo: Cavaco Silva já ganhou a eleição presidencial, e só se cometer um qualquer erro grave a perderá.
E no entanto, estou convencido de que se enganam... Minutos depois, ao ver um telejornal, Mário Soares apareceu. No breve espaço de uma notícia, conseguiu comprar enchidos e o último livro do Lobo Antunes, e ainda, veja-se lá, falar de política.
É fácil imaginá-lo a entrar numa sala cheia de apoiantes. Deve conseguir cumprimentar todos os presentes e dar trinta segundos de atenção a cada pessoa, sempre com aquele sorriso afável, e até será capaz de trocar umas palavrinhas com cada uma. Sobre linguiça ou Lobo Antunes, tanto faz: nota-se que tem um gosto genuíno em falar com as pessoas. E é por isso que vai ganhar. Por se notar e por se sentir que é genuíno.
Não é difícil de prever que de hoje até ao dia de reflexão conseguirá aparecer todos os dias. Sempre interessando-se por algo diferente e sempre sorridente.

domingo, 20 de novembro de 2005

American heroes (1.4): Thomas Jefferson

«I have ever judged of the religion of others by their lives.... It is in our lives, and not from our words, that our religion must be read. By the same test the world must judge me. But this does not satisfy the priesthood. They must have a positive, a declared assent to all their interested absurdities. My opinion is that there would never have been an infidel, if there had never been a priest. The artificial structures they have built on the the purest of all moral systems, for the purpose of deriving from it pence and power, revolt those who think for themselves, and who read in that system only what is really there.»

(Thomas Jefferson, numa carta a Harrison Smith, em 1816.)

quinta-feira, 17 de novembro de 2005

Olivier Roy: «Get French or Die Trying»

«THE rioting in Paris and other French cities has led to a lot of interpretations and comments, most of them irrelevant. Many see the violence as religiously motivated, the inevitable result of unchecked immigration from Muslim countries; for others the rioters are simply acting out of vengeance at being denied their cultural heritage or a fair share in French society. But the reality is that there is nothing particularly Muslim, or even French, about the violence. Rather, we are witnessing the temporary rising up of one small part of a Western underclass culture that reaches from Paris to London to Los Angeles and beyond.
To understand why this is so, consider two solid facts we do have on the riots. First, this is a youth (and male) uprising. The rioters are generally 12 to 25 years old, and roughly half of those arrested are under 18. The adults keep away from the demonstrations: in fact, they are the first victims (it is their cars, after all, that are burning) and they want security and social services to be restored.
Yet older residents also resent what they see as the unnecessary brutality of the police toward the rioters, the merry-go-round of officials making promises that they know will be quickly forgotten, and the demonization of their communities by the news media. Second, the riots are geographically and socially very circumscribed: all are occurring in about 100 suburbs, or more precisely destitute neighborhoods known here as "cités," "quartiers" or "banlieues." There has long been a strong sense of territorial identity among the young people in these neighborhoods, who have tended to coalesce in loose gangs. The different gangs, often involved in petty delinquency, have typically been reluctant to stroll outside their territories and have vigilantly kept strangers away, be they rival gangs, police officers, firefighters or journalists.
Now, these gangs are for the most part burning their own neighborhoods and seem little interested in extending the rampage to more fashionable areas. They express simmering anger fueled by unemployment and racism. The lesson, then, is that while these riots originate in areas largely populated by immigrants of Islamic heritage, they have little to do with the wrath of a Muslim community.
France has a huge Muslim population living outside these neighborhoods - many of them, people who left them as soon as they could afford it - and they don't identify with the rioters at all. Even within the violent areas, one's local identity (sense of belonging to a particular neighborhood) prevails over larger ethnic and religious affiliation. Most of the rioters are from the second generation of immigrants, they have French citizenship, and they see themselves more as part of a modern Western urban subculture than of any Arab or African heritage.
Just look at the newspaper photographs: the young men wear the same hooded sweatshirts, listen to similar music and use slang in the same way as their counterparts in Los Angeles or Washington. (It is no accident that in French-dubbed versions of Hollywood films, African-American characters usually speak with the accent heard in the Paris banlieues).
Nobody should be surprised that efforts by the government to find "community leaders" have had little success. There are no leaders in these areas for a very simple reason: there is no community in the neighborhoods. Traditional parental control has disappeared and many Muslim families are headed by a single parent. Elders, imams and social workers have lost control. Paradoxically, the youths themselves are often the providers of local social rules, based on aggressive manhood, control of the streets, defense of a territory. Americans (and critics of America in Europe) may see in these riots echoes of the black separatism that fueled the violence in Harlem and Watts in the 1960's. But the French youths are not fighting to be recognized as a minority group, either ethnic or religious; they want to be accepted as full citizens. They have believed in the French model (individual integration through citizenship) but feel cheated because of their social and economic exclusion. Hence they destroy what they see as the tools of failed social promotion: schools, social welfare offices, gymnasiums. Disappointment leads to nihilism. For many, fighting the police is some sort of a game, and a rite of passage.
Contrary to the calls of many liberals, increased emphasis on multiculturalism and respect for other cultures in France is not the answer: this angry young population is highly deculturalized and individualized. There is no reference to Palestine or Iraq in these riots. Although these suburbs have been a recruiting field for jihadists, the fundamentalists are conspicuously absent from the violence. Muslim extremists don't share the youth agenda (from drug dealing to nightclub partying), and the youngsters reject any kind of leadership.
So what is to be done? The politicians have offered the predictable: curfews, platitudes about respect, vague promises of economic aid. But with France having entered its presidential election cycle, any hope for long-term rethinking is misplaced. In the end, we are dealing here with problems found by any culture in which inequities and cultural differences come in conflict with high ideals. Americans, for their part, should take little pleasure in France's agony - the struggle to integrate an angry underclass is one shared across the Western world
(Olivier Roy no The New York Times.)

Para que serve um Presidente?

O cidadão que leia desprevenidamente os manifestos de Cavaco Silva e Francisco Louçã arrisca-se a convencer-se de que o Presidente é o tipo que elabora o orçamento geral de Estado. Portanto, quem quer reflectir com os pés em cima de terra segura deve começar por ler as regras (a Constituição da nossa República) e seguidamente imaginar as questões que lhe importam e que certamente estarão em cima da mesa durante o próximo mandato presidencial.

A mais importante dessas questões será, na minha opinião, o destino do projecto de tratado constitucional para a Europa. Manuel Alegre tem a este respeito uma posição absolutamente clara: o Tratado deve ser refeito e submetido a referendo. E também por isso tem a minha intenção de voto.

No próximo mandato discutir-se-á também, seguramente, a despenalização da interrupção voluntária de gravidez. As ambiguidades e silêncios do candidato da direita nesta e noutras questões permitem-me arriscar uma previsão: se Cavaco Silva vencer em Janeiro, o aborto só será despenalizado após 2016. Para nada dizer de outras questões sociais, como o casamento de homossexuais: basta olhar para a Comissão de Honra de Cavaco Silva...

Por agora, ficam estas questões. Depois, haverá mais.

quarta-feira, 16 de novembro de 2005

Jason Burke: «France and the Muslim myth»

«Analysts and commentators often seek to find evidence to support their well-established ideas in any given event. So while critics of the 'French social model' have gleefully seen evidence of its failure in the recent violence in France, its supporters have seen evidence of the damage done by right-wing policies in the country. But little compares with the extraordinary way in which the disturbances of the last two weeks have been hijacked by those who appear set on either finding, or creating, a 'clash of civilisations' between Islam and the West.
Take one particularly egregious example. Melanie Phillips, writing in the Daily Mail, described the riots in France as 'a French intifada, an uprising by French Muslims against the state'. I covered the intifada in Israel and Palestine and, beyond the fact that thrown stones look much the same wherever they are, saw little that resembled the Gaza Strip in the autumn of 2000 in Clichy-sous-Bois in the autumn of 2005. In the course of her article, Phillips spoke of how 'night after night, France [had] been under attack by its Muslim minority', how the country was being 'torched from Normandy to the Mediterranean', how it had 'sniffed the danger that had arisen in its midst' and quoted a little-known writer called Bat Ye'Or who is a favourite of the more unsavoury right-wing American websites and believes that the European Union is a conspiracy dedicated to creating one Muslim-dominated political entity that will comprise most of the Middle East and Europe.
Phillips also conflated Arabs (a race), and Muslims (a global religion of 1.3 billion, some devout, some not). This is dangerous nonsense, but needs to be studied.
First, the facts. According to the French intelligence services, the areas where radical Islamic ideologies have spread furthest in France have actually proved the calmest over recent weeks. Second, characterising the rioters as 'Muslim' at all is ludicrous. Most were as Westernised as you would expect third-generation immigrants to be and far more interested in soft drugs and rap than getting up for dawn prayers.
Indeed, a high proportion was of sub-Saharan African descent and not Muslim at all. Others were white and so, following Phillips's description of the darker skinned rioters as 'Arab Muslims', should presumably be referred to as 'Caucasian Christians'.
Also, it is clear that the rioters were not seeking to destroy the French state but were demanding a greater stake in it. Otherwise, there would have been many more direct confrontations with the security forces. The point the rioters made again and again was that they felt rejected by 'the Republic', not that they wanted to tear it down. With all other channels of communication blocked, they sent, literally, smoke signals instead.(...)»
(Jason Burke, no The Observer.)

American heroes (1.3): Thomas Jefferson

«If we did a good act merely from the love of God and a belief that it is pleasing to Him, whence arises the morality of the Atheist? It is idle to say, as some do, that no such thing exists. We have the same evidence of the fact as of most of those we act on, to wit: their own affirmations, and their reasonings in support of them. I have observed, indeed, generally, that while in Protestant countries the defections from the Platonic Christianity of the priests is to Deism, in Catholic countries they are to Atheism. Diderot, D'Alembert, D'Holbach, Condorcet, are known to have been among the most virtuous of men. Their virtue, then, must have had some other foundation than love of God.»

(Thomas Jefferson numa carta a Thomas Law, em 1814; é uma passagem curiosa pelo reconhecimento de que é possível ser ateu e virtuoso, o que hoje é óbvio mas à época era uma opinião rara; note-se que Jefferson dizia-se deísta ao nível da crença, e era unitário ao nível da prática religiosa.)

terça-feira, 15 de novembro de 2005

A miséria da ideologia

As clivagens obcecadamente ideológicas do debate político na blogo-esfera e fora dela enfastiam-me cada vez mais. Penso sobretudo nas guerras mesquinhas e maniqueístas que aconteceram na blogo-esfera na sequência do furacão Katrina ou dos motins nos subúrbios de Paris, mas também em artigos indigentes como o de José Pacheco Pereira no Público de quinta-feira. De súbito (e sobretudo à direita), parece que tentar compreender a realidade passou a ser visto como um luxo, e que tudo o que interessa é escolher uma trincheira. A partir desse momento, apaga-se o sentido crítico e liga-se o piloto automático.
Se se escolhe a trincheira da «direita», culpa-se o «anti-americanismo» por tudo e mais qualquer coisa, troça-se dos europeus em geral e dos franceses em particular (o que deveria ser considerado ódio de si próprio, já que somos, geograficamente, europeus e não norte-americanos), berra-se contra o «politicamente correcto» e o «multiculturalismo» (sem nunca esclarecer o entendimento desses termos) e responsabiliza-se o «estado social» e o «domínio mediático da esquerda» pela pobreza, pela violência urbana e pelo racismo. Se se escolhe a trincheira de certa «esquerda», culpa-se os EUA e o neoliberalismo por quase tudo (incluindo, por vezes, as evoluções climáticas), isentam-se os muçulmanos ou outros povos do terceiro mundo de responsabilidade ou vontade próprias, constroem-se teorias de conspiração que envolvem os média e a grande finança, etc.
Este fenómeno é particularmente visível nos estalinistas da direita. Personagens como José Pacheco Pereira, João Carlos Espada ou José Manuel Fernandes são fascinantes porque encerram em si próprios a tragédia da vida intelectual portuguesa dos últimos cinquenta anos. Explico-me: passaram do catolicismo da infância e da adolescência para o marxismo-leninismo-qualquer-coisa da juventude, e na meia-idade encontram-se num «liberalismo» tão fanático que é um autêntico estalinismo virado do avesso. O «paraíso» imaginado na infância era o católico, foi a China ou a Albânia na juventude, e é hoje o Reino Unido ou os EUA. Sente-se que defender o desempenho dos sistemas político-económicos destes países e acreditar na suprema felicidade dos seus habitantes é-lhes inseparável da escolha ideológica que fizeram. Nunca lhes passou pela cabeça que a realidade poderá ser mais complexa do que qualquer teoria, e que nenhuma torna em anjos quem a ela adere, prevê o futuro histórico ou libertará a humanidade da miséria ou da violência.
No entanto, ter uma ideologia poderia consistir apenas em sistematizar princípios éticos, incluindo as relações entre eles. (Por exemplo, o comunismo coloca a igualdade como um valor acima dos outros; o neoliberalismo considera unicamente a liberdade económica; o republicanismo o equilíbrio entre liberdade, igualdade e fraternidade; etc.) Não tem que ser uma grelha de interpretação da realidade válida em todos os lugares e em todas as épocas, ou uma teoria final sobre a natureza e as necessidades humanas e sobre uma (utópica) harmonia social. Claro que tudo isto era fornecido em pacote pelas religiões monoteístas pré-modernas, e que por isso, no século 20, se exigiu o mesmo às ideologias utópicas. (Apetece dizer que se as religiões eram heroína, as utopias são metadona.)
É evidente que os nossos primos chimpanzés também se dividem em tribos mutuamente hostis. Não tenho tanta certeza de que se afundem no pensamento dicotómico que envenena a cultura ocidental. Já marcar pontos em qualquer disputa ou ter uma mundividência padronizada poderão ser necessidades inelutáveis do ser humano. Mas o ser humano também sabe separar os campos de aplicação de cada abordagem. A ciência permite-nos concordar quanto aos factos. E o bom senso deveria ajudar-nos a olhar para a realidade social sem a incluir em disputas ideológicas mesquinhas.
Se tudo correr bem, o século 21 será tão pós-utópico como o século 20 foi pós-religioso.

American heroes (1.2): Thomas Jefferson

«Because religious belief, or non-belief, is such an important part of every person's life, freedom of religion affects every individual. State churches that use government power to support themselves and force their views on persons of other faiths undermine all our civil rights. Moreover, state support of the church tends to make the clergy unresponsive to the people and leads to corruption within religion. Erecting the "wall of separation between church and state," therefore, is absolutely essential in a free society.
We have solved ... the great and interesting question whether freedom of religion is compatible with order in government and obedience to the laws. And we have experienced the quiet as well as the comfort which results from leaving every one to profess freely and openly those principles of religion which are the inductions of his own reason and the serious convictions of his own inquiries.»
(Thomas Jefferson, numa carta aos Baptistas da Virgínia, em 1808; é a segunda vez que Jefferson usa a expressão «muro de separação»; notar ainda a referência explícita aos que «não têm crença».)

segunda-feira, 14 de novembro de 2005

American heroes (1.1): Thomas Jefferson

«Believing that religion is a matter which lies solely between man and his God, that he owes account to none other for his faith or his worship, that the legitimate powers of government reach actions only, and not opinions, I contemplate with sovereign reverence that act of the whole American people which declared that their Legislature should "make no law respecting an establishment of religion, or prohibiting the free exercise thereof," thus building a wall of separation between Church and State.»
(Thomas Jefferson, numa carta aos Baptistas de Danbury, em 1802; é o primeiro uso do termo «muro de separação»; notar também a citação de Espinoza.)

quarta-feira, 9 de novembro de 2005

Francisco Louçã proferiu a palavra que começa por «L»

«Defenderei, como sempre o fiz, o direito à diferença e o respeito pelas escolhas de vida de cada pessoa. Esse respeito é uma condição da democracia: ao Estado não compete tutelar as consciências das pessoas e é por isso que deve aceitar as opções de cada um e de cada uma na escolha da sua orientação sexual e garantir todos os direitos civis a todas as pessoas sem discriminação.
Pelo mesmo princípio, o Estado republicano é laico, não tem religião oficial nem privilegia nenhuma religião, respeitando todas no seu âmbito específico de actividade, e garante a todas as crianças o acesso ao ensino público laico.
(...)
Defendo a legalização dos imigrantes e uma nova lei de nacionalidade que seja inclusiva porque baseada no princípio jus solis, porque essas são as bases de uma acção cosmopolita que é a única resposta consistente ao desagregar da integração punitiva que é a política dos guetos e do trabalho clandestino. Defenderei os direitos civis para os imigrantes, incluindo o direito de voto em todas as eleições de âmbito nacional - eleições autárquicas, legislativas e também presidenciais. Não deve haver taxação sem representação, é a regra republicana. Se os imigrantes estão obrigados, como devem, a pagar impostos e a cumprir as leis da República, têm direito a participar em todos os actos eleitorais relevantes para a aprovação das leis e para as decisões sobre o destino a dar aos seus impostos. Essa é a democracia de responsabilidade que defendo.»
Confesso que fiquei muito bem impressionado com estes dois parágrafos de Louçã: seria capaz de assiná-los sem quaisquer «se» nem «mas». O resto do discurso enferma do mesmo defeito do manifesto de Cavaco Silva: é demasiadamente pormenorizado em questões económicas (como a Segurança Social) em que a influência do Presidente é pouca ou nenhuma.

Revista de blogues (9/11/2005)

  1. «França: integração em cinzas», por Rui Curado Silva (no Klepsýdra): um elucidativo depoimento pessoal (sem rancores nem ilusões) de alguém que conheceu na pele a violência dos subúrbios franceses.
  2. «Paris e o sobressalto (1)» e «Paris e o sobressalto (2)», por Alexandre Andrade (no umblogsobrekleist): uma desmontagem meticulosa de algumas das armadilhas intelectuais em que caíram os neoliberais francofóbicos que tão facilmente «descobriram» o que correra mal em França.
  3. «Dedicatória», por Luís Rodrigues (no Random Precision): porque esta é uma semana em que devemos lembrar aos evangelizadores que por aí andam que nem todos somos católicos.

terça-feira, 8 de novembro de 2005

Revista de blogues (8/11/2005)

  1. «Motins em França», por Rui Pena Pires (no Canhoto): a melhor análise que li na blogo-esfera lusa sobre os acontecimentos de França.
  2. «A Opus Dei e a candidatura de Cavaco Silva», no Geosapiens: uma chamada de atenção importante para a presença massiva do Opus Dei na candidatura de Cavaco Silva.
  3. «A visita pascal (crónica)», por Carlos Esperança (no Ponte Europa): é raro publicarem-se textos tão literários nos blogues.

segunda-feira, 7 de novembro de 2005

Os motins na França

Não escrevi ainda, aqui no blogue, uma linha que seja sobre os motins que se registam há onze noites nos subúrbios de Paris. Porquê? Porque a situação me parece ainda pouco clara. Tenho, apesar disso, perdido tempo (é o termo correcto) lendo os blogues da nossa direita, onde este parece ter sido considerado um mero pretexto para bater no francês, no «estado social», na «esquerda», no «multiculturalismo», no «politicamente correcto» e etc. Esforços honestos para propor soluções ou sequer para tentar compreender o que se passa, é algo que não tenho visto .
Pela minha parte, após uma vista de olhos rápida pelos comunicados dos partidos e das associações da esquerda republicana francesa, realço os pontos seguintes:
  1. Há uma condenação clara da violência;
  2. Acusa-se Sarkozy de ter substituído o policiamento de proximidade pelos esquadrões de intervenção rápida, o que foi feito, aliás, por razões economicistas (ler o que diz Chevénement, ex-Ministro do Interior);
  3. Critica-se Sarkozy pelos seus deslizes verbais (o já famoso uso do delicado termo «escumalha», mas também a rapidez em acusar os jovens eletrocutados de serem «ladrões», quando não está provado que o fossem);
  4. Acusa-se ainda o Governo de ter feito cortes nos programas de emprego jovem e de apoio às associações culturais e de mediação (ver no PSF, por exemplo), ao mesmo tempo que se têm reforçado os apoios governamentais às associações islâmicas (o que permite à Gauche Républicaine tirar as conclusões que se lêem no artigo anterior);
  5. O SOS Racisme sublinha a ausência de medidas que penalizem as empresas que fazem discriminação racial no recrutamento, e recorda que os maiores prejudicados por estes motins são os habitantes dos subúrbios.

Apesar de tudo, parece-me importante sublinhar que não se trata de motins inter-étnicos como acontecem regularmente nos EUA, no Reino Unido, ou como aconteceram, em menor medida, na Holanda após a morte de Theo Van Gogh. A violência parece estar a ser dirigida preferencialmente contra a polícia e contra a propriedade, não contra as pessoas. E mesmo assim, já é o surto de violência urbana mais impressionante deste século, na Europa...

(O meu esforço para compreender os vários sentidos em que se usa a palavra «multiculturalismo» pode ser lido em «Multiculturalismo(s): identidade cultural é opressão individual».)

«Les banlieues s'enflamment: à qui profite le crime?»

«Les émeutes qui se déroulent actuellement dans les banlieues suscitent un certain malaise. Tout se passe comme si l'analyse était prise dans une véritable antinomie: celle de la compassion et de la répression. Tout se passe comme si le citoyen était sommé de prendre parti pour l'un de ces deux discours, le discours compatissant, d'une part, le discours purement répressif, d'autre part.
Le discours compatissant fait de l'émeutier une victime. La victime d'une politique inique menée par un gouvernement de droite incapable de résoudre les problèmes de banlieues. La victime de la discrimination, du chômage, de la désespérance. Le discours compatissant se penche volontiers sur les causes, et convoque l'expertise sociologique: l'émeutier, c'est le jeune désoeuvré, qui n'a pas d'autres perspectives d'avenir que le désert urbain auquel il est assigné.
L'émeute est alors perçue comme un symptôme: le symptôme d'un malaise plus profond, d'un malaise social grandissant, dont les jeunes ne sont en rien responsables. Lorsque l'on tient le discours de la compassion, on est tenté par l'indulgence, on reporte la faute sur les causes sociales. Face au discours de la compassion, majoritaire à gauche, le discours de la répression : Sarkozy en est le chantre, et est parvenu, grâce à lui, à recréer une bien improbable unité gouvernementale. Le discours de la répression s'attache moins aux causes qu'aux réponses immédiates: il faut ramener l'ordre. Il faut faire preuve de fermeté. Il faut appliquer le principe de la tolérance zéro. L'émeutier, c'est la racaille, qu'il faut nettoyer au karcher. L'émeutier, c'est la gangrène, qu'il faut traiter de façon chirurgicale. L'émeute est moins le symptôme d'un malaise social, que l'expression d'une rébellion intolérable.
Optez pour le discours de la compassion: vous serez immédiatement accusés par les tenants de la répression de laxisme et d'angélisme, vous ferez alors parti du camp de ceux qui excusent l'inexcusable. Vous serez l'ange qui fait la bête. Optez pour le discours de la répression: vous serez immédiatement taxé d'odieux fasciste, vous ferez parti du camp de ceux qui s'aveuglent à la misère sociale. Comment sortir de cette antinomie? En posant une question simple: à qui profite le crime? Donnons à cette question la traduction philosophique qui s'impose: qui a intérêt à l'état de nature? Deux figures: une figure évidente, d'abord, celle qui a droit aux feux de la rampe: la figure du petit délinquant d'un soir, qui profite de la situation de chaos de façon immédiate. Qui jouit de l'état de nature en tant que tel, parce que le désordre généralisé lui permet de donner libre cours à ses pulsions. Mais l'état de nature profite également à une autre figure, moins évidente, mais plus dangereuse, car porteuse d'un véritable projet politique. Le projet qui consiste à communautariser la société, afin de mieux livrer le corps social à l'ultralibéralisme. Or, ce programme est précisément celui de Nicolas Sarkozy. Que le projet de Nicolas Sarkozy soit ultralibéral, cela relève de l'évidence: ses liens avec le MEDEF suffisent à l'attester. Mais ce qui est moins évident, c'est la stratégie de Nicolas Sarkozy.
(...)
Pendant que les jeunes des banlieues entendront parler du prophète, Sarkozy pourra réaliser son programme ultralibéral. Lier le combat anti-social et le combat anti-laïque, telle est la stratégie. Pour mettre en œuvre cette stratégie, il suffisait de confier la gestion sociale des quartiers aux adversaires déclarés de la laïcité. D'où l'alliance objective entre les imams et Nicolas Sarkozy. Le scénario avait déjà été écrit: il suffisait de trouver les faits qui serviraient à légitimer la thèse.
La situation d'émeutes dans les banlieues, à ce titre, tombe à point nommé: pour les communautaristes religieux, à qui on ouvre les colonnes d'un grand quotidien national pour qu'ils puissent clamer à l'envi l'impuissance de la République et la toute-puissance du nom de Dieu. Et à Nicolas Sarkozy, qui est parvenu à recréer autour de lui l'unité du gouvernement. Et à gagner des points pour les présidentielles. Car Nicolas Sarkozy a, au passage, récolté quelques suffrages.
Le discours de la répression, mâtiné d'une rhétorique propre à séduire l'extrême droite, permet à Nicolas Sarkozy d'aimanter, au second tour des présidentielles, les voix qui se porteront, au premier tour, sur De Villiers et Le Pen. Car tout est désormais mis en place pour que l'extrême droite, divisée entre ces deux figures, ne passe pas la barrière du premier tour et reporte ses voix sur le chantre de la "tolérance zéro" face à la "racaille" des banlieues. Mais Nicolas Sarkozy aura également réussi l'exploit de s'assurer du soutien des dignitaires de la communauté musulmane, installés par ses soins, qui sauront sans aucun doute se rappeler du cadeau concédé par le ministre de l'Intérieur et des cultes: le projet de financement public de la construction des mosquées.
Appâter les voix des communautaristes musulmans et celles de l'extrême droite, il faut bien avouer que l'exercice était hautement périlleux. Gageons que Nicolas Sarkozy est en train de réussir cette improbable acrobatie. Pour échapper au piège qui est actuellement tendu, à savoir l'antinomie stérile entre le discours de la compassion et celui de la répression, il est urgent d'opposer à la stratégie Sarkozy celle de Jean Jaurès: il faut lier le combat social et le combat laïque.
Le modèle républicain a rarement subi une attaque d'une telle envergure: la presse internationale conclue de la situation des banlieues à l'échec du modèle d'intégration à la française. Les communautaristes musulmans distillent la thèse selon laquelle la république ne peut se passer des grands frères et des imams pour pacifier les "quartiers". Ils jouissent, en cela, à la fois de la bienveillance de Nicolas Sarkozy et de la complaisance des islamo gauchistes, qui en profitent, au passage, pour légitimer les auteurs des émeutes, transformés pour l'occasion en icônes de la révolution indigène contre l'Etat colonial.
N'en déplaise aux promoteurs de l'ultralibéralisme, n'en déplaise aux islamo gauchistes, n'en déplaise aux communautaristes religieux: on ne pourra déployer un authentique projet social pour les banlieues qu'en se réglant sur le modèle républicain. Au lieu d'éreinter la république, il convient, au contraire, de la convoquer à être à la hauteur de ses propres principes: d'œuvrer pour que la puissance publique donne aux couches populaires les moyens d'échapper à la ghettoïsation (par la réouverture des services publics, par la garantie d'un logement digne pour tous, d'une école à la hauteur de sa mission d'instruction, etc.), et, de ce fait, à la stigmatisation. La république laïque et sociale est en effet le seul modèle politique qui permet aux jeunes des banlieues d'échapper à ces deux caricatures que constituent la victime ou la racaille: d'être des citoyens.»
(Marie Perret e Nicolas Gavrilenko; retirado de um boletim de correio electrónico da Gauche Républicaine, Laïque, Ecologique et Sociale).

domingo, 6 de novembro de 2005

O «contrato presidencial» de Manuel Alegre

«Candidato-me a Presidente da República por decisão pessoal, no espírito, aliás, da Constituição. Sem apoios de aparelhos partidários. Livremente. Sou um homem da esquerda dos valores e dirijo-me a todos os portugueses que acreditam na Pátria, na liberdade e na democracia.
(...)
Porque há duas maneiras de entender a identidade de um povo: a identidade-raízes e a identidade-projecto. Portugal tem uma fortíssima identidade histórico-cultural, mas está debilitado quanto à mobilização em torno de uma vontade colectiva.
(...)
Defender a igualdade de homens e mulheres é para mim uma prioridade da organização social.
Candidato-me em defesa de uma sociedade cosmopolita e de inclusão, que saiba conjugar diversidade e cidadania, prevenindo a segmentação social e a discriminação racial.
(...)
Será que a Constituição está a ser cumprida quando há dois milhões de portugueses em estado de pobreza, mais de meio milhão de desempregados, tantas famílias sem habitação condigna, tantos atentados ao meio ambiente, tanto insucesso e abandono escolar, tantas assimetrias regionais e desequilíbrios sociais?
(...)
Quero deixar clara a minha posição: não há modernização do sistema de ensino sem escola pública de qualidade.
(...)
Neste momento sensível de crise da construção europeia, penso que um país como Portugal deve procurar estar no núcleo duro dos centros de decisão europeus, impedindo que a UE seja regida por um directório de grandes potências. Não devemos hesitar em defender os interesses nacionais. Nem arrogância, nem subserviência perante os poderes europeus. A partilha de soberanias em nada afecta, antes reforça, a identidade nacional. Não me conformo com uma visão da Europa que a reduza a um vasto mercado.
(...)
O tratado constitucional europeu deve ser refeito ou revisto de modo a simplificá-lo e permitir submetê-lo a um referendo europeu novo e geral.
(...)
Temos de tornar claro que não interpretamos o extremismo religioso como fazendo parte da cultura islâmica, com a qual temos laços de proximidade que devemos aprofundar.
(...)»

American heroes (4): William Lloyd Garrison


«He oracularly asserts, in the style of our Fourth-of-July orators, that "a great experiment is now in the making. It is the experiment of human liberty; and if it fails here, all hopes will be taken from the earth. If we cannot suceed, no nation will try again."
This wonderful "experiment" that we are now making is precisely this - to see how long we can plunder, with impunity, two millions and a half of our population; how much labor we can extort with the cart-whip, how near to a level with the brute creation we can reduce every sixth man, woman, and child in the land... "If it fails here", says Dr. B.; but IT HAS FAILED - we are not, we have never been, and while slavery exists we can never be, a free people... and we are rushing down to destruction as fast as time will allow us.»

(William Lloyd Garrison foi um dos líderes dos abolicionistas que pressionaram pela abolição da escravatura; aqui responde, em 1836, aos argumentos de Lyman Beecher, um clérigo presbiteriano.)

quinta-feira, 3 de novembro de 2005

Eu e a blogo-esfera (1): impressões iniciais

A primeira vez que me deparei com um weblog foi, creio eu, na Primavera de 2000. Assumo que não me apercebi imediatamente das potencialidades do formato: pareceu-me uma ferramenta de edição de páginas para preguiçosos, que provavelmente só seria útil como quadro de avisos ou algo semelhante. Subestimei, como é evidente, a vertigem da actualização diária (que é, no fundo, uma forma de fazer ou obter companhia), como subestimei a atracção contemporânea pelo efémero: poucos preferem escrever um ensaio longo por mês e colocá-lo num arquivo da web quando podem escrever bitaites de um parágrafo todos os dias. E do outro lado da interacção entre emissor e receptor, a maior parte dos usuários da inter-rede têm cinco minutos de quebra no trabalho que dedicam a olhar distraidamente para um blogue; os livros lêem-nos em casa.
Fui descobrindo progressivamente o fenómeno bloguístico ao longo do ano de 2003. No entanto, não lhe dei grande importância (nomeadamente, como comentador) até iniciar a minha colaboração num blogue (o Diário Ateísta) em Março/Maio de 2004. Posteriormente, criei o meu próprio blogue (o Esquerda Republicana) em Março de 2005.
As razões para a minha relutância em aderir rapidamente à (assim chamada) blogosfera prenderam-se principalmente com o seu hierarquismo ostensivo e com a sua hiper-mediatização nos media tradicionais (que me fez supôr, aliás correctamente, que este media já estaria «infiltrado» por alguns dos mesmos jornalistas e assessores de políticos que dominam os media, e que o usa(va)m como laboratório de teste ou como depósito de refugo). Estes dois pontos merecem ser melhor explicados.

Os formatos condicionam inevitavelmente as formas de funcionamento, como é sabido. Até então, eu participara na internete num formato de debate deliciosamente igualitário (não há que ter medo da palavra) e facilmente alternativo (no sentido de ser fácil impôr a discussão de temas ausentes dos media tradicionais): os niusgrupes. Aí, qualquer afirmação e qualquer resposta tinham o mesmo destaque e presumivelmente eram lidas, em média, pelo mesmo número de pessoas. (Pormenor importante: era impossível saber quantas pessoas estavam a ler o fórum sem participar.) Qualquer argumento apresentado que não passasse pelo crivo (factual e opinativo) das respostas e contra-respostas ficava refutado. O modo de funcionamento desses fóruns acabava assim por sancionar quem apresentava argumentos de autoridade (ou mal fundamentados) e também (a bem da confiança nos debates) os anónimos (que muitas vezes eram totalmente ignorados). Claro que o «lado de baixo» da igualdade de armas era o ambiente de quezília persistente e a violência argumentativa que fazia com que muitos recém-chegados não aguentassem mais do que um mês. As vantagens, para mim, eram duas: aperfeiçoar argumentos e debater temas que os media tradicionais desprezam.

Nos niusgrupes, não havia espaço para «personalidades», pois eram rapidamente descidas do seu pedestal e tratadas de igual para igual. Por isso, os políticos e escritores que agora têm o seu bloguezito muito conhecido e citado seriam incapazes de os frequentar. Mais importante, os maus argumentos eram destroçados rapidamente, ou contornados por uma discussão sobre outro tópico... Os blogues pareceram-me, inicialmente, uma traição a este espírito saudável e exigente.

«Educação sexual» com fotografia de crucifixo (sexualmente?) «educativo»

A fotografia acima acompanha a notícia «Educação sexual vai ter programa oficial» no Diário de Notícias de hoje.
Responda se puder, caro leitor!
A escolha de uma fotografia de uma sala de aula que ostenta um crucifixo deve-se: a) a um acaso; b) à inexistência de fotografias de salas de aula sem crucifixos; c) a uma intenção irónica.
(Quanto à notícia em si, trata-se das conclusões de mais um «grupo de estudo»; o mais interessante é terem concluído que as ONG´s devem ser afastadas do ensino da educação sexual e que é impossível «avaliar» a aprendizagem de «educação sexual»... ambos os factos deveriam ser óbvios.)

quarta-feira, 2 de novembro de 2005

Eu e a internete

Recordo-me de ter usado pela primeira vez a internete na Primavera de 1995. Portanto, já passaram mais de dez anos. Dez anos da minha vida e dez anos para este media.
Comecei utilizando um programa de correio electrónico chamado PINE (que ainda hoje considero do melhor que há), e nos primeiros meses lia (lia apenas) os fóruns de discussão, vulgo niusgrupes. Nessa época, o que me prendeu imediatamente foi a possibilidade de acompanhar as discussões, mesmo que bizantinas (sobretudo se bizantinas), que por aí se geravam entre pessoas sentadas em frente de ecrãs geograficamente muito distantes. Lembro-me do fascínio que me causaram as polémicas num niusgrupe da Europa de leste (seria o soc.culture.hungary? Ou o soc.culture.romania?) entre participantes que tinham visões das respectivas narrativas nacionais altamente divergentes. As potencialidades da internete, à época, foram instantaneamente óbvias: aceder a informação obscura e recôndita com facilidade, e encontrar, transnacionalmente, pessoas com os mesmos interesses temáticos. Além disso, podia manter (ou até estabelecer) contactos com pessoas das quais, de outra forma, pouco ou nada saberia.
Numa segunda fase, que correspondeu à utilização desse grande marcador geracional que foi o Netscape, descobri que qualquer um podia colocar informação permanente na rede (bastava saber uns rudimentos de html) e que podia ler todos os jornais do mundo (se tivesse tempo). Foi nessa época que comecei a interessar-me pela formação de grupos com interesses específicos (o que acontecia, por exemplo, através das listas de distribuição) e pela disseminação de informações e de pontos de vista que de outra forma não seriam divulgados. A grande vantagem da inter-rede, no fundo, era possibilitar a comunicação (sem filtros) entre aqueles que de outra forma estariam reduzidos à condição de espectadores passivos dos media tradicionais. Bastava uma linha telefónica e um computador.
Foi pelo final dos anos 90 que as instituições estatais se instalaram, muito rapidamente, na internete. E com elas os seus endereços de http. As hierarquias que se tinham mantido de fora desse interessantíssimo caos primevo, começaram a trasladar-se. O cidadão modemizado que desejava participar na conversa global continuava a ter o imeile, o niusgrupe e (nalguns casos), os saites. Foi então que, no final do século, chegaram os uéblogues...

American heroes (3): Thomas Paine

«Every national church or religion has established itself by pretending some special mission from God, communicated to certain individuals. The Jews have their Moses; the Christians their Jesus Christ, their apostles and Saints; and the Turks their Mahomet, as if the way to God were not open to every man alike.
Each of these churches show certain books, which they call revelation, or the Word of God. The Jews say that their Word of God was given by God to Moses; face to face; the Christians say that their Word of God came by divine inspiration; and the Turks say that their Word of God (the Koran) was brought by an angel from heaven. Each of these churches accuses the other of unbelief; and for my own part, I disbelieve them all.»

(O mais anticlerical dos «heróis americanos» do século18: Thomas Paine, aqui em "The Age of Reason", 1794.)