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sexta-feira, 15 de agosto de 2025

Sobre quem recaem as taxas aduaneiras? Não é apenas sobre os consumidores

 No texto anterior, a respeito do acordo aduaneiro UE-EUA, escrevi:

"Isto significa que os EUA conseguem obter alguma receita fiscal que incide parcialmente sobre os consumidores americanos, e parcialmente sobre os produtores europeus (a proporção depende da elasticidade das curvas de procura e oferta de cada produto), ou seja, poderão hipoteticamente conseguir uma receita fiscal que ultrapasse aquilo que os seus cidadãos pagam. Na UE faz-se o oposto, escolhe-se aceitar esta assimetria que torna a indústria europeia contribuinte líquida para o orçamento dos EUA. No curto prazo trata-se de uma espécie de "tributo" que os europeus pagam ao governo dos EUA; no longo prazo viria reforçar a narrativa relativa à eficácia de uma liderança política de extrema direita, destruindo em simultâneo a crença de que a coesão europeia conduz a melhores acordos comerciais. A nível comercial, isto vem convidar um acentuar deste tipo de assimetrias. A nível político, vem degradar a integração europeia e a confiança das instituições, bem como o apreço pela Democracia."

Creio que deveria ter explicado um pouco melhor este ponto, pois tenho visto muita desinformação, fruto de alguma ignorância económica, mas também de alguns equívocos compreensíveis, a respeito do impacto das taxas aduaneiras. Em particular, alguns autores, analistas e jornalistas (tipicamente sem formação económica) têm repetido que as receitas das taxas aduaneiras incidem totalmente sobre os consumidores do país que as fixa. Isto é falso. Pode ser aproximadamente verdadeiro nalguns casos extremos, mas nenhum desses casos extremos se aplica à generalidade dos produtos importados pelos EUA. Importa explicar isto em maior detalhe.

Tomemos um imposto como o IVA. Quem o paga? Existem duas formas de olhar para a questão: a incidência legal e a incidência real. Quanto à questão da incidência legal a resposta é simples: é o vendedor do bem ou serviço final que paga o IVA ao estado. Para questões do foro legal, é esta a resposta que importa. Mas, do ponto de vista económico, não é essa a resposta que importa: o que importa é a incidência real. Aqui a questão que se coloca é a seguinte: num cenário alternativo em que não existisse IVA, quem é que ficaria com os ganhos que advém dessa receita fiscal não ser cobrada? Ou seja, quem é que efectivamente fica com menos dinheiro quando comparamos o cenário com impostos e sem impostos? A resposta tipicamente é: tanto o vendedor como o consumidor. Ambos pagam o imposto, em diferentes proporções. A proporção em que o vendedor e o consumidor pagam depende da sensibilidade ao preço da procura e da oferta. Vejamos dois casos extremos, e o caso mais intermédio:

-IVA quase totalmente pago pelo consumidor: insulina

Se o IVA sobre a insulina subir, é provável que o preço suba num montante muito próximo, ou seja, que o vendedor não baixe o preço anterior ao imposto. Isto acontece porque essa subida do preço da insulina não irá afastar clientes, pelo que o preço anterior aos impostos que maximiza o lucro continua a ser o mesmo. Isto acontece quando a elasticidade do preço (ou seja, o quanto variam as quantidades face a uma variação do preço) da procura é muitíssimo menor que a elasticidade da oferta.

-IVA quase totalmente pago pelo produtor: doce de figo

Se o IVA sobre o doce de figo aumentar, é provável que o preço quase não se altere, ou seja, que o produtor absorva a subida dos impostos com uma redução da margem de lucro. Isto acontece porque uma subida do preço final iria levar os consumidores a optarem por doce de pera ou doce de maçã, ou a não consumirem de todo, pelo que o preço anterior aos impostos que maximiza o lucro é aquele que garante um preço após impostos muito semelhante. Isto acontece quando a elasticidade do preço da procura é muitíssimo maior que a elasticidade da oferta.

-IVA repartido igualmente pelo produtor e consumidor

Se a elasticidade da oferta e procura forem muito semelhantes, o preço do produto antes dos impostos vai descer em aproximadamente metade do acréscimo provocado pelos impostos. Isto significa que se um determinado produto vai pagar 10c em impostos acrescidos, o consumidor pagará cerca de 5c a mais por esse produto, enquanto o produtor vai fazer 5c de lucro a menos por esse produto. Isto apenas pressupõe que os produtores fixam o preço que maximiza seus lucros. 


No caso das taxas aduaneiras, o mesmo acontece, mas desta vez, quando olhamos para a incidência real das taxas aduaneiras, a parte que incide sobre produtores acaba por incidir sobre entidades económicas externas à economia. 

Há, no entanto, uma confusão que explica o equívoco de assumir que o valor incide totalmente sobre os consumidores: a pequena economia aberta. Suponhamos que Portugal não estava inserido na União Europeia. Caso Portugal cobrasse taxas aduaneiras sobre as importações em geral, a pequena dimensão de Portugal no contexto da economia mundial faria com que a elasticidade do preço da oferta fosse muito alta face à elasticidade da procura. Ou seja: o mercado português seria tão reduzido face ao mercado mundial que, para maximizar os lucros, os produtores não iriam descer o preço anterior às taxas, pois poderiam vender a um preço semelhante noutros mercados, fazendo um lucro superior. Assim, este caso seria, por razões diferentes, aproximadamente semelhante ao caso da insulina: a elasticidade do preço da procura muito inferior à elasticidade do preço da oferta. Fazer uma aproximação segundo a qual os consumidores portugueses pagariam a totalidade das taxas impostas por Portugal seria, neste cenário hipotético, muito razoável. Se para uma economia da dimensão da portuguesa ninguém duvida que esta aproximação seria razoável, o caso muda de figura se falarmos de economias com a dimensão do Reino Unido, da Índia ou do Japão. E absolutamente nenhum economista consideraria tal aproximação razoável se falássemos dos três maiores blocos comerciais: a China, a UE, e - principalmente - os EUA. Os EUA não são uma pequena economia aberta, são o oposto disso. 

Uma questão de que não falei neste contexto foi do "peso morto" das taxas aduaneiras. O montante que consumidores e produtores perdem tenderá a ser superior à receita que advém das taxas aduaneiras. Esta ineficiência deve-se às transacções que deixam de se realizar devido a estas taxas, as quais geram perdas mas não geram receitas. O "peso morto" aumenta de forma não linear com a taxa. Para taxas muito elevadas é possível destruir todos os benefícios económicos da relação comercial sem gerar qualquer tipo de receita; para taxas muito baixas é possível que as perdas sejam uma proporção irrisória das receitas. 

Se estas ineficiências forem suficientemente baixas, e as taxas aduaneiras forem unilaterais (como nos caso dos 15% vs 0%), então é possível obter receitas fiscais por esta via muito superiores ao montante pago pelos consumidores americanos. Um exemplo: suponha-se que as receitas fiscais geram um "peso morto" correspondente a 10% do montante tributado, e suponha-se que 60% dos custos incidem sobre os consumidores norte-americanos. Nesse caso, os consumidores norte-americanos pagariam 66% do montante obtido pelo governo dos EUA, sendo os produtores europeus a pagar o restante. Como as taxas são unilaterais, a UE não cobraria nada aos produtores americanos e estaria perante uma relação "tributária". Parte do orçamento do governo federal dos EUA seria pago por agentes económicos europeus, mas o contrário não se verificaria. 

Como se estas consequências não fossem suficientemente graves, importa ver o que a aceitação desta situação significaria: o encorajamento deste tipo de "agressão". Parece claro que a dinâmica aqui presente é uma do tipo "jogo do prisioneiro" repetido. Se um bloco comercial de dimensão relevante cobra taxas aduaneiras a outro bloco de forma unilateral, ele tem o benefício de ter parte das suas receitas fiscais pagas pelos produtores do outro bloco, o qual fica na situação de máxima desvantagem. Se ambos os blocos cobrarem taxas aduaneiras, ficam ambos pior por pagarem os "pesos mortos" provocados sem que a transferência fiscal seja muito relevante. Se nenhum dos blocos cobrar taxas aduaneiras, evita-se pagar o "peso morto". Nesta exposição estou a simplificar um pouco o panorama: existem por vezes boas razões para impôr taxas aduaneiras, vou agora ignorar as razões de cariz ambiental, regulatório, etc que as podem justificar (por não terem estado presentes neste contexto específico) e fazer notar que o panorama de interacções estratégicas que expus é basicamente o do jogo do prisioneiro repetido. E neste contexto sabemos que aceitar a agressão unilateral sem resposta conduz a piores desfechos colectivos no longo prazo. Isto ainda é mais grave quando a agressão vem associada a um líder que tem atacado as instituições democráticas no seu país e em todo o mundo. 

Dito isto, lá porque considero que a capitulação europeia é, mais do que lamentável, verdadeiramente escabrosa e perigosa (até para o futuro da UE), isso não significa que considere que a política de Trump defende os interesses dos EUA e acabará por ser vista como um sucesso no contexto doméstico. Sim, é verdade que no curto prazo temos uma transferência fiscal a seu favor, mas num jogo do prisioneiro repetido, não apenas com a Europa mas com o resto do mundo, não é crível que os restantes agentes continuem a apostar na capitulação. Os EUA estão a escolher uma postura não-cooperante e a capitulação constante é insustentável: mais tarde ou mais cedo (e é lamentável que não seja mais cedo, para mais rapidamente se chegar a outro equilíbrio) todos irão perder, incluindo os EUA.  

Acrescidamente, Trump está numa situação que é, do ponto de vista politico, particularmente vulnerável: ele foi eleito com um mandato não apenas para combater a inflação, mas até para baixar o nível de preços (o que é irrealista, mas foi a expectativa que criou). Mesmo que estas taxas unilaterais possam criar alguma receita fiscal superior aos custos que têm para os consumidores norte-americanos, esses custos têm um impacto político desproporcional por estarem em contradição directa, muito visível e objectiva, com a mais importante promessa eleitoral (os impostos sobre o consumo, como estes, também são mais regressivos que os impostos sobre o rendimento, o que faz com que à partida já tenham um impacto económico na satisfação com a economia desproporcionalmente perverso). Por esta razão acredito que poderia ser interessante não ameaçar a retaliação apenas com taxas sobre as exportações americanas, mas nalguns casos específicos (dependendo da elasticidade da oferta) com taxas sobre as exportações europeias para os EUA (como a China fez relativamente aos "minerais raros", e como o Canadá deveria fazer sobre o petróleo que os EUA isentaram).  

quinta-feira, 31 de julho de 2025

O "acordo" entre os EUA e a UE

Na sua viagem à Escócia, Donald Trump encontrou-se com Ursula von der Leyen e ambos anunciaram as linhas mestras de um futuro acordo entre os EUA e a UE

Em primeiro lugar importa reforçar esta distinção: não há nenhum acordo sobre a mesa, menos ainda na iminência de ser aprovado. Tipicamente as negociações duram anos, mas o processo de aprovação pode durar muito mais. 
Isto significa que o verdadeiro acordo pode ter sido a de dar a Trump uma vitória simbólica e mediática ao criar a ilusão de que se irá assinar um acordo inquestionavelmente desfavorável para a União Europeia, acordo esse que nunca chegará a ser aprovado, e assim suspender as relações comerciais entre a UE e os EUA no actual status quo, que continua a ser desfavorável para a UE, mas em muito menor grau. O verdadeiro acordo seria um "cessar fogo" não assumido, enquanto se protela um processo negocial ou burocrático por pelo menos três anos, até a UE poder negociar com uma administração americana liderada por algo que se aproxime de um estadista; com eventuais "vinganças" resultantes de um número variado de queixas na Organização Mundial do Comércio (OMC) resultantes de todas as ilegalidades que a administração Trump tem cometido neste domínio.
Devo dizer que, mesmo que seja este o caso, não deixa de ser lamentável a postura da UE, por razões que desejo expor perto do final do texto. Para já, importa analisar o conteúdo do tal futuro acordo, de acordo com o que foi inicialmente declarado à imprensa. Estas são as linhas mestras, seguidas de alguns comentários:

-A UE compromete-se comprar energia dos EUA no valor de 750 mil milhões de dólares ao longo dos próximos 3 anos. 
Para pormos este compromisso em perspectiva, importa aferir quanto é que a UE gasta em energia anualmente: 318 mil milhões de dólares, dos quais 76 mil milhões de dólares são comprados aos EUA. Ora mesmo que o compromisso fosse no sentido de manter o mesmo volume de compras, sem que se previssem quaisquer flutuações na procura, ele seria extremamente prejudicial para a UE, com um impacto fortemente negativo para os preços da energia (se um vendedor sabe que o comprador está contratualmente obrigado a adquirir uma determinada quantidade do seu produto, tem fortes incentivos para aumentar o preço). Ao invés, o compromisso seria no sentido de aumentar a dependência que a UE tem face aos EUA de cerca de 24% para cerca de 80% (ou mais ainda, tendo em conta as obrigações de reduzir o consumo de combustíveis fósseis), criando vulnerabilidades perigosas ao nível geopolítico e devastando o sector industrial europeu com preços energéticos incomportáveis. 
Também não é claro como é que, do ponto de vista legal, um acordo comercial poderia impôr uma obrigação deste calibre aos actores privados. Mesmo que não violasse as regras da OMC (e obviamente viola), ultrapassaria as competências das instituições europeias envolvidas na aprovação do acordo. 

-A UE compromete-se a aumentar o investimento nos EUA em 600 mil milhões de dólares.
O contexto onde surge este compromisso não poderia ser mais irónico. Ainda não faz sequer um ano desde a publicação do relatório Draghi, cujo diagnóstico parece ter sido bem acolhido pelas instituições europeias. Ora o relatório alega que a UE sofre de um grave problema de competitividade, que é necessário um volume anual de investimento de 800 mil milhões de euros (912 mil milhões de dólares), e detém-se sobre as dificuldades em alcançar esse montante, e as reformas e sacrifícios necessários para ter a esperança de atingir esses valores. Concordemos ou não com o conteúdo do relatório, há, da parte das instituições europeias, uma enorme inconsistência entre aceitar as conclusões do relatório e dar início às reformas que propõe para depois impossibilitar o seu sucesso com este tipo de compromissos. 
Acrescidamente, considerando que se trata de investimento privado, as mesmas questões legais referidas no ponto anterior também se aplicam a este.

 -A UE compromete-se a aumentar os gastos em equipamento militar americano.
Embora não tenha encontrado montantes que enquadrem este compromisso, trata-se também de um compromisso de elevada gravidade, e não apenas pelas questões legais evidentes (são os Estados-membros que tomam as decisões relativas aos gastos em equipamento militar, não é uma competência da UE). Antes de Trump iniciar este mandato, já Macron tinha toda a razão na necessidade da UE ter algum grau de autonomia estratégica, quer pela política externa beligerante e agressiva que os EUA vinham mantendo, e postura prepotente e criminosa patente na recusa em aderir ao Tribunal Penal Internacional, mas também pelo evidente risco - que se veio a materializar - de vitória da extrema direita. Assim sendo, já seria importante ir reduzindo gradualmente o volume de compras de material militar aos EUA. 
No entanto, a vitória de Trump elevou os perigos da dependência militar face aos EUA a novos níveis, principalmente com a insistência reiterada nas ameaças militares à Gronelândia (que acompanharam ameaças a países como o Panamá e o Canadá, estas últimas relativamente mais discretas), um território que faz parte do Reino da Dinamarca, um Estado-membro da UE. 
Dado este contexto, as compras militares aos EUA deveriam diminuir tão rápido quanto exequível sem disrupções militares muito graves. Compreende-se que se vá comprando algum equipamento que a UE não produz, enquanto vamos criando capacidade industrial para diminuir essa dependência, mas qualquer compra de equipamento militar americano que não seja estritamente necessária não constitui apenas uma miopia irresponsável e perigosa, mas também um insulto a todos os dinamarqueses, que nos poderá custar caro. Nesse sentido, este compromisso é grave independentemente dos montantes envolvidos, pois assegura uma recusa de implementar a fortíssima redução de compras que se impõe. 

 -A UE baixa as tarifas sobre a generalidade dos produtos para 0%, os EUA sobem as tarifas sobre a generalidade dos produtos para 15%. 
Isto significa que os EUA conseguem obter alguma receita fiscal que incide parcialmente sobre os consumidores americanos, e parcialmente sobre os produtores europeus (a proporção depende da elasticidade das curvas de procura e oferta de cada produto), ou seja, poderão hipoteticamente conseguir uma receita fiscal que ultrapasse aquilo que os seus cidadãos pagam. Na UE faz-se o oposto, escolhe-se aceitar esta assimetria que torna a indústria europeia contribuinte líquida para o orçamento dos EUA. No curto prazo trata-se de uma espécie de "tributo" que os europeus pagam ao governo dos EUA; no longo prazo viria reforçar a narrativa relativa à eficácia de uma liderança política de extrema direita, destruindo em simultâneo a crença de que a coesão europeia conduz a melhores acordos comerciais. A nível comercial, isto vem convidar um acentuar deste tipo de assimetrias. A nível político, vem degradar a integração europeia e a confiança das instituições, bem como o apreço pela Democracia.

É nesta nota que importa dizer o seguinte: mesmo que o acordo nunca venha a ter lugar, a ilusão de que se trata de algo que a UE aceitaria tem em si uma gravidade imensa, num ambiente político onde a extrema direita está em ascensão e o apreço pelas instituições democráticas em declínio; perder esta oportunidade de aumentar a coesão europeia e tornar claro para a população europeia a importância de algum grau de integração política para evitarmos ser dominados por superpotências como os EUA e a China - e ao invés criar a percepção diametralmente oposta - tem uma gravidade bem superior a um declínio temporário nas relações comerciais atlânticas. Mesmo que a ideia seja não aprovar o acordo, este triste espectáculo de fingir que sim mostra uma preocupante miopia por parte dos nossos líderes políticos, sobrevalorizando os impactos económicos de curto prazo face à sobrevivência das condições estruturais (confiança nas instituições, respeito pelo estado de direito, etc.) que garantem algum grau de prosperidade. Devo dizer que alguns desmentidos da Comissão Europeia quanto às três primeiras condições descritas, longe de me provocar algum tipo de alívio, reforçam a desconfiança e o receio. Ao não estarem presentes em nenhum acordo escrito tornam mais plausível a aprovação do que estiver escrito, já de si para lá do razoável ou sequer aceitável, e colocam dúvidas sobre a existência de compromissos informais "por baixo da mesa" que venham a condicionar de forma não escrutinável a política europeia. Mesmo que nada disso aconteça, a percepção pública sobre esta negociação não melhora.  

Tenho lido por vezes alguma compreensão para com esta capitulação revoltante, alegando-se que os EUA estariam numa posição negocial mais forte, dado o défice comercial que vinham mantendo com a UE. Alega-se que uma guerra comercial iria favorecer os EUA na medida em que taxas aduaneiras muito elevadas de parte a parte iriam ter um impacto muito mais perverso sobre os exportadores europeus do que sobre os exportadores americanos. 
Este argumento parece-me completamente equivocado. Bem pelo contrário, a União Europeia estava perante um contexto negocial particularmente desejável, e muito mais favorável que o americano. 

Um indício do seu equívoco é olhar para 2022, quando a Rússia deu início à invasão em larga escala da Ucrânia. Como sabemos, a relação comercial entre a Rússia e a UE era extremamente assimétrica, sendo a UE o parceiro comercial deficitário. Além de um forte volume das relações comerciais no qual a Rússia era o parceiro superavitário, a flexibilidade da Rússia para encontrar outros clientes era muito inferior à da Europa para encontrar outros fornecedores, dada a inexistência de infra-estrutura necessária para liquefazer muito do gás exportado para a Europa, que não pode ter outros compradores (inicialmente também faltava às economias europeias infra-estrutura para comprar maiores quantidades de gás liquefeito, mas essa insuficiência foi rapidamente suprida). De acordo com esse argumento, a UE rapidamente poria a Federação Russa de joelhos, dada a força negocial que advém de uma balança comercial deficitária. Ao invés, nas fases iniciais da guerra foi a Rússia quem ameaçou (e por vezes cumpriu) interromper os fluxos comerciais, o que repetidamente condicionou a política europeia.

A realidade é que se é verdade que taxas aduaneiras elevadas iria prejudicar muito mais os exportadores europeus do que os exportadores americanos (tendo em conta a balança comercial deficitária dos EUA), pela mesma razão iriam prejudicar muito mais os consumidores americanos do que os consumidores europeus. Esta situação seria particularmente (e assimetricamente) desfavorável a Donald Trump tendo em consideração que a expectativa de que a sua administração fosse mais eficaz no combate à inflação foi uma das causas mais importantes da sua eleição. Mesmo que não tivesse sido esse o caso, e mesmo que os impactos inflacionários fossem iguais dos dois lados do Atlântico, ainda assim teríamos uma outra assimetria favorável à UE, pelo facto de Trump ter iniciado esta guerra comercial: enquanto que eventuais impactos inflacionários elevados sentidos nos EUA na sequência de uma guerra comercial seriam lidos como sendo da responsabilidade de Trump, que a iniciou, qualquer impacto económico perverso sentido na Europa (nos preços, no emprego, nas exportações) iria ser encarado politicamente com maior compreensão, como uma custosa mas necessária defesa perante uma agressão não provocada. Foi isso que se viu no Canadá, na Austrália, e mais recentemente no Brasil: os eleitores recompensarem politicamente os líderes que percepcionam como tendo a coragem de enfrentar o bullying de Trump. Dentro de um ano os EUA vão realizar eleições intercalares nas quais Trump se arrisca a perder a maioria do Congresso (o que até poderia abrir portas à sua destituição), pelo que é Trump quem não tem condições políticas para enfrentar taxas aduaneiras muito elevadas com o seu principal parceiro comercial. 

Bem pelo contrário. Se a UE reconhece (e bem) a necessidade de reformar a legislação relativa ao mercado dos serviços digitais no sentido de melhor proteger a sua soberania (naturalmente de forma desfavorável às multinacionais americanas no sector), seriam de compreender hesitações em avançar num contexto onde se esperaria uma retaliação dos EUA que fosse disruptiva face às relações comerciais entre os dois blocos com prejuízos económicos de parte a parte cuja culpa seria colocada nos líderes europeus, vistos como quem iniciou o conflito. Mas eis que Trump ofereceu à UE uma excelente oportunidade: ao iniciar as hostilidades com as taxas aduaneiras a 10%, permitiu que a UE pudesse fazer o que tem de ser feito para garantir a nossa segurança e soberania, permitindo enquadrar aos olhos da população tal legislação como "retaliatória", e precisamente num contexto onde qualquer grau de escalada do conflito seria muito menos comportável por parte de Trump, dadas as assimetrias mencionadas. Pelo caminho, iria fortalecer-se a identidade europeia, que ganha força precisamente no contexto de agressões externas, e a confiança nas instituições. 

Foi esta a oportunidade que, por gritante cobardia, os nossos líderes à escala europeia decidiram perder. 
Urge suprir o défice democrático europeu. 

sábado, 18 de março de 2023

O Elefante no Meio da Sala

A revista "A Gralha" publicou um artigo que escrevi chamado "O Elefante no Meio da Sala". Nele argumento que, no que concerne ao combate às alterações climáticas na Europa, não existe nenhuma questão tão importante como o abandono do Tratado da Carta da Energia (TCE):

«O Tratado da Carta da Energia estabelece um sistema de justiça paralelo que coloca as empresas multinacionais numa situação de privilégio face às empresas nacionais em geral, mas também ameaça as finanças públicas, a economia e a Democracia. É um obstáculo à luta contra a pobreza energética e as rendas excessivas, sendo plausível que em Portugal tenha estado associado à demissão do secretário de Estado da Energia Jorge Seguro Sanches por ter lutado com eficácia contra estas rendas.

Além disto, para o período entre 2018 e 2050, o TCE protege um volume de emissões que é cinco vezes superior ao volume que a UE pode emitir no mesmo período se quiser atingir o alvo de 1,5º estabelecido no Acordo de Paris. O TCE é completamente incompatível com os compromissos climáticos assumidos pela União Europeia e qualquer decisor político tem obrigação de saber que é impossível respeitá-los sem abandonar este acordo.»

Neste momento já vários países abandonaram ou anunciaram abandonar o TCE, correspondendo a mais de 70% da população da UE, e o abandono coordenado, recomendado pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia, estão em cima da mesa. É um momento absolutamente crucial e a decisão do governo português - seja a de apoiar publicamente este processo, seja a de se opor silenciosamente - vai ter mais impacto no combate às alterações climáticas que a totalidade de todas as suas medidas no plano nacional. Se não apoiar publicamente este processo, estará a contribuir directa e consequentemente para o incumprimento do Acordo de Paris, apenas para proteger os lucros excessivos da EDP e outras empresas que tais. 



sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Ó engenheiro Belmiro, não dá para arranjar uma dentadura à velha?

Não existem diferenças substanciais no conteúdo da comunicação dos dois principais grupos de super e hipermercados portugueses. Quanto muito existe na forma.
O Pingo Doce faz promoções no 1º de Maio, numa altura em que se falava em acabar com feriados. Subsidia uma Fundação, com o nome do fundador, onde se patrocina a ideologia e a direita que nos governa. E o presidente (CEO ou lá como se diz), Alexandre Soares dos Santos, por alguma estranha razão visto como “neutro” ou “isento”, tem acesso frequente a jornais onde dá entrevistas carregadas de ideologia e agenda política, tendo também contribuído para a queda do anterior governo e a chamada da troika. Numa dessas entrevistas, mais recentes, defendeu que achava muito mal um homem na sua posição não ter pago quase nada por um pacemaker, que lhe foi colocado através do Serviço Nacional de Saúde.
O Continente é mais subliminar na forma de transmitir a sua mensagem, mas no fundo ela é a mesma. Belmiro de Azevedo não dá tantas entrevistas, mas esteve ao lado de Passos Coelho na campanha eleitoral. Alguns slogans do Continente parecem propaganda de Passos Coelho (“vamos fazer mais com menos”). E agora há a velhinha, a recordar-nos que no tempo dela não havia lojas como o Continente, que é muito amigo dos pobres e desgraçados. Recorda-nos isto… sem dentadura. Deve ser parte do “fazer mais com menos”: tal como um pacemaker, que deve ser pago, uma dentadura é um luxo, e deve ser reservado a quem a pode pagar ou a quem realmente precisa (quem não tiver mesmo dente nenhum, e comprovadamente não sobreviver só ingerindo líquidos). Quem tiver só três ou quatro dentes vive bem sem ela.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Ele arranjou um emprego bom, bom, bom, bom

E não é que o Boss AC já é patrocinado pelo Continente? A música até é gira e é uma forma de ganhar dinheiro honesta. Espero é que a partir de agora ele deixe de se armar em cantor de intervenção. Alguém que peça, a sério, que lhe “arranjem” um emprego – uma ofensa ao Sérgio Godinho – é tudo menos o que os desempregados precisam.

quinta-feira, 17 de maio de 2012

O projeto político do Pingo Doce (3)

Este projeto, de que tenho vindo aqui a falar, teve mais um momento de propaganda no último Prós e Contras. A apresentadora teve o cuidado de referir que convidou fornecedores do Pingo Doce para estarem presentes, mas nenhum aceitou participar no debate. E é óbvio que recusaram: achar que os fornecedores, nas presentes condições, podem estar de igual para igual com as grandes superfícies, sendo que são estas que ditam as regras do jogo, é desconhecer a situação do setor. Mas se não podiam lá estar os fornecedores, tal não implicaria que não pudesse ir alguém que confrontasse o setor da distribuição com as suas práticas e não fizesse o seu jogo. O que aconteceu foi que, mais uma vez, tivemos um representante do Grupo Jerónimo Martins a fazer tempo de antena na televisão pública, sem haver quem fizesse o respetivo contraditório.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

O projeto político do Pingo Doce (2)

O único motivo de relevância social da senhora da figura é o ter rompido com o PCP. Se não fosse o PCP, quer antes, quer depois de ter saído, a senhora em questão não seria minimamente conhecida: seria uma perfeita anónima. Mas, apesar de ser uma figura polémica e que divide a sociedade portuguesa, basta esse motivo para (havendo tantas outras figuras públicas bem mais populares e consensuais) protagonizar uma campanha de vinhos do Pingo Doce.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

"Quando os loucos guiam os cegos"?

"Também vale arrancar olhos. Assim foi neste 1º de Maio. Cenas lúgubres em todo o país. Os gestores viram um livro de marketing a ser implementado. Os economistas viram um livro com curvas de oferta e procura. Os juristas viram um livro de direito da concorrência. Eu vi um livro de Saramago a escrever-se sozinho. 

Já foi escrito: a reacção dos clientes é racional, nada a apontar. Faltou escrever: quem organizou o circo romano sabia ao que ia. E orgulhou-se no dia seguinte. Ficámos a saber como está o país. A violência que não se vê nas manifestações de rua comprime-se no afã vidrado de uma fila de supermercado." (daqui)

O projeto político do Pingo Doce

Não devemos culpar ou apontar o dedo, de maneira nenhuma, aos portugueses que passaram o seu 1º de Maio nas filas do Pingo Doce à espera de um desconto de 50% em todas as mercadorias. Nem sou eu que vou julgar quem fez compras de forma "irracional" - também aproveito os cupões do Minipreço e os descontos de 75% do Continente como posso, e facilmente compro azeite, arroz, café ou vinho em grandes quantidades se o preço for convidativo. Agora, eu não faço estas compras no Dia do Trabalhador. Uma vez mais: no estado atual de crise, não condeno quem se tenha aproveitado desta promoção, que bastante diferença pode fazer nas contas do fim do mês. Mas, e isto é o mais importante, as promoções que eu uso estão disponíveis em todos os outros dias (sendo que uma das lojas, o Minipreço, até estava fechada no Dia do Trabalhador). A promoção do Pingo Doce - é isto que eu condeno - tinha como principal objetivo o ataque a este dia. Os patrões das outras lojas são tão capitalistas como o do Pingo Doce, mas o do Pingo Doce é pior. Os outros acima de tudo querem é vender muito, e mais (e condições políticas favoráveis a isso, claro). O patrão do Pingo Doce tem um projeto político próprio. A "Fundação", a obra "filantrópica" e este ataque ao Dia do Trabalhador são só aspetos desse projeto. Ainda o veremos a lançar um candidato à Presidência da República. Leitura complementar: A revanche do Pingo Doce, por André Barata.

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Mais uma demonstração da hipocrisia do Pingo Doce

Não vale a pena perder mais tempo com a reiterada hipocrisia do Pingo Doce, que já tinha ficado evidente aquando da deslocalização da sede fiscal para a Holanda. Desta vez decidiram fazer descontos de 50% para compras superiores a 100 euros, depois de tanto terem anunciado que promoções eram para os outros, e que eles nunca faziam promoções. O objetivo, puramente político, da cadeia de supermercados, era somente o de atacar o feriado do 1º de Maio, para tal promovendo cenas como as que são descritas aqui. Se as pessoas passam horas a fio em filas à espera de uma promoção, isso só se deve a ser feriado; se é assim que as pessoas passam este feriado, a perder tempo, então tal feriado não se justifica. O raciocínio parece ser simples, da perspetiva da opinião pública, dos fazedores de opinião, da classe média alta. Só que não será isto que quem foi hoje ao Pingo Doce e ficou satisfeito com as compras que fez tenderá a pensar no futuro. Nos EUA , episódios como este sucedem todos os anos a seguir ao Dia de Ação de Graças. O capitalismo é assim. E já é uma instituição: para muitas famílias, a sexta feira a seguir ao Dia de Ação de Graças é passada em lojas de saldos, que justificam esse dia feriado. Não foi certamente para ser passado em hipermercados que o Dia do Trabalhador foi concebido; agora, ações como a do Pingo Doce vêm reforçar o apoio ao feriado do 1º de Maio. Talvez lhe retirem é significado político. É isto e só isto que interessa aos patrões do Pingo Doce e ao governo; mais um "dia de trabalho" é desculpa em que poucos acreditam.

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A reabertura das grandes superfícies ao domingo

Ou os inquiridos são escolhidos de uma forma não aleatória, ou basta ouvirmos qualquer inquérito de opinião na rua para nos convencermos de que os portugueses são na sua esmagadora maioria favoráveis à abertura das grandes superfícies ao domingo no ano inteiro. Pessoalmente creio que, no século XXI, com o comércio online a funcionar 24 horas por dia, não fazem sentido este tipo de restrições. Se as houvesse, que fosse como em França onde, excetuando em mercados ao ar livre e lojas de conveniência, não se compra comida aos domingos em lado nenhum, lojas, super e hipermercados: quem não a comprou no sábado, que vá ao restaurante. Pelo menos não existe esta distinção artificial entre "pequenas" e "grandes" superfícies. Mas, repito, se outras atividades económicas operam ao domingo, não me faz confusão nenhuma que as lojas de comida também o façam (embora também não faça questão de que o façam, e vivi bem em França sem o fazerem). Parecem-me por isso serôdias as críticas de muitos que entendem por bem decidir como devem as pessoas passar os seus domingos. Mais serôdia ainda me parece a defesa do comércio "tradicional". Estas posições estão condenadas a desaparecer ou a tornarem-se cada vez mais minoritárias - é o progresso. Em vez de perderem tempo com elas, os críticos desta nova reabertura deveriam concentrar-se naquilo que é realmente importante: garantir que ninguém é explorado e que a carga horária semanal dos trabalhadores destas superfícies não é aumentada. Desde que tal se verifique eu sou favorável a estas aberturas (ou pelo menos não sou contra). Mas há que estar vigilante. O resto é do séc. XX.

domingo, 22 de agosto de 2010

Pão, sal e rótulos

Quem defende que o pão com excesso de sal pode continuar a ser vendido normalmente desde que convenientemente “rotulado”, ou só come pão de forma às fatias ou só compra pão em supermercados e há muitos anos não entra numa padaria. Claro que essa hipótese de o pão salgado ser rotulado é defensável em teoria (embora devesse ser sujeito a um imposto especial, semelhante ao tabaco). Mas não sei onde está com a cabeça quem pensa que numa padaria tradicional, que venda pão a granel, possa haver uma distinção entre pão salgado e pão com menos sal.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Os preços planificados do “Pingo Doce”

Continuemos a falar do comércio a retalho, só que desta vez de legumes frescos.
Costumo brincar com os meus amigos economistas, dizendo-lhes que enquanto a física consegue prever com todo o rigor certas grandezas a economia não é capaz de prever sequer o preço do quilo da alface. Bem: não no “Pingo Doce” onde, desde Outubro de 2009 (pelo menos), o kg da alface tem sido sempre a 1,49 €. O mesmo com o espinafre e o tomate: sempre ao mesmo previsível preço.
O rapaz da foto entra-nos todos os dias em casa (para quem vê televisão), a anunciar que, na cadeia de lojas que ele promove, basicamente os preços são fixos, à boa maneira socialista (dizem que Salazar fazia o mesmo, pelo menos com o preço do pão, nem que tivesse que lhe diminuir o tamanho…). Enquanto nas outras lojas os preços flutuam com o mercado, com a lei da oferta e da procura e com as condições climatéricas (algo que, especialmente com um inverno rigoroso como o que temos tido, naturalmente afeta e muito o preço dos legumes frescos), no “Pingo Doce” os preços não aumentam (mas também não diminuem – não variam).
É curioso que os economistas, mais liberais ou mesmo mais keynesianos, gastaram nas duas últimas décadas tanto latim a explicarem-nos os problemas de uma economia planificada, e agora ninguém reclama por o “Pingo Doce” estar a planificar a economia (fixar preços é típico de uma economia planificada, e não de uma economia livre).
Dir-me-ão que o “Pingo Doce” é uma empresa privada, que pode vender os produtos aos preços que quiser numa economia livre, enquanto o estado fixar os preços é diferente. Mas será assim tão diferente? Terão os produtores liberdade de negociar livremente com o “Pingo Doce” o preço das suas colheitas? Não estou de modo nenhum a acusar o “Pingo Doce” de nada, mas sei que muitas vezes os grandes retalhistas exercem pressões enormes sobre os produtores, sendo que em muitas localidades detêm praticamente o monopólio. Os produtores têm que aceitar os preços que os grandes retalhistas oferecem; não têm escolha. Não sei se é esta a situação do “Pingo Doce” (repito – não estou a acusar ninguém), e pode ocorrer com outros retalhistas, hipermercados ou não. Sei é que esta situação hipotética não é a de uma economia livre.
Mas admitamos que nada disto se passa: o “Pingo Doce” é uma marca séria, e decidiu manter um compromisso com os clientes. Mesmo que a intenção do “Pingo Doce” não seja essa, a verdade é que todos aqueles anúncios são uma exaltação das virtudes da economia planificada como há muito não se via (e espanta-me, falo a sério, que nenhum economista comente este assunto). Ao ver aquele rapaz rechonchudo a repetir que “só o “Pingo Doce” respeita o seu dinheiro” por não variar os preços, questionamo-nos se não seria melhor que fosse assim com tudo. As lojas todas, todo o comércio. Não só o “Pingo Doce”. Desde que não houvesse esmagamento dos produtores. Se há pressões sobre os produtores, é intolerável; se não há, afinal a economia planificada funciona! Não é assim? Não consta que o “Pingo Doce” dê prejuízo!
Sim, e o rapaz é rechonchudo. Só num anúncio, o “Pingo Doce” reabilita a planificação da economia e os gordos para a publicidade. Quer-me parecer que o “Pingo Doce” está a tentar atrair clientes de esquerda.

terça-feira, 9 de março de 2010

O exemplo do guarda-lamas

O guarda-lamas de bicicleta cuja embalagem vêem na figura foi comprado por mim no passado mês de Julho em Paris, numa loja de uma cadeia de hipermercados que há dois anos saiu de Portugal. Procurei e nunca encontrei um artigo semelhante em hipermercados portugueses. Disseram-me, mais tarde, que o poderia encontrar, em Portugal, numa conhecida loja de desporto francesa. Possivelmente fabricado em Portugal, como o artigo que eu comprei (cliquem na imagem e confirmem), da marca de uma cadeia que há dois anos saiu do país. Nas lojas portuguesas, nada semelhante.
Passa-se o mesmo, sem surpresa, com as bicicletas propriamente ditas. Conforme se pode ler aqui, a mesma grande empresa francesa vende bicicletas portuguesas. A sua principal concorrente (e líder do mercado) em Portugal, uma empresa portuguesa, vende (informei-me) bicicletas fabricadas na Tailândia. É esta a visão dos grandes retalhistas portugueses. Entretanto, apesar de o setor estar em crise, Portugal ainda vai sendo o maior produtor europeu de bicicletas. Graças à França, e enquanto a Europa (neste caso, a França) quiser. Portugal nunca pode contar com os portugueses.