quinta-feira, 16 de julho de 2015

Ele não é Charlie, mas não merece ser processado

Parece que se vai tornar comum no Reino Unido: mais um pastor protestante processado em tribunal, e que arrisca seis meses de prisão, por ter dito (num sermão) que o Islão é «satânico» e «pagão». O centro islâmico lá do sítio (o caso passa-se na Irlanda do Norte) achou-se «ofendido». Há precedente de condenação num caso semelhante.

Há muitos anos que digo sempre o mesmo sobre estes casos: a liberdade de expressão deve servir para criticar o ateísmo e a religião, os fundamentalistas e os liberais, os democratas e os autoritários. Só em casos muito extremos (apelo à violência e ao crime) é que se pode processar pessoas por meros discursos, por mais insuportáveis, intolerantes ou idiotas que sejam.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

É a política, estúpido!

No sábado, a reunião do eurogrupo (o conjunto de ministros das finanças da UE que não se chamem Varoufakis) terminou quase com a Grécia a sair do euro. Quem colocou a «Grexit» em cima da mesa, significativamente, foi Schauble. No domingo, os chefes de governo foram até à madrugada de hoje para conseguirem manter a Grécia no euro, o que foi possível graças a Hollande.

De tudo o que se sabe do que se passou no fim de semana, há três conclusões a tirar. Primeira, que a Europa não pode ser feita por tecnocratas. Não é a economia, é mesmo a política que tem que liderar. E os estadistas não nascem feitos, fazem-se em provas duras como as das últimas semanas. Segunda conclusão, quem quer a Grécia fora do euro é Schauble (ainda mais do que Merkel), e a esquerda radical que insiste em colocar essa questão (por cá, o PCP de modo cada vez mais claro) deve reflectir em se não estará a fazer o jogo da direita alemã. Terceira conclusão, o equilíbrio de forças das últimas horas esteve mais próximo da França (e da Itália) do que era habitual há muito tempo. No momento em que a Grécia se aproximou do precipício, foi a esquerda dos países latinos que impediu o passo final. Portanto, uma outra UE pode ser possível.

Nada disto minora a pesada continuação da austeridade na Grécia. Todavia, a grande vitória é que o governo grego continua em funções, e insistindo na reestruturação da dívida. Consegui-la ou não, não depende só do Syriza.

domingo, 5 de julho de 2015

A União Europeia mereceu o Nobel da Paz?

Ter dado, em 2012, o Nobel da Paz à UE, quando as instituições europeias revelam o pior da sua disfuncionalidade, e ao longo dos últimos anos - principalmente nos últimos dias - se têm preparado para repetir na Grécia os erros de Versalhes, parece o cúmulo da falta de oportunidade.
Quase que parece uma tentativa deliberada de descredibilizar o prémio.

Mas vale a pena sobre o assunto.
Esqueçamos 2012 e pensemos em abstracto: a UE merece o Nobel da Paz?

O comité Nobel afirmou que a UE mereceu o prémio «pelos seus esforços, ao longo de seis décadas, em prol da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.»

A ideia não é nova: há muitos anos que oiço falar no mérito do projecto europeu como sendo algo que evitou guerras na Europa nas últimas décadas. Parece-me que poucos na minha geração compreendem o alcance desta afirmação.

Para muitas pessoas da minha geração, a paz é algo que tomamos por garantido. Mesmo que não o formulemos intelectualmente desta forma, nós "sentimos" que a guerra é uma coisa do passado, ou que acontece "lá fora", e este sentimento é tão constante que nem nos apercebemos da sua presença.
Mais, sabemos que têm existido guerras em território europeu, mesmo que não no território da UE.

E, em parte porque inconscientemente quase que damos a paz cá dentro por garantida, não vemos esse como um importante objectivo da UE: a União Europeia é geralmente vista como uma via para para promover o desenvolvimento, para aceder a uma "prosperidade partilhada", para promover o "bem-estar".
Muitos alemães, belgas, finlandeses, portugueses, etc. sentem que vale a pena estar na UE porque serão beneficiados economicamente com essa pertença.

De alguma forma, este é um enquadramento mental muito menos propício à cooperação, mas mais propício à mesquinhez e ao egoísmo. Quando coopero com um amigo com um objectivo comum tenho uma atitude mental que não é a mesma que aquela que tenho quando negoceio com um desconhecido. Quando a incerteza face aos riscos e benefícios de diferentes medidas é maior, mais paralisante pode ser a desconfiança e o egoísmo, e mais comuns podem ser as perdas via "dilema do prisioneiro".
A ironia é tremenda: obcecados com os benefícios económicos, os países acabam por ser levados a uma postura não cooperativa que se materializa em tremendos prejuízos económicos para todos.
Tome-se como exemplo a forma como a UE reagiu à crise de 2008, para ter uma noção dos danos que o egoísmo e a mesquinhez podem provocar.

Mesmo que seja possível encarar tudo o que se tem passado como uma vitória do sector financeiro e dos mais poderosos, que têm conseguido impor a sua agenda e acentuar as desigualdades instigando egoísmos e ressentimentos nacionais, parece-me claro que as populações e os seus representantes se tornam mais susceptíveis a esta manipulação quando lhes é natural olhar para a UE como uma instituição que serve para providenciar benefícios económicos. Por mais que a «solidariedade entre os povos» esteja nos tratados, nunca deixará de ser letra morta enquanto o enquadramento mental for este (um exemplo).

Não parece fácil pensar num enquadramento mental alternativo que seja tão naturalmente aceite.
A minha geração não viveu a segunda guerra mundial, e muito menos as quase constantes guerras que a antecederam. A minha geração não tem noção da anormalidade que constitui a paz que temos vivido. Infelizmente, muitas vezes não damos o devido valor ao que temos por garantido. E esse erro pode ser muito mais grave quando temos por garantido algo que não o é.
Será preciso viver a guerra para compreender quão valiosa é a paz?

Neste ponto do texto tenho de pedir uns dezoito minutos ao leitor para ver esta animação.



Eu espero que não: que não seja preciso viver a guerra para compreender o valor da paz.

Com isto eu não quero dizer que a UE mereceu o Nobel.
Saber se a paz que temos vivido é em maior ou menor medida construída à custa da colaboração com uma potência hegemónica e o seu complexo militar-industrial, a qual tem projectado o seu poder com cada vez menos pudor, é uma questão em aberto, e apesar da promessa do título não lhe vou dar resposta.

Mas parece-me que, quando compreendemos o custo da guerra, quando compreendemos a ubiquidade da guerra, quando conseguimos dar à paz o valor que ela merece, parece mais natural ver este como o objectivo fundamental da UE.

Muitas vezes oiço políticos mais velhos, à esquerda e à direita, lamentarem-se de uma UE cada vez mais caracterizada pelos egoísmos nacionais, com menos solidariedade e menos «visão». Talvez no esquecimento colectivo a respeito da dureza das guerras passadas esteja parte da resposta.
Se todos encarássemos a UE como um custo que vale a pena suportar em nome da paz, o projecto europeu não estaria em risco de ruir para salvar meia dúzia de bancos aqui e ali.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

A imprensa nacional e os gregos malditos

Não tenho sido o único a notar que a imprensa nacional passa uma história diferente daquela que é passada pela imprensa anglo-saxónica. Nada melhor para ilustrar isto do que os textos sobre a declaração de hoje do FMI:

Enquanto uns dizem que o FMI pede maior flexibilidade na ajuda à Grécia...

The IMF called on Thursday for Europe to grant the country “comprehensive” debt relief.
Concessions proposed by the IMF was a doubling of the maturities on Greece’s existing debts to 40 years and the inclusion of a 20-year grace period on repayments.
 
The International Monetary Fund (...) conceded that the crisis-ridden country needs (...) large-scale debt relief to create “a breathing space” and stabilise the economy.
IMF revealed a deep split with Europe as it warned that Greece’s debts were “unsustainable”.
Fund officials said they would not be prepared to put a proposal for a third Greek bailout package to the Washington-based organisation’s board unless it included both a commitment to economic reform and debt relief.
According to the IMF, Greece should have a 20-year grace period before making any debt repayments.
 
... outros dizem que aponta o dedo à Grécia
 
O Fundo Monetário Internacional (FMI) defende que se a Grécia não concretizar um conjunto de reformas precisará de um perdão de dívida (haircut).

Jornal de Negócios
O Fundo Monetário Internacional efectuou uma análise à sustentabilidade da dívida pública da Grécia, tendo concluído que será necessário um "haircut" caso o país não implemente reformas 
 
Nem tive coragem de abrir o Observador...