terça-feira, 31 de dezembro de 2013

2013


  • Figura internacional do ano: Edward Snowden.
  • Acontecimento internacional do ano: a crise financeira.
  • Figuras nacionais do ano: os juízes do Tribunal Constitucional.
  • Acontecimento nacional do ano: a crise económica.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Quem é de esquerda quer abolir a economia de mercado?

Muitos marxistas (e não só) implícita ou explicitamente restringem o domínio ideológico da «esquerda» à oposição à economia de mercado. Se alguém compactua, aceita, ou - pior ainda - defende a economia de mercado como alicerce das relações económicas (mesmo que depois enquadrado por leis que alteram o seu funcionamento no sentido de corrigir desigualdades, criar oportunidades, etc.), esse alguém não será «verdadeiramente» de «esquerda».

Parece-me errado definir a categoria desta forma, porque prejudica a comunicação. Se uma percentagem tão significativa das pessoas usa a palavra de forma diferente, este uso da mesma só pode criar confusão. 

Pior que isso, quem usa o termo desta forma raramente é consistente. Se só quem se opõe à economia de mercado é de esquerda, é necessário retirar a implicação imediata - os portugueses não são de esquerda.

Em Portugal, quem deseja alterar as relações económicas no sentido de acabar com a economia de mercado é uma minoria. Essa minoria pode estar certa ou errada, não pretendo discutir tal tema neste curto texto. Mas não deixa de ser uma minoria, uma minoria que ronda (e talvez nem chegue) os 20% - uma em cada cinco pessoas. A vontade da maioria dos cidadãos, a vontade «do povo», «das ruas», «dos portugueses» não é a de acabar com a economia de mercado. 
Será por ignorância? Por equívoco? Será devido à propaganda eficaz dos mais ricos ou à persuasão de políticos maliciosos que os servem? Será por conservadorismo, por medo do desconhecido? Será devido a uma natureza competitiva ou mesquinha? Ou será por bem senso? Ou será por uma percepção - intuitiva ou informada - das vantagens deste tipo de organização social? Não importa discuti-lo aqui, porque nenhuma destas justificações obsta ao facto: os cidadãos em geral e eleitores em particular, mal ou bem, não querem acabar com a economia de mercado. 

É portanto necessária alguma consistência: ou «esquerda» é uma categoria suficientemente abrangente para abarcar uma fatia muito significativa (até tendencialmente maioritária) da população (caracterizada por uma preocupação com os valores da liberdade, igualdade, fraternidade; por uma vontade de ver o poder político e económico mais distribuído, menos concentrado) - ou esquerda é uma categoria que implica a vontade de abolir a economia de mercado como alicerce das relações económicas, e é uma ideia que - correcta ou incorrecta - é minoritária, marginal, em contradição com a vontade popular. 

Concluo notando que isto não é uma especificidade portuguesa. 
No resto da Europa, por exemplo, o mesmo acontece. 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Pequeninos mas orgulhosos, a progressividade do IRC

A progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal é um valor partilhado por vários quadrantes políticos em vários países, ao ponto de estar inscrito na nossa Constituição. É o principal instrumento de redistribuição de rendimento e de combate à desigualdade.
A recente reforma do IRC introduziu, pelas mãos do PS, um princípio novo no sistema fiscal que estranhamente pouco foi discutido: a solidariedade entre empresas. Haverá agora progressividade também no IRC que taxará 17% ou 23% consoante o lucro estiver abaixo ou acima de 17 mil euros. E diga-se: o PS batalhou por uma progressividade bem maior.
Este bizarro princípio, existente apenas em alguns países, é de difícil compreensão. O Estado deve corrigir a desigualdade, inerente à economia de mercado, de rendimentos entre pessoas e assim garantir uma sociedade mais igual e garantir um mínimo de qualidade de vida a todos, mas... porquê fazer o mesmo com as empresas? Tanto mais que uma empresa não é uma entidade imutável como uma pessoa. Se tivermos uma empresa A com 200 empregados e 20 mil euros de lucros, e 10 empresas B com 20 empregados e 2 mil euros de lucro cada uma, porquê descriminar entre A e B, porquê obrigar a A a ser solidária, se os dois conjuntos de empresas contribuem exactamente o mesmo para a sociedade?
Poder-se-ia argumentar que a empresa grande pertence a um empresário abastado, e que isto diminuiria a desigualdade - mas isto não é necessariamente assim. Um "rico" pode ter várias empresas pequenas, e a grande ser possuída por várias pessoas com menor rendimento. Se realmente fosse esta a fundamentação, porque não corrigir a desigualdade de rendimentos da maneira mais clara e simples, através do IRS?
As PME's criam mais emprego? Mais uma vez isto não é necessariamente verdade, e porque não incentivar mais emprego da maneira mais directa, através da redução da TSU?
As grandes empresas pagam um IRC efectivo mais baixo? Isto é bem verdade em Portugal, mas corte-se então nas isenções que levam a essa injustiça.
As grandes empresas distorcem a concorrência? Reforce-se esse controlo.
A inovação nasce em pequenas start-ups? Subsidie-se a inovação.
Para lá de ser um soundbite demagógico do PS que quis mostrar alguma batalha "contra" a direita na reforma do IRC, esta progressividade pode ter efeitos negativos. Ao discriminar negativamente as empresas de média e grande dimensão, o Estado está a dizer que prefere um país cheio de pequenas empresas em vez de empresas maiores com um mínimo de massa crítica para exportarem e serem competitivas internacionalmente.
Desistimos de lutar pela solidariedade entre as pessoas, para ficarmos pelas empresas?

sábado, 14 de dezembro de 2013

Um castigo que passou a recompensa

  • «(...) O ministro Miguel Macedo nomeou Paulo Valente Gomes [ex-diretor nacional da PSP, que se demitiu após a manifestação das forças de segurança junto ao parlamento] para oficial de ligação do ministério da Administração Interna na embaixada portuguesa em Paris, um posto que terá sido criado propositadamente e que tem uma remuneração superior a 12 mil euros mensais, o triplo do salário que o ex-diretor nacional da PSP recebia como tal» (Expresso).
Pensei que o senhor tivesse sido forçado à demissão por ter permitido uma manifestação de indivíduos armados (logo, inconstitucional) que galgou as escadas do Parlamento. Afinal, não: vai ser recompensado por ter permitido essa manifestação. O seu sucessor na PSP ou noutra polícia que retire as devidas ilações.

Quem foi o "esquerdista" que disse isto?

«A democracia económica postula a intervenção de todos na determinação dos modos e dos objectivos de produção, o predomínio do interesse público sobre os interesses privados, a intervenção do Estado na vida económica e a propriedade colectiva de determinados sectores produtivos; pressupõe ainda a intervenção dos trabalhadores na gestão das unidades de produção. A democracia social impõe que sejam assegurados efectivamente os direitos fundamentais de todos à saúde, à habitação, ao bem-estar e à segurança social; exige a abolição das distinções entre classes sociais diversas e a redistribuição dos rendimentos, pela utilização de uma fiscalidade justa e progressiva.»


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Ataques aos pilares da Liberdade

Não faz sentido temer que um dia mais tarde a paranóia securitária saia de controlo, e seja criada uma «polícia secreta» que, qual Stasi, invada a privacidade de todos os cidadãos, mesmo aqueles em relação aos quais não existe qualquer suspeita de actividade ilegal, apenas por razões políticas, tentando prejudicar quem defende ideias incómodas através da divulgação selectiva de informações pessoais.

Não faz sentido temer que isso aconteça «um dia», porque isso já acontece hoje. É verdade que a maior parte dos cidadãos ainda não sentem «na pele» o uso destes instrumentos. A maior parte das pessoas ainda não representa uma ameaça política significativa, não pode divulgar casos de abuso ou corrupção, e não existe razão - para já - para que estes instrumentos sejam utilizados contra uma «pessoa comum». Os cidadãos são prejudicados por esta situação, sim, mas de forma indirecta, e essa é mais difícil de identificar.

 O problema é que quando estes instrumentos forem usados para criar um clima de sufoco tal que o cidadão comum o «sente na pele», pode ser já tarde de mais para os reverter.
É por isso que esta situação me assusta tanto.



quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A imobilidade de Frankfurt

Por vezes tem-se a ideia que o BCE tem feito muito para combater a crise, o seguinte gráfico, que mostra os activos comprados pelo BCE, o Banco of England e o FED, prova o contrário:


Ao contrário dos últimos dois, Frankfurt tem injectado muito pouco dinheiro na economia. No caso dos EUA, que já estão com um crescimento elevado, o Fed continua por enquanto a aquecer a economia comprando dívida pública. O BCE das poucas e tímidas vezes que o fez, neutralizou as compras (vendeu outros títulos para não aumentar a quantidade de moeda em circulação). A esta indolência junta-se o facto de o BCE ter subido os juros a meio da crise, agravando os efeitos da austeridade.

Mas agora junta-se outro problema mais grave, a deflação. Para lá dos problemas óbvios pelos os quais o Japão passou, os países do sul estão a passar por uma descida de preços que só agravam o problema das dívidas. A Grécia alcançou recentemente o nível record de inflação de -2,9%. A imprensa nacional foca-se nos juros nos mercados secundários, todos os dias fala-se se estamos acima ou abaixo dos 6%, mas isso é insignificante comparado com o problema da deflação. A primeira apenas afecta os novos lançamentos de dívida, a segunda afecta toda a dívida já existente. Em termos reais, o estado grego está a sofrer um aumento de 2,9% nos juros a pagar sobre toda a sua dívida, a manter-se este nível de deflação. Em Portugal o IPC está nos -0,2%, significando que o Estado português vai ter de pagar à volta de 2% a mais, em termos reais, do que aquilo que se esperava inicialmente. Mas Frankfurt não parece muito preocupada.



A Dívida, de novo



A propósito desta notícia, vale a pena relembrar alguns excelentes textos que foram sendo escritos sobre a dívida, quer neste blogue, quer noutros blogues.

O sector financeiro tem tido muito sucesso na forma como tenta influenciar o debate público a seu favor, mas a verdade é como azeite... Um dia a ignomínia das actuais políticas será tão reconhecida e consensual como hoje é evidente injustiça da prisão de Mandela (apenas uma minoria de extremistas se recusam a reconhecê-lo). 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

As resoluções da ONU sobre Mandela e o apartheid e a posição portuguesa

Parece que a desculpa para o vergonhoso voto de Portugal contra as resoluções da ONU sobre a África do Sul, em 1987, era Cavaco Silva primeiro ministro, reside no facto de tais resoluções não apresentarem uma renúncia explícita à luta armada, ainda mais havendo uma numerosa comunidade portuguesa no país.
Tenho pena que, no momento em que escrevo, o site das Nações Unidas que disponibiliza esta informação esteja em baixo (deve ser de tanto ter sido consultado em Portugal nos últimos dias...). Mas envolvi-me numa discussão facebookiana com o Ricardo M. Santos e alguns dos seus amigos, e nela foi-me demonstrado (com links) que houve muitas votações, mas pelo menos duas relevantes para o que está em causa.
Na primeira, Portugal vota contra um apelo à libertação de Nelson Mandela. Aqui, sim, poder-se-ia aplicar o argumento (que eu consideraria hipócrita) de a resolução não condenar a luta armada e Mandela ser considerado um "terrorista". Eu considero esta linha de pensamento vergonhosa, mas o facto é que a resolução, apesar de amplamente aprovada, teve os votos contra não só de Portugal mas também de países como a França, a República Federal da Alemanha e a Bélgica.
A segunda resolução em questão condenava o apartheid e apelava à Africa do Sul para pôr fim a este regime. É um apelo simples, transparente e cristalino. Exigir "renúncia à luta armada" para pôr fim ao apartheid é, evidentemente, legitimá-lo em certas circunstâncias. E foi essa a posição - vergonhosa - de Portugal, Reino Unido e Estados Unidos, os únicos países que votaram contra essa resolução.
O primeiro ministro de então, Cavaco Silva, sempre gostou de se comportar na política externa como um fiel servo de Margaret Thatcher. Como o atual primeiro ministro em relação a Angela Merkel.

 

sábado, 7 de dezembro de 2013

Não é uma questão de opção política: é mesmo uma questão de jornalismo!

A propósito deste artigo do Daniel Oliveira sobre mais uma manchete do Correio da Manhã (cuja leitura recomendo): para a Lúcia Gomes, mais importante do que a verdade dos factos (que é a missão do bom jornalismo) é a "opção política". Daqui devemos concluir que, se a "opção política" não for a mesma da Lúcia, valem manchetes e perseguições como as do Correio da Manhã. Significativo.

A Asfixia


Publicada na passada quinta-feira no diário As Beiras.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Obrigado, Mandela

Se eu escolhesse quem teria sido o homem do século XX, a minha escolha seria o Nelson Mandela.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Cartel anuncia subida de preços

São empresas muito pobres, como se sabe. Não podemos mudar para a concorrência?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

"Deveríamos nacionalizar as nossas escolas", diz o ministro da educação sueco do Partido Liberal

A Suécia, e o seu modelo de concorrência entre escolas, teve a maior queda em Matemática de todos os 65 países analisados nos exames PISA. Muito se vai falar sobre isto, e sobre os resultados de Portugal. Eu fico-me por citações da conferência de imprensa que o ministro da educação sueco, Jan Björklund do Partido Popular Liberal, deu há poucas horas:

"The downturn was expected, it's been ongoing for 20 years"

"We should have made them state-controlled schools again back in 2006 or 2007"


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Novidades interessantes

Recentemente surgiram em Portugal dois projectos (de novos partidos) de esquerda muito diferentes, e com a ambição aparentemente paradoxal de querer «unir a esquerda»: o MAS e o LIVRE.
Numa primeira análise, estes partidos iriam dividir e enfraquecer a esquerda. Não só iriam dividir o actual eleitorado de esquerda em Portugal por mais partidos como, tendo em conta a falta de proporcionalidade do nosso sistema eleitoral, diminuir o número de deputados de esquerda na Assembleia da República.

Mas a situação da esquerda em Portugal é tal, que este desfecho parece-me improvável. O sectarismo que domina os actuais partidos com representação parlamentar cria bloqueios injustificáveis (sobre os quais muito se tem escrito neste blogue), que alienam uma fatia considerável do seu eleitorado potencial.
Estes partidos têm o potencial de ir buscar votos à abstenção, e pressionar os actuais partidos no sentido de facilitar entendimentos. Tendo ambos anunciado «unir a esquerda» como estratégia fundamental, mostram como muitos eleitores sentem um défice de participação que é muito agravado pelo sectarismo dos actuais partidos.

Pessoalmente, sinto maior afinidade ideológica com o LIVRE do que com o MAS, mas ambos os projectos me parecem promissores. Ou, melhor dizendo, necessários.
Os actuais partidos de esquerda não têm estado à altura das circunstâncias, e é urgente um terramoto no «status quo» para que surja uma hipótese de mudança mais arrojada, capaz de enfrentar os enormes desafios que a esquerda tem em frente.
Se tudo correr pelo melhor, o LIVRE e o MAS provocarão esse terramoto.