segunda-feira, 3 de maio de 2010

Erros do liberalismo de direita - VII

No Blasfémias, João Miranda reditou um texto que já tinha escrito antes, e que repete alguns erros de análise comuns entre liberais de direita:

«A melhoria das condições dos trabalhadores ao longo do século XX não se deveu à acção dos sindicatos. Essa tese baseia-se numa interpretação superfícial da história económica dos últimos 150 anos. Apesar dos sindicatos terem passado este período a fazer reivindicações que depois se concretizaram, a verdade é que elas não se concretizaram porque os sindicatos reivindicaram mas porque a melhoria das condições dos trabalhadores é a consequência natural do sistema capitalista.

[...]

E também não foram os sindicatos que contribuíram para o aumento dos salários. Numa economia de mercado, os salários são determinados pela oferta e pela procura. O preço de equilíbrio entre a oferta e a procura não aumentou por causa da acção dos sindicatos mas sim por causa do aumento da produtividade dos trabalhadores e do aumento da procura de trabalhadores qualificados à medida que cada vez mais empresários passaram a ter acesso a métodos de produção cada vez mais sofisticados.. A produtividade dos trabalhadores melhorou por causa de melhorias na educação e do aumento do capital disponível [...]»

Este texto é um exemplo paradigmático daquilo a que me refero nesta série (Erros do liberalismo de direita) - mais do que erros normativos, erros descritivos.

O erro mais evidente deste texto ocorre ao nível da coerência interna. Sabendo que os sindicatos lutaram, com sucesso, por limitações ao número de horas de trabalho, por férias e fins de semana, podemos concluir que fizeram diminuir a oferta de mão de obra. Assim, se o texto alega que os salários «são determinados pela oferta e pela procura» é incoerente concluír que «o preço de equilíbrio entre a oferta e a procura não aumentou por causa da acção dos sindicatos».
Este é um erro que fere de morte todo o raciocínio, e já foi exposto aqui (juntamente com outros erros do mesmo tipo).

Mas, esqueçamos este erro formal, e pensemos num problema mais abrangente. Obviamente não basta que um modelo tenha coerência interna para que seja um bom modelo. É preciso testar o modelo contra a realidade para saber se as simplificações assumidas são adequadas ou inadmissíveis. Podemos desprezar a resitência do ar e concluír que duas pedras com diferentes massas e densidades caem ao mesmo tempo. Mas se aplicarmos o mesmo raciocínio a uma folha de papel e uma pedra, vamos fazer asneira.
Entre os liberais de direita, existe pouca atenção à realidade.

O livro «A consciência de um liberal», de Paul Krugman, desmistifica os erros do João Miranda olhando para a história dos Estados Unidos da América ao longo do século XX. Verifica-se alguma relação entre a produtividade e os rendimentos das populações de classe baixa e média, mas fraca. Pelo contrário: existe uma relação forte existe entre os rendimentos destas populações e a força do sindicatos.

Durante o mandato de Roosevelt, verificou-se a chamada «grande compressão», na qual a distribuição da riqueza passou a ser muito menos desigual. Esta transformação foi rápida, abrupta, aconteceu por acção das leis e dos sindicatos (a mudança de atitude do governo para com estes aumentou a eficácia com que lutaram pelas suas reivindicações). As políticas, que em larga medida foram mantidas nas décadas que se seguiram, não impediram uma prosperidade sem precedentes, fundamentada numa sociedade com relativamente poucas desigualdades sociais, e uma razoável mobilidade social.
Os dados mostram que o aumento significativo das desigualdades que se seguiu a Reagan não foi consequência da globalização ou das forças do mercado. Foi resultado das políticas deste. Desde Reagan a desigualdade de rendimentos aumentou de forma tão significativa, a mobilidade social desceu tanto, que os valores voltaram aos níveis anteriores à acção de Roosevelt. O facto do grau de sindicalização ter diminuído significativamente durante este período não foi inconsequente.

E, curiosa ironia, o João Miranda no seu texto refere logo a Suécia como um exemplo de um país onde a prosperidade aumentou significativamente. Corresponde a um país onde existe bastante equidade, uma boa mobilidade social, sendo uma boa razão para o referir como um exemplo das virtudes do mercado.
Mas, não sei se o João Miranda reparou que é o país mais sindicalizado da UE. Um país que foi governado pela esquerda durante mais de 70 anos.


Os erros dos liberais de direita, repito-o, não são apenas normativos.
São descritivos.

4 comentários :

Filipe Castro disse...

Excelente texto! Por acaso ontem vi um documentario com o Howard Zinn em que ele explicava que o New Deal nao tinha sido oferecido pelo governo aos miseraveis, mas ganho nas ruas, pelos sindicatos e pelos cidadaos, num processo democratico e dinamico.

E agora para algo con pateta mente diferencial disse...

Por Ford o grande e omnipotente
concordo que o vosso erro mais evidente ocorre ao nível da coerência
1ºos sindicatos lutaram, com sucesso, por limitações ao número de horas ,mas não deiminuiram não necessariamente pois a mecanização e a automatação originada por essas regalias aos trabalhadores (é melhor um robot que um grevista) levaram a aumentos de produtividade e redução de trabalhadores veja-se Nosso Ford 1923 aumentando a oferta de mão de obra.

E agora para algo con pateta mente diferencial disse...

e se o texto indica que os salários «são determinados pela oferta e pela procura» não é incoerente concluír que «o preço de equilíbrio entre a oferta e a procura não aumentou por causa da acção dos sindicatos».pois não depende apenas de um factor ainda não entendi o que são economistas não devem ser matemáticos ou físicos só se forem teóricos muito especializados que se esqueceram dos fundamentus



Obviamente não basta que um modelo tenha coerência interna para que seja um bom modelo. É preciso testar o modelo contra a realidade para saber se as simplificações assumidas são adequadas ou inadmissíveis. isso já concordo mas os modelos em economia são feitos de muitas matérias não mensuráveis expectativas medos, o nosso Ford entendeu isto muito bem
automatiza-se reduz-se a capacidade de movimentações maciças ao reduzir o número de trabalhadores o número de falhas e de erros




se forem 2 meteoritos não
podemos desprezar a resitência do ar e concluír que duas pedras com diferentes massas e densidades caiem (CAEM)ao mesmo tempo.


Entre os liberais de esquerda e direita, existe pouca experiência em qualquer autocrítica
e atenção apenas às suas realidades.um roskoff desempregado

João Vasco disse...

roskoff:

Se a mecanização tivesse surgido por acção dos sindicatos, poderíamos dizer que estes tinham diminuído a oferta por um lado, mas aumentado por outro. A sua primeira objecção faria sentido.
Mas como a mecanização não surgiu por acção dos sindicatos, o papel destes foi apenas o de reduzir a oferta, o que obviamente teve impacto no preço de equilíbrio face ao que seria sem a sua acção (com mecanização, mas sem as outras restrições).

Depois relembra que as curvas de oferta e procura dependem de vários factores além da acção dos sindicatos. Isso é evidente, mas para estudar qual o impacto dos sindicatos devemos considerar em que medida é que estes ALTERAM estas funções.