A doença que o matou ontem atingiu-o no pico da fama. E portanto será provavelmente mais recordado pelos pronunciamentos anti-teístas dos últimos anos do que pelos ataques anteriores à «Madre Teresa de Calcutá» e a Jerry Falwell, a Henry Kissinger e a Bill Clinton, à princesa Diana e à família real britânica.
Do grupo anglo-saxónico conhecido como os «Novos Ateus», Dawkins é o mais informado cientificamente, Dennett o filósofo, Sam Harris o radical e Hitchens é (era) o melhor escritor. Juntava uma vasta cultura erudita (e política) com um estilo de escrita fluente, preciso e humorístico, combinação só possível para um genuíno produto da região demarcada de Oxford. Após as décadas em que pensadores ateus se dedicavam a refutar a existência de «Deus», e quando o esforço já é mais provar que existe ética e moral fora da religião, devemos-lhe, enquanto ateus, a eficaz difusão da noção «anti-teísta» de que «Deus» não apenas não existe como seria péssimo que existisse (noção muito útil para contrapor aos religionários que aceitam as dúvidas sobre a existência d´«Ele» mas argumentam que a ideia de «Deus» é benfazeja e útil).
Hitchens era também, dos ateus hoje mais mediatizados, o que melhor entendia o papel histórico e político do anticlericalismo no combate a todas as formas de autoritarismo. Numa conferência em Lisboa, começou mesmo por citar Marx, no tal bitaite do «ópio do povo», que realmente significa que o homem (ou a mulher) se deve libertar da «alienação» religiosa para depois encetar o combate pela melhoria das suas condições materiais. Para Hitchens, derrubar ditadores ou derrubar santos dos altares era quase o mesmo. Como disse na última entrevista com Dawkins, «(...) para mim, o totalitário é o inimigo - aquele que é o absoluto, que quer controlar o interior da tua cabeça, não apenas as tuas acções e os teus impostos. E as origens disso são teocráticas, obviamente. O início disso é a ideia de que há um líder supremo, um Papa infalível, ou um rabino chefe, ou seja o que for, que serve de ventríloquo para o divino e nos diz o que fazer». O seu paralelo entre o Natal e a Coreia do Norte compreende-se.
O afastamento de Hitchens do trotsquismo terá começado em Portugal, onde observou em 1975 o nosso período revolucionário, numa das suas muitas reportagens da linha da frente dos conflitos mundiais. Afastar-se-ia ainda mais de alguma esquerda europeia em 1989, quando o aiatolá de Teerão emitiu um apelo ao homicídio de Salman Rushdie e muito poucos reagiram. Mais tarde, muitos se chocaram com o seu apoio à guerra do Iraque (embora esquecendo as suas críticas à tortura e à espionagem interna que a acompanharam), mas a coerência de Hitchens era o combate a todas as ditaduras (espirituais e materiais) e a defesa do pensamento livre e da liberdade do indivíduo. Os seus modelos eram Thomas Paine, Thomas Jefferson e George Orwell, todos eles heterodoxos e cosmopolitas.
Do grupo anglo-saxónico conhecido como os «Novos Ateus», Dawkins é o mais informado cientificamente, Dennett o filósofo, Sam Harris o radical e Hitchens é (era) o melhor escritor. Juntava uma vasta cultura erudita (e política) com um estilo de escrita fluente, preciso e humorístico, combinação só possível para um genuíno produto da região demarcada de Oxford. Após as décadas em que pensadores ateus se dedicavam a refutar a existência de «Deus», e quando o esforço já é mais provar que existe ética e moral fora da religião, devemos-lhe, enquanto ateus, a eficaz difusão da noção «anti-teísta» de que «Deus» não apenas não existe como seria péssimo que existisse (noção muito útil para contrapor aos religionários que aceitam as dúvidas sobre a existência d´«Ele» mas argumentam que a ideia de «Deus» é benfazeja e útil).
Hitchens era também, dos ateus hoje mais mediatizados, o que melhor entendia o papel histórico e político do anticlericalismo no combate a todas as formas de autoritarismo. Numa conferência em Lisboa, começou mesmo por citar Marx, no tal bitaite do «ópio do povo», que realmente significa que o homem (ou a mulher) se deve libertar da «alienação» religiosa para depois encetar o combate pela melhoria das suas condições materiais. Para Hitchens, derrubar ditadores ou derrubar santos dos altares era quase o mesmo. Como disse na última entrevista com Dawkins, «(...) para mim, o totalitário é o inimigo - aquele que é o absoluto, que quer controlar o interior da tua cabeça, não apenas as tuas acções e os teus impostos. E as origens disso são teocráticas, obviamente. O início disso é a ideia de que há um líder supremo, um Papa infalível, ou um rabino chefe, ou seja o que for, que serve de ventríloquo para o divino e nos diz o que fazer». O seu paralelo entre o Natal e a Coreia do Norte compreende-se.
O afastamento de Hitchens do trotsquismo terá começado em Portugal, onde observou em 1975 o nosso período revolucionário, numa das suas muitas reportagens da linha da frente dos conflitos mundiais. Afastar-se-ia ainda mais de alguma esquerda europeia em 1989, quando o aiatolá de Teerão emitiu um apelo ao homicídio de Salman Rushdie e muito poucos reagiram. Mais tarde, muitos se chocaram com o seu apoio à guerra do Iraque (embora esquecendo as suas críticas à tortura e à espionagem interna que a acompanharam), mas a coerência de Hitchens era o combate a todas as ditaduras (espirituais e materiais) e a defesa do pensamento livre e da liberdade do indivíduo. Os seus modelos eram Thomas Paine, Thomas Jefferson e George Orwell, todos eles heterodoxos e cosmopolitas.
Nos últimos meses, sabendo que o fim estava próximo, garantiu que não se converteria. Mais: afirmou que na hora final gostaria de estar «activo» e «olhando-a de frente e estar a fazer algo quando chegasse». Que tenha sido assim.
[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]
15 comentários :
"devemos-lhe, enquanto ateus, a eficaz difusão da noção «anti-teísta» de que «Deus» não apenas não existe como seria péssimo que existisse"
Não fales no plural... Ou por outra, podes falar no plural, mas eu aqui tenho de me demarcar. Concordo que os maiores crimes e atrocidades são cometidos em nome de deus, mas nem por isso afirmo peremptoriamente que seria péssimo se deus existisse. É essa a diferença entre um agnóstico (como eu), ou mesmo um ateu (não ateísta), e um ateísta. Um ateísta quer convencer-nos de que deus não existe. Os ateístas podem ser (e são na maior parte das vezes) tão beatos como os piores católicos. Um ateísta não reconhece o direito à fé dos outros; essa atitude também potencia as maiores atrocidades, como demonstra o apoio do Hitchens à guerra do Iraque. Para mim tipos como esse não contam. Estão do outro lado. Prefiro o Freitas do Amaral.
Mais um que goza pouco da reforma, se tivesse tido fé durava até aos 103 , se tivesse muita fé era eterno
Deus é uma partícula constituinte de toda a matéria, logo até os ateus são deuses
Falei no plural porque acho que «os ateus» (categoria perigosa para usar o plural, porque são quase todos extremamente individualistas) lhe devem qualquer coisa. Não incluía os agnósticos como tu.
Mas indigna-me que digas que os ateístas são beatos, que querem convencer as pessoas de que «Deus» não existe, e, muito pior, que não reconhecem o direito à fé dos outros. Aliás, a este respeito, desafio-te a encontrares um único texto meu, do JV, do Schiappa, do Filipe Castro, da Palmira, do Carlos Esperança ou do Ludwig, onde coloquemos em causa o direito das pessoas a acreditarem seja no que for (incluindo «Deus», a astrologia, os cãezinhos verdes de Marte e a chávena de café na órbita de Plutão). Simplesmente, por reconhecermos o direito (político e legal) das pessoas a acreditarem, não quer dizer que abdiquemos do direito (social) a criticar aquilo em que os outros acreditam. E eles (os crentes) também nos criticam, mas com armas muito desiguais (media, «respeitinho», importância política, etc).
Quanto a criticares o Hitchens pela guerra do Iraque: está à vontade. Eu fui contra essa guerra e por isso não concordei com ele aí. Mas não resumo os 62 anos de vida dele a essa guerra. E muito menos parto daí para dizer que lhe prefiro o Freitas (que também não se resume à posição que teve aquando dessa guerra).
"desafio-te a encontrares um único texto meu, do JV, do Schiappa, do Filipe Castro, da Palmira, do Carlos Esperança ou do Ludwig, onde coloquemos em causa o direito das pessoas a acreditarem seja no que for (incluindo «Deus», a astrologia, os cãezinhos verdes de Marte e a chávena de café na órbita de Plutão)."
Este mesmo, Ricardo.
Não sei se é mais aceitável não colocar em causa o direito de ou chamar palhaço a quem não acredita nas mesmas coisas que vocês.
Nuno Gaspar
«Não sei se é mais aceitável não colocar em causa o direito de ou chamar palhaço a quem não acredita nas mesmas coisas que vocês.»
Se o Nuno não sabe, acho que devia saber.
Entre a PIDE, a censura ou a inquisição, e a casca fina de quem se sente insultado pelo que o Ricardo escreveu vai a diferença do mundo, e que o Nuno não a identifique é triste.
Claro que o argumento do Ricardo nem diz que as coisas são iguais, e nem chama «palhaço» a ninguém, apenas afirma estar disposto a aceitar qualquer crença, seja ridícula ou não. Não alega que todas as crenças mencionadas têm o meus grau de ridículo. Não que não pudesse pensar dessa forma e expressar tal pensamento, simplesmente o Nuno leu algo que não está lá escrito.
Mas eu insisto em perguntar: se o Nuno considera - e isto já vi em textos anteriores - que comparar a religião com a astrologia ou a crença em raptos alienígenas é chamar palhaços aos religiosos, isso não quer dizer que o Nuno considera palhaços quem acredita nestas coisas? E se é o caso, porque é que isso já é aceitável?
A crença em raptos alienígenas ou na astrologia deve ser digna do nosso respeito ou não?
O Nuno considera que estas crenças devem ser alvo de tanto respeito como a religião? Sente-se igualmente indignado com aqueles que as insultam?
"Entre a PIDE, a censura ou a inquisição..."
Era a maneira como há dezenas e centenas de anos uns chamavam palhaços aos que não acreditavam nas mesmas coisas que os próprios. A "ciência" ateísta é uma mera actualização.
"A crença em raptos alienígenas ou na astrologia deve ser digna do nosso respeito ou não?"
João Vasco, Você mistura umas coisas espatafúrdias para baralhar. Quem é que acredita em raptos alienígenas?
«Era a maneira como há dezenas e centenas de anos uns chamavam palhaços aos que não acreditavam nas mesmas coisas que os próprios»
O Nuno Gaspar está muito enganado: a inquisição não ficou na história por «chamar palhaço» a ninguém.
Há mesmo uma grande diferença entre forçar alguém a acreditar no que queremos, enfiando um pedaços de metal em chama pelo ânus ou vagina de alguém - para dar um exemplo atroz das formas de tortura que eram usadas - ou matando pela fogueira e outros métodos, e «chamar palhaços».
Sabe que humoristas como o Herman José, os «Gato Fedorento», o Nuno Markl, o Rui Unas, «chamam palhaços» a muitas pessoas: há mesmo pessoas que se sentem ofendidas por este ou aquele segmento humorístico.
Colocar isso ao nível da inquisição é tão gritante que me parece inacreditável.
«Quem é que acredita em raptos alienígenas?»
Quer que eu lhe diga nomes? Algumas pessoas acreditam, ou o Nuno Gaspar não acredita nisso?
Pergunto com todas as letras: esta crença merece menos respeito que o cristianismo?
"Quer que eu lhe diga nomes?"
Quero.
"a inquisição não ficou na história por «chamar palhaço» a ninguém"
Chamar palhaço, intolerância, presunção de posse da verdade (científica, política ou religiosa), escárnio ao diferente, dá-lhe o nome que quiseres, João Vasco.
«"Quer que eu lhe diga nomes?"
Quero.»
Telefonei a uma amiga minha, e ela não quis que colocasse o nome dela em resposta a esta pergunta.
Mas facilmente encontrei isto:
http://www.youtube.com/watch?v=gab80TzX6BI
Insisto na pergunta: esta crença merece menos respeito que o cristianismo?
«Chamar palhaço, intolerância, presunção de posse da verdade (científica, política ou religiosa), escárnio ao diferente, dá-lhe o nome que quiseres»
Repito Nuno Gaspar: informa-te porque o problema da inquisição não foi «chamar palhaço» ou «presunção de posse de verdade» ou «escárnio ao diferente» (que eu saiba não escarneciam de ninguém), portanto não é nada indiferente o nome.
O problema da inquisição foi intolerância. E intolerância é, entre outras coisas, não permitir o discurso - não permitir o escárnio, por exemplo.
E o problema da inquisição foi fazê-lo pela força. Foi fazê-lo usando coerção, violência física, e absolutamente desmedida, chegando a torturar e matar.
Se «tanto te faz o nome» e não te parece relevante a distinção entre o que o Herman José ou o Rui Unas ou os Gato Fedorento fazem, daquilo que o Torquemada fez, acredito que devias reexaminar os teus valores.
Nuno Gaspar,
dizer que «Deus» não existe e que seria péssimo que existisse coloca em causa o direito das pessoas a acreditarem no que quiserem? Isso é mesmo assim? Então e quando o Policarpo diz que «Deus» existe e é óptimo que exista está a pôr em causa o meu direito a acreditar? É mesmo isso que pensa?
Ricardo, há duas partes deste texto que me desagradam.
A primeira é a treta de
“combinação só possível para um genuíno produto da região demarcada de Oxford.”
O João Carlos Espada não diria melhor. É uma frase típica de um súbdito de sua majestade e muito pouco republicana. Mas adiante.
Respondendo à tua questão: não preciso nada de ir procurar textos teus. Basta-me ler a frase (a segunda que me desagrada)
“a eficaz difusão da noção «anti-teísta» de que «Deus» não apenas não existe como seria péssimo que existisse”
Quem diz isto é um beato ateu. Esta é a minha definição de beatismo. Se eu estivesse persuadido de que esta frase é verdadeira, eu próprio seria um beato ateu. Mas não estou. E não sou. Quando tu próprio te equiparas ao Policarpo, neste teu último comentário, e reconheces que esta frase é equivalente a frases dele, acho que não preciso de dizer mais nada.
Filipe,
essa primeira parte é irónica. Se alguma vez o tivesses ouvido ao vivo, terias verificado como aquele chimpanzé só poderia ter saído de Oxford. O sotaque, a fraseologia, as piadas, tudo nele ressoava a uma certa «upper class» inglesa. Repara que não era por isso que eu o apreciava - mas fazia parte do personagem.
Segunda: não sei qual é a tua definição de «beato». Se defines beato como qualquer pessoa que:
a) tem opinião sobre a existência de «Deus»,
b) tem opinião sobre o valor (positivo ou negativo) de tal entidade existir,
então o mundo está cheio de beatos.
E não é essa a acepção habitual do termo. Nos dicionários, anda perto de «fanático». E repito: ter opinião sobre as questões acima faz de alguém fanático?
Ricardo Alves disse...
FLIP O GOLFINHO...
essa primeira parte é iró MÓnica. Se alguma vez o tivesses ouvido ao vivo (INDA SE PODE OUVIR AO MORTO MAS INFIM), terias verificado como aquele chimpanzé (MACACO NU NUM É CHIMP)só poderia ter saído de Oxford (PODIA TER SAÍDO ATÉ DO PAÍS DE GALES E FEITO CARREIRA COMO BARRISTER HÁ UM NA REFORMA IN LISBOA QUE FALA DO MESMO MODO.
O sotaque, a fraseologia, as piadas (NÃ EZAGEREMOS NUM ERAM PIADAS ERAM MAIS CHISTES PUNCH LINES, tudo nele ressoava a uma certa? ERRADA? ANACRÓNICA? RESERVADA E NARCISISTICA «upper class»?
IS TÉ tá cada bez mai parecido cum o kateta...
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