Obviamente, quando ouvido ontem perante a Comissão parlamentar, Silva Carvalho limitou-se a negar as acusações de que é alvo. O seu depoimento, e o comunicado distribuído à saída, têm mesmo assim pontos interessantes. Primeiro: afirmou que a sua única relação com a Ongoing foi apresentar-lhes uma proposta de criação de uma equipa de «espionagem industrial»(1). Tendo essa proposta sido recusada, o senhor Silva Carvalho não explica o que faz na Ongoing desde Dezembro, nem porque levou para lá dois rapazes do SIS/SIED. Estarão os três a jogar jogos de estratégia em rede nos computadores da empresa? Segundo ponto interessante: diz que os dados publicados são «em parte falsos, em parte deturpados». Como não se deturpa o que é falso, assumiu portanto que eram em parte verdadeiros. Terceiro, e o mais grave de todos: insiste que «nunca violou o segredo de Estado» e o «dever de sigilo», mas, tanto quanto veio a público, não jurou não ter violado a lei e a Constituição. Há silêncios que gritam, e este é um deles. Finalmente: é uma triste ironia que se queixe de «devassa» um indivíduo que teorizou publicamente sobre a necessidade que sentia de vigiar quem não cometera crime algum. «Bem prega Frei Tomás»...
Entretanto, para dar um toque rocambolesco aparece «no cacifo»(sic) do deputado Sérgio Sousa Pinto (PS) um envelope com documentos sobre a espionagem do SIED ao perigosíssimo jornalista Nuno Simas. E aprendemos no sábado passado que, já na Ongoing, Silva Carvalho terá pedido ao SIED, e conseguido, que fosse investigado um empresário madeirense, perigosíssimo para a segurança do Estado porque era o ex-marido da actual mulher de um quadro da Ongoing. Quando um serviço do Estado comete crimes por ordem de uma empresa, estamos no fim da linha. Será que a Ongoing também é protegida pelo segredo de Estado?
O que se passou nos serviços secretos é claro. Foi-lhes dada autorização (e treino) para cometerem crimes, com o argumento de que o Bin Laden quereria bombardear o Colombo, o Oceanário e o Cristo-Rei. As vítimas dos crimes, alegavam eles, seriam todos estrangeiros, muçulmanos e «perigosos para a segurança do Estado». A seguir, estando a máquina montada, o círculo dos «perigosos» foi-se alargando. Aos da ETA, do Real IRA, etc. Primeiro. A seguir, aos do tráfico de droga. Depois, aos anarquistas locais. E logo, a qualquer pessoa que escrevesse qualquer coisa sobre o SIS e o SIED, como foi o caso de Nuno Simas. Finalmente, a qualquer cidadão com quem um facínora do SIS ou do SIED tivesse uma questão pessoal.
A terminar: se os crimes ordenados pelo Estado são «segredo de Estado» e portanto ninguém é condenado (há precedente), quebra-se o contrato existente entre Estado e cidadãos desde 1975. E depois não se queixem. Mas, se for esse o caso, o governo deveria esclarecer que crimes podem o SIS e o SIED cometer impunemente sobre os cidadãos: apenas vigilância e escutas telefónicas, ou também tortura? E, já agora: homicídios? Se não acontecerem as devidas condenações em tribunal, temos o direito de saber com o que contamos daqui para a frente.
(1) Tradução minha do anglo-saxónico «business intelligence» usado pelo pide.
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