«Há quem se entretenha, talvez por ausência de outras maneiras mais produtivas de ocupar o seu tempo, a discutir a legitimidade histórica da República. Raras vezes faltam, nessas virtuosas argumentações, referências à representatividade parlamentar do Partido Republicano nos anos que precederam a Instauração, ao carácter bondoso de El-Rei D. Carlos, à natureza facínora do regicídio, aos 7 ou 8 séculos de história que fizeram de Portugal aquilo que é (ou aquilo que era circa 1910), aos egrégios avós, e à aleivosia suprema, que perdura até hoje, de a Constituição republicana negar a possibilidade de referendar a natureza do regime.
Nutro um interesse muito ténue por tais debates. A legitimidade da República não depende de acidentes históricos. A monarquia portuguesa, assim como todas as monarquias, configuram uma usurpação do poder por uma família, perpetuada por linhas dinásticas mais ou menos tortuosas. Por maior que tenha sido a grandeza de vistas, os feitos, a sapiência dos monarcas, esse lastro histórico perdurou, intacto. A tendência das sociedades tem sido a da restituição do poder às populações e a da perda de confiança em soberanos legitimados pelo sangue, pela tradição ou por qualquer variante patusca da "graça divina". O percurso seguido por esse processo de restituição, o número de avanços e recuos, a quantidade de sangue vertido, são detalhes relevantes para o discurso histórico, é certo. Porém, fazer depender desses detalhes uma eventual discussão sobre a razão de ser da República implica cair numa armadilha; implica a possibilidade de uma República manca, diminuída, condicionada eternamente pela natureza dos eventos que a ela conduziram.
Esquecer a história da República é um erro tão grave como nela esgravatar incessantemente, em busca de legitimidade ou de um eventual "pecado original" que a debilite. Hoje, a República é um facto consumado. É o regime em que vivemos, um contexto de cidadania, um sistema de valores. É o presente e o futuro.
VIVA A REPÚBLICA!» (Alexandre Andrade)
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