Durante as duas ou três gerações que a festa durou a classe alta foi obrigada a pagar impostos e a aceitar os interesses da maioria, pela primeira vez em 12 mil anos. Ninguém achou piada, mas como muitos tinham apostado no Hitler e no Mussolini e no Halifax e no Pétain e no Pio XII, foram forçados a atravessar o deserto. Nos anos setenta, como era de esperar, os ricos reorganizaram-se para ultrapassarem as desventuras da segunda guerra (os Bilderbergs e o WWF, por exemplo, são parte de um esforço vastíssimo dessa reorganização).
E foi neste contexto que há mais ou menos 30 anos que os políticos (e os jornalistas) que aceitaram viver debaixo da mesa dos ricos desataram a dizer mal da política, a sabotar a democracia social e a repetir convulsivamente a mentira de os privados fazerem mais e melhor do que as administrações públicas.
As razões dos ricos são simples e fáceis de perceber: do ponto de vista deles, quanto mais dinheiro tiverem melhor. Não porque consigam gastá-lo - não conseguem - mas por poder e por vaidade, para fazer inveja aos amigos e para viverem acima da lei, como sempre viveram.
As razões dos políticos (e dos jornalistas) também são fáceis de entender: viver debaixo da mesa dos ricos é melhor que viver numa meritocracia. O Barroso nunca teria o que tem se não fosse um sabujo dos ricos.
As razões dos pobres que votam na direita também são óbvias e o Luis Buñuel explicou-as eloquentemente no filme "Viridiana": os miseráveis têm tendência para serem miseráveis. Aqui nos EUA são os miseráveis que estão sempre a falar das pessoas que "são um fardo para as outras". Este é o argumento dos pobres: em princípio são contra ajudar os outros. Verem os outros a viverem melhor, mesmo que também ganhem com isso, é-lhes insuportável.
No fim do dia, só a classe média é que tem alguma coisa a perder, e a classe média está sempre ocupada com os resultados da bola, ou os dramas da telenovela. Não há nada mais fácil do que escandalizá-los com os slogans dos pro-vidas e dos anti-gays, ou aterrorizá-los com os perigos diversos que os pasquins repugnantes que se publicam - como o Público ou o Correiro da Manhã - alardeiam quotidianamente - dantes era o perigo amarelo, depois eram os comunistas a comerem crianças (que comiam, como se sabe, mas não vem aqui ao caso), agora é o islão...
Todos os dias vejo aqui as secretárias do meu departamento, profissionais excelentes e incansáveis, a trabalhar horas extraordinárias sem receberem nem mais um cêntimo, sem aumentos nem perpectiva deles até 2015, a saberem que os administradores ganham entre $250k a $500k por ano e se aumentam todos os anos, e a defenderem o governador crápula que nomeou esta casta de cleptocratas.
Se calhar temos o que merecemos: a Médis e o PPD e o Cavaco e o Alberto João Jardim e o José Manuel Fernandes...
9 comentários :
Em quase absoluto acordo, estão aqui retratados alguns dos problemas da nossa sociedade. O ataque ao estado social é baseado numa série de mentiras entre as quais a suposta verdade da excelência da gestão privada sobre a pública quando na prática ambas podem ser igualmente más ou boas, tudo depende exclusivamente da qualidade do gestor sendo o que verdadeiramente difere é a forma (para quem) como a mais valia é distribuída ...
privatização do quê?
estatização do mundo ocidental no pós guerra fria
três triliões de Libras de dívida estatal?
80 mil libras por brit'?
28% é o peso do estado na China 53% no Reino Unido o governo não pode expandir-se mais
A era dos grandes governos sovietizadores da economia chegou ao fim
não entender os paradoxos históricos que se criaram numa demografia moribunda é estúpido
é raciocínio de manga de alpaca
ou de bolseiro
ou de institucionalizado em instituto ou fundação
o estado não gera receitas só consumos
até a URSS importava trigo
a Rússia incendiada exporta-o
Tudesca estupidesca e tristesca.
Usar essa comparaçäo ridícula da Rússia vs. URSS só tira crédito ao "argumento". Se fosse honesto intelectualmente saberia que a URSS eram 15 países, muitos dos quais ainda hoje deficitários em trigo. A RSFSR provavelmente também tinha excedentes, mas o conjunto dos 15 países era deficitário, como o deve ser ainda hoje. Tanto por onde pegar para se provar que a URSS era ineficiente e vai-me escrever isto? Só prova a sua estupidez. Adiante.
O Fernando falou e disse. Por exemplo, o sector público finlandês é bem mais eficiente que o sector privado português. É resultado da boa gestäo pública finlandesa. E mais: o sector público é que força o privado a ser *mais eficiente que* ele. A "eficiência" é sempre relativa. Sem esse termo de comparaçäo o sector privado é eficiente em termos relativos, embora ineficiente em termos absolutos (nomeadamente comparaçäo externa). E por isso o sector privado português é täo pouco exportador, porque concorre com empresas privadas e públicas no contexto da UE muito mais eficiente que ele.
Por isso há que ter um sector público forte, e bem gerido. Só assim os privado têm motivaçäo para melhorar.
Mas não é apenas isso - não é apenas uma questão de motivação para a concorrência. A questão é que em muitos casos (não em todos claro porque obviamente também existe má gestão pública) quando uma empresa pública é menos eficiente por vezes isso acontece por ter de fazer serviço público não rentável. Por exemplo explorar linhas de autocarros, comboios e outras deficitárias, explorar redes eléctricas para localidades remotas , aceitar doentes que não podem pagar ou "pior" ainda com doenças "não rentáveis". E agora queremos combater essas ineficiências como? privatizando? Ok tudo bem ... E estamos dispostos a pagar o preço? O kahorca tudesca pensa que sou contra uma economia capitalista e de mercado. De todo. Sou a favor mas sou absolutamente contra a onda liberal que nos assola e ainda mais contra algumas fábulas inventadas para suportar a usurpação indevida de riqueza de alguns e perpetuadas por mitos que repetidos vezes sem conta até parecem verdade. O estado não gera receitas só consumos ... Falso. O estado (isto é nós - porque o estado não é mais do que o conjunto de pessoas que trabalha para gerir a organização da nossa sociedade, que pagamos com os e nossos impostos) gera receita sempre que se envolve numa actividade produtiva qualquer, exactamente da mesma forma que uma empresa privada. Na execução dessa actividade tem custos - como qualquer empresa privada. O resultado liquido dessa exploração resultante da mais valia do serviço prestado no caso das empresas privadas reverte a favor dos seus accionistas ou sócios, no caso do estado reverte a favor de todos nós. Deve por isso o estado monopolizar a actividade económica? Obviamente que não. Isso está mais do que provado que não funciona. Deve manter uma presença nas áreas onde o serviço público inclui externalidades dificilmente abarcáveis por empresas privadas? Penso que sim, que essa é a forma mais eficiente de permitir uma efectiva distribuição justa de riqueza. Que áreas são essas? Bem possivelmente os transportes, a saúde, a banca, a energia, a comunicação social e as telecomunicações. Nestas áreas parece-me que o Estado deve manter uma presença significativa que lhe permita garantir que todos têm igual oportunidade de acesso. Terá de se fazer em todos os casos pela propriedade e pela gestão pública? talvez não em todos - se tivéssemos uma classe empresarial com sentido de estado ... Havia um insuspeito empreendedor japonês que dizia que as mais valias geradas por uma empresa apenas eram legitimas na medida do serviço que essa empresa devolvia à sociedade. Se todos os nossos empresários pensassem assim não me importaria nada de ter o estado mais "enxuto" do mundo. No actual estado de coisas ainda assim prefiro o roubo actual ...
Tem toda a razäo, FV, também existe a vertente dos "prejuízos justificados pelo interesse público".
Aplaudo de pé o seu comentário! Venham mais!
Eu acho que isto é uma questão de civilização. A sociedade pode tentar dar todos liberdade e dignidade e poder e condições para as pessoas viverem em paz e sem sobressaltos, ou pode privatizar a saúde, como aqui nos EUA, e deixar as empresas dizerem aos cidadãos que têm o azar de ter um cancro: "Agora passas para cá $500.000 dólares ou eu deixo-te morrer. Não tens? Vende a casa. Paga com o dinheiro da universidade dos teus filhos. Ou então morre aí, longe para não cheirares mal."
Ou pode privatizar o exército, como aqui nos EUA e deixar as empresas pressionarem para começar guerras que, do ponto dos CEOs, são oportunidades económicas excepcionais, como escreveu a Haliburton numa brochura quando o Cheney passou de CEO a vice presidente.
E ao anónimo das oito e meia sugiro que pense nisto: em 1950 havia dinheiro para tudo numa Europa acabada de devastar na WW2, sobretudo para inventar e implementar uma segurança social excelente. Agora o mundo está MUITO mais rico e não há dinheiro para nada.
Porque será?
Nem mais Filipe. Nós temos enquanto espécie os meios cientificos, o conhecimento filosófico e de organização necessários para permitir que todos vivam dignamente e com acesso aos bens básicos: educação, saúde, transporte, etc ... temos esses meios à nossa disposição. Capital humano para o fazer existe. Dinheiro? O Dinheiro e a economia não são um bem absoluto. Não existem per-se. Existem apenas função da nossa vontade enquanto indivíduos e enquanto sociedade. desde que se queira (e seja viável) existe sempre. Ora desde há 10, 15 anos nada mudou que justifique que agora não se possa. A conversa de que "a europa" viveu acima das suas possibilidades é uma desculpa porque na verdade provou-se na prática que pode ... o resto são apenas casos de usura e ambição material desmedida de alguns poucos que aliás em tempo de guerra mereceriam um tratamento sumário. Não o advogo note-se nem tão pouco sou partidário de uma revolução mas que é necessário neste momento pensarmos a fundo na raiz dos problemas e no que queremos mesmo fazer, se queremos transformar a nossa sociedade numa selva onde impera o mais forte, o mais rico ou o mais poderoso (que sem regulação e sem Estado efectivo é a proposta desmaquilhada do liberalismo) ou se preferimos um Estado Social, uma social-democracia com um equilíbrio entre o individuo e a sociedade. Haveriam obviamente outras escolhas mas pelo menos nestas e no que as divide na propaganda pela primeira que grassa em certos meios e nos seus fundamentos profundos deveríamos pelo menos pensar um pouco e desmontar argumentos bacocos pseudo-económicos que quase atribuem à economia e aos mercados uma qualquer capacidade cognitiva deificada. A economia e os mercados não existem repito. São aquilo que nós queremos que sejam e não são na sua essência mais complicados do que os jogos de lojinhas que fazíamos em miúdos. Escusam os srs. da economia tentar metáforas mais complicadas porque para mim essa serve. Ah e já agora quanto às vossas previsões e raciocínios actuais bem proponho que se faça um apanhado do que diziam à 10 anos ... acho que teríamos todos uma surpresa. Felizmente com a net por enquanto é fácil fazer o apanhado. Haveis mudado de ideias? Então não levem a mal que vos diga que: 1) Não trateis como ciência algo que permite uma tão súbita mudança de axiomas, quando muito estais no domínio da alquimia ou da astrologia - proponho aliás que os passeis a considerar nas vossas projecções 2) Tal como para estas outras actividades dedico-vos o mesmo respeito que tenho pela literatura de fantasia. São boas história para adormecer ...
Eu passo a citar o FV, nem preciso de puxar pelos neurónios! :D
A pergunta do FC é muito pertinente, e tenho-a feito a muita gente. Alguns ainda tentam puxar o argumento demográfico em väo (o aumento da riqueza mais que compensa o aumento da populaçäo idosa... o que näo aumentou foi a % de impostos cobrados sobre a riqueza). Os outros dizem "pois é"...
Já repararam que a coisa começou a descambar (para a selva neoliberal) quando a palavra CIDADÃO passou a ser substutuída no discurso político por CONTRIBUINTE?
O pessoal passou a interiorizar que os direitos civis, dependem, näo de se existir como ser humano, mas de pagar impostos. E porquê? Para sacar o corolário de "os ricos säo quem paga mais impostos, logo eles é que devem mandar". O problema é haver ricos com alguma consciência que começam a sentir-se mal quando percebem que as criadas deles pagam maior % de imposto que eles. Os neoliberais têm essa tendência para a desonestidade intelectual, adoram comparar alhos com bugalhos (valores absolutos em vez de %), e os pelintras ainda väo na conversa!
Näo é coincidência que os países onde há maior equilíbrio entre a sociedade e a economia tenham o mais alto IDH. Os EUA subiram 9 posiçöes no último relatório, mas a subida esfuma-se tomando em conta as "desigualdades de rendimento".
Pegando nos conselhos do FV, é bem verdade, os neoliberais gostam de pensar que a economia é ciência exacta, com "informaçöes perfeitas" e "pessoas perfeitas". Ridículo. A economia näo pode ser exacta porque é uma ciência social. Se é que é ciência...
Enviar um comentário