quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Geração SEF

O João fez licenciatura, mestrado e doutoramento. Teve uns anos de bolsas, deu aulas e explicações, “colaborou” numa multinacional de manhã a manhã, foi despedido na hora e hoje não sabe o que se segue.

A Ana saiu da universidade para uns trabalhos precários que acumulou com os filhos, trabalhou em casa, em seis empresas diferentes e para 11 entidades. Onde está, sabe que não vai durar.

O Miguel é de Engenharia. O primeiro salário não o satisfez e inscreveu-se num mestrado que ficou a meio porque surgiu outra oportunidade. Ainda fundou uma empresa (que “não deu”), mas dez anos e cinco empregadores depois emigrou para o Brasil. Agora vai para Angola.

O João, a Ana e o Miguel conheceram o trabalho por conta própria e de outrem, os recibos verdes e o emprego a seis meses ou a um ano, o subemprego e o desemprego. Viram as empresas de trabalho temporário e a “flexibilidade”. Arriscaram, ganharam e perderam. Pertencem às gerações SEF (sem emprego fixo). O Paulo também, mas entrou na Jota aos 18. Organizou reuniões e comícios, angariou redes de apoiantes e contactos, e antes dos 30 conheceu um ministro a quem foi simpático. Passou então de dirigente da concelhia a dirigente de distrital, de deputado municipal a nacional. Aos 35 achou por bem licenciar-se e escolheu algo fácil. Jogou pelo seguro, mas é o único protagonista desta coluna que tem uma carreira.

PS e PSD - diferenças na promiscuidade com o poder económico

É comum dizer-se, à esquerda do PS, que este último partido é quase indistinto do PSD no que toca à promiscuidade com o poder económico, ou à forma como o interesse privado de um punhado de actores é colocado à frente do interesse público.
A acusação que existe no PS uma excessiva promiscuidade com o poder económico, que existe um excessivo favorecimento destes interesses privados parece-me uma acusação justa. Já a afirmação de que o PS não se distingue do PSD a este respeito não é.

O livro «Os Donos de Portugal» foi escrito por vários dirigentes do Bloco de Esquerda (os autores são: Jorge Costa, Luís Fazenda, Cecília Honório, Francisco Louçã e Fernando Rosas).
Neste livro fala-se em detalhe sobre esta promiscuidade, e em particular são observados os percursos dos 115 governantes de áreas estratégicas (finanças, economia, obras públicas, emprego e planeamento), e são apresentados esquemas gráficos relativos aos percursos de ministros ou secretários de estado (destas áreas) em duas ou mais empresas simultâneamente.

Vale a pena ver, começando pela rede excessivamente densa do PS:



Contrastando com a rede do PSD, ninguém pode negar que existem diferenças, e são relevantes:


Voltarei a este assunto brevemente.

Plenário de Desempregados - amanhã às 19h em Lisboa


Mais informações aqui e via Cinco Dias.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

A "nova república" de Rubem Fonseca

Rubem Fonseca na varanda da República (foto de Pedro Maia)

«Quando no final da cerimónia em que recebeu a Medalha de Mérito Municipal Grau de Ouro, "como reconhecimento da Câmara Municipal de Lisboa pela sua brilhante carreira", o escritor brasileiro Rubem Fonseca foi à varanda da República, do alto da Praça do Município levantou o braço e brincou: "Portugueses, proclamo a Nova República!"», escreve o Público.

Felicito a Câmara Municipal de Lisboa pela decisão de homenagear este extraordinário escritor brasileiro, para mim o melhor escritor vivo de língua portuguesa. Escolhi um texto de Rubem para iniciar a minha participação num dos blogues portugueses "clássicos". Reproduzo-o parcialmente aqui:

Para livros de polícia (mais do que meros livros policiais) não conheço melhor autor do que Rubem Fonseca.
Peguemos em Agosto (1990), edição portuguesa da D. Quixote. A personagem principal é o comissário Mattos, verdadeiro alter-ego de Fonseca, que foi policial antes de ser escritor.
Algumas das teses de Mattos sobre o papel da polícia podem ser extraídas dos diálogos com os seus assessores. Por exemplo:

"«Marido e mulher? Você vai dar um flagrante no sujeito apenas porque ele deu uns sopapos na mulher?»
«Exactamente por isso. O facto de ser a mulher dele para mim é uma agravante.»
(...)«Eu olhei a mulher e não vi nenhuma marca de lesão. (...) Garanto que a mulher vai ficar contra nós.» (...)
«Todo mundo é contra nós, sempre.» (...)
Autor, vítima, advogado e escrivão esperavam pelo comissário.
«Então, doutor? Tudo resolvido?»
«Tudo. Vamos continuar o flagrante.»
«Doutor, meu cliente foi impelido por relevante valor moral, logo em seguida à injusta provocação da vítima. (...) Ela está arrependida, sabe que errou, pediu desculpas, o senhor não ouviu? (...)»
«Esse crime é de acção pública, não me interessa a opinião da vítima. Vamos continuar o flagrante.»
«Doutor, ela chamou o meu cliente de broxa [impotente]. Algum marido pode ouvir a própria esposa chamá-lo de broxa sem perder a cabeça? (...)»
«Ninguém mais autorizado a chamar um sujeito de broxa do que a própria mulher.» (...)
O flagrante foi lavrado, assinado (...). Mattos tirou um Pepsamar do bolso, enfiou na boca, mastigou, misturou com saliva e engoliu. Ele cumprira a lei. Tornara o mundo melhor?"

Há oito anos como hoje, leio o Rubem Fonseca e fico sem palavras. Recomendo vivamente.

Vendas ao desbarato no Algarve


Com este Governo, a privataria não pára. Se é para alienar o erário público, não importa que vivamos tempos de escassez, não se pode perder um instante.
E já nem falo na absoluta negligência (no limiar da legalidade) na forma de lidar com os impactos ambientais...



Palmas a Mendes Bota, com a coragem de enfrentar o seu próprio partido para denunciar estas negociatas vergonhosas.

Ainda a wikileaks


What Does it Cost to Change the World? from WikiLeaks on Vimeo.

A Oeste nada de novo...

A campanha eleitoral americana continua a presentear-nos com as já costumeiras manifestações de estupidez violenta e os argumentos de quem não paga impostos e nos pede para apertar o cinto.

Mas o candidato Rick "do not Google me" Santorum (o idiota da esquerda), cuja existência inexplicável continua a merecer a simpatia da América estúpida (mais de 30 milhões de votos), todos os dias se ultrapassa a si mesmo.

A última alarvidade deste mamífero foi instar os americanos a educarem os filhos em casa, porque "a universidade está a destruir a América". Segundo este triste idiota, "62% dos estudantes perdem a fé nos anos em que andam na universidade!" Se estamos a inventar, porque é que ele não arredondou o número para 75%?

Era bom se fossem 2%, mas a verdade é que as universidades americanas não mudam as convicções dos alunos, nem no que diz respeito à teoria da evolução. Li há pouco tempo que só 1% dos alunos criacionistas é que aceita os fundamentos básicos do processo científico e muda de opinião em resultado do processo educativo. Os outros saem da universidade tão broncos e ignorantes como entraram nela.

Por exemplo, 13% dos professores de ciências naturais nos liceus ensinam criacionismo nas escolas públicas, sabendo perfeitamente que isso é inconstitucional, mais ou menos 60% dos professores têm medo dos pais e evitam falar no assunto, e só o resto, 28%, é que ensina ciência. Não sei como é que é no norte, mas aqui no Sul Profundo os alunos nas hard sciences são quase todos asiáticos. :o) Os americanos aqui na terra do Rick Perry são contra a ciência. Pim.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Revista de blogues (27/2/2012)

  • «(...) A semana passada, um grupo de líderes europeus, incluindo vários de pequenos países periféricos, assinou um documento sobre políticas de crescimento para a Europa. Nele, nada se lê que mereça grande entusiasmo. Até se aponta para o caminho da mesma desregulação económica que levou a Europa a este beco sem saída. Vale, no entanto, pelo gesto simbólico. Surge como um embrião de uma oposição à estratégia imperial de Angela Merkel. Nunca um governo que eu pudesse apoiar assinaria aquilo. Mas um governo de direita que não estivesse entretido a servir de capacho da Alemanha quereria estar naquele grupo "rebelde".

    Segundo fontes próximas do governo conservador inglês, Passos Coelho não terá sido contactado por "falta de sintonia" com as reservas à estratégia austeritária alemã (versão depois diplomaticamente desmentida - parece que não encontraram o número de telefone do nosso primeiro-ministro).

Irão e Wikileaks

burburinho sobre o Irão - e a ameaça que alegadamente representaria - ia tornando-se cada vez mais volumoso. Será que Israel iria atacar o Irão? Será que a retaliação a tal hipotético ataque levaria os EUA a participar num conflito nessa região?

Graças à wikileaks temos fortes indícios de que é tudo um jogo de espelhos. Que o Irão está muito longe de obter capacidade nuclear; que Israel não está a pensar atacar o Irão porque já o fez; e que este frenesim mediático sobre o Irão é uma «manobra de diversão» para desviar as atenções da crise financeira na União Europeia - o que me parece algo insólito. Os decisores que contam são mesmo influenciados por este tipo de tácticas? Os líderes políticos consideram que faz sentido correr este risco? 
A resposta a ambas as perguntas aparenta ser afirmativa...

A wikileaks voltou a prestar um serviço público valioso. Encorajo o leitor a contornar o «embargo financeiro» e a fazer uma doação para que esta instituição continue operacional.

I love Wikileaks

  • «Today, Monday 27 February, WikiLeaks began publishing The Global Intelligence Files – more than five million emails from the Texas-headquartered "global intelligence" company Stratfor. The emails date from between July 2004 and late December 2011. They reveal the inner workings of a company that fronts as an intelligence publisher, but provides confidential intelligence services to large corporations, such as Bhopal’s Dow Chemical Co., Lockheed Martin, Northrop Grumman, Raytheon and government agencies, including the US Department of Homeland Security, the US Marines and the US Defense Intelligence Agency. The emails show Stratfor’s web of informers, pay-off structure, payment-laundering techniques and psychological methods, for example:

domingo, 26 de fevereiro de 2012

Peña-Ruiz: «Lettre ouverte à François Hollande sur la laïcité»

  • «Je m'étais réjoui d'entendre François Hollande afficher sa volonté de conforter la laïcité. Je suis aujourd'hui consterné de la tournure prise par une telle promesse. Pour la laïcité cela vire au cauchemar. (...) Le premier point concerne les deux articles indissociables du titre premier de la loi de 1905. C'est une faute de ne pas mettre sur le même plan l'article deux et l'article premier. Pourtant, les énoncés sont simples, nets, purs comme du cristal. Jaurès s'en est expliqué. Lisons. Le premier article dit haut et fort "Liberté !": "La République assure la liberté de conscience et garantit le libre exercice des cultes." Le second article dit haut et fort "Egalité !" : "La République ne reconnaît, ne salarie, ni ne subventionne aucun culte." L'Etat porteur du bien public – res publica – n'a pas à privilégier les croyants, pas plus d'ailleurs que les athées. Ni statut de droit public, ni financements d'aucune sorte, pour une croyance qui n'engage qu'une partie des citoyens. La santé, l'instruction, la culture, elles, sont le bien de tous, et méritent tous les égards. Pour Jaurès, la chose était claire : supprimer le budget des cultes, ce n'est nullement nuire aux croyants, car le transfert de l'argent public à ce qui est universel, commun à tous, profite autant aux croyants qu'aux athées. Bref, il faut absolument constitutionnaliser littéralement les deux articles de la loi de 1905, réunis sous le titre "Principes". Il serait étrange qu'un parti dit socialiste laisse tomber l'égalité de celui qui croit au ciel et de celui qui n'y croit pas…

A civilização da humilhação

Segundo o Pedro Picoito, a despenalização da IVG é um mal porque a «"descida do número de humilhações" não é uma vitória civilizacional: é uma derrota». Ora nem mais. Há um certo conceito de sociedade em que a humilhação é central, indispensável, estruturante. E há outro em que é a dignidade que conta. Uma diferença (entre outras) é que na humilhação há o humilhador e o humilhado. Na dignidade, ficamos mais perto da igualdade. Sim, civilizações diferentes...

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Ele não desistiu

  • «(...) fui o único candidato verdadeiramente independente que teve o resultado que teve (...) há uma coisa que lhe posso dizer: sempre que fui a votos dos portugueses ganhei. Com toda a humildade, ganhei. Tive uma votação expressiva nas eleições presidenciais, ganhei o círculo de Lisboa que o PSD não ganhava há 20 anos. Perdi num clube fechado que é a Assembleia da República. O povo português sempre acreditou em mim.» (Fernando Nobre)
Três pequenos reparos factuais a Fernando Nobre. Primeiro: não ganhou a eleição presidencial, quem a ganhou foi Cavaco Silva. Ele ficou em terceiro lugar. Sim, Cavaco ter-lhe-á dito que «nessa mesma noite havia dois vencedores». Seja. Era uma forma de lhe agradecer e ele não entendeu. Segundo reparo: quem ganhou as eleições legislativas em Lisboa foi o PSD. Só um egocêntrico diz «a lista sou eu». Terceiro reparo factual: não sei em que sentido o Nobre candidato presidencial em 2011 era mais «verdadeiramente» independente do que o Alegre de 2006 ou o Pinheiro de Azevedo de 1976. Nenhum destes era apoiado por partido algum. E Nobre teve menos votos do que qualquer um deles. Mas, nesta fase, já se entendeu que impedir Fernando Nobre de embandeirar em arco é impossível. A «humildade» não se afixa no peito, sente-se ou não.

De Calouste Gulbenkian a Carlos Cruz

Com todo o respeito que me merece a excelente instituição do mesmo nome, Calouste Gulbenkian, é conhecido, recebia criancinhas num hotel da Avenida de Roma. Nesse tempo em que o país era governado por um senhor honesto, julgado por juízes justos e honestos e vigiado por uma polícia razoável e honesta, sempre que rapazinhos como os rapazinhos da Casa Pia tentavam denunciar os abusos de que eram alvo, arriscavam-se a levar uma carga de porrada da polícia, uma carga de porrada também ela honesta, obviamente.

Foi preciso dobrar o ano 2000, para que o país se livrasse a pouco e pouco dessa gente honesta e os meninos da Casa Pia deixassem de ser ignorados ou agredidos pela autoridade e pelas instituições que supostamente os deveriam proteger. No entanto, a tentativa de manipulação da opinião pública da parte dos poderosos visados no processo da Casa Pia foi impressionante, utilizando a comunicação social com mestria. Lembram-se da entrevista simultânea nos três canais nos jornais das 20h? Não fossem as provas tão esmagadoras, se Carlos Cruz e o seu chauffeur, Carlos Mota (também anteriormente condenado num processo de pedofilia), tivessem sido mais discretos, se não fossem tantos os testemunhos, provavelmente o desfecho teria sido outro. A arma dos poderosos falhou, essa é maior satisfação que me dá este processo. Mas ainda há um longo caminho a percorrer até conseguirmos uma justiça igual para pobres e ricos, para fracos e poderosos.

sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O «liberalismo» é despedir, não é deixar os homossexuais adoptar

Depois da votação de hoje, o casamento entre pessoas do mesmo sexo continuará a retirar o direito à adopção. Nada de novo, portanto. Em tempos de maioria de direita, era de esperar. O «liberalismo» é para as empresas, não para a vida privada.

Registe-se que o PCP, o partido da «democracia avançada», votou contra. Até contra o projecto do seu perpétuo aliado, o PEV. Todinho. Sem uma abstençãozita sequer (até no CDS houve uma e um voto a favor).

Muito curioso também o registo dos votos dos deputados do PS. A favor, a esquerda do PS (maioritária, uns 38 ou 39); na abstenção, os «tacticistas» (incluindo a direcção da bancada, talvez por dever de «equilíbrio»); contra, a direita do PS, incluindo figuras como José Lello, Vitalino Canas e o beato Silva Pereira (porque será que ninguém lhe pergunta se ainda é do Opus Dei? Ou só se faz isso aos maçons?).

Nota cómica do dia, o deputado monárquico Telmo Correia a invocar «o Criador» e «a natureza» como razões para votar contra. Continuem a brincar aos ultramontanos, continuem... A maioria actual não será para sempre.

Regresso ao século 19

Passos Coelho autorizou uma despesa de 1,9 milhões de euros nas secretas, um serviço do governo que não é  um serviço público. Esta notícia junta-se à da entrada nas Forças Armadas de 4 mil novos militares. E devem ambas ser mantidas na consciência de qualquer cidadão que lamente que haja cortes no pessoal e na despesa dos hospitais, e ainda na investigação científica.

Na concepção de Estado da actual maioria parlamentar, os serviços do governo (forças armadas, polícias, espionagem) são para reforçar, enquanto os serviços públicos (saúde, educação, assistência social, conhecimento) são para desmantelar. O Estado já foi aquilo que eles querem que volte a ser: Exército, Justiça, Polícia e Vigilância. Era assim nos tempos feudais (e inquisitoriais): o Estado controlava o povo, administrava a justiça, e em tudo o mais vigorava o «que se desenrasquem». Boa parte dos movimentos políticos de esquerda do século 19, e quase todos do século 20, conseguiram garantir do Estado os chamados «direitos sociais». Será uma coincidência que quando esses desaparecem se reforce o pilar historicamente anterior, o da vigilância e controlo?

Mélenchon mete a Le Pen no chinelo


...Ao ponto de ela nem ser capaz de o olhar de frente. Impressionante e animador para o candidato da esquerda não neoliberal e não europeísta.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

José Afonso (modo anticlerical)


«Arcebispíada» - José Afonso, do álbum «Enquanto Há Força» (1978).

Não queimarás o papel que tem tinta com palavras sagradas

Pode ser-se contra ou a favor da ocupação do Afeganistão pelos EUA e aliados. Não entendo é como alguém pode deixar de ficar com os cabelos em pé quando se constata que a oposição à ocupação é dinamizada por um grupo de islamofascistas capazes de mobilizarem multidões só porque alguém queimou o Corão.

Zeca Afonso

Têm assinalado os 25 anos da morte de José Afonso, e parece-me uma boa oportunidade para partilhar uma das músicas que mais gosto, deste que é o meu músico português favorito:



O seu legado está bem vivo, e parece-me que nos próximos anos muitas das suas músicas vão ser muito pertinentes (nunca deixaram de o ser)...
Acredito que a crise pode trazer consigo boa música, do passado e não só.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A Alemanha solidária com Passos Coelho

Durante estes dias, em Colónia, Dusseldórfia (Düsseldorf), Mogúncia (Mainz) e um pouco por toda a Alemanha, os alemães foram totalmente solidários com Passos Coelho. Aproveitaram o Carnaval para trabalhar no duro, em jejum obviamente, observando um silêncio conventual, sob voto de castidade, terminando a quadra em oração coletiva agradecendo a misericórdia do FMI e dos corretores da City.





Máscaras de Carnaval

Pode alguém ser quem não é? No Carnaval, há muitos que tentam parecer quem não são.

A máscara do governo é não deixar pôr máscara de Carnaval. Não dar tolerância de ponto aos funcionários públicos passa por “austeridade” para troika ver, quando se sabe que na realidade o impacto na produtividade será irrelevante. A máscara de Cavaco Silva é a pior das máscaras que um Presidente da República pode colocar, a de rei inatingível e alheio aos problemas do povo. À frente do corso, finge não ouvir a multidão. António José Seguro hesita entre colocar a máscara da oposição e a da austeridade sofrida. Há outros, que o leitor poderá apontar. Os mascarados não nos divertem nem (suspeito) se divertem. É um Carnaval triste. Os únicos que se dão ao luxo de não colocar máscaras são os que têm real poder. Merkel, que já não finge preocupar-se com a Grécia. Ou Putin, que grita que vai rearmar a Rússia. Ou os empresários que fogem aos impostos transferindo os seus negócios para outros estados. Ou ainda o novo cardeal dos católicos que causa escândalo ao falar, sem máscara, da concepção genuinamente católica do lugar das mulheres. As máscaras, por um dia ou por uma vida, tentam convencer-nos de que não somos quem somos. Até ao dia em que caem. Que venha depressa.

Continua animado o debate dos feriados

Acho bem. Se for necessária troca, acabem com aquela coisa da Concepção Imaculada ou com o «dia dos santos todos». Ou com o 10 de Junho.

Privataria é um bom termo

Tanto quanto sei, «privataria» é uma palavra cunhada por Paulo Morais, neste texto publicado no Correio da Manhã. Merece ser lido (hiperligações minhas):

«As privatizações vieram na pior altura. Vender em tempo de crise obriga a vender barato. E, quando as vendas são em saldo, as tentações são enormes e é real o risco de corrupção. [...]

A primeira destas privatizações foi a venda do BPN, uma história triste. O estado português, tendo nacionalizado um banco falido, assume os seus prejuízos, limpa o passivo, valoriza o seu património e, finalmente, entrega o banco, barato, aos angolanos. Seguiu-se-lhe a recente venda das participações públicas na EDP e na REN ao estado chinês [...].


Também não se esperaria que o garante de transparência fosse o Conselho de Prevenção da Corrupção, o mesmo que veio só agora preocupar-se com a privatização da EDP… depois de concluído o processo.

E, por fim, não poderia ser o Parlamento a avalizar a seriedade das escolhas. A comissão parlamentar responsável por estas matérias é constituída por deputados em total conflito de interesses. Só no que diz respeito ao dossiê EDP, o deputado Frasquilho é quadro do BES, entidade financeira que assessorou os chineses; enquanto o centrista Mesquita Nunes é jurista no escritório encarregado do processo de privatização. Já o social-democrata Pedro Pinto é consultor de empresas dependentes da EDP…

Com estes reguladores e fiscalizadores, teme-se que os capitais públicos continuem a ser alienados sem se saber como nem a quem. Estão à mercê da pirataria.»

terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

A ministra da «fé» fará a dança da chuva?

  • «Devo dizer que sou uma pessoa de fé, esperarei sempre que chova e esperarei sempre que a chuva nos minimize alguns destes danos. Como é evidente, quanto mais depressa vier, mais minimiza, quanto mais tarde, menos minimiza. Se não vier de todo, não perderei a minha fé mas teremos obviamente de atuar em conformidade» (Assunção Cristas sobre a seca).
Vejamos: se a «fé» dela não funcionar, «actua em conformidade»? Ou seja, fará a dança da chuva?

(A imagem é cortesia da Patrícia Gonçalves.)

Água encantada e contas no Parlamento

De alguma forma, vários deputados da Assembleia da República conseguem dar tantos «murros» e «pontapés» nas contas, sem sentir qualquer tipo de pudor, que conseguem chegar à magnífica conclusão de que a água da torneira acaba por ser «30 vezes mais cara» que a água engarrafada. E assim lá encontraram forma de rejeitar a água da torneira. Isto é a verdadeira definição de «contabilidade criativa».

Aliás, com tanta criatividade e falta de espírito crítico não deve ser difícil justificar todas e quaisquer mordomias alegando que acabam por poupar dinheiro ao erário público. Renovar a frota automóvel todos os anos para poupar em reparações, porque não?

Claro que o que me preocupa aqui não são os dois tostões que se poderiam poupar em água, ou mesmo no fim de mordomias desnecessárias. O que me preocupa verdadeiramente é que sejam aceites contas que ultrapassam os limites ou da desonestidade ou da incompetência. Porque a Assembleia da República agora pode estar entretida a discutir tostões, mas amanhã estará a discutir milhões - e já sabemos com que critérios, com que seriedade. E isso, não sendo completamente novo, é muito preocupante.


O estado da ciência ibérica

Em Espanha a ciência é tutelada por um ministério cocktail (para "poupar") que se designa: "Educación, Cultura y Deportes". Ou seja, ciência, ciência, é Mourinhos e as triangulações entre Iniesta, Xavi e Messi. Isto não é de estranhar, são conhecidas os preconceitos fortíssimos do Partido Popular em relação à ciência, os sacanas dos cientistas querem substituir-se ao Altíssimo, é preciso metê-los na ordem.

Por cá temos um primeiro-ministro que claramente não faz a mínima ideia da importância da ciência para sociedade. Em vez de a ciência integrar o esforço de combate à crise, não, cortou-se à bruta, até ao limite de fecho das instituições. A ciência passou a ser um estorvo, em vez de fazer parte da solução. Isto é bem resumido nesta passagem da entrevista do Reitor João Gabriel ao diário As Beiras deste sábado:

"...num momento em que nós devíamos estar completamente focados em sair da crise, a encontrar as vias de desenvolvimento que bem necessárias são, acabamos por gastar uma quantidade impressionante do nosso tempo a tentar sobreviver àquilo que nos impede de funcionar, o que é um direcionamento completamente errado da energia."

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

A gritaria do “Prós e Contras” dos engenheiros

Finalmente vi (e tenho tempo de escrever sobre...) o “Prós e Contras” de há uma semana, sobre a política energética (e a eletricidade em particular). Ex-colegas de governo (de Cavaco Silva) agora em lados opostos da barricada: a favor da aposta nas energias renováveis, Nuno Ribeiro da Silva, Carlos Pimenta e Oliveira Fernandes; contra os encargos que tal aposta tem representado, e que se têm refletido na fatura do consumidor, Mira Amaral, Clemente Pedro Nunes e o inevitável Patrick Monteiro de Barros. Seis convidados. Seis engenheiros; pelo menos quatro deles do Técnico. Antigos alunos e antigos professores. O resultado foi uma gritaria e uma agressividade entre os convidados como nunca me recordo de ter visto, nem mesmo em programas com temas muito mais “fraturantes” como sobre o aborto ou o casamento de pessoas do mesmo sexo.
É provavelmente o resultado de se ter um debate entre tantos engenheiros. Embora a discussão fosse à partida política, resvalou muitas vezes para aspetos técnicos. Ora em ciência, e mesmo em ciência aplicada como a engenharia, não há lugar à mera opinião pessoal, baseada em valores, como em política. Se um cientista (e aqui incluo também os engenheiros) afirma algo que vê como um facto científico e é desmentido, então para ele o seu interlocutor só pode ser ou ignorante ou desonesto. Daí as discordâncias serem vistas como ataques pessoais. Daí tanta agressividade.
Eu diverti-me imenso a ver.
Analiso agora as prestações dos diversos intervenientes, começando pelos “Contras”.

Ainda a Acta

Recentemente referi a significativa e recente vitória europeia contra um tratado internacional que constituiria o maior ataque à privacidade e liberdade de expressão no ocidente desde que existe Internet:

«Joseph Daul, líder do Partido Popular Europeu (PPE), foi o primeiro a dizê-lo: “ACTA c’est fini.” (o ACTA está acabado). As palavras do eurodeputado surgiram depois de manifestações durante o fim-de-semana em 130 cidades de 30 dos 39 países envolvidos nas negociações do Acordo Comercial Anticontrafacção, protestando contra um tratado transnacional negociado "secretamente" e que, na prática, equivalia ao fim da privacidade online e da livre troca de informações.»

Em princípio, a esta posição do PPE vem juntar-se grande parte do S&D e da ALDE, bem como os maiores opositores deste acordo, os Verdes e o GUE/GNL. Tudo indica que o acordo será enterrado em Junho, na altura da votação.

Não obstante, pelo sim, pelo não, creio que vale a pena divulgar este panfleto sobre a ACTA, anterior a estes desenvolvimentos (e por isso ainda dá a indicação do PPE ser favorável ao acordo).

Juntar as peças na venda do BPN ao BIC

Neste espaço, ainda em Agosto, teci alguns comentários sobre os vários indícios de má fé na decisão de vender o BPN ao BIC, concluindo: «Se são usados estes critérios descabidos e arbitrários para justificar uma decisão tão absurda, e eles são aceites como válidos, o que é que impede a tomada de outras decisões igualmente lesivas para os cofres públicos amanhã?»

Um novo indício de que as minhas suspeitas tinham razão de ser veio hoje a público (destaque meu): «O Governo vendeu o Banco Português de Negócios (BPN) ao luso-angolano BIC Portugal por 40 milhões de euros, sem ter na sua posse, como a lei exigia, o parecer da Comissão de Acompanhamento das Reprivatizações, que sobre esta operação nunca foi consultada.»

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Sim, Olivença é de Portugal

Que eu saiba, Portugal não abdicou dos seus direitos históricos sobre o território de Olivença. E do mesmo modo que não aceito a perversão nacionalista dos símbolos republicanos tentada pelo Estado Novo, não aceito que a questão de Olivença seja património exclusivo de alguma direita mais lunática ou dos anti-espanholistas primários. Regozijo-me portanto por ver um grupo de deputados socialistas levantarem a questão junto do MNE.

Prezada Senhora Angela Merkel

Subscrevo o pedido seguinte, vindo do André Barata.
  • Prezada Senhora chanceler Senhora Angela Merkel
    Na simples qualidade de cidadãos da União Europeia, de que a sua nação faz parte, e no exercício consagrado da dupla cidadania, reclamamos que demita, afaste ou, ao menos, proíba o seu Ministro das Finanças, Senhor Schäuble, de proferir ultimatos ultrajantes a povos e nações europeus, ofendendo-os e, assim, ofendendo o espírito da nossa União.

    Rogamos-lhe que, substituindo o Senhor Schäuble, escolha um seu compatriota que acredite na Europa, se empenhe na prática da dupla cidadania e se sinta fundamentalmente ligado ao destino dos gregos como nós nos sentimos ligados ao destino dos alemães, todos nós europeus entre europeus.

    Não permita o abuso do povo e da nação grega para adiar o sacrifício da Europa diante dos seus impasses. A Grécia não é a solução do problema Europeu; a Europa, sim, é a solução do problema grego. Esqueça as culpas, promova as soluções. Seja europeia!

Leitura recomendada a republicanos (e a monárquicos, já agora)

  • «(...) To enjoy republican freedom people have to be their own man or woman and that requires that they do not have a master or dominus who holds sway over them in any aspect of their lives.

    Republican freedom is more demanding, then, than freedom in the contemporary sense of non-interference. For you may be lucky enough or wary enough to avoid interference by someone and yet live in the shadow of their power, whether they be an employer or spouse or local bully. According to the republican way of thinking you are unfree in such a situation, even before any actual interference occurs. Freedom requires the sort of immunity to interference -- the social and political status -- that would enable you to look every other in the eye. No one is free who has to keep a weather eye open for the whims of the more powerful, and if necessary adopt a servile attitude towards them.

sábado, 18 de fevereiro de 2012

O Futuro

Qual será a situação de Portugal daqui a uns anos? O problema da dívida continuará a agravar-se, o crescimento continuará anémico, o desemprego continuará a aumentar?

Ou, pelo contrário, o aumento do desemprego estancará e até haverá alguma redução, o crescimento será superior, a dívida começará a diminuir?

Ao contrário de grande parte da opinião expressa à Esquerda, eu simplesmente não sei. Parece-me possível que pouco antes das próximas legislativas se consigam vislumbrar alguns sinais de melhoria... Seja por causa do ciclo económico em si, ao que se acrescentará o abrandamento da austeridade em vésperas de eleições, que já vem sendo nossa tradição; seja porque o BCE consiga comprar mais e mais dívida pela calada, numa tentativa de adiar a crise do Euro sem lidar com as implicações políticas correspondentes. Ou seja porque entretanto a Troika encabece renegociações da dívida que nos sejam mais favoráveis, com medo que acabemos como a Grécia (por hipótese, com a luta dos gregos a garantir-nos que os próprios credores velem com «mais zelo» pelos «nossos» interesses do que o Governo de Pedro Passos Coelho...). Seja ainda porque realmente, e ao arrepio dos nossos representantes eleitos, existam alterações estruturais na UE que permitam efectivamente alterar as regras do jogo a nosso favor(?), para que o Euro não colapse. Ou seja por qualquer outra razão. Há tantos imponderáveis...

Também é possível que não. Que, como muitos prevêem, se o autismo não parou até aqui, não é agora que vai parar. Que a dívida aumente, e aumente, e aumente. Que se atinja uma situação de ruptura, seja a saída de Portugal do Euro, seja o fim da moeda única, sejam movimentações populares sem precedentes que ponham em causa a legitimidade dos governantes.

Neste mundo globalizado, num mercado comum e com uma moeda única, muito do futuro de Portugal não é decidido pelos portugueses. Aquilo que para mim é importante e fundamental é perceber se, naquilo que está nas nossas mãos para sair da crise, tomamos as medidas certas ou agravamos o problema.

E é por isto - não pelas perspectivas de futuro, que para mim são incertas - que eu não confio neste governo. Facilitar os despedimentos é algo particularmente gravoso na situação de crise que se vive. Diminuir os subsídios de desemprego também. Tornar os transportes públicos mais caros tem um impacto negativo na balança comercial. Diminuir o número de feriados, e logo o 5 de Outubro entre eles, é um disparate que vai agravar os problemas. Aumentar as taxas moderadoras é fazer recair os sacrifícios naqueles que mais têm sofrido com a crise. Privatizar ao desbarato, sem transparência, é delapidar os recursos públicos. Manter todo o tipo de desperdícios e negociatas é indefensável. Investir os parcos recursos disponíveis na repressão é prejudicar o desenvolvimento do país.

O problema é que as asneiras são tantas, que é impossível dar a cada uma a resposta que merece.

Revista de imprensa (18/2/2012)

  • «Unlike Greece, Portugal is a debtor nation that has done everything that the European Union and the International Monetary Fund have asked it to, in exchange for the 78 billion euro (about $103 billion) bailout Lisbon received last May.

    And yet, by the broadest measure of a country’s ability to repay its debts, Portugal is going deeper into the hole.

    Unfortunately, I don't know what the hell to say. The basic story is simple: by demanding austerity from Portugal, European leaders are putting the Portuguese economy into a downward spiral. As Portugal's economy deteriorates, their debt levels become ever more unsustainable, requiring yet more austerity and tanking their economy even further. This is the same cycle happening in Greece (and Spain and Italy), and it's not clear where it ends.

    But what's the alternative? Shovel vast amounts of money into these countries essentially without condition? That's just not in the political cards.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Parabéns ao novo banqueiro

Neste blogue sempre manifestei um carinho especial por Luís Amado. Ninguém como ele personificou melhor um certo lado menos «canhoto» do socratismo. As suas tomadas de posição claras e inequívocas perante a ditadura líbia, a União Europeia, o anti-semitismo, os direitos humanos, ou ainda as alianças do PS, garantiram-lhe um lugar na História como alguém cuja ligação aos valores profundos do socialismo democrático é, bem... (sigam os linques).

É portanto sem surpresa mas com um indisfarçável tom de «eu bem que o topei, e há muito» que endereço a Luís Amado os meus parabéns pela sua nomeação para Presidente do Conselho de Administração do BANIF. Esta é a prova final do seu apego «desinteressado» à «coisa» pública (escrevo isto com os olhos marejados de lágrimas).

Cacos do Império Britânico: Malvinas



Desde a rendição do general Charles Cornwallis aos exércitos francês e americano em 1781, o Império Britânico não se poupou a esforços para tentar manter a sua hegemonia. Desde o ataque a Toulon em 1793 que visava impedir que os ideiais republicanos se estendessem ao resto da Europa, até à guerra das Malvinas por iniciativa de Thatcher, passando pelo expediente da Commonwealth para manter as ex-colónias em regime light, o Império Britânico luta contra a sua extinção.

Aproveitando a distração concedida pelo governo de Merkel, o único país da UE com colónias no território da própria União (Irlanda do Norte e Gibraltar) voltou a lançar as garras às Malvinas: submarinos nucleares e o próprio Príncipe Guilherme. A família da Rainha que nunca fez um ato de contrição pelos anos de colonialismo de que foi responsável e o primeiro-ministro com tiques de extrema-direita contra os impostos na City, mostram ao mundo ao que andam. Com o Império Britânico não se brinca.

«A função essencial das mulheres é cuidar dos filhos»

Quem o diz é um tal Manuel Monteiro de Castro, cidadão português até agora desconhecido. Nos próximos dias, muitos meios de comunicação social vão tentar convencer-nos de que é uma «honra nacional» ele ser nomeado «cardeal» pelo último ditador da Europa ocidental. É uma «honra» que eu dispenso. Como dispenso a (dispendiosa?) presença do ministro dos Negócios Estrangeiros na referida cerimónia.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

Dois países, duas éticas

O presidente alemão demitiu-se hoje. Ontem, um tribunal pedira o levantamento da imunidade presidencial de Christian Wulff. É acusado de ter recebido um empréstimo de 500 mil euros a juro baixo, para comprar uma casa. De alguém com quem o governo do Lander que liderava tinha negócios. E de ter pressionado um jornal para não publicar o que se passara.

Esta é uma oportunidade imperdível para dizer bem da Alemanha. É que Cavaco é acusado de ter comprado e depois vendido acções à SLN, lucrando 360 mil euros. Ou seja, tinha negócios com ex(?)-amigos políticos, que andam agora de tribunal em tribunal. E sabemos que Cavaco não deu explicações nem se demitiu. E sabemos ainda que mandou o seu perpétuo assessor de imprensa à Avenida de Roma plantar uma notícia falsa, é certo que noutra ocasião.

Eu sei, há uma diferença fulcral. A nossa Constituição tem a seguinte disposição, muito pouco republicana: «Por crimes estranhos ao exercício das suas funções o Presidente da República responde depois de findo o mandato perante os tribunais comuns». Seria portanto impossível dar entrada a um pedido de levantamento da imunidade do PR no Parlamento (a menos que praticasse crimes no exercício das suas funções).

No fundo, a diferença nem é constitucional. É de ética. E nesse aspecto há que admirar a Alemanha.

Nenhum deles

Pergunta a Isabel Moreira: «consegue imaginar-se o nosso chefe de estado ou o nosso PM a ter uma atitude equivalente?». Refere-se às declarações do presidente grego («Não aceito que meu país receba as zombarias de (Wolfgang) Schäuble. (...) Quem é o senhor Schäuble para zombar da Grécia? Quem são os holandeses? Quem são os finlandeses?»). Tem razão. De Cavaco, lembro-me da atitude que teve perante Klaus. Passos Coelho é um curvado. Mas também não imagino António José Seguro a ter uma atitude semelhante à do presidente grego. Ou, já que estamos nisto, também não imagino José Sócrates.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Revista de blogues (16/2/2012)

  • «Se não fosse o 5 de outubro, data fundadora do regime republicano, que permitiu ao mísero professor Cavaco – como ele considera um professor universitário –, chegar a primeiro-ministro e a presidente, ainda hoje seríamos vassalos em vez de cidadãos.

    Surpreende, pois, que quem deve o alto lugar que ocupa à data cuja memória devia honrar, permaneça em silêncio perante a ameaça de extinção do feriado que nem Salazar ousou abolir.

    Este presidente é-o de cada vez menos portugueses e goza da consideração mínima que a Constituição da República Portuguesa impõe, sem cairmos sob a alçada do Código Penal, mas isso não invalida que a sua atitude transforme o título honroso de Presidente da República em mera função burocrática cujo salário troca por pensões que lhe dilatam a remuneração mas diminuem a dignidade.

Vitória contra o ACTA

Estar atento, disposto à mobilização, à luta pelos Direitos Fundamentais, vale a pena.

Estar atento, disposto a sair à rua, disposto a cooperar internacionalmente, vale a pena.

Porque só estando dispostos a lutar, temos a possibilidade de vencer:

«Joseph Daul, líder do Partido Popular Europeu (PPE), foi o primeiro a dizê-lo: “ACTA c’est fini.” (o ACTA está acabado). As palavras do eurodeputado surgiram depois de manifestações durante o fim-de-semana em 130 cidades de 30 dos 39 países envolvidos nas negociações do Acordo Comercial Anticontrafacção, protestando contra um tratado transnacional negociado "secretamente" e que, na prática, equivalia ao fim da privacidade online e da livre troca de informações.»

Rumo à catástrofe social

A taxa de desemprego atingiu, dados do INE para o último trimestre de 2011, 14%. O aumento face ao trimestre anterior foi de 1.6%. Extrapolando (o que é discutível) para mais quatro trimestres, poderemos chegar ao final de 2012 com 20% de desemprego.

Acrescente-se que, há menos de um ano, a manifestação de 12 de Março foi ridicularizada. Muita gente, inclusivamente de certa esquerda, riu-se da «geração à rasca», a quem chegaram a chamar «os deolindos». Hoje, a taxa de desemprego jovem está nos 35%. Quem tinha razão era quem já via os sinais a acumularem-se, contra o autismo socrático.

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2012

A política que o euro criou

A crise europeia é também uma crise do sistema político-partidário.

A UE apoiou-se num pacto entre os partidos do centro, excluindo radicais de esquerda e direita. O pacto dava mais poder ao BCE do que a políticos eleitos. Agora, quando o edifício europeu vacila e se pode desagregar, os partidos mais penalizados são os “do centro”, de que se esperava que contivessem a deriva monetarista e neoliberal: os socialistas. Estão afastados do governo em quase toda a UE e, amarrados às respectivas troikas em Portugal e na Grécia, assistem passivamente à destruição do Estado social construído desde 1945.

A crítica da Europa realmente existente, nas duas décadas pós-Maastricht, veio essencialmente da direita nacionalista no Norte da Europa, e a sul da esquerda anticapitalista (desacreditadas, respectivamente, pela sua xenofobia irracional ou pelo seu anacronismo bolchevique). Porém, o dilema presente não é entre resolver a crise na UE ou no isolamento nacional, mas sim saber se o poder reside na democracia e nos cidadãos ou no mercado e nos financeiros.

Em Abril, as eleições na Grécia e na França mostrarão que consequências políticas da crise retiram os eleitorados desses países. As sondagens indicam uma viragem à esquerda, mais forte na Grécia. É a oportunidade para uma esquerda contrária ao austeritarismo mas credivelmente democrática.

Revista de blogues (15/2/2012)

  • «(...) O governo da União Europeia não se chama governo, mas Comissão. A União Europeia tem leis, que têm força de lei, se aplicam como lei, e até têm precedência sobre as leis nacionais; todavia, não se chamam leis, mas sim diretivas e regulamentos. Essas leis são feitas num processo de “co-decisão” entre duas câmaras, mas há um problema: a União Europeia não tem duas câmaras. Tem uma câmara de deputados, que é o Parlamento Europeu, mas que não pode iniciar lei (nem decidir onde reunir-se). Mas não tem um Senado; e, mesmo que o Conselho fosse um senado, porque nele estão representados os estados da União, onde estão os senadores? Precisaríamos deles, se a União Europeia fosse uma federação; ora, a União Europeia não é — e talvez não venha a ser — um estado federal, nem sequer é — e será que virá a ser algum dia — uma federação de estados.

    Chegados a este ponto, os europeus desistem de tentar entender a União Europeia. Viram-se então para os seus governos, as suas leis, e os seus estados. Mas há um problema, precisamente o problema contrário do que vimos antes. Nos nossos países, o governo chama-se efetivamente governo, mas já não governa. A lei chama-se lei, mas já não faz lei. E o estado também ainda tem o nome, mas já não é bem aquilo que era. (...)» (Rui Tavares)

A austeridade é conversa

«Governo mandou fazer 100 livros e pagou 12 mil euros por ajuste directo a uma gráfica.

O gabinete do ministro adjunto e dos Assuntos Parlamentares, Miguel Relvas, encomendou em Dezembro, à Gráfica MaiaDouro, SA, a produção, por ajuste directo, de uma centena de exemplares do programa do Governo, denominado Compromisso para uma Nação Forte.
O preço contratual foi de 12 mil euros, o que significa que cada exemplar, feito em papel couché semimate, custou 120 euros. O contrato data de 9 de Dezembro e o prazo de execução foi de 10 dias.
[...]
A capa do livro tem um fundo em tons de cinza-prata e apresenta uma ilustração em alto-relevo. Segundo adiantou ontem fonte do gabinete de Miguel Relvas, os exemplares destinam-se exclusivamente ao Governo.»

Sei que é um detalhe, mas é um sintoma e um símbolo.

Repetindo-me: «bem sabemos que são mantidas mordomias várias, e diversas formas de nepotismo, bem como aparente má gestão e uma falta de transparência que tudo indica sair muito cara, e que portanto a conversa sobre austeridade não é para levar a sério... »

Esta Direita contra a Liberdade - últimos desenvolvimentos

Muitos dos apoiantes da coligação de direita que está no poder enchem a boca com a palavra Liberdade. Mas, como que lembrando o tempo dos regimes fascistas, não é incomum que na chegada da Direita ao poder ela se revele uma feroz inimiga da Liberdade.

Viveu-se recentemente essa experiência nos EUA: a tortura, o Patriot Act, Guantanamo bay e tudo o que George Bush trouxe. E sim, Obama, mesmo pondo fim à tortura, ainda piorou a situação ao assinar o «National Defense Autorization Act». Mas fê-lo sob pressão dos Congressistas Republicanos, o que, obviamente não o desculpando, sempre permite aferir quem está mais motivado para atacar a Liberdade.

Em Portugal o mesmo tem acontecido. Falava-se na «asfixia democrática» promovida por José Sócrates, e realmente o governo PS foi aqui justamente criticado por algumas posições, nomeadamente em relação às escutas telefónicas. Mas, no ataque às liberdades, Sócrates era verdadeiramente um menino de coro ao pé de Pedro Passos Coelho, o suposto «"liberal"». E não faço tal acusação sem boas razões.

Por onde começar?

Pela câmaras de filmar que o governo quer colocar sem respeitar a Comissão Nacional de Protecção de Dados? Pela vontade de violar a privacidade das pessoas sem prestar contas que isso implica? Pela vontade de concentrar poderes, e fugir aos mecanismos democráticos de controlo? Pelo ataque aos direitos individuais que isso representa?

Pelo acordo que dá os dados constantes no BI de qualquer cidadão aos EUA por um «ponto de contacto» português -  que não tem de ser um juiz e nem sequer um polícia - bastando que o tal «ponto de contacto» considere que o cidadão em causa «irá cometer» uma infracção penal? Pela forma como este acordo viola a nossa Constituição? Pela forma como viola os nossos Direitos Individuais?

Ou pelas próprias escutas telefónicas? Pela eleição de José António Branco, que prometeu autorizar escutas telefónicas sem processo criminal? Pela forma flagrante como se assume desrespeitar a Constituição? Pela forma flagrante como se promete não fiscalizar aqueles que podem pôr em causa os Direitos Liberdades e Garantias dos cidadãos?

Ou pela forma como se assegura futuros prevaricadores que aqueles que denunciam verdadeiros atentados contra a privacidade das pessoas são punidos? Pela impunidade que é gozada pelos prevaricadores?

E que tal pela existência de polícias infiltrados nas manifestações, com atitudes de provocação, flagrantemente ilegais?

Não sei por onde começar, e muito mais haveria a dizer, mas sei por onde acabar: pela notícia mais recente.

Portugal vive uma situação de austeridade: o preço dos passes sobe, as taxas moderadoras também, cortam-se subsídios de Natal e Férias aos funcionários públicos, diminuem-se os subsídios de desemprego, apesar de estarmos no momento em que ele faz mais falta a tantas pessoas, os impostos são aumentados, na vontade escrupulosa de ir além do acordo com a Troika. Bem sabemos que são mantidas mordomias várias, e diversas formas de nepotismo, bem como aparente má gestão e uma falta de transparência que tudo indica sair muito cara, e que portanto a conversa sobre austeridade não é para levar a sério... mas ainda assim a contratação de 4000 efectivos para as Forças Armadas surpreende-me bastante.

Pensemos em como os atrasos do sistema de Justiça são um dos mais fortes entraves ao nosso desenvolvimento, e como existem menos de 2000 Juízes em todo o país, para pôr estas futuras contratações em perspectiva. Mas nesta altura de crise não precisamos de Juízes, Professores ou Médicos, pelos vistos precisamos de mais efectivos nas Forças Armadas.
Estas contratações podem ser muito prejudiciais para a saída de Portugal da crise, mas não são inocentes: são a escolha de um caminho, o caminho da repressão, a destruição das Liberdades.

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Revista de blogues (14/2/2012)

  • «No dia da aprovação de mais um pacote de austeridade grego, as ruas de Atenas estiveram a ferro e fogo. Dentro do Parlamento, 199 dos deputados aprovavam um suicídio coletivo. Mesmo com a chantagem, 21 deputados do PASOK e outros 21 da Nova Democracia foram expulsos dos seus grupos parlamentares por se recusarem votar a favor. Cá fora reinava o caos. (...)

    A sondagem mais recente, quando pouco falta para as eleições, dá-nos dados interessantes: a Nova Democracia, de direita, com 31%; os comunistas, do KKE, com 12,5%; o SYRISA (o Bloco de Esquerda lá do burgo), com 12%; os socialistas, do PASOK, com 8%; o LAOS, a extrema-direita que, até sexta-feira, participava no governo, com 5%; o CHRYSI AVGI, a extrema-direita fora do governo, com 3%. E um novo partido, a Esquerda Democrática, ocupa o segundo lugar, com 18%. É uma cisão "reformista" do SIRYSA que inclui muitos dissidentes do PASOK que se opuseram ao acordo com a troika.

    Alguns dados a ter em conta. A direita fica-se com 38%. Os socialistas descem de mais de 45% para 8%. O centrão, até agora absolutamente hegemónico, vale 38%. Comunistas e esquerda radical sobem e conseguem, juntos, mais de 24%. Uma versão mais moderada da oposição de esquerda ao austeritarismo demente consegue, de um só golpe, transformar-se num risco para os partidos que levaram a Grécia para esta tragédia. Juntos, os partidos anti-troika já têm mais de 42%. (...)

No século XXI, a liberdade e o individualismo são o ópio do povo

Um texto bem interessante e atual de Manuel Maria Carrilho. Destaques meus:

Sentimo-nos, individualmente, cada vez mais livres. Mas, ao mesmo tempo, vamos percebendo que, coletivamente, somos cada vez mais impotentes. A liberdade não se converte em ação, nem tem consequências no mundo. É este o drama da nossa democracia, e talvez a origem de todos os seus impasses. (...)
Na base da "harmonia" original entre as vertentes política e social da democracia estava a convicção que a liberdade garantida aos indivíduos se transformava naturalmente, ou mesmo automaticamente, em ação coletiva. E que, portanto, um indivíduo mais livre era uma promessa de uma sociedade mais justa.

Ora aqui a deceção não podia ser mais brutal. A liberdade tem efetivamente conduzido a uma cada vez maior emancipação dos indivíduos, mas esta esgota-se num frívolo individualismo dos direitos, cujo âmbito se procura constantemente alargar, em prejuízo do próprio sentido do coletivo ou do comum.

Parece que é Carnaval na Alemanha

Na Alemanha, por estes dias, inúmeras cidades festejam o Carnaval, em desfiles rematados por megaconcertos que se prologam até às tantas da manhã. O feriado de Carnaval é local variando a data do(s) corso(s) de cidade para cidade. Os corsos de Colónia e de Mainz (na foto) são gigantescos e em nível de loucura colectiva fazem lembrar a Love Parade, a Festa da Cerveja de Munique ou a Queima das Fitas de Coimbra.
Se motivos faltassem, o exemplo dado por quem nos empresta dinheiro, mostra o quão ridículo é obrigar cidades que festejam o Carnaval como o Funchal, Ovar, Mealhada, Loulé, Figueira da Foz ou Torres Vedras a abdicar da tolerância de ponto por motivos económicos. Perguntem aos presidentes das câmaras de Colónia ou de Mainz se eles perdem dinheiro nesse dia.

O Instituto Superior Técnico vai ter de deitar dinheiro para o lixo

De acordo com esta notícia da RTP1, o Instituto Superior Técnico vai ter de parar toda a actividade de investigação - «A instituição terá de devolver milhões de euros provenientes de fundos europeus, como consequência imediata do decreto lei de execução orçamental que agora foi publicado em Diário da República.»

Ou seja: vai ser retirado dinheiro à economia nacional enquanto se destrói a capacidade de fazer investigação, tudo isto com impacto perverso no equilíbrio orçamental do estado. Pelo caminho prejudica-se a credibilidade das instituições portuguesas perante as instituições internacionais que contrataram determinados serviços (ESA, EURATOM, CERN, etc...) que, naturalmente também vão sair prejudicadas (até porque há prazos e contratos que não vão ser cumpridos conforme estipulado) - aliás, toda esta telenovela é uma história de um desperdício imenso, de deitar dinheiro pela janela. Em plena crise, é disto que precisamos.

Estes desenvolvimentos são maus de tantas formas diferentes, que eu ainda não acredito completamente. Já entendi que quem nos governa é muito incompetente, mas a este ponto?

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Valeu a pena sair à rua contra o ACTA

Em toda a Europa as pessoas saíram à rua contra o ACTA. Para que o evento ocorresse em simultâneo, em Portugal a hora escolhida não foi a mais desejável, e também porque somos um país pequeno onde se vai verificando pouca mobilização política, encontraram-se no Marquês de Pombal poucas centenas de pessoas (houve também encontros noutras cidades do país, descrevo apenas aquele em que participei), grande parte delas com máscaras do Guy Fawkes já que o grupo Anonymous foi dos que mais se empenhou na mobilização deste protesto - é uma pena que não tenha havido outros a fazê-lo. Por um lado, a inconveniência da hora também permitiu uma compatibilização (cómoda, até) com o protesto da CGTP, o que teve certamente o seu lado positivo, pelo menos para mim que quis (e pude) participar em ambos.

Já em países como a Polónia, o protesto teve uma dimensão tal (a maior nos últimos 20 anos? Um polaco amigo diz-se que foi a maior desde 1989, mas não encontro nenhuma informação na imprensa portuguesa, e pouca na de língua inglesa), que levou o Primeiro Ministro a suspender a ratificação do tratado. Uma vitória! Sim, foi cálculo eleitoralista da parte de Donald Tusk, mas quando as pessoas se mobilizam influenciam esses cálculos - é a Democracia a funcionar.

E não foi tudo: o lado internacional do protesto, e neste sentido mesmo a concentração simbólica em Lisboa deu um forte contributo, levou o tema a entrar na agenda política, mesmo perante o estado de emergência que se vive na Grécia. E ainda bem, porque este tema, parecendo mais discreto pela falta de atenção que a comunicação social lhe dá (por exemplo, as pessoas souberam do SOPAPIPA pela wikipedia e outras páginas de internet, não pela comunicação social tradicional), tem implicações igualmente significativas e merece também a nossa atenção.

Quando soube que o Presidente do Parlamento Europeu criticou o ACTA, concluí que este protesto não foi em vão. Não é suficiente, precisamos de fazer mais. Mas o cinismo não é resposta: se estivermos dispostos a lutar, temos a possibilidade de vencer.

Ascensão e queda do Estado social

Ana Sá Lopes, no editorial de hoje do i, mete o dedo na ferida: «o estado social também foi inventado para estancar o avanço comunista». Pois. Todos sabemos que após 1945 metade da Europa ficou com governos comunistas. Poucos recordam que nem todos esses regimes foram impostos pelo Exército Vermelho sobre uma população completamente adversa. Pelo contrário, em vários países os comunistas eram realmente a força política mais popular, sendo o caso extremo a Checoslováquia, onde até ganharam eleições «limpas». Também já poucos recordam que em países como a França ou a Itália os partidos comunistas andavam pelos 30%. A partir de 1945, a construção do serviço público de saúde e assistência social, combinada com a estatização de largos sectores da economia, conteve o crescimento comunista. E tornou os socialistas nos gestores de um capitalismo de rosto humano.

A queda do «muro de Berlim» foi o princípio do fim do Estado social. Atados de pés e mãos pelo Tratado de Maastricht, os socialistas aceitaram passivamente a destruição de tudo o que tinham construído no meio século anterior. De cedência em cedência, chegámos onde estamos hoje: à tragédia grega. Sem travões internos ou externos, o capitalismo pós-Maastricht acelerou na direcção de uma parede. Não espanta que os partidos gregos «à esquerda do PASOK» somem já 40% nas sondagens. De certo modo, é como se voltássemos a 1945 (mas sem «bloco de Leste»). O que se vai inventar agora para satisfazer as massas? Uma nova social-democracia ou golpes de Estado? Resta pouco tempo.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Sobre o gelo que vai derretendo

Mais um excelente vídeo de potholer54:

Revista de imprensa (12/2/2012)

  • «(...)

    Aquilo a que se tem chamado "praxe" é essa série de práticas mais ou menos ritualizadas de que são alvo (para não dizer diretamente "vítima") os estudantes recém-entrados nas escolas de ensino superior, antes mais ou menos restritas a Coimbra, mas que hoje, 30-40 anos passados sobre o seu desaparecimento, em plena contestação da ditadura e durante o processo revolucionário, se generalizaram a um conjunto de escolas e de cidades incomparavelmente mais diverso do que no passado.

    (...) Grita-se permanentemente ao "caloiro" que ele não pode "olhar nos olhos dos veteranos"; reúnem-se centenas de estudantes num "juramento de praxe" no qual se exige aos "caloiros" declarações solenes de obediência a outros estudantes que, um/dois anos mais velhos, se tanto, por terem passado pelas mesmas experiências humilhantes, pensam ter ganho o direito de as infligir a outros recém-chegados. Entoam-se refrões com que se pretende sublinhar a "superioridade" de uma determinada escola/curso, que podem chegar a impronunciáveis grosserias que, permitam-me, fazem rimar a sigla ISCTE com órgãos sexuais masculinos sempre em pé...

sábado, 11 de fevereiro de 2012

Manifestações contra a ACTA

Cito parte deste texto, como mote para as várias manifestações anti-ACTA que acontecem hoje, e nas quais participarei (estou de saída agora). Espero encorajar o leitor a participar também:

«Negotiations around ACTA, until very late stages, took place in secret. These discussions took place between relatively wealthy nations and trade associations such as MPAA and RIAA, with the aim of creating a “gold standard” of intellectual property protection. This agreement will have implications far beyond the countries that negotiated it, which angers citizens who believed that their constitutions would protect them from such outside influence, and are naturally concerned that certain checks and balances were not part of the process.

Without input from ordinary citizens there are concerns that the agreement is not in the public interest, and instead stands to benefit MPAA and RIAA. Alarm bells concerning the blurring of the lines between copyright protection and outright censorship were raised as far back as 2010, when a representative of MPAA stated at an ACTA meeting in Mexico; "Bring in a censoring firewall to block piracy and you can use it to shut off sites that embarrass your government, like Wikileaks.
[Negrito acrescentado]


Discurso pela Igualdade

A questão do casamento homossexual é uma questão de igualdade das pessoas de diferentes orientações sexuais perante a lei.

Ao longo da história ocorreram várias batalhas pela igualdade em que não pude participar: pelo fim da escravatura, pelo voto para as mulheres, pelo fim do apartheid, etc. Ainda bem que na hora da batalha pela igualdade em que pude participar estive do lado certo.

Eis um discurso inspirador pessoal e honesto sobre esta questão, que a enquadra devidamente:


sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Revista de imprensa (10/2/2012)

  • «(...) a situação brutal com a qual os portugueses são confrontados é não só em grande parte uma escolha do primeiro-ministro, que não se coíbe de dizer e fazer repetir pelos seus álvaros que "o que estamos a fazer não fazemos porque a troika nos pede mas porque é o que queremos", como surge depois de este ter passado uma campanha a prometer o contrário e a atacar o Governo anterior por "impor demasiados sacrifícios".
    Este primeiro-ministro é a mesma pessoa que, de voz embargada, pediu "desculpa aos portugueses" por ter viabilizado medidas do Governo Sócrates que caracterizava como "muito duras" (...) que com toda a oposição chumbou o último PEC por ser "excessivamente penalizador para os portugueses" enquanto defendia que "a única saída" era o pedido de ajuda externa - e desde então nada mais faz que responsabilizar o Governo anterior por esse pedido que ele próprio tornou inevitável, usando-o como justificação para aplicar, "custe o que custar", o programa que, confessa agora, sempre foi o seu.

Acima do Parlamento e da lei?


Já sabíamos que a nova PIDE só é «fiscalizada» por quem promete ao Parlamento não a fiscalizar. Já se sabia também que no SIS e no SIED quem denuncia os crimes dos colegas é «exonerado». Isto, note-se, num serviço do governo («serviço público» é outra coisa, muito mais nobre) sustentado pelos nossos impostos. «Funcionários públicos», teoricamente, são empregados do povo. Os «informaçõezinhas» acham que cometer crimes é servir o povo.

Hoje, a senhora Presidente da Assembleia da República torceu a Constituição e o Regimento parlamentar até ao limite, com o objectivo de evitar que Passos Coelho prestasse contas perante os deputados sobre a criminalidade organizada por serviços debaixo da sua tutela directa. Como os tribunais também arrastam os pés, o que se passa é que a nova PIDE recebeu carta branca da maioria parlamentar. Quem se coloca acima do Parlamento e da Lei não acaba bem.

De chapéu na mão


Sim, é verdade. Este filme não deveria ter sido divulgado. Mas tornou-se um facto político, sendo a primeira admissão clara por responsáveis governamentais de que o programa de austeridade actual não serve e será, por muito que Gaspar o desminta, alterado. 
Entretanto, a postura paternalista de Schauble é assinalada pela imprensa alemã. A meio da conversa, até parece duvidar do «progresso substancial» que Gaspar, curvado e subserviente, reivindica. Foi a isto que chegou a «União» e o «projecto europeu».