quinta-feira, 20 de setembro de 2018

A República não pode desistir dos ciganos

Um tribunal de Portalegre decidiu que uma rapariga "cigana" podia abandonar a escola – aos 15 anos e, portanto, sem cumprir a escolaridade obrigatória. O acórdão alega o peso da "tradição" (cigana) e que a rapariga já terá as "competências escolares básicas necessárias (...) à integração social no seu meio de pertença". A decisão não é (infelizmente) inédita, e a dramática lentidão da justiça implica que dificilmente poderá ser revertida em tempo útil. Todavia, é espantoso o silêncio quase generalizado da opinião pública perante uma discriminação grave, ainda mais quando justificada por razões "culturais" ou "étnicas".

A escolaridade obrigatória não é um direito como os outros. É o direito que deve permitir às crianças emanciparem-se das limitações sociais e culturais do seu meio de origem e tornarem-se cidadãos iguais entre si. Negá-lo é impedir que venham realmente a integrar-se na sociedade e viver a plenitude das suas escolhas. É abdicar da igualdade de todos perante a lei. Além disso, contribui para que as taxas de insucesso e abandono escolar dos ciganos se mantenham mais elevadas do que a média – como acontece principalmente entre as raparigas –, prejudicando o progresso recente no acesso desta minoria ao ensino. Esta discriminação junta-se a outras da responsabilidade do Estado, como a não garantia completa de acesso à habitação social ou a manutenção de turmas e até escolas exclusivamente frequentadas por ciganos (como é o caso numa escola de Famalicão).

A segregação dos ciganos conforta preconceitos: de uma parte da sociedade maioritária, que por racismo prefere os ciganos isolados, assinalados e pobres; e de uma parte dos ciganos, que consideram a sobrevivência das suas tradições e costumes ameaçados pela maioria. Nem os preconceitos de uns nem de outros podem ser considerados numa decisão de um tribunal da República. Porque o Estado desistir de integrar os ciganos é assumir que a cidadania é de geometria variável com as culturas e tradições. E porque o direito à diferença não pode descambar em diferenças no Direito: os cidadãos portugueses ciganos têm direito a manter sem estigmatização os seus costumes e tradições que respeitem as leis gerais, mas não se pode ignorar que dentro das minorias também existe frequentemente estigmatização de quem abandona o grupo – e na cultura cigana uma menorização tradicional das mulheres.

Por entre a floresta das culturas, das tradições, das identidades e dos preconceitos, a República tem que ver cada cidadão como uma árvore que independentemente das suas raízes merece atenção para poder crescer e
frutificar.

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

O caso da juíza que acha que a escolaridade obrigatória é só para brancos

Uma juíza de Fronteira (Portalegre) decidiu que uma rapariga de quinze anos pode não ir à escola, ou seja, não cumprir a escolaridade obrigatória. A justificação é chocante: «o facto de ser “de etnia cigana, e de cumprir com as suas tradições”, leva-a “a considerar que não necessita de frequentar a escola”». Felizmente, a decisão poderá ser revertida num tribunal superior (imagino que já com o ano lectivo avançado). Entretanto, ficamos a saber que em 2018 ainda há pelo menos uma juíza que considera que a escolaridade obrigatória é só para certas «etnias». E fica uma rapariga sem ir à escola por puro preconceito racial.