O telex revelado pela Wikileaks sobre o inefável Luís Amado prova três coisas: 1) que existiam pedidos para transportar detidos ilegais através do território português; 2) que o governo português lhes respondia afirmativamente; 3) que os EUA de Bush tinham Luís Amado em muito boa conta.
Registe-se.
- «This pressure complicates the US request to repatriate Guantanamo detainees via Portugal.» (Embaixada dos EUA em Lisboa, 20/10/2006; o «pedido» é várias vezes repetido ao longo do texto, o que significa que o governo português era informado do que andavam a fazer; como aliás Ana Gomes diz há muito).
- «Amado's testimony reflects the continued political and media pressure on the GOP regarding this subject and makes the GOP's efforts to assist in repatriation of Guantanamo detainees all the more difficult. It is critical that Washington readers recognize the GOP's need to ensure that it is on solid legal ground regarding our request on detainees.» (idem; os «esforços» para «assistir» no transporte de e para a tortura são do nosso governo).
- «we believe Amado will continue to reiterate what the investigation has revealed - the government has no evidence of illegal CIA flights on/through Portuguese territory. However, Post underscores the delicate balancing act Amado is confronting in minimizing damage to his government - however unwarranted - due to the CIA Rendition investigation while trying to convince it to grant our request to repatriate Guantanamo detainees through Lajes. Right now, it would be to our advantage to stroke him a lot.» (ibidem; a embaixada dos EUA confia que Amado «continuará a reiterar o que a investigação revelou» - que se presume que não seria a verdade toda - ao mesmo tempo que espera que Amado «convença» o governo português a permitir o trânsito de vítimas de tortura; não admira que o telex termine a sugerir que se «acaricie muito» o Bem Amado).
Imagino que a linha de defesa do governo socrático, agora, seja argumentar que se tratava do «repatriamento» (regresso a casa) de vítimas de tortura, e não da «entrega» (transporte para Guantánamo). Foi isso que o artigo de ontem do Público tentou argumentar.
- «O termo “repatriamento” e o facto de este documento ser de 2006 indicam que em causa estava a saída de presos da base norte-americana de Cuba e não a sua transferência para a prisão. Em 2006 já não chegavam presos a Guantánamo.» (Público, 1/12/2010)
Se assim for, não acho que o caso melhore muito. Passa-se da cumplicidade do governo português em crimes de tortura para a cumplicidade no encobrimento de crimes de tortura. Além disso, não me parece que o texto do telex impeça que se interprete que alguns dos detidos «repatriados» para o país de origem (e.g., Afeganistão) não seriam torturados, com o conhecimento da CIA, após o regresso. Isso explicaria que continuasse a existir esta preocupação: «Portuguese law, as interpreted by the GOP (which could change), requires written assurance by the final destination country that detainees will not be tortured or receive the death penalty as well as a US guarantee that they will be treated according to internationally-recognized conventions in the destination country».
Tudo visto, há aqui muita lama. E mentiras.
Leituras complementares: «É para torturar? - Pode passar!», «"Destruímos as provas", sr. ministro?» e «Luís Amado atrapalhado».
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