terça-feira, 31 de dezembro de 2013

2013


  • Figura internacional do ano: Edward Snowden.
  • Acontecimento internacional do ano: a crise financeira.
  • Figuras nacionais do ano: os juízes do Tribunal Constitucional.
  • Acontecimento nacional do ano: a crise económica.

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Quem é de esquerda quer abolir a economia de mercado?

Muitos marxistas (e não só) implícita ou explicitamente restringem o domínio ideológico da «esquerda» à oposição à economia de mercado. Se alguém compactua, aceita, ou - pior ainda - defende a economia de mercado como alicerce das relações económicas (mesmo que depois enquadrado por leis que alteram o seu funcionamento no sentido de corrigir desigualdades, criar oportunidades, etc.), esse alguém não será «verdadeiramente» de «esquerda».

Parece-me errado definir a categoria desta forma, porque prejudica a comunicação. Se uma percentagem tão significativa das pessoas usa a palavra de forma diferente, este uso da mesma só pode criar confusão. 

Pior que isso, quem usa o termo desta forma raramente é consistente. Se só quem se opõe à economia de mercado é de esquerda, é necessário retirar a implicação imediata - os portugueses não são de esquerda.

Em Portugal, quem deseja alterar as relações económicas no sentido de acabar com a economia de mercado é uma minoria. Essa minoria pode estar certa ou errada, não pretendo discutir tal tema neste curto texto. Mas não deixa de ser uma minoria, uma minoria que ronda (e talvez nem chegue) os 20% - uma em cada cinco pessoas. A vontade da maioria dos cidadãos, a vontade «do povo», «das ruas», «dos portugueses» não é a de acabar com a economia de mercado. 
Será por ignorância? Por equívoco? Será devido à propaganda eficaz dos mais ricos ou à persuasão de políticos maliciosos que os servem? Será por conservadorismo, por medo do desconhecido? Será devido a uma natureza competitiva ou mesquinha? Ou será por bem senso? Ou será por uma percepção - intuitiva ou informada - das vantagens deste tipo de organização social? Não importa discuti-lo aqui, porque nenhuma destas justificações obsta ao facto: os cidadãos em geral e eleitores em particular, mal ou bem, não querem acabar com a economia de mercado. 

É portanto necessária alguma consistência: ou «esquerda» é uma categoria suficientemente abrangente para abarcar uma fatia muito significativa (até tendencialmente maioritária) da população (caracterizada por uma preocupação com os valores da liberdade, igualdade, fraternidade; por uma vontade de ver o poder político e económico mais distribuído, menos concentrado) - ou esquerda é uma categoria que implica a vontade de abolir a economia de mercado como alicerce das relações económicas, e é uma ideia que - correcta ou incorrecta - é minoritária, marginal, em contradição com a vontade popular. 

Concluo notando que isto não é uma especificidade portuguesa. 
No resto da Europa, por exemplo, o mesmo acontece. 

quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

Pequeninos mas orgulhosos, a progressividade do IRC

A progressividade do imposto sobre o rendimento pessoal é um valor partilhado por vários quadrantes políticos em vários países, ao ponto de estar inscrito na nossa Constituição. É o principal instrumento de redistribuição de rendimento e de combate à desigualdade.
A recente reforma do IRC introduziu, pelas mãos do PS, um princípio novo no sistema fiscal que estranhamente pouco foi discutido: a solidariedade entre empresas. Haverá agora progressividade também no IRC que taxará 17% ou 23% consoante o lucro estiver abaixo ou acima de 17 mil euros. E diga-se: o PS batalhou por uma progressividade bem maior.
Este bizarro princípio, existente apenas em alguns países, é de difícil compreensão. O Estado deve corrigir a desigualdade, inerente à economia de mercado, de rendimentos entre pessoas e assim garantir uma sociedade mais igual e garantir um mínimo de qualidade de vida a todos, mas... porquê fazer o mesmo com as empresas? Tanto mais que uma empresa não é uma entidade imutável como uma pessoa. Se tivermos uma empresa A com 200 empregados e 20 mil euros de lucros, e 10 empresas B com 20 empregados e 2 mil euros de lucro cada uma, porquê descriminar entre A e B, porquê obrigar a A a ser solidária, se os dois conjuntos de empresas contribuem exactamente o mesmo para a sociedade?
Poder-se-ia argumentar que a empresa grande pertence a um empresário abastado, e que isto diminuiria a desigualdade - mas isto não é necessariamente assim. Um "rico" pode ter várias empresas pequenas, e a grande ser possuída por várias pessoas com menor rendimento. Se realmente fosse esta a fundamentação, porque não corrigir a desigualdade de rendimentos da maneira mais clara e simples, através do IRS?
As PME's criam mais emprego? Mais uma vez isto não é necessariamente verdade, e porque não incentivar mais emprego da maneira mais directa, através da redução da TSU?
As grandes empresas pagam um IRC efectivo mais baixo? Isto é bem verdade em Portugal, mas corte-se então nas isenções que levam a essa injustiça.
As grandes empresas distorcem a concorrência? Reforce-se esse controlo.
A inovação nasce em pequenas start-ups? Subsidie-se a inovação.
Para lá de ser um soundbite demagógico do PS que quis mostrar alguma batalha "contra" a direita na reforma do IRC, esta progressividade pode ter efeitos negativos. Ao discriminar negativamente as empresas de média e grande dimensão, o Estado está a dizer que prefere um país cheio de pequenas empresas em vez de empresas maiores com um mínimo de massa crítica para exportarem e serem competitivas internacionalmente.
Desistimos de lutar pela solidariedade entre as pessoas, para ficarmos pelas empresas?

sábado, 14 de dezembro de 2013

Um castigo que passou a recompensa

  • «(...) O ministro Miguel Macedo nomeou Paulo Valente Gomes [ex-diretor nacional da PSP, que se demitiu após a manifestação das forças de segurança junto ao parlamento] para oficial de ligação do ministério da Administração Interna na embaixada portuguesa em Paris, um posto que terá sido criado propositadamente e que tem uma remuneração superior a 12 mil euros mensais, o triplo do salário que o ex-diretor nacional da PSP recebia como tal» (Expresso).
Pensei que o senhor tivesse sido forçado à demissão por ter permitido uma manifestação de indivíduos armados (logo, inconstitucional) que galgou as escadas do Parlamento. Afinal, não: vai ser recompensado por ter permitido essa manifestação. O seu sucessor na PSP ou noutra polícia que retire as devidas ilações.

Quem foi o "esquerdista" que disse isto?

«A democracia económica postula a intervenção de todos na determinação dos modos e dos objectivos de produção, o predomínio do interesse público sobre os interesses privados, a intervenção do Estado na vida económica e a propriedade colectiva de determinados sectores produtivos; pressupõe ainda a intervenção dos trabalhadores na gestão das unidades de produção. A democracia social impõe que sejam assegurados efectivamente os direitos fundamentais de todos à saúde, à habitação, ao bem-estar e à segurança social; exige a abolição das distinções entre classes sociais diversas e a redistribuição dos rendimentos, pela utilização de uma fiscalidade justa e progressiva.»


sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Ataques aos pilares da Liberdade

Não faz sentido temer que um dia mais tarde a paranóia securitária saia de controlo, e seja criada uma «polícia secreta» que, qual Stasi, invada a privacidade de todos os cidadãos, mesmo aqueles em relação aos quais não existe qualquer suspeita de actividade ilegal, apenas por razões políticas, tentando prejudicar quem defende ideias incómodas através da divulgação selectiva de informações pessoais.

Não faz sentido temer que isso aconteça «um dia», porque isso já acontece hoje. É verdade que a maior parte dos cidadãos ainda não sentem «na pele» o uso destes instrumentos. A maior parte das pessoas ainda não representa uma ameaça política significativa, não pode divulgar casos de abuso ou corrupção, e não existe razão - para já - para que estes instrumentos sejam utilizados contra uma «pessoa comum». Os cidadãos são prejudicados por esta situação, sim, mas de forma indirecta, e essa é mais difícil de identificar.

 O problema é que quando estes instrumentos forem usados para criar um clima de sufoco tal que o cidadão comum o «sente na pele», pode ser já tarde de mais para os reverter.
É por isso que esta situação me assusta tanto.



quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

A imobilidade de Frankfurt

Por vezes tem-se a ideia que o BCE tem feito muito para combater a crise, o seguinte gráfico, que mostra os activos comprados pelo BCE, o Banco of England e o FED, prova o contrário:


Ao contrário dos últimos dois, Frankfurt tem injectado muito pouco dinheiro na economia. No caso dos EUA, que já estão com um crescimento elevado, o Fed continua por enquanto a aquecer a economia comprando dívida pública. O BCE das poucas e tímidas vezes que o fez, neutralizou as compras (vendeu outros títulos para não aumentar a quantidade de moeda em circulação). A esta indolência junta-se o facto de o BCE ter subido os juros a meio da crise, agravando os efeitos da austeridade.

Mas agora junta-se outro problema mais grave, a deflação. Para lá dos problemas óbvios pelos os quais o Japão passou, os países do sul estão a passar por uma descida de preços que só agravam o problema das dívidas. A Grécia alcançou recentemente o nível record de inflação de -2,9%. A imprensa nacional foca-se nos juros nos mercados secundários, todos os dias fala-se se estamos acima ou abaixo dos 6%, mas isso é insignificante comparado com o problema da deflação. A primeira apenas afecta os novos lançamentos de dívida, a segunda afecta toda a dívida já existente. Em termos reais, o estado grego está a sofrer um aumento de 2,9% nos juros a pagar sobre toda a sua dívida, a manter-se este nível de deflação. Em Portugal o IPC está nos -0,2%, significando que o Estado português vai ter de pagar à volta de 2% a mais, em termos reais, do que aquilo que se esperava inicialmente. Mas Frankfurt não parece muito preocupada.



A Dívida, de novo



A propósito desta notícia, vale a pena relembrar alguns excelentes textos que foram sendo escritos sobre a dívida, quer neste blogue, quer noutros blogues.

O sector financeiro tem tido muito sucesso na forma como tenta influenciar o debate público a seu favor, mas a verdade é como azeite... Um dia a ignomínia das actuais políticas será tão reconhecida e consensual como hoje é evidente injustiça da prisão de Mandela (apenas uma minoria de extremistas se recusam a reconhecê-lo). 

segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

As resoluções da ONU sobre Mandela e o apartheid e a posição portuguesa

Parece que a desculpa para o vergonhoso voto de Portugal contra as resoluções da ONU sobre a África do Sul, em 1987, era Cavaco Silva primeiro ministro, reside no facto de tais resoluções não apresentarem uma renúncia explícita à luta armada, ainda mais havendo uma numerosa comunidade portuguesa no país.
Tenho pena que, no momento em que escrevo, o site das Nações Unidas que disponibiliza esta informação esteja em baixo (deve ser de tanto ter sido consultado em Portugal nos últimos dias...). Mas envolvi-me numa discussão facebookiana com o Ricardo M. Santos e alguns dos seus amigos, e nela foi-me demonstrado (com links) que houve muitas votações, mas pelo menos duas relevantes para o que está em causa.
Na primeira, Portugal vota contra um apelo à libertação de Nelson Mandela. Aqui, sim, poder-se-ia aplicar o argumento (que eu consideraria hipócrita) de a resolução não condenar a luta armada e Mandela ser considerado um "terrorista". Eu considero esta linha de pensamento vergonhosa, mas o facto é que a resolução, apesar de amplamente aprovada, teve os votos contra não só de Portugal mas também de países como a França, a República Federal da Alemanha e a Bélgica.
A segunda resolução em questão condenava o apartheid e apelava à Africa do Sul para pôr fim a este regime. É um apelo simples, transparente e cristalino. Exigir "renúncia à luta armada" para pôr fim ao apartheid é, evidentemente, legitimá-lo em certas circunstâncias. E foi essa a posição - vergonhosa - de Portugal, Reino Unido e Estados Unidos, os únicos países que votaram contra essa resolução.
O primeiro ministro de então, Cavaco Silva, sempre gostou de se comportar na política externa como um fiel servo de Margaret Thatcher. Como o atual primeiro ministro em relação a Angela Merkel.

 

sábado, 7 de dezembro de 2013

Não é uma questão de opção política: é mesmo uma questão de jornalismo!

A propósito deste artigo do Daniel Oliveira sobre mais uma manchete do Correio da Manhã (cuja leitura recomendo): para a Lúcia Gomes, mais importante do que a verdade dos factos (que é a missão do bom jornalismo) é a "opção política". Daqui devemos concluir que, se a "opção política" não for a mesma da Lúcia, valem manchetes e perseguições como as do Correio da Manhã. Significativo.

A Asfixia


Publicada na passada quinta-feira no diário As Beiras.

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Obrigado, Mandela

Se eu escolhesse quem teria sido o homem do século XX, a minha escolha seria o Nelson Mandela.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Cartel anuncia subida de preços

São empresas muito pobres, como se sabe. Não podemos mudar para a concorrência?

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

"Deveríamos nacionalizar as nossas escolas", diz o ministro da educação sueco do Partido Liberal

A Suécia, e o seu modelo de concorrência entre escolas, teve a maior queda em Matemática de todos os 65 países analisados nos exames PISA. Muito se vai falar sobre isto, e sobre os resultados de Portugal. Eu fico-me por citações da conferência de imprensa que o ministro da educação sueco, Jan Björklund do Partido Popular Liberal, deu há poucas horas:

"The downturn was expected, it's been ongoing for 20 years"

"We should have made them state-controlled schools again back in 2006 or 2007"


segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Novidades interessantes

Recentemente surgiram em Portugal dois projectos (de novos partidos) de esquerda muito diferentes, e com a ambição aparentemente paradoxal de querer «unir a esquerda»: o MAS e o LIVRE.
Numa primeira análise, estes partidos iriam dividir e enfraquecer a esquerda. Não só iriam dividir o actual eleitorado de esquerda em Portugal por mais partidos como, tendo em conta a falta de proporcionalidade do nosso sistema eleitoral, diminuir o número de deputados de esquerda na Assembleia da República.

Mas a situação da esquerda em Portugal é tal, que este desfecho parece-me improvável. O sectarismo que domina os actuais partidos com representação parlamentar cria bloqueios injustificáveis (sobre os quais muito se tem escrito neste blogue), que alienam uma fatia considerável do seu eleitorado potencial.
Estes partidos têm o potencial de ir buscar votos à abstenção, e pressionar os actuais partidos no sentido de facilitar entendimentos. Tendo ambos anunciado «unir a esquerda» como estratégia fundamental, mostram como muitos eleitores sentem um défice de participação que é muito agravado pelo sectarismo dos actuais partidos.

Pessoalmente, sinto maior afinidade ideológica com o LIVRE do que com o MAS, mas ambos os projectos me parecem promissores. Ou, melhor dizendo, necessários.
Os actuais partidos de esquerda não têm estado à altura das circunstâncias, e é urgente um terramoto no «status quo» para que surja uma hipótese de mudança mais arrojada, capaz de enfrentar os enormes desafios que a esquerda tem em frente.
Se tudo correr pelo melhor, o LIVRE e o MAS provocarão esse terramoto.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

A visão extremista do 25 de Novembro

A extrema direita e muita direita tentam promover o «25 de Novembro» de 1975 como o verdadeiro início da democracia. No outro extremo do espectro político, Raquel Varela parece, estranhamente, concordar. Eu não.

A transição para uma democracia constitucional estava garantida em 25 de Novembro de 1975. Devido a dois factores principais: o resultado das eleições de 25 de Abril de 1975 e a independência das colónias. As eleições, com a sua participação massiva e a vitória do PS com um resultado fraco do sector à sua esquerda (até inferior a votações que teria posteriormente), garantiu uma Constituição democrática (embora avançada em direitos sociais) que cortava as veleidades de «poder popular». A independência das colónias (a de Angola, duas semanas antes, a de Moçambique já fora em Junho) impedia que a extrema direita reconstituísse o poder na forma em que o tivera até 25 de Abril de 1974. Era apenas uma questão de tempo até que o poder fosse transmitido aos civis, com 25 de Novembro ou sem ele.

O argumento de Raquel Varela é que existia uma situação de «duplo poder» em Portugal antes do 25 de Novembro: «nos lugares de trabalho (comissões de trabalhadores), no espaço de moradia, na administração local e reprodução da força de trabalho (comissões de moradores) e finalmente, a partir de 1975, (...) nas Forças Armadas». Há um grande exagero. O que existia era um enorme e bem organizado poder reivindicativo em muitos sectores sociais (embora regionalmente circunscrito), mas que em todos os casos dirigia as suas reivindicações para o Estado. Mais: em Novembro de 1975, a agitação social que Raquel Varela designa por «duplo poder» persistia na Grande Lisboa e no Alentejo. No resto do país, fora derrotada e já não saía à rua (nomeadamente, no Norte e nas ilhas). Não havia «duplo poder» exercível, a não ser talvez nas Forças Armadas (e muito circunscrito a algumas unidades). E é esse o resultado principal e imediato do 25 de Novembro: terminar com a insubordinação do Copcon. Outro, mais secundário, é provar à esquerda mais radical que podia ter a rua mas que não entraria nos gabinetes do poder real. Outro ainda (o pior de todos, e que dura até hoje) é ter «guetizado» o sector político à esquerda do PS, criando o pretexto ideal (o pseudo «golpe de Estado») para este não poder exercer o poder nacional nem sequer no quadro constitucional e democrático.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Um erro fulcral de César das Neves

João César das Neves fez recentemente algumas declarações que recolheram críticas severas.
É fácil compreendê-las.

Ao dizer que é «criminoso» lutar pelo aumento do salário mínimo César das Neves não se limita a defender uma opinião controversa (a de que um ligeiro aumento do salário mínimo no contexto português resultaria num aumento do desemprego) sem dar conta dos vários economistas que fundamentam adequadamente a posição oposta - ele alega que esse suposto aumento é tão mais lesivo que quaisquer potenciais benefícios que advenham para os pobres, que o simples acto de defender o aumento do salário mínimo é claramente imoral. Com tais critérios, qualquer pessoa que tenha a convicção oposta - que pode ser até melhor fundamentada - consideraria «criminosa» a posição de César das Neves.

E creio não precisar de explicar porque é que alegar que «a maior parte dos pensionistas estão a fingir que são pobres» aparenta ser de uma insensibilidade social a roçar a psicopatia. Se dermos o benefício da dúvida a João César das Neves poderemos considerar que se equivocou, ou se exprimiu muito mal.

No entanto, poucas críticas se centraram num ponto que me parece fundamental. João César das Neves tem direito às suas opiniões, por muito extremistas e insensíveis que sejam, mas tem a obrigação moral de não cometer erros factuais grosseiros.
Tem esta obrigação como qualquer um de nós tem, mas tem-na acrescida se o assunto for económico, visto que é precisamente enquanto Professor de Economia que os factos que apresente têm credibilidade acrescida perante quem os oiça. Por outro lado, a projecção mediática que é dada à suas declarações também aumenta a obrigação moral de não espalhar factos errados.
Por fim, a gravidade moral de um erro factual grosseiro torna-se maior se este erro factual for o fundamento apresentado para as suas posições extremistas - se o suposto facto apresentado for relevante.

Acontece que João César das Neves, em defesa da sua tese sobre as consequências perversas de um aumento do salário mínimo, alega que o desemprego entre os trabalhadores não qualificados aumentou em 2 anos dos «3-4%» para os 17%. Eu não precisei de ver os números para saber que isto era um disparate. Em que universo é que há dois anos atrás o desemprego da mão de obra pouco qualificada seria tão baixo? Certamente não em Portugal! Como é que alguém, com uma mínima noção dos valores do desemprego, poderia sequer acreditar nisso?

Fui confirmar os valores. Há dois anos atrás o desemprego entre a mão de obra pouco qualificada era superior a 14%. 
João César das Neves não se enganou por 20%, 30% ou até 80%. Ele falhou por muito mais: o verdadeiro número do desemprego da mão de obra pouco qualificada há dois anos é cerca de quatro vezes superior ao valor que César das Neves lhe atribuiu.
O argumento por ele apresentado cai por terra. Pelo caminho, o equívoco a respeito do aumento do desemprego assim criado espalha-se pelas redes sociais, contribuindo para uma imagem distorcida da realidade.

«Criminoso» não será. Mas é claramente imoral.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

O Prof. Dr. César das Neves dá-me boas notícias!

A viver nos EUA, falo com a minha família em Portugal regularmente, leio os jornais e oiço os meus amigos no fabebook, e preocupo-me imenso com a situação política e económica.  Mas sem razão nenhuma, descobri hoje.  Esta manhã li que um prestigioso economista da Universidade Católica, o Prof. Dr. César das Neves, descobriu que os portugueses não são pobres: FAZEM-SE pobres para receber subsídios!  Fiquei mais descansado.

Ataques à Liberdade em Espanha

De acordo com o projecto da Lei de Segurança Cidadã, que o Governo espanhol deverá aprovar esta semana, passarão a existir multas de 600 000€ para quem:

-filmar a actuação de agentes policiais

-convocar um protesto no «Twitter» em frente ao Parlamento

Eu não quero exagerar, mas isto parecem-me passos decisivos em direcção ao fascismo, naquilo que me parece uma tendência cada vez mais acentuada e preocupante na generalidade dos países ricos e desenvolvidos.

A população vai aceitar estes ataques indiferente? 

domingo, 24 de novembro de 2013

Há 20 anos

Dias depois demitia-se um ministro - o segundo ministro da educação a demitir-se devido a manifestações em menos de dois anos. Creio que nunca mais um ministro se voltou a demitir devido a contestação nas ruas desde então. No que diz respeito a brutalidade policial pouco ou nada mudou.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

À polícia, tudo é permitido

Há duas semanas, polícias manifestaram-se nas galerias do Parlamento. Ao contrário do que é costume, quem dirigia os trabalhos não deu ordem para evacuar as galerias. Caso único.

Hoje, uma manifestação de polícias derrubou a barreira policial frente à Assembleia da República e invadiu as escadarias. Ao contrário do que é costume, não apenas a ocupação foi tolerada como não houve violência da parte da polícia de choque.

O precedente fica aberto. Se aos civis não for permitido o mesmo...

Governo de direita e extrema direita reforça poder da polícia política

Num país europeu, um governo de direita e extrema direita decidiu reforçar os poderes e privilégios da polícia política.
  1. A divulgação dos «segredos do Estado» passa a ser punida com entre três e dez anos de prisão, incluindo especificamente quando a divulgação é feita «com recurso a meios de comunicação social ou a plataformas de índole digital».
  2. O âmbito dos «segredos do Estado» amplia-se, e vai de coisas tão precisas como a identidade dos funcionários do Estado que são espiões, até coisas tão vagas como «a preservação do ambiente, a preservação e segurança dos recursos energéticos fundamentais, a preservação do potencial científico e dos recursos económicos e a defesa do património cultural».
  3. A classificação do que constitui «segredos do Estado» constitui privilégio do Primeiro Ministro (não do Presidente da República, note-se) e do chefe da polícia política.
  4. A capacidade do poder judicial de investigar matéria em «segredo de Estado» fica limitado.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Faz falta um PSOE em Portugal

O PSOE aprovou recentemente os seguintes pontos programáticos.

  1. Denúncia dos acordos com o Vaticano.
  2. Fim da «Religião e Moral» curricular no horário da escola pública.
  3. Pagamento de IMI pela ICAR em todos os edifícios que não sejam realmente necessários para o culto.
É deprimente pensar que nenhum partido em Portugal, nem «do centro» nem «do extremo», se aproxima de defender estas medidas.

O anúncio do "Livre"

Pode-se avaliar a evolução da esquerda portuguesa nos últimos quinze anos pelo anúncio de um novo partido (o Livre). A maioria dos elementos do PCP que eu conheço reage exatamente como reagiu há quinze anos atrás ao aparecimento do Bloco de Esquerda. Mas reage com tranquilidade: sabe que o Bloco de Esquerda não lhes roubou um único voto, e provavelmente o "Livre" também não roubará (poderá afetar a percentagem se for buscar votos à abstenção).
Mais curioso é verificar que a maioria dos elementos do Bloco de Esquerda que eu conheço reage exatamente como... o PCP reagiu há quinze anos atrás ao aparecimento deste partido! Mas parecem-me, no entanto, reagir com bem menos tranquilidade.

domingo, 17 de novembro de 2013

Da necessidade de "um novo agente político à esquerda"

O PCP, como escrevi no outro dia, encontra-se entalado e não sabe desentalar-se. Pode apresentar propostas, mas não faz um mínimo esforço para as ver viabilizadas.
O PS não faz um mínimo esforço para ver as suas propostas aprovadas... à esquerda. E andamos nisto.
Quando o Bloco de Esquerda surgiu, achei que poderia contribuir para desbloquear esta situação. Mas não contribuiu nada: na prática, a sua ação política em pouco ou  nada difere da do PCP.
Acresce que o Bloco de Esquerda é o único partido que apresenta propostas como a "isenção de IVA para Terapêuticas não convencionais".  Por muito justas que sejam as críticas a certas práticas da indústria farmacêutica e à mercantilização da medicina, críticas essas que serão sem dúvida subscritas por muitos médicos, a medicina é a única que oferece terapêuticas baseadas no método científico, e não é de forma alguma comparável às "medicinas" alternativas. Esta proposta do Bloco de Esquerda revela que (apesar de ter como coordenador um médico!) o partido não dá o valor devido à ciência (o texto do blogue "Linhas da Ira" que eu linco só o confirma), sendo profundamente influenciado pelas teses de Boaventura de Sousa Santos para quem a ciência é "uma construção social".
Espero que "um novo agente político à esquerda" perceba o que está em causa aqui. O Bloco de Esquerda, manifestamente (e infelizmente) não percebe.

As comadres zangaram-se

A entrevista de Fernando Moreira de Sá, cuja leitura atenta recomendo, é um dos acontecimentos políticos mais relevantes do ano. O Aventar, um coletivo de diversos autores cujo único aspeto em comum, quando foi criado, era uma oposição férrea a José Sócrates, Mário Soares e a "Lisboa", não foi contemplado com nenhuma sinecura, conforme reconhece o "consultor de comunicação" Moreira de Sá na referida entrevista que, obviamente despeitado, deu. Mas no Aventar, faça-se o que se fizer, diga-se o que se disser, desde que seja anti José Sócrates, Mário Soares e "Lisboa", tudo está bem. Tudo continua na mesma. Ou não?

terça-feira, 12 de novembro de 2013

«Passos & Portas»: um contraceptivo mais eficaz do que a peste pneumónica

A confirmarem-se as previsões de que em 2013 Portugal ficará abaixo dos 80 mil nascimentos, o governo de Passos e Portas ficará na história como aquele que mais conseguiu combater a natalidade em Portugal, sendo até mais eficaz nesse índice do que a peste pneumónica de 1918-19.

Efectivamente, se a peste pneumónica «apenas» reduziu a natalidade de uns 13% entre 1917 e 1919, Passos e Portas estão prestes a conseguir uma redução da natalidade de 20% desde que entraram em funções, um sucesso de fazer inveja aos resultados que conseguiram na despesa do Estado, no défice e nos juros da dívida.

O segredo desta tremenda queda consiste no sucesso dos Programas de Emigração Nacional, de Fuga de Imigrantes e de Depressão Económica Generalizada.

Note-se que com mais oito anos a este ritmo a natalidade nacional será reduzida a zero. Portanto, com estes senhores no governo os portugueses poderão deixar de ter esse luxo que são as crianças já em 2021.

A esquerda portuguesa continua a mesma, versão 2013

A influência de Cunhal, 100 anos depois, pode ser vista nos recentes desenvolvimentos no blogue cujo nome, apesar de tudo, não deixa de ser uma homenagem (implícita e subtil) ao líder histórico comunista. Contra os desvios esquerdistas Cunhal escreveu o célebre "Radicalismo Pequeno Burguês de Fachada Socialista" (como Lenine escrevera "A Doença Infantil do Comunismo"), de que João Vilela nos recorda um notável trecho:
«gritam contra a ‘linha justa’ (a linha do PCP) mas absolutizam a sua. Gritam contra o dogmatismo mas avançam como verdades absolutas ideias que afirmam antidogmáticas. Gritam contra a mística do Partido enquanto não conseguem criar o seu. Gritam contra os aparelhos porque não foram capazes de criar um próprio».
Compreende-se a reação a quem sistematicamente acusa o PCP de "revisionista" ou mesmo, no caso do MRPP, "social fascista". A crítica é justa (e não se aplica ao PCP). Ainda assim, se o PCP não quer ser acusado de dogmático (do outro lado), deveria deixar abertas algumas pontes.

Tomando ainda o mesmo blogue como exemplo, num outro texto o Tiago Mota Saraiva escreve:
O 5dias está a sectarizar-se e a transformar-se num instrumento político curto de quem, falando de cátedra, prima por fazer do vizinho da esquerda o seu principal inimigo.
Bem, isto mesmo poderia ter sido escrito por mim quando eu próprio saí, de minha vontade, do Cinco Dias. Não esperava que o Cinco Dias apoiasse a maioria das políticas do PS. Mas não poderia aceitar que fizesse deste partido (como fazia) o seu maior inimigo. Quem diz o Cinco Dias diz (nesse aspeto) o PCP: embora o Cinco Dias não seja (evidentemente) um blogue "do PCP", no que diz respeito às relações com o resto da esquerda (especialmente o PS) parece-se bem com o PCP.

É natural que o PCP se sinta entalado entre uma extrema esquerda que considera que o partido "traiu a revolução" ao não a levar até ao fim (e continua a traí-la quotidianamente ao pactuar com a democracia) e um PS que o acusa de estalinista. Também o PS se sente entalado entre uma esquerda (PCP e Bloco) que o acusam de estar ao serviço do capital e trair os trabalhadores e uma direita que quer acabar com o Estado Social. É natural e democrático que assim seja. Só que no caso do PCP o partido não faz ideia (e se calhar nem quer) "desentalar-se". É assim desde 1975. Para se desentalar, teria que começar por dar razão à extrema esquerda em muito do que esta o acusa (quando acusa Cunhal de ter sido "um reformista sério"). Tal implicaria perder o respeito pela sua história e dos seus aliados tradicionais? No Brasil, Lula e o PT foram capazes de se desentalarem. Não perderam nem uma coisa nem outra.

Creio que o principal problema do PCP é outro: os seus militantes até podem ser cada vez mais numerosos (em tempos de crise é normal que assim seja), mas vivem uma realidade que é só deles. Nessa realidade eles não estão (e nem nunca estiveram) "entalados", porque só eles contam. As formas de luta que defendem fazem sentido para eles, mas não para o resto da população (que muitas vezes se organiza em movimentos de que eles desconfiam). O seu mundo ainda é o mesmo dos anos 70, mas não se apercebem de que o resto do mundo mudou muito desde então, e em particular o capital efetuou e efetua novas ofensivas que requerem que se procurem novas respostas.

Enquanto o PCP não perceber isto, não poderá desentalar-se nem contribuir para desentalar a esquerda portuguesa. Esse contributo só poderá provir de um agente novo, que tenha em Portugal um papel semelhante ao de Lula no Brasil.

domingo, 10 de novembro de 2013

A minha homenagem a Álvaro Cunhal

Poderia aqui evocar mais uma vez uma vida inteira de luta, dos quais quase 40 anos de clandestindade e exílio, incluindo 15 na prisão, grande parte em isolamento total. Poderia falar no político "coerente" (é sempre isso de que se fala quando se fala em Cunhal). Poderia concentrar-me no passado. Mas interessa-me mais discutir o presente e o futuro. Porém, as contribuições de Cunhal para o nosso presente são imensas, e por isso ele deve ser recordado.
Prefiro evocar uma outra faceta, a do artista. Do criador de obras como "Até Amanhã Camaradas", o primeiro romance português cujo herói é coletivo e anónimo, neste caso os militantes clandestinos do PCP. A sua importância histórica é enorme, para quem quiser saber o que foi o fascismo em Portugal e para quem quiser entender o que foi e é o PCP.

(Ilustração de Rogério Ribeiro, retirada de O Castendo.)    

terça-feira, 5 de novembro de 2013

Somos ricos, financiemos as máfias do ensino privado secundário

A não perder esta reportagem "Verdade Inconveniente" da jornalista Ana Leal sobre o vergonhoso financiamento de colégios privados. "A liberdade causa sempre polémica", responde o ministro no final da reportagem. O crime causa sempre polémica, digo eu. 

domingo, 3 de novembro de 2013

Coligações autárquicas à esquerda e à direita

Muito se tem criticado o PCP por ter concedido pelouros aos dois vereadores eleitos pelo PSD em Loures, de forma a ter uma maioria. Pode criticar-se tal atitude, mas convém ter em vista outros aspetos.
A decisão é coerente com o modelo de gestão que o PCP defende para as autarquias, que é diferente do que defende o PS.
O PS não tem moral nenhuma para criticar o PCP em Loures, depois de se coligar com os monárquicos apoiados pelo CDS no Porto. O Bloco talvez a tenha - o Bloco julga-se com moral para criticar toda a gente. Quando o Bloco for um partido autarquicamente relevante, as suas críticas talvez possam ser levadas mais a sério.
O PCP ganhou as eleições em Loures contra o PS. Criticando a gestão anterior do PS. Seria portanto pouco expectável um entendimento PCP-PS em Loures - é natural.
 Acho pouco saudáveis estas distribuições de cargos autárquicos, e julgo que estes entendimentos (em Loures, no Porto, em outros locais) entre a esquerda e a direita que está a destruir o país são de evitar. Mas também não os excluo em casos excecionais como o Funchal (de onde de resto o PCP se excluiu).
De resto, registo com agrado a preocupação com a governabilidade que o PCP revela nas autarquias, e que o leva a procurar acordos. Só lamento que esta postura não seja a mesma na política nacional.

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

A austeridade continua a falhar redondamente, até no seu objectivo principal

Fonte: Eurostat

Não é preciso ser bom observador para se notar que os resultados positivos de 3 anos de política de austeridade orçamental na Zona Euro não existem. 
Menos discutido, por envolver menos o quotidiano, tem sido o seu objectivo número um: o alegado endividamento público excessivo. "Os estados têm dívidas enormes, é necessário poupar" dirão os Camilos Lourenços deste mundo.
Os últimos números do Eurostat - estamos a falar do 2º trimestre de 2013, não dos inícios de tal política - são bem claros. A Grécia, a Irlanda, o Chipre e a Espanha são os quatros países onde a dívida pública em % do PIB mais subiu. Portugal aparece em 6º, a Itália em 8º. A Eslovénia, a candidata ao próximo resgate aparece em 5º. A Holanda, e sua política auto-infligida de austeridade, aparece em 9º.
Não há volta a dar: são exactamente aqueles que fazem um maior esforço de poupança que têm visto a sua dívida a subir mais.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A aliança do velho clericalismo com o neoliberalismo


Já o disse e repito: nenhum governo depois do 25 de Abril foi tão fortemente apoiado pela ICAR como o actual. As razões são profundas: a ICAR compreendeu que esta crise e a destruição do Estado social são a oportunidade do século para alargar a sua influência institucional. Muito simplesmente, porque onde fechar uma escola pública abrirá um colégio católico (conferir o cheque ensino de Crato), onde fechar um hospital público abrirá um hospital da «sociedade civil» (conferir a entrega de hospitais às Misericórdias por P. Macedo), onde houver um pobre lá estará a caridade, agora sem alternativas (conferir o aumento do desemprego e a diminuição das prestações sociais, por Mota Soares).

Não é um acaso que as declarações de Policarpo e Clemente sejam programadas para acertar em momentos críticos: quando o povo saiu à rua contra a TSU, Policarpo apelou a que não se manifestassem, mas que pelo contrário se «sacrificassem»; quando o «aguenta-aguenta» de Ulrich causava escândalo, ele fez coro com o banqueiro; quando os professores abalaram Crato, Clemente apelou a que parassem com a greve, e na crise de Julho disse que «recusava» eleições e queria estabilidade. Agora, no momento de mais uma manifestação e perante as dificuldades do orçamento de 2014, Policarpo esclarece que mantém o apoio ao governo, à política de austeridade e ao empobrecimento das classes médias:
  • «Parece que ninguém sabe que Portugal está numa crise e dá a ideia que todos reagem como se o estado pudesse satisfazer as suas reivindicações (...) Não encontrei ninguém das oposições - todas elas - que apresentasse soluções».
Note-se: as reivindicações da ICAR, essas, têm sido satisfeitas. E há «oposições» que ainda lhe beijam o anel. Será que não entendem?

Lou Reed: «The Day John Kennedy Died»

Lou Reed (1942-2013)

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Sócrates: um vira-casacas ou um convertido sincero à causa dos Direitos Humanos?

Sócrates escreveu um livro contra a tortura, ao que consta. A ser verdade, acho bem. Simplesmente, acontece que este senhor ocupou o principal cargo executivo da República durante mais de seis anos (3/2005-6/2011), período que coincidiu com a ocultação de actos de tortura, e provavelmente com a sua prática. Vale a pena confrontar o Sócrates que foi «Familiar do Santo Ofício» com o Sócrates que agora se diz crítico da tortura.
  1. Circulavam pelos Açores (e outros aeroportos) aviões de Guantánamo e (menos) para Guantánamo (mas não faz muita diferença, porque a tortura não seria em Guantánamo, geralmente, mas antes ou depois). O governo português sabia, como o provaram os telegramas da Wikileaks. Luís Amado mentiu com todos os dentes quando o negou. Sócrates mentiu ao Parlamento, negando ter conhecimento dos voos (ver o vídeo). Agora, mantém que «Eu não sabia e acredito que o Ministro dos Estrangeiros também não sabia!»; mais, «[os EUA] fizeram-no abusivamente e abusando da boa-fé dos países amigos (...) os EUA enganaram muitos dos seus aliados» (Revista do Expresso, 19 de Outubro). Tão engraçado. Foi enganado pelos EUA, ou pelo sinistro Amado (nesta e noutras...)? Se quer que acreditemos nisso, esquece-se que podemos ler os boletins da embaixada dos EUA, que descrevem conversas do «bandalho» Amado com o «estupor» Sócrates sobre esses mesmos voos («the Minister said that he would push hard with the Prime Minister to allow Lajes to be used as a transit point in repatriating Guantanamo detainees», em 2006), e que garantem a autorização do próprio neo-militante anti-tortura: «Socrates agreed to allow the repatriation of enemy combatants out of Guatanamo through Lajes Air Base on a case-by-case basis» (em 2007).
  2. Às quatro da manhã de 1 de Outubro de 2006, um argelino chamado Sofiane Laib foi «expulso» de Portugal. Alegadamente, por elementos do SEF (armados!). Ou do SIS? A ordem de expulsão estava judicialmente suspensa, mas havia interesse da CIA em interrogá-lo sobre o 11 de Setembro (seria da Al-Qaeda). Foi levado para a Argélia, naquilo que pode configurar um sequestro. Ou algo mais, porque não é do conhecimento público se terá sido torturado em Argel ou Plovdiv. E Sócrates era Primeiro Ministro. Não soube de nada?
  3. Silva Carvalho (sim, o pide mais famoso depois do 25 de Abril) foi nomeado por Sócrates para liderar o SIED, em 2008. Antes de o ser, o «filho da mãe» já fazia campanha pública pela alteração da Constituição, para que as escutas ilegais passassem a ser legais (esse grande salto civilizacional). Quando o foi (até 2010), continuou a campanha. Não me recordo de o Primeiro Ministro José Sócrates ter defendido a privacidade dos cidadãos nessa época (e o SIED até dependia da Presidência do Conselho de Ministros). Mas recordo-me de um ministro chamado Alberto Costa ter apoiado essa campanha liberticida.
  4. A Lei Orgânica dos Serviços de Espionagem e Crime Organizado pelo Estado é de 2007. Está assinada por José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa. Alargou as atribuições/poderes/prerrogativas dos espiões. Aliás, o orçamento da espionagem e o número desses criminosos aumentaram imenso enquanto Sócrates era Primeiro Ministro. Ele «acreditava» que era para fazerem recortes de jornais?

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Revista de imprensa (24/10/2013)

  • «O programa cautelar consiste num tipo de assistência financeira a países que pertençam ao Mecanismo Europeu de Estabilidade (MEE), criado por Tratado Intergovernamental em 2012, e que desde 1 de julho de 2013 é o único mecanismo permanente da Zona Euro para acudir a países em dificuldades financeiras. O MEE integra também o FEEF, o anterior fundo de resgate envolvido nos programas de ajustamento da Grécia, da Irlanda e de Portugal. (...) O crédito (empréstimo, ou compra de obrigações no mercado primário) seria cedido por um ano, renovável nos dois semestres seguintes. O País teria de assinar um novo Memorando de Entendimento com a Comissão Europeia, seria submetido a uma "vigilância reforçada" por parte das autoridades europeias de supervisão, incluindo o sector bancário, teria de apresentar relatórios mensais de execução ao MEE... Só mais um detalhe. Sobre tudo isto paira a sombra de um adiado acórdão do Tribunal Constitucional...alemão. Só ele vinculará, ou não, Berlim a todo o edifício da ligação entre o MEE e o BCE, de que depende o programa cautelar. O Tribunal de Karlsruhe terá a chave da nossa possível passagem de um "protetorado" no inferno do resgate para outro no purgatório cautelar.» (Viriato Soromenho Marques)

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

Sábado, 26 de Outubro



O autor destas palavras é Warren Buffet e ele tem toda a razão. 
Os mais poderosos concentraram o seu poder, riqueza e influência nas últimas décadas, curto-circuitando a Democracia, e fazendo dos Governos seus criados. Tentam espalhar a mensagem de que não existem alternativas às políticas que os favorecem, e têm uma vitória em cada crédulo que nela acredita, em cada papagaio que a repete. 
Os grandes bancos provocaram uma crise internacional, e pagam milhões para que todos acreditem que a culpa é do estado social; eles viveram acima das nossas possibilidades, e alegam que os trabalhadores, desempregados e reformados é que têm de apertar o cinto; eles aumentam os seus lucros e o seu poder, e juram a pés juntos que têm de fechar escolas e hospitais - pois claro, os recursos são finitos e não dão para tudo. 
Cegos e desorganizados, caminhamos para um novo feudalismo, ouvimos ou repetimos as ladainhas usadas pelos poderosos para nos roubarem.

Impõe-se a dignidade da resistência. O imperativo moral de lutar pela Justiça. 

Não sei aonde é que esta manifestação vai chegar, mas sei que mas sei que levantar-me do sofá este Sábado é o mínimo que posso fazer. 
Menos que isso é conformismo, desistência, e o cinismo conveniente dos preguiçosos. 
Mais que isso, está nas nossas mãos: podemos não ter os recursos materiais e organizacionais, o tempo e a disponibilidade para enfrentar esta luta que os mais poderosos têm. Mas a história mostra que a necessidade aguça o engenho: se não desistirmos, teremos a criatividade, a iniciativa, a solidariedade, a força, os números, a convicção, a capacidade para vencer.  
Vamos transformar este mundo num lugar melhor.

Isto é só o começo. 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Criticar a Jerónimo Martins nas suas próprias barbas

Gostei da ousadia do Rui Tavares, ao denunciar a gigantesca fuga aos impostos operada pela Jerónimo Martins numa conversa organizada pela Fundação Manuel dos Santos (dirigida pela própria Jerónimo Martins). Muitos falam, falam, mas quando são convidados pela Fundação Manuel dos Santos fazem como se nada estivesse a acontecer, como se a Manuel dos Santos/Jerónimo Martins não estivesse a ir aos bolsos dos portugueses. Estou a pensar sobretudo em muita gente de esquerda.
Vivemos numa sociedade revoltada para dentro e que se deixa comprar por muito pouco. Precisamos mais desta ousadia, de boicotar as empresas que roubam os cidadãos, de gente a sair para a rua a protestar e a desobedecer pacificamente.

Quem elegeu a Comissão Europeia?

Uma organização intergovernamental de meia dúzia de países da Europa ocidental produziu um governo de facto de um continente inteiro, governo esse que não resulta de eleições e que se dá ao luxo de criticar o Tribunal Constitucional da democracia portuguesa. Há ditaduras menos subtis, é certo, mas a Comissão Europeia é talvez a maior responsável política pela crise dos últimos anos - e não a podemos sancionar em eleições.

O mundo ao contrário

Este artigo graxista do Público é uma pérola. Note-se:
  • «[Rui Moreira] enquadra-se aí, num certo pensamento republicano, numa certa tradição liberal de esquerda, setembrista e patuleia».
«Republicano», um membro da Causa Real (curiosamente, os monárquicos só reclamaram Moreira como seu no dia seguinte à eleição... talvez soubessem que antes seria prejudicial às hipóteses de eleição); «de esquerda», um homem que aceitou o apoio do CDS e de parte do PSD, e cujo pai terá sido do ELP. Até é «setembrista e patuleia»; não tarda nada, foi das FP's-25. Mais:
  • «Em 1991, aos 35 anos, decide vender as suas companhias. Não se sabe por quanto terá vendido nem quanto terá ganho. Sabe-se que foi o suficiente para manter uma vida abastada, para viajar, para abrir negócios pouco ortodoxos, como o da discoteca Pop ou para adquirir uma casa ampla e luxuosa na zona mais privilegiada da Avenida da Boavista».
Portanto, o «empresário» Rui Moreira já não o é, e há mais de vinte anos. Vendeu as lucrativas empresas que herdara da família, e vive dos rendimentos. Uau. Continuemos.
  • «Rui Moreira foi construindo lenta mas inexoravelmente uma imagem de portuense e portista culto, engagé, corajoso, informado e, à boa maneira republicana, determinado a bater-se por causas».
OK, já sabemos: é republicano. Que não haja espaço para dizer que é monárquico, isso é que é estranho. Outro assunto:
  • «(...) não eram porém meios de chegar às classes mais populares. Essa lacuna seria suprida com a entrada no painel de comentadores do programa da RTP-N Trio de Ataque, no qual Rui Moreira defenderia o FC Porto face ao benfiquista António Pedro Vasconcelos e ao sportinguista Rui Oliveira e Costa».
É também para isso que serve o futebol, está certo. Que Moreira não se demarque dos aspectos mafiosos do futebol, enfim, iria estragar a aproximação às «classes populares». Fica claro o retrato, de qualquer modo.

terça-feira, 15 de outubro de 2013

A quadrilha da Tecnoforma reforça governo


Saiu Miguel Relvas entra Paulo Pereira Coelho. A quadrilha da Tecnoforma continua bem representada no governo. 
Para quem não sabe Paulo Pereira Coelho foi membro da direção da JSD juntamente com Miguel Relvas e Passos Coelho. Foi também presidente da Comissão de Coordenação Regional do Centro até 2004 e gestor do Programa Foral na Região Centro tendo selecionado e aprovado o financiamento da Tecnoforma gerida por Passos Coelho. Este financiamento está atualmente a ser investigado pela União Europeia. Pereira Coelho adjudicou ainda em 2004 um contrato de mais de 700 mil euros à empresa GPS, à qual se ligaria um ano depois. Em 2008 foi constituído arguido por crime de participação económica no projeto do Galante na Figueira da Foz. Em 2009, no âmbito do negócio do Edifício de Coimbra foi investigado por depósitos de 75 mil euros, em numerário, na conta de uma empresa sua. Pelo meio há contas muito mal explicadas sobre os milhões executados no âmbito do programa Lusitanea.
Segundo o Diário da República, Pereira Coelho não será remunerado. Veio-me uma lágrima ao canto do olho. Nem que ele pagasse para trabalhar, da mesma forma que Bernard Madoff não deveria trabalhar para a Reserva Federal dos EUA nem que pagasse milhões.
Se tivéssemos um presidente que presidisse isto dava direito a demissão do Primeiro Ministro.

sábado, 12 de outubro de 2013

Uma lei bem intencionada, mas muito mal escrita

Refiro-me à lei da limitação de mandatos, claro. As discussões sobre se se referia a presidentes "da" câmara ou presidentes "de" câmara merece ficar no anedotário.
Da minha parte, sou totalmente favorável à lei em si, na interpretação que o TC lhe deu. Tratando-se de um presidente que após três mandatos se candidata a outro município, a minha posição depende do caso. Genericamente não acho que deva ser proibido, embora acho que devesse ser nos casos de Luís Filipe Meneses e do seu delfim Ribau Esteves. Talvez devesse ser proibido dentro de municípios da mesma Junta Metropolitana (casos de Porto e Gaia, de Meneses) ou Comunidade Intermunicipal (casos de Ílhavo e Aveiro, de Ribau - que já era presidente dessa mesma Comunidade). Municípios vizinhos, portanto. Mas se se possibilitar candidaturas em Comunidades Municipais deiferentes, temos os candidatos "pára-quedistas", como Moita Flores (de Santarém para Oeiras) ou o senhor do Prós e Contras-de-cujo-nome-não-me-recordo, das Caldas da Rainha para Loures. Essa solução não me parece desejável, mas tenho dúvidas de que devesse ser proibida.
Muito mais obviamente para mim deveriam ser proibidas situações como a de Ferreira de Aves, onde a mulher conquistou a junta de freguesia e renunciou pelo marido (que vinha a seguir na lista), ou Elvas (onde o presidente da câmara em exercício se candidatou ao cargo de vereador, mesmo não estando previsto o cabeça de lista renunciar). Um presidente em final de três mandatos não deve poder voltar a pertencer ao executivo no mandato seguinte, seja como presidente ou vereador, seja numa junta ou câmara. O facto de a lei não prever esta possibilidade demonstra que é claramente defeituosa, devendo ser revista em breve.

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

A (luta pela) boa educação


A entrevista de Malala Yousafzaï - que hoje ganhou o Prémio Sakharov - a John Stewart, terça-feira passada.

A má educação

Imagine-se uma escola que garante «um rácio de cinco alunos/professor e 247 funcionários, assim como "piscina coberta, pista de atletismo, campo de futebol de 11 relvado, pista para aeromodelismo, tanques para remo, sala de esgrima, picadeiro (coberto e descoberto) e cavalariças"» (no fundo, um colégio de luxo, que evidentemente selecciona alunos na admissão e até os segrega pelo sexo). Apesar destas condições paradisíacas, os castigos físicos e os abusos de mais velhos sobre mais novos parecem ser não apenas comuns como instituídos e recomendados pela hierarquia paramilitar da escola. Apesar de 600 punições por ano num universo de 400 alunos, os abusos continuam, geração após geração na «lei do silêncio».
Uma escola destas, se fosse privada, seria fechada pela Segurança Social por causa da cultura de abusos prevalecente. No entanto, é estatal: é o Colégio Militar. Esta escola é paga com os nossos impostos.

quarta-feira, 9 de outubro de 2013

2+2=4

Não surpreende ninguém que a associação fascizante OSCOT defenda que não pode haver manifestações políticas na Ponte 25 de Abril: alguém viu, uma vez que fosse, esse grupo neofascista defender alguma liberdade?

sábado, 5 de outubro de 2013

República

5 de Outubro de 1910: quando o povo conquistou o poder, neste local.
5 de Outubro de 2013: quando o poder se fechou do povo, no mesmo local.

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

Braga

Ainda me lembro de uma rubrica da revista de sábado do Diário de Notícias e do Jornal de Notícias, onde era relatado o modo como os convidados se entretinham: o seu programa favorito de fim de semana. Era uma entrevista temática, disfarçada. Houve vários convidados de Lisboa e do Porto que levaram a revista a museus, espetáculos, jardins, bares noturnos... Um dia, o entrevistado foi o então presidente da Câmara de Braga. O seu entretenimento favorito era passar as tardes de fim de semana a jogar à sueca com os amigos, num restaurante perto do Bom Jesus.
Lembrei-me dessa rubrica ao ler este texto no facebook de Luís Tarroso Gomes:

"Mesquita Machado não foi um visionário. Entretido nos tempos livres a jogar à sueca, nunca quis saber de todas as outras cidades que nos poderiam ter servido de inspiração e é sintomático que se gabasse de passar férias em Braga. Como é visível numa simples volta de carro, Braga cresceu à toa sem qualquer preocupação de articulação com a velha cidade. Expandiu-se pelas quintas que se iam desmantelando e que um pequeno grupo de empreiteiros em ascensão havia comprado, certamente longe de imaginar que em breve o PDM alteraria a sua classificação para solo urbanizável. E cresceu sem futuro porque Mesquita Machado nunca quis nada com os académicos e os notáveis, rodeando-se sempre de gente sem grande mérito, talvez com medo que lhe tomassem o lugar. Mesquita Machado foi, no entanto, um político hábil: soube sempre calcular o preço dos que lhe faziam frente e, em vez de os ostracizar, contratava-os. A Câmara, as empresas e os serviços municipais funcionaram como uma espécie de cadeia perpétua para os seus opositores, que lhe permitiram também criar uma enorme rede que prendeu milhares de famílias a empregos municipais, assegurando as sucessivas reeleições. Nos últimos meses o desespero da saída e da crise levou a decisões que visam às claras dar apoio a privados e até a familiares em prejuízo do interesse público. Mesquita Machado, como todos aqueles que não sabem deixar o poder, sai, forçado, pela porta dos fundos." 

Mesquita Machado gaba-se de, quando chegou ao poder, ter encontrado uma cidade primitiva, onde escolas partilhavam espaço com currais. Isto poderia ser verdade há 37 anos. Hoje já não é. É possível que Mesquita Machado fosse um bom presidente há 37, há 30, mesmo até há 20 anos. Hoje, claramente não era. Não se soube afastar e teve de ser afastado.

Os pormenores e responsabilidades da sua gestão serão revelados, espero eu, após a auditoria que espero que seja feita à Câmara. Independentemente disso, para mim Mesquita Machado era um homem que se entretinha a jogar sueca e que se gabava de nunca sair de Braga. Os seus defeitos como autarca podem ser resumidos nisto.

Porto

Lamento o vencedor da eleição para a Câmara Municipal do Porto: parece-me um tipo com um discurso tão oco como o seu slogan. Slogan, aliás, tipicamente monárquico: "o nosso partido é o Porto". Coloca-se acima da disputa partidária... como um rei. Regozijo-me por os portuenses terem rejeitado o populismo de Luís Filipe Meneses, mas lamento a alternativa em que confiaram. Se bem que o apoio implícito do anterior presidente (vários membros do seu staff pertenciam à lista vencedora de Rui Moreira) justifica muita coisa.

Para o que eu não encontro justificação é para o PS ter perdido esta oportunidade de ouro, através da divisão do eleitorado de direita que as candidaturas de Moreira e Meneses significavam. Manuel Pizarro pode ser sério e competente (acredito que sim), mas parece-me não ter grande carisma. Compare-se com o caso de Sintra: o PS apostou num político conhecido nacionalmente (com todos os seus defeitos...) e ganhou. Poderia ter sucedido o mesmo no Porto.

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

A abstenção, agora sem percentagens

A maneira mais eficaz de comparar a participação eleitoral em anos diferentes é simplesmente contar quantos cidadãos votaram. A «taxa de abstenção» só baralha, porque é uma percentagem inflacionada pelos «eleitores-fantasma».

Os dados brutos da participação eleitoral são os do quadro seguinte (via Pordata).

     AnoInscritos      Votantes
     19766.460.5284.170.494
 19796.761.7514.987.734
 19827.185.2845.131.483
 19857.593.9684.852.563
 19898.121.0454.946.196
 19938.530.2975.408.119
 19978.922.1825.362.609
 20018.738.9065.254.180
 20058.840.2235.390.571
 20099.377.3435.533.824
 20139.497.3034.995.174

Note-se que houve efectivamente menos meio milhão de votantes entre 2009 e 2013, mas que 2009 também foi o ano em que mais cidadãos votaram nas autárquicas em toda a história da 2ª República. Mais: em 1985 e 1989 votaram ainda menos cidadãos do que domingo passado. A participação eleitoral, em dez autárquicas (1976 foi uma excepção), oscilou sempre «apenas» entre 4,85 milhões e 5,4 milhões de votantes. O que faz realmente «subir a abstenção taxa de abstenção» no longo prazo (ver o gráfico), é o aumento (quase) contínuo no número de inscritos, que só baixou em 1998 (revisão Guterres dos cadernos eleitorais). Entre 2005 e 2009, a abstenção fictícia (devida aos eleitores fantasma) subiu espectacularmente* (com a participação efectiva... a subir). O que me faz desconfiar que a grande «fábrica do abstencionismo» mais recente se chama... Cartão do Cidadão.