A corrupção será um problema especialmente grave em Portugal, a comparar com outros países desenvolvidos? Talvez seja.
Os
dados relativos à "percepção da corrupção" por parte dos portugueses colocam Portugal em posição de destaque face aos outros países da OCDE, mas existem vários casos onde a percepção dos portugueses está muito deslocada da realidade. No entanto, existem outros dados que parecem confirmar esta percepção, desde inquéritos a investidores que investem fora do seu país, ou
outros inquéritos relativos à percepção externa do país, passando por
índices relativos às práticas empresariais. Infelizmente, no entanto, é impossível ter dados mais objectivos sobre um fenómeno tão difícil de definir como «a corrupção».
Existem estudos que demonstram que Portugal tem níveis reduzidos de «pequena corrupção» (de acordo
com os inquéritos, o número de pessoas que pagaram um suborno na sua relação com os poderes públicos é muito baixo) pelo que a existir um problema seria sempre com a «grande corrupção» (ao nível das altas esferas). A reduzida taxa de acusações e condenações (
exemplo) tanto pode ser interpretada como um sinal da impunidade prevalecente e disfuncionalidade do nosso sistema de Justiça, como da relativa menor prevalência deste tipo de crime. Por muito risível que esta segunda interpretação pareça (como certamente me parece) a verdade é que neste domínio não existem provas inequívocas de que Portugal esteja numa situação mais grave que outros países desenvolvidos. Existem indícios fortes, e já não é pouco.
Mas mesmo que a situação de Portugal não fosse atípica a comparar com a de outros países desenvolvidos, ela não deixaria de ser grave. Uma
ameaça séria à Democracia é promiscuidade entre poder político e poder económico, e Portugal
tem-
na em abundância. É normal que essa promiscuidade seja campo fértil para a corrupção, e
indícios não faltam.
Na verdade,
dificilmente a importância da luta contra a corrupção para o desenvolvimento pode ser sobrestimada.
E - reforço - o desenvolvimento económico e social não é a única vítima da corrupção, a preservação de um ambiente justo e livre, essenciais para a saúde da Democracia, estão também em causa. Luís de Sousa
alerta:
«Os dados falam por si. Embora a democracia não esteja em risco de desconsolidação, a sua legitimidade tem sido seriamente questionada. Os níveis de insatisfação ascendem a dois terços da população e o apoio à democracia enquanto sistema de governo capaz de solucionar os problemas dos cidadãos e proporcionar-lhes qualidade de vida desceu de 81% em 1999 para apenas 56% em 2011.»
Nesse sentido, parece-me muito mais razoável ver este problema como prioritário, do que considerar «populista» quem assim pensa. Com todo o respeito pelo
Ricardo Alves, aquilo que escreveu no
texto anterior revela, a meu ver, uma condescendência perigosa, e uma alienação face a riscos reais (quase que lembra a nossa outra
eterna polémica a respeito do aquecimento global).
Confesso que evito o termo populista, por não gostar da conotação negativa associada à popularidade de uma ideia. É verdade que existem
inúmeras ideias «populares» e erradas, mas o insulto «populista» escusa-se a explicar o erro de uma ideia, como se a sua popularidade fosse evidência suficiente do seu erro. Se isso é grave do ponto de vista intelectual num debate puro de ideias, mais grave ainda é no contexto da discussão política numa Democracia que se quer saudável.
Por outro lado, não é verdade que os partidos existentes pouco possam fazer. Pelo contrário, é notável o
pouco que têm feito. A este respeito, quando os portugueses se confrontam com os partidos com representação parlamentar, encontram três partidos que criaram em conjunto o actual problema, e são os menos interessados em resolvê-lo; e dois partidos que, devido às suas convicções marxistas, consideram que medidas eficazes na luta contra «a batota» só vão fortalecer as regras de um jogo ele próprio corrupto - o capitalismo.
Claro que existe um défice de representação, mas
há muito a fazer para resolvê-lo.
Por fim, é verdade que muito do eleitorado que prioriza a corrupção está despolitizado. Este eleitorado é parte daquele que se tem afastado cada vez mais da vida política. Em grande medida corresponde a uma grande fatia das pessoas que fez os 18 anos nos anos 80 ou depois, e que portanto nunca chegou sequer a estar envolvido.
Esse alheamento é pouco saudável, e é alimentado quer pela
condescendência com que são tantas vezes encarados por outros mais envolvidos, quer pela demagogia dos Marinhos e Pintos deste mundo que puxam pelo seu entusiasmo para depois os desiludirem com propostas vazias, e desrespeito pelas suas promessas impossíveis.
Parece evidente que preservar a Democracia passa por combater o afastamento de uma fatia cada vez maior do eleitorado. Mas para as forças progressistas, o combate a esse afastamento pode ser muito profícuo.
A partir do momento que se respeita a importância dada à questão da corrupção, é fácil verificar a
relação estreita entre corrupção e desigualdade, com vias causais de parte a parte (corrupção causa desigualdade,
desigualdade causa corrupção).
Se a isto juntarmos a
prevalência da noção de que as actuais desigualdades são excessivas, parece claro que alguma humildade e disposição para trazer os menos politizados para a política além de ser essencial para preservar o regime democrático e todas as suas liberdades, também pode fortalecer as forças progressistas.