quarta-feira, 22 de abril de 2015

O "voto de apesar" de Passos Coelho e o PS

A patetice dita por Aguiar Branco aquando da morte no mesmo dia de Manoel de Oliveira e Silva Lopes não passa disso: uma patetice sem importância. Criticável num político experiente, mas sem grande significado.
O "voto de apesar", como alguém muito bem lhe chamou, de Passos Coelho sobre a morte de Mariano Gago não é nenhuma gafe. É Passos Coelho autêntico e genuíno. O mesmo que acha que "uma enxada fica tão bem" aos desempregados, e que o povo português é "piegas". É o Passos de sempre. Nunca enganou ninguém. Em 2011 ainda havia uma vontade do povo de inverter o ciclo político, mas em 2015, se o PS for competente, só quem partilha estas ideias de Passos votará no PSD. É o que tiver que ser. As próximas eleições não vão ser ganhas ao centro (já as de 2011 não foram). É preciso que o PS compreenda isto. António José Seguro nunca compreendeu, e uma boa parte do PS nunca compreenderá.

terça-feira, 21 de abril de 2015

Mariano Gago nunca foi unânime

Antes de ser ministro, Mariano Gago foi o principal responsável pela adesão de Portugal ao CERN - a primeira organização científica internacional a que Portugal aderiu, em 1986. É importante referir que Mariano Gago teve a oposição de muitos velhos do Restelo instalados nas universidades portuguesas (alguns da sua geração). Ainda hoje muita gente é contra a adesão de Portugal ao CERN, que vêm como um "investimento sem retorno". Bem como todo o investimento em investigação pura (e bem os ouvimos falar na "falta de retorno económico" da investigação nos últimos anos). Numa altura em que se irão suceder homenagens, não pensemos com isto que o Mariano Gago era um homem unânime. Não era. Mas creio que a maioria da população que apoiava a sua obra era tão grande que podemos chamar mesmo "velhos do Restelo" aos opositores.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Valeu a pena, pois com certeza

Em nome pessoal, em nome de muitos dos membros deste blogue, em nome do país, obrigado por tudo, Zé Mariano.

quinta-feira, 16 de abril de 2015

Significado de «populismo»

No meu dicionário político, «populismo» é prometer algo que é universalmente desejado mas inalcançável (e portanto não anda muito longe de «demagogia»). Por exemplo: prometer acabar com os homicídios e as violações. Todos os cidadãos o querem, não houve na história humana nenhuma sociedade que o conseguisse. E se houvesse alguma iniciativa legislativa garantidamente 100% eficaz, com certeza já alguém a teria proposto. Com a corrupção passa-se o mesmo se nos restringirmos ao sentido exacto e legal desse crime. O problema é que o uso indiscriminado (e popular) do termo «corrupção» para exprimir nojo pelos políticos ou por quem tem dinheiro baralha frequentemente a discussão.

António Costa na CML: três críticas e uma apreciação

Há pelo menos três opções que a equipa de António Costa tomou à frente da Câmara Municipal de Lisboa que merecem da minha parte algumas críticas. Não sou necessariamente contra estas opções (pelo menos as duas primeiras), mas acho que podem ser melhoradas.

A primeira é a recolha de lixo. A recolha porta a porta de lixo reciclável, com um contentor de cada tipo em cada prédio, pode ser muito mais eficiente (admito que se recolha mais lixo assim). Pode parecer muito mais confortável... para os moradores. Para os produtores de lixo doméstico. Mas nem todo o lixo é doméstico. Se eu, lisboeta, levar comigo um jornal que queira deitar fora depois de ler ou um pacote de sumo que queira deitar fora depois de beber, terei que os conservar comigo até chegar a casa, pois os espaços para recolher estes lixos recicláveis na rua praticamente não existem mais (só os de vidros). Admito que o seu número pudesse ser diminuído, mas eliminá-los completamente não me parece uma boa ideia.

A segunda é as restrições à circulação automóvel de veículos antigos. Não ponho em causa as restrições que devem ser feitas na circulação automóvel, neste caso por causa da poluição (há inclusivé outros motivos para estas restrições). Mas, do modo como estão feitas, penalizam quem opta por não andar sempre a trocar de carro, por motivos económicos (sim!) e não só. Se um carro não está obsoleto, não deve ir para a sucata: trocar frequentemente de carro tem enormes custos económicos e ambientais para a sociedade. Mas estas restrições, da forma que são feitas, é isso que estimulam. Seria muito mais eficaz ecologicamente e socialmente muito mais justo se as restrições fossem no número de passageiros. Um carro antigo com três passageiros polui muito menos que três, ou mesmo dois, novos, só com um passageiro. Em lugar de restringir a idade dos veículos, proponho que se passe a impor um número mínimo de ocupantes, que podem ser dois ou, nalguns pontos, mesmo três passageiros. Qualquer que seja a idade do veículo.

A terceira é delicada e fraturante. A calçada portuguesa faz parte do património histórico de Lisboa. Aceito que possa ser perigosamente escorregadia em zonas mais inclinadas da cidade. Mas é a própria Câmara Municipal de Lisboa, a propósito da (justa) promoção do uso da bicicleta, que tem afirmado (e é verdade) que na maior parte da cidade de Lisboa, fora do centro histórico, o relevo não é muito inclinado. Logo, a calçada portuguesa deveria ser a regra do pavimento em Lisboa. Ouvindo argumentos camarários a justificarem a sua remoção, parece que a calçada portuguesa deveria ser a exceção! A isto acresce que a calçada, nos pontos onde deva ser removida, deve ser substituída por uma sua imitação que não destoe, de forma a que continue a ser identificada como o pavimento de Lisboa. Algo como mosaicos de maiores dimensões, que podem ser vistos por exemplo em pavimentos no Porto e em Braga. Parece que é intenção da Junta de Campolide substituir a calçada portuguesa por um piso liso, tendo para isso organizado um arremedo de um referendo! Espero que essa intenção não vá avante e que se encontre uma solução que não ponha em causa a segurança das pessoas nas ruas mais inclinadas nem a estética do pavimento.

Aproveito a este respeito para mencionar o trabalho meritório de rebaixamento dos passeios junto aos cruzamentos que tem sido feito por este executivo, corrigindo um mal de décadas na cidade que tornava muito difícil atravessar as ruas a pessoas com dificuldades de locomoção e a portadores de grandes volumes. Esta situação ainda não está corrigida em todas as ruas, mas já o foi nas principais artérias. É um exemplo de um trabalho discreto,  que não vem nos jornais mas que melhora a vida de muita gente. Como muitas outras medidas deste executivo, que não são recordadas nem se discutem mas melhoraram muito a cidade: o melhor exemplo é talvez a retirada dos esgotos do Tejo. Globalmente o meu balanço destes mandatos é muito positivo - o balanço mais positivo de todos os presidentes de Câmara de Lisboa de que me recordo. Espero que o sucessor continue o bom trabalho e (re)considere os pontos que referi.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

A corrupção é um problema importante

A corrupção será um problema especialmente grave em Portugal, a comparar com outros países desenvolvidos? Talvez seja.
Os dados relativos à "percepção da corrupção" por parte dos portugueses colocam Portugal em posição de destaque face aos outros países da OCDE, mas existem vários casos onde a percepção dos portugueses está muito deslocada da realidade. No entanto, existem outros dados que parecem confirmar esta percepção, desde inquéritos a investidores que investem fora do seu país, ou outros inquéritos relativos à percepção externa do país, passando por índices relativos às práticas empresariais. Infelizmente, no entanto, é impossível ter dados mais objectivos sobre um fenómeno tão difícil de definir como «a corrupção».
Existem estudos que demonstram que Portugal tem níveis reduzidos de «pequena corrupção» (de acordo com os inquéritos, o número de pessoas que pagaram um suborno na sua relação com os poderes públicos é muito baixo) pelo que a existir um problema seria sempre com a «grande corrupção» (ao nível das altas esferas). A reduzida taxa de acusações e condenações (exemplo)  tanto pode ser interpretada como um sinal da impunidade prevalecente e disfuncionalidade do nosso sistema de Justiça, como da relativa menor prevalência deste tipo de crime. Por muito risível que esta segunda interpretação pareça (como certamente me parece) a verdade é que neste domínio não existem provas inequívocas de que Portugal esteja numa situação mais grave que outros países desenvolvidos. Existem indícios fortes, e já não é pouco.

Mas mesmo que a situação de Portugal não fosse atípica a comparar com a de outros países desenvolvidos, ela não deixaria de ser grave. Uma ameaça séria à Democracia é promiscuidade entre poder político e poder económico, e Portugal tem-na em abundância. É normal que essa promiscuidade seja campo fértil para a corrupção, e indícios não faltam.
Na verdade, dificilmente a importância da luta contra a corrupção para o desenvolvimento pode ser sobrestimada.
E - reforço - o desenvolvimento económico e social não é a única vítima da corrupção, a preservação de um ambiente justo e livre, essenciais para a saúde da Democracia, estão também em causa. Luís de Sousa alerta:

«Os dados falam por si. Embora a democracia não esteja em risco de desconsolidação, a sua legitimidade tem sido seriamente questionada. Os níveis de insatisfação ascendem a dois terços da população e o apoio à democracia enquanto sistema de governo capaz de solucionar os problemas dos cidadãos e proporcionar-lhes qualidade de vida desceu de 81% em 1999 para apenas 56% em 2011.»

Nesse sentido, parece-me muito mais razoável ver este problema como prioritário, do que considerar «populista» quem assim pensa. Com todo o respeito pelo Ricardo Alves, aquilo que escreveu no texto anterior revela, a meu ver, uma condescendência perigosa, e uma alienação face a riscos reais (quase que lembra a nossa outra eterna polémica a respeito do aquecimento global).

Confesso que evito o termo populista, por não gostar da conotação negativa associada à popularidade de uma ideia. É verdade que existem inúmeras ideias «populares» e erradas, mas o insulto «populista» escusa-se a explicar o erro de uma ideia, como se a sua popularidade fosse evidência suficiente do seu erro. Se isso é grave do ponto de vista intelectual num debate puro de ideias, mais grave ainda é no contexto da discussão política numa Democracia que se quer saudável.

Por outro lado, não é verdade que os partidos existentes pouco possam fazer. Pelo contrário, é notável o pouco que têm feito. A este respeito, quando os portugueses se confrontam com os partidos com representação parlamentar, encontram três partidos que criaram em conjunto o actual problema, e são os menos interessados em resolvê-lo; e dois partidos que, devido às suas convicções marxistas, consideram que medidas eficazes na luta contra «a batota» só vão fortalecer as regras de um jogo ele próprio corrupto - o capitalismo.
Claro que existe um défice de representação, mas há muito a fazer para resolvê-lo.

Por fim, é verdade que muito do eleitorado que prioriza a corrupção está despolitizado. Este eleitorado é parte daquele que se tem afastado cada vez mais da vida política. Em grande medida corresponde a uma grande fatia das pessoas que fez os 18 anos nos anos 80 ou depois, e que portanto nunca chegou sequer a estar envolvido.
Esse alheamento é pouco saudável, e é alimentado quer pela condescendência com que são tantas vezes encarados por outros mais envolvidos, quer pela demagogia dos Marinhos e Pintos deste mundo que puxam pelo seu entusiasmo para depois os desiludirem com propostas vazias, e desrespeito pelas suas promessas impossíveis.

Parece evidente que preservar a Democracia passa por combater o afastamento de uma fatia cada vez maior do eleitorado. Mas para as forças progressistas, o combate a esse afastamento pode ser muito profícuo.
A partir do momento que se respeita a importância dada à questão da corrupção, é fácil verificar a relação estreita entre corrupção e desigualdade, com vias causais de parte a parte (corrupção causa desigualdade, desigualdade causa corrupção).




Se a isto juntarmos a prevalência da noção de que as actuais desigualdades são excessivas, parece claro que alguma humildade e disposição para trazer os menos politizados para a política além de ser essencial para preservar o regime democrático e todas as suas liberdades, também pode fortalecer as forças progressistas.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

O populismo: um novo campo político?


Nos cenários, contas e previsões para as próximas legislativas, e particularmente para a eleição presidencial, há um factor que falta em muitas análises: o voto populista.

Na eleição presidencial de 2011, 580 mil cidadãos votaram em Fernando Nobre e 190 mil em José Manuel Coelho, cerca de 18,6% dos votos. À época, muitos não entenderam a novidade do facto, mas houvera quase tantos votantes no segundo candidato mais votado quanto em dois candidatos que escapavam à lógica esquerda/direita e que correspondiam a um sentimento populista, anti-partidos ou até anti-sistema. Nas europeias de Maio passado, a candidatura de Marinho e Pinto teve 7% (230 mil votos), corporizando um fenómeno semelhante. É portanto natural que nas legislativas, e principalmente na eleição presidencial, o habitual jogo de cálculos esquerda/direita e centro/extremos seja perturbado por este novo campo político.

Em comum, os candidatos populistas têm a priorização do «combate à corrupção», indesligável do apelo ao «cidadão comum» (inevitavelmente «honesto» e «decente») contra a «classe política», a «dinastia», os «corruptos» ou a «casta» (uma massa indistinta culpada de todos os males, incluindo a crise financeira internacional) e uma desideologização aparente que os leva até a rejeitar (mais ou menos explicitamente conforme os casos) a distinção esquerda/direita. Em comum, também, necessitam de uma liderança carismática e sonora (de preferência vinda «de fora» da política). O mais grave é não terem qualquer solução a apresentar para os problemas que apontam (e até os poderem agravar, como o mostra o desprezo com que Marinho e Pinto trata o seu mandato no Parlamento Europeu).

Os partidos já existentes pouco podem fazer: este protesto é contra todos eles (tenham estado no poder ou não), contra a ideologia, contra a corrupção enquanto «percepção difusa» e não enquanto crime concreto, e o eleitorado populista só vota em quem coloca a corrupção não em primeiro mas em único destaque do seu programa. Mas, dadas as contradições do próprio fenómeno com as expectativas que cria, é bem provável que o resultado de cada candidato populista dificilmente se repita, e que portanto cada eleição queime um ou dois destes personagens. O que não significa que este eleitorado não cresça.

terça-feira, 7 de abril de 2015

Na FCT nem tudo são "erros informáticos"

Sobre a demissão de Miguel Seabra, é pena por um lado - seria um prazer demiti-lo por incompetência. Obrigado ao Público - à Teresa Firmino, ao Samuel Silva: quem mais denunciou, sempre no papel de jornalistas, a incompetência desta gente. O único órgão de comunicação social que o fez. Obrigado ao Sindicato dos Professores da Zona Centro e aos centros de investigação da UTAD e da Universidade do Minho - o CMAT - que não desistiram de levar este processo aos tribunais.
Isto é muito mais que um processo político - é uma questão de incompetência. Toda esta política de cortes poderia ter sido levada a cabo - não deveria, mas poderia. Por sacanas a sério. Estes tipos, mais do que sacanas, são incompetentes. E é isto, só isto, que o Público tem vindo quotidianamente a noticiar. Trapalhadas sucessivas. Uma política errática. Ambiguidades e incongruências, exceto no único objetivo: o corte cego. A "poda", como alguém lhe chamou.
Não agradeço obviamente a quem andou com este ministro ao colo até ao dia em que o seu centro de investigação não teve financiamento, e só então se lembrou de começar a barafustar. A quem a carapuça servir que a enfie.
Finalmente - como disse, trata-se sobretudo de uma questão de competência. Mas obviamente também é uma questão política. Este governo começou a cair hoje.

Os "comentários" de Marcelo mais uma vez

Ainda só há um candidato declarado à Presidência da República, pelo que para já não faço mais comentários sobre este assunto. A propósito desta notícia, lanço somente uma questão: até quando Marcelo Rebelo de Sousa vai continuar a comentar, semanalmente e em sinal aberto, um processo político em que ele é - diretamente - parte interessada?

domingo, 5 de abril de 2015

As mulheres, os partidos e o estado


 As experiências de Milgram foram experiências polémicas em que os sujeitos infligiam choques elétricos (falsos, mas eles desconheciam-no) a mando do experimentador, a um “sujeito cobaia”, que fingia sofrer em resposta. Estas experiências são conhecidas por terem demonstrado o que os psicólogos sociais designam por situacionismo, a ideia de que o comportamento dos indivíduos é determinado em grande parte pelo que se passa à sua volta.

Emmy Noether
A este propósito lembro-me de uma experiência que tive há anos, enquanto estudante de Física habituada a teoremas, teorias e afins, conhecidos pelos nomes de quem os provou. Quando dei de caras pela primeira vez com o teorema de Noether, "um dos teoremas matemáticos mais importantes já provados de entre os que guiaram o desenvolvimento da física moderna”, não me passou pela cabeça que Noether fosse uma mulher. Poder-se-á argumentar que os teoremas não têm sexo e que seria normal que tal ideia -  a de Noether poder ser uma mulher -  nascida há 133 anos, à em data que escrevo, não me ocorresse. Seria justo o argumento, se o facto de Noether se chamar “Amalie Emmy“ e não “Max” ou “Albert” não me tivesse surpreendido. É que estava habituada a que os teoremas tivessem sido desenvolvidos por homens!

Em Portugal a situação das mulheres na sociedade e, em especial, a participação das mulheres na “Coisa Pública” mudou bastante desde há 133 anos.

Aquando da implantação da República as mulheres orgulharam-se também de … terem costurado e bordado a bandeira! E houve uma mulher que conseguiu votar – uma vez - porque era chefe de família. Depois, deixou de ser assim e só lentamente, após mais de 60 anos, em 1974, o direito de voto se tornou universal e pleno em Portugal.

A participação política das mulheres é hoje aberta a todas que quiserem participar, mas … só no voto! Apesar de a partir de 2006, a lei conhecida como “Lei da Paridade”, vincular a representação de no mínimo 33% de candidatos de ambos os sexos nas listas eleitorais para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu e para as autarquias locais, as mulheres continuam sub-representadas nos cargos políticos de liderança. Com níveis de participação feminina nos cargos ministeriais atingindo os 20% apenas em 2009, sem uma única Presidente da República em Portugal e com uma única primeira-ministra, Maria de Lourdes Pintassilgo, nomeada presidencialmente em Agosto de 1979 e que governou durante apenas 6 meses. No atual governo, a aparente evolução nos números dos ministérios, com 4 ministras (27%) num total de 15 ministros e ministras, é contrariada pelo número de secretárias de estado: três (8%) num total de 38 secretarias! Em 2013, dos 308 Presidentes de Câmara Municipal eleitos, apenas 23, correspondendo a 7.5%, eram mulheres!

Se a população portuguesa fosse constituída por 20 a 30% de mulheres talvez estes números fizessem algum sentido! Mas de facto, não existindo atualmente qualquer diferença significativa entre a percentagem de homens e de mulheres que exercem o seu direito de voto e que pagam impostos (!), só podemos concluir, que as mulheres não estão devidamente representadas nos lugares de decisão. E que, apesar de estarmos ”habituados à situação”, essa fraca representatividade não é democrática!

Em suma, a “Lei da Paridade” de 2006, muito embora tenha elevado o número de deputadas até valores mínimos aceitáveis no parlamento, não é suficiente para ultrapassar a fasquia que antecede os cargos de liderança politica. É necessária uma nova atitude da parte dos partidos políticos e é necessária uma nova atitude da parte da sociedade!

Cabendo ao estado refletir a matriz da sociedade, mas também, e sobretudo, impulsioná-la no sentido do progresso, os números relativos às mulheres em cargos políticos de liderança são afinal um reflexo daquilo que não está a ser feito. Algumas das causas apontadas para o persistente afastamento das mulheres de cargos políticos prendem-se com o funcionamento dos partidos: o domínio dos aparelhos partidários por elites masculinas, os modelos de decisão política centralizados nessas elites e a ausência de uma pressão social suficientemente forte para tornar o tema apetecível como trunfo na competição eleitoral.

Para alguns destes problemas temos soluções na Candidatura Cidadã LIVRE/Tempo de Avançar, pois queremos melhorar as regras do jogo político em Portugal, através da promoção de um processo democrático inclusivo, descentralizado e deliberativo, em que cada cidadão e cidadã possa participar, apresentando propostas e discutindo ideias, em condições de igualdade. Teremos listas de candidatos à Assembleia da República eleitos em eleições primárias abertas a todos, respeitando a paridade de género no sentido estrito. E no sentido de dar visibilidade à questão da sub-representação das mulheres e de outros sectores da população no processo de decisão político, organizaremos e promoveremos debates e eventos locais. Para as questões que ainda não identificámos e para aquelas que andamos a debater em busca de soluções, contamos convosco, cidadãos e cidadãs, para decidir em conjunto o nosso futuro comum!

Publicado em 26 de Março de 2015 no Distrito Online


sábado, 4 de abril de 2015

Justiça Popular

Há anos que vivo exilado no Texas e com o tempo fui deixando de ler os jornais portugueses, à medida que o estado - no meu caso os serviços do ministério da cultura - me isolava e tornava impossível que eu trabalhasse aí, sempre com protestos de elevada estima e consideração, mas enrolando-me em processos burocráticos kafkianos: "Ao inimigo: a lei!"

Mas hoje li uma notícia repugnante.  Absolutamente repugnante, publicada pelo Ricardo no fb: há aparentemente mamíferos no governo português que acham bem criar um registo de condenados por abuso de crianças a que a população possa aceder.  

Não tenho quaisquer ilusões sobre a falta de educação cívica de base dos miseráveis que governam Portugal neste momento, mas esta ideia deixou-me perplexo.  Longe daí, não percebi até que ponto Portugal escorregou para a indigência intelectual e a amoralidade pos-moderna dos yuppies, para quem nada importa, nada quer dizer nada, só o dinheiro é que conta e mede a felicidade e o sucesso.

Toda a vida houve em Portugal doutores Arrojas, diáconos Remédios e outros salazaristas de taberna, com saudades de "quando havia respeito."  O analfabetismo e o isolamento do país a partir da Contra Reforma são conhecidos.  Mas Portugal foi um dos primeiros países da Europa a abolir a pena de morte e mesmo durante os anos miseráveis da ditadura fascista havia uma direita que tinha bibliotecas e pensava, e se preocupava com questões morais.

Não sei quem é o primeiro ministro português.  Dizem-me que era um cábula, putanheiro e truante da JSD.  Pode ser.  No meu tempo a JSD era uma juventude de putanheiros, truantes, arrivistas e aldrabões. Um deles era o Santana Lopes. Mas justamente por isso, nunca me lembro de ter convivido com nenhum animal que achasse a justiça popular, os linchamentos, ou os autos de fé boa ideia.

E agora dizem-me que o governo português é a voz dos miseráveis e dos cobardes, da canhalha, dos que preferem canalizar o ódio e as frustrações das vidas miseráveis que levam contra os indefesos (criminosos ou não, não interessa para esta discussão).  O governo quer entregar os pedófilos à populaça.  E porque não as bruxas, ou os judeus, ou quem sabe amanhã os adúlteros?

Desde o neolítico que as classes altas sacrificam indefesos às populaças.  Há sempre um César das Neves ou dois para culpar as divorciadas, ou os fumadores, ou os imigrantes pelos males da sociedade.  As classes altas roubam os pobres, obrigam-nos a viver vidas miseráveis, sem futuro, sem dignidade, sem acesso à informação, mas dão-lhes estes presentes: a possibilidade de lutarem uns com os outros (no futebol, por exemplo) e volta e meia torturarem e matarem alguém. 

Como aqui na América. No meio da imoralidade completa - expressa por exemplo na invasão do Iraque, que matou um milhão de inocentes para lhes roubar o petróleo, a destruição do ambiente, que aqui nos EUA veio com a proibição de dizer "aquecimento global", e a proteção de mais de 5000 padres pedófilos - Bush resolveu condenar e linchar publicamente Roman Polanski por um crime que ele tinha cometido várias décadas antes, pelo qual tinha sido julgado, preso, pago uma indemenização à vítima, depois sido traído pelo delegado do ministério público (que resolveu que o caso era bom para a sua reeleição) e sido obrigado a fugir do país e abandonar tudo o que tinha conseguido com o seu talento e o seu trabalho.

Polanski foi linchado pela mesma populaça que defendeu a Igreja Católica e os dois papas coniventes, João Paulo II e Bento XVI.  E a mesma populaça que se lambeu mais uma vez com os pormenores lúbricos do caso, que foi tratado com uma crueldade absoluta para com a vítima, que mais tarde disse que os actos sexuais a que Polanski a sujeitou não se compararam com as perguntas porcas e mil vezes repetidas pelo ministério público (a masturbarem-se debaixo da mesa, como dizia um amigo meu), pelos olhares e comentários dos polícias, dos contínuos, dos advogados e dos jornalistas. Todos os mamíferos que se rebolaram na lama daquela história. Mil vezes mais enxovalhantes do que os actos sexuais, segundo a vítima.

Isto é o que o governo português quer agora dar à canalha, juntamente com mais cortes de impostos aos ricos e mais favores à Igreja.

A pedofilia é uma doença horrível. Os pedófilos têm de ser reprimidos, tratados, em muitos casos separados da sociedade.  Entregá-los à escumalha é um crime repugnante, medieval e selvagem. 

E há coisas piores, que deviam merecer a nossa atenção: uma vez uma senhora americana contou ao cientista Richard Dawkins que quando era pequena foi abusada por um padre nojento, mas que os avanços sexuais do padre não se compararam com o sofrimento psicológico horrível que ela sofreu: o padre dizia-lhe que uma amiga dela, também criança, que tinha morrido há pouco tempo e não era religiosa, estava no Inferno a arder para sempre em óleo a ferver, e que volta e meia o diabo a tirava da fritura para que a pele dela se regenerasse e ainda doesse mais quando a metiam outra vez no óleo a ferver.