segunda-feira, 31 de agosto de 2009

A desilusão e a revolta

A imagem que eu tinha de José Sócrates era muito positiva. Um homem pragmático, com a coragem de defender ideias impopulares, moderado nas suas propostas, mas que acreditava decididamente na importância da ciência, tecnologia, educação e cultura para o desenvolvimento económico.
Fiquei muito contente com a sua maioria absoluta, com o governo que escolheu, e pensei que bons anos viriam.
Na altura via-o como uma mais-valia para o PS.

Hoje não.

Em primeiro lugar porque a fibra intelectual de Sócrates parece semelhante à que estou habituado a ver nos líderes do PSD - a suficiente para "liderar". Mas não mais que isso, e quando se lidera um governo, eu espero mais. Não espero apenas que seja capaz, tem de ser brilhante. Quero alguém bem mais inteligente que uma Manuela Ferreira Leite, e não alguém que quando discute os assuntos parece programado para repetir duas ou três «ideias chave» previamente decoradas (sabemos que a Manuela improvisa, é certo, mas também sabemos que cada vez que o faz se arrepende).

Em segundo lugar porque quero alguém em quem possa confiar. Alguém em relação a quem eu saiba que dá o seu melhor para ser honesto (sabemos que em política uma honestidade a 100% é impossível, mas pelo menos existe quem se esforce). Isto é algo que é raríssimo no PSD, e ainda mais no CDS. Mas não devia ser assim tão difícil no PS. E no entanto, quando começaram as difamações da direita a respeito do caso freeport o meu instinto foi acreditar nelas. Porquê? Porque José Sócrates assinou aqueles projectos. E eu prefiro acreditar que houve ali alguma desonestidadezita porque a alternativa, a incompetência atroz, seria pior. Não é de uma gravidade por ali além, e se isto tivesse acontecido a um líder do PSD eu limitar-me-ia a pensar "típico" sem dar grande importância ao assunto. Assim, isto desiludiu-me e quebrou alguma confiança.

Em terceiro lugar por causa da actuação política. As críticas do PSD sobre o "abuso de poder" de Sócrates são cómicas porque sabemos que quando no poder tentaram e fizeram bastante pior. Mas, são críticas que um PS na oposição teria feito ao primeiro ministro, e com muita razão em grande parte delas. E nisto também incluo alguma propaganda desastrada paga com dinheiros públicos. Sim, eu sei que o PSD fez pior, mas não deixa de ser uma desilusão.

Sócrates tem qualidades. Tenho razões para supor que é muito trabalhador, determinado, e até sensato. Acredito que esta sensatez leva-o a saber escolher quem deve ouvir com alguma sabedoria. Mas neste momento não o vejo como uma mais-valia para o PS. Posso agradecer-lhe (e muito) o ênfase que colocou na importância da ciência e tecnologia - algo que já vinha do Guterres mas sofreu um impulso decidido com Sócrates ao comando - mas quando votar vou votar pelo partido (como aliás deve ser) sentindo que Sócrates é uma menos-valia.


Se Sócrates me desiludiu, que pensar do PS?
Desiludiu-me também um pouco. Eu imaginava o PS como um partido que tinha um grande defeito e uma grande qualidade. O grande defeito é próprio dos partidos do bloco central: estar cheio de gente gananciosa cujos valores mais sagrados são o seu próprio sucesso individual. Infelizmente essa gente é como as traças e as melgas, voando incessantemte em roda dos partidos que possam governar, enquanto dominam as burocracias e o aparelhismo para subirem de posto em posto. A grande qualidade do PS era o pluralismo, o gosto pela liberdade, a sofisticação intelectual de quem compreende e sintetiza perspectivas diferentes e muitas vezes opostas de vários problemas.

Mas algumas iniciativas do PS pareceram contrárias a este espírito. Desde a lei do tabaco, o impedimento de se vender pão com mais de tanto sal, ou mesmo as ridículas leis contra os galheteiros ou as castanhas embrulhadas em páginas amarelas, com o culminar das leis da união de facto - essas e outras fizeram-me encarar o PS como um partido menos libertário do que aquilo que pensava.
Que sentido faz a JS lutar pela legalização da Cannabis, e depois compreender que as pessoas não possam comprar pão muito salgado? Que sentido faz em começar a discutir o suicídio assistido, enquanto se tira às pessoas a possibilidade de correrem o risco de comer castanhas embrulhadas em páginas amarelas?
O estado deve proteger-nos, sim. Mas quando nos começa a querer proteger de nós próprios já franzo o sobrolho. E gostaria que a esquerda tivesse esta atitude face a todas as leis e todos os problemas, e não apenas face às causas libertárias "tradicionais".

Por fim, outra desilusão que tive com o PS enquanto partido foi o facto de ser frouxo na luta contra a corrupção. Estamos no fim da sua primeira maioria absoluta, e a este nível está quase tudo na mesma. As mesmas derrapagens inconsequentes nas obras públicas, os mesmos altos responsáveis a ir trabalhar para grandes empresas com as quais negociaram enquanto governantes, ganhando depois salários chorudos, etc..

Estas foram as minhas desilusões. As minhas expectativas talvez fossem irrealisticamente altas.
Talvez fosse demasiado crítico e exigente para com um governo no qual não votei (estava em Londres), mas no qual teria votado se pudesse e a respeito do qual aconselhei muita gente a votar quando dava a minha opinião sobre o assunto.


Arrependido? Já tive os meus momentos, mas se colocar tudo em perspectiva, então não.

Em nenhuma das críticas que faço me parece que o PSD teria feito melhor. Mas o governo fez várias coisas positivas. Consegiu controlar as finanças públicas, consegiu diminuir significativamente a pobreza e a desigualdade. Estas duas coisas são tão relevantes que já teriam justificado o meu voto.
Mas também deu um impulso decidido à Ciência e Tecnologia, também fez uma aposta que se impunha - por razões económicas e ambientais - nas energias renováveis, também fez bastante pela celeridade da justiça, fez uma reforma muito inteligente na segurança social, etc... Muitas das medidas significaram problemas a curto prazo, e os benefícios apenas se sentirão no longo prazo, pelo que foram implementadas a custo de alguma popularidade, de piores resultados nestas eleições. E ainda assim foram tomadas. Existiu, diga-se, coragem.

Eu poderia ser ainda mais exigente com o governo, e dar o meu voto de protesto ao BE. Pensei fazê-lo durante parte significativa da legislatura.
Mas não vou votar em quem se mantém sem qualquer abertura para o compromisso. Se o BE estivesse disposto a coligar-se, quem sabe. Poderia fazer a experiência e votar na sua lista de deputados, para ver como é que o partido lidaria com a experiência do poder. Mas quero penalizar nas urnas esta incapacidade de comprometer o que quer que seja.
O seu projecto é, para mim e para muitos, demasiado radical. Se não estão dispostos a nenhum compromisso, perde o interesse. Para "voz descomprometida" basta um deputado.

O meu voto no PS vai acontecer porque nas legislatura que antecedeu Sócrates não foi desilusão que senti. Foi revolta.
Revolta pelo corrupção, mas também pela estupidez, pela tacanhês, pelo disparate.
Pela incompetência de Manuela Ferreira Leite enquanto ministra das finanças deste país, uma incompetência com uma dimensão tal que ainda estamos e estaremos a sofrer as suas consequências. Em todas as vendas, acordos e negócios o estado perdia tanto dinheiro, tanto património.
Antes fosse tudo corrupção, mas não era. Às vezes eram cortes cegos que impediam institutos de cumprir as suas obrigações contratuais, o que levava o estado a pagar indeminizações bem maiores que o corte. Incompetência atroz, muitos prejudicados, nenhum beneficiado.
O ministro da ciência e do ensino superior era conhecido de uma pessoa próxima. Quando contaram a esta pessoa a notícia, ela não acreditava, pensava que era uma brincadeira. Não acreditava que alguém a seu ver tão intelectualmente incapaz pudesse ser ministro de um governo da nação. E não escrevo "não acreditava" como força de expressão, refiro-me ao facto desta pessoa só ter acreditado quando viu a notícia ela própria na televisão. Ela realmente pensava que era uma brincadeira.
Poderiámos dizer que não é grave - há ministérios bem mais importantes. Mas a verdade é que este episódio é um sintoma e explica muita da incompetência gritante que se viveu na era Durão-Santana. Não vou escrever mais sobre as razões que me levaram a sentir uma enorme revolta face aos governos desta era. Nunca mais daqui saía.
Mas as sondagens actuais mostram que o risco de se voltar a esse disparate é real. Manuela Ferreira Leite no governo iria comprometer o crescimento, o desenvolvimento do país. Um governo PSD não traz boas perspectivas para o desenvolvimento de Portugal, quer no curto, médio ou longo prazo. Uma razão importante para votar PS é não querer correr esse risco.

Antes a desilusão que a revolta.
E quem sabe...

A cultura de Sócrates

Depois de Santana se confundir com os «concertos para violino de Chopin», temos José Sócrates, que toma os Sitiados pelos Xutos e Pontapés. Ler no Cinco Dias.

sábado, 29 de agosto de 2009

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Minotauro e suspeitos de terrorismo

Mais um deliciosa sátira do The Onion, desta vez relativa às técnicas de interrogatório utilizadas pelos EUA durante a era Bush. Tortura bárbara ou necessidade vital na luta contra o terrorismo?

Burca e nicabe: posição da UFAL

Continua o debate em França sobre a proibição da burca e do nicabe.
  • «Le débat qui vient de s’ouvrir sur le port du voile intégral (Burqa, Niqab, …) suite à la proposition de mettre en place une commission d’enquête parlementaire sur le sujet, se déroule dans une grande confusion. L’UFAL tient à souligner qu’on ne saurait interdire le port du voile intégral dans l’espace civil au motif qu’il violerait le principe de laïcité. Comme l’a justement rappelé la loi du 15 mars 2004 sur le port des signes religieux à l’école publique élémentaire et secondaire, le régime de laïcité impose l’abstention dans le seul espace relevant de l’autorité publique. Il établit parallèlement la tolérance dans l’espace civil où les individus ont le droit de jouir de leurs libertés dans les limites du droit commun. C’est la raison pour laquelle l’UFAL a combattu le port des signes religieux à l’école publique, mais a toujours défendu la liberté d’arborer des signes religieux (y compris le voile qui laisse le visage visible) dans l’espace civil.

    ###

    Cela étant dit, le voile intégral pose un réel problème : non seulement il est un signe insupportable d’un projet idéologique et sectaire visant à asservir les femmes en leur refusant le statut de personne (puisque les femmes intégralement voilées, inaccessibles au regard d’autrui, ne sont, à proprement parler, personne), mais il est aussi un masque qui rend impossible l’identification de l’individu.

    Le voile intégral est plus qu’un symbole d’oppression pour les femmes : il est une manière d’abolir l’humanité, la sienne propre puisqu’on se retire des relations ordinaires entre les êtres humains, celle des autres puisqu’une personne peut devenir ainsi invisible et intouchable. En cela, Burqa et Niqab ne sont pas des signes religieux, mais bien des dénis d’identité. A ce déni d’identité s’ajoute un déni d’identification susceptible de poser des problèmes de sécurité publique.

    A ce titre l’UFAL demande l’interdiction du port du voile intégral dans tous les espaces de la société civile (dans les transports individuels et collectifs, dans les lieux clos accessibles au public, dans les commerces, mais aussi dans la rue).

    (...)» (UFAL)
Ler também aqui, aqui e acolá.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Saramago sobre a implantação da República

  • «Vai para cem anos, em 5 de Outubro de 1910, uma revolução em Portugal derrubou a velha e caduca monarquia para proclamar uma república que, entre acertos e erros, entre promessas e malogros, passando pelos sofrimentos e humilhações de quase cinquenta anos de ditadura fascista, sobreviveu até aos nossos dias. Durante os enfrentamentos, os mortos, militares e civis, foram 76, e os feridos 364. Nessa revolução de um pequeno país situado no extremo ocidental da Europa, sobre a qual já a poeira de um século assentou, sucedeu algo que a minha memória, memória de leituras antigas, guardou e que não resisto a evocar. Ferido de morte, um revolucionário civil agonizava na rua, junto a um prédio do Rossio, a praça principal de Lisboa. Estava só, sabia que não tinha qualquer possibilidade de salvação, nenhuma ambulância se atreveria a ir recolhê-lo, pois o tiroteio cruzado impedia a chegada de socorros. Então esse homem humilde, cujo nome, que eu saiba, a história não registou, com uns dedos que tremiam, quase desfalecido, traçou na parede, conforme pôde, com o seu próprio sangue, com o sangue que lhe corria dos ferimentos, estas palavras: “Viva a república”. Escreveu república e morreu, e foi o mesmo que tivesse escrito: esperança, futuro, paz. Não tinha outro testamento, não deixava riquezas no mundo, apenas uma palavra que para ele, naquele momento, significaria talvez dignidade, isso que não se vende nem se deixa comprar, e que é no ser humano o grau supremo.» (Caderno de José Saramago)

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Uniões de facto

Cavaco Silva vetou a lei que a esquerda tentou passar a respeito das uniões de facto, e ainda bem.

Não me interpretem mal: acho deplorável a justificação dada para o veto. Se considerasse que a lei das uniões de facto era uma boa lei, ficaria indignadíssimo com o pretexto mal amanhado para chumbar uma lei que tinha sido aprovada no parlamento. Este não é, a meu ver, o bom funcionamento das instituições democráticas. Mas é por estas e por outras que dificilmente Cavaco Silva vai conseguir ser reeleito para o seu segundo mandato, o que, a meu ver, são boas notícias para Portugal.
A não reeleição de um presidente vai ser uma estreia, e logo quando a direita estreou o seu presidente - que, sendo sincero, foi menos mau do que eu esperava.

Quanto à lei em questão, ela vinha retirar liberdade de escolha às pessoas. Se eu quiser viver com alguém, posso querer ter certas obrigações e garantias de e para com essa pessoa, ou não. Com esta lei, perdia essa escolha.
Se duas pessoas querem coabitar mas não querem nem os direitos, nem as obrigações do casamento estendidas à sua relação, devem ter essa possibilidade. Se querem estas obrigações, devem poder optar pelo casamento - um contrato civíl que tem precisamente esse objectivo.

É verdade que esta lei viria a dar aos homossexuais que vivem juntos alguns direitos (e obrigações) que antes não tinham. Mas creio que esses direitos e obrigações devem ser dados a quem os escolher sob a forma do casamento civíl, estendido como é justo às pessoas de todas as orientações sexuais. E, felizmente, não é que essa realidade não esteja já no horizonte.

Mas acredito que dois cidadãos devem ter a possibilidade, se assim o desejarem, de viver juntos sem qualquer obrigação de um para com o outro. Tal como devem ter a possibilidade de estabelecer essas obrigações qualquer que seja o seu sexo e orientação sexual. Por essa razão, sou contra a lei que Cavaco vetou, assim como sou a favor do casamento cívil estendido a todos os cidadãos.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

Os republicanos no seu melhor

Estúpidos e maus. Como de costume: inacreditavelmente estúpidos e implausivelmente maus.

Se não se contar o crime do ano passado em Paris, Texas, em que dois brancos atropelaram um africano e continuaram a arrastá-lo até o corpo se desfazer e caber por baixo do carro, a última vez que os republicanos lincharam um africano aqui no Sul Profundo foi em 1998, em Jasper, Texas.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

Pessimismo (de esquerda?) :o)

Se pensarmos que a cultura é o software que temos instalado (e que frequentemente é confundido com a capacidade do processador), o resultado destas eleições aparece no horizonte como uma coisa quase irrelevante para a maioria das pessoas. Claro que se ganhar a direita se acelera o processo em curso de empobrecimento da classe média, e com ela do país, sempre me nome da flexibilidade para contratar e despedir, e da diminuição das regras que se diz que complicam a vida aos empresários que querem competir com a China em termos dos salários e das “regalias” (adoro a expressão quando é utilizada neste contexto) dos trabalhadores.

E se ganhar a esquerda até pode ser que uma minoria particular – os homossexuais – deixe de ser segregada e brutalizada pelo estado.

Mas quando se lê o Eça percebe-se que as coisas não mudaram muito em 100 anos. Caiu a monarquia, instaurou-se a república, caiu a república, instaurou-se o estado novo, caiu o estado novo, instaurou-se a ditadura do proletariado, caiu a ditadura do proletariado, instaurou-se a democracia parlamentar semi-presidencialista... e as mesmas cinquenta famílias continuam a mandar. Vão-se aliando aos empresários que conseguem ter sucesso, casam as filhas com os filhos deles, ensinam-lhes a ordem natural das coisas, os sinais pelos quais a classe alta se reconhece, as camisas e as gravatas que se podem usar e quando, e a vida continua. Como dizia Visconti no Gattopardo, volta e meia algumas coisas têm que mudar para que tudo fique na mesma.

É assim o mundo mediterrânico. A comida é melhor do que na Europa do Norte, o sexo se calhar também, a paisagem às vezes, o clima definitivamente. Mas desde o advento do capitalismo e da revolução protestante a vida no Mediterrâneo tem sempre associada uma vertente miserável, injusta e mesquinha, quando se compara com a dos cidadãos dos países onde a liberdade e o mérito fazem parte do quotidiano. Até a corrupção, que se calhar é muito menor em Portugal e em Espanha do que na Holanda e na Alemanha, parece mais chocante.

Reli recentemente os livros do Portugal na Espanha Árabe, de A. Borges Coelho, e fiquei a pensar se haverá solução para Portugal.

Como na América Latina, em Portugal ninguém confia em ninguém e não está previsto ser-se honesto. Lembro-me de as pessoas gozarem com o Jorge Sampaio, quando ele entrou para a CML e começou a falar em moralizar o processo de atribuição de licenças de construção.

Neste contexto não há cola social, as pessoas partilham um território mas estão-se nas tintas para ele e umas para as outras, constroem nas falésias, cortam os sobreiros, não tratam os esgotos, ignoram os planos directores e as leis em geral, estacionam o carro nos passeios, deixam os cócós dos cães em frente da própria porta de casa. O Santana Lopes meteu os placards de publicidade perpendicularmente aos passeios na Baixa. E ninguém se queixou. Ninguém acredita que as coisas possam melhorar e em Lisboa a maioria das pessoas sonha com o totoloto e a lotaria, para poderem ir para “a terra”.

Mesmo supondo que a esquerda se tornava, de repente, num parceiro viável para o PS – eu passo a vida a sonhar com um país cheio de partidos pequenos, descomprometidos com o poder e com propostas positivas, mas as coligações acabam sempre por ser jogos de cadeiras onde se discutem, miseravelmente, as quotas de cada partido nas sinecuras do poder – o que é que um governo do P"S" pode fazer pelo país?

A elevação de um futuro deputado

Costumava pensar que a geração do pós-25 de Abril seria melhor do que as anteriores. Hoje, depois de ler um futuro deputado usar o delicado termo de «filho da piiiiiiiiii» para se referir a outro bloguista (que não tinha razão e é salazarista, mas que não é candidato a representante da nação...), começo a pensar que, afinal, somos mesmo a geração rasca. Pelo menos, se o Galamba for representativo de alguma coisa.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Demolidor

  • «Em todos os países há uma justiça da classe dominante. São eles que fazem as leis e nada vai pôr em causa as grandes figuras do sistema, que são os banqueiros e os industriais. Não são os políticos. Os políticos fazem--lhes o frete ou então enfrentam-nos. Mas eles é que são os grandes senhores do sistema. (...)
  • Acha que temos uma classe empresarial fraca?

    Simplesmente não existe. São analfabetos do ponto de vista da literacia e do ponto de vista empresarial. Há três ou quatro que se distinguem. Grupos como a Jerónimo Martins ou a Sonae são excepções à regra. O resto são empresas que, muitas delas, vivem das ajudas do Estado como é o caso da EDP e da PT, que foram privatizadas e agora são dominadas por estrangeiros e vão investir no estrangeiro, em vez de investir em Portugal. E depois anda o Basílio Horta a tentar que os estrangeiros invistam 1500 milhões de euros cá. Aí o PCP tem razão, há privatizações que não deviam ter sido feitas. Não sou pelas privatizações a todo o custo e até alguém que, como eu teve um pensamento comunista, sabe que o Estado historicamente deveria desaparecer, mas enquanto isso não acontece o Estado tem de ajudar o desenvolvimento. (...)
  • É possível imaginar vivermos os próximos anos com 500 ou 600 mil desempregados a receber subsídios? Alguém pensa em medidas estruturais? Está tudo à espera que as ajudas da Europa façam voltar tudo ao mesmo. Acabou a Índia, acabou o Brasil, acabou África, depois apareceu a UE, mas ficou provado que os vícios da nossa classe dominante são históricos. Só se aparecer uma Europa II. E depois os Nogueiras Leites e os Bessas que nos trouxeram até aqui continuam a dominar a comunicação social. Foram ministros, gestores e, em vez de responsabilizados, são procurados para falar do futuro do país.» (José Luís Judas no "i")

domingo, 16 de agosto de 2009

Woodstock

Foi há 40 anos. Embora o movimento hippie deva ter sido minúsculo em termos demográficos (a maioria dos americanos vivia com medo dos comunistas e tinha eleito Nixon no ano anterior, um presidente delinquente que destruíu as reformas de Lyndon Johnson com ódio e eficácia), Woodstock deixou no ar a ideia de que, algures no meio deste país paranóico e violento, existe uma América generosa, progressista, sem medos irracionais (nem os ódios que estes geram), tremendamente criativa e sem uma ponta de cinismo. :o)

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Desigualdade


Depois de sete anos do pesadelo que o planeta viveu com Bush e Cheney na Casa Branca, nos EUA 0.01% da população recebem 6% do total dos salários. Os 10% mais ricos recebem 49.7% da riqueza.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Liberdade com responsabilidade

Se eu entrar em casa do cidadão Duarte de Bragança, retirar uma bandeira monárquica que lá esteja, colocar no seu lugar a bandeira da República (ou da Carbonária, já agora) e sair pela janela sem causar qualquer dano, incorro em dois dos três crimes que os rapazes do 31 da Armada alegadamente terão cometido: furto e invasão de propriedade alheia (pública ou privada, pouco interessa para o caso). Só não poderei ser acusado de ultraje a símbolo oficial. Se filmar tudo e escrever num blogue que a intenção era humorística e política, o meu caso, do ponto de vista judicial, creio que não melhora rigorosamente nada.

E não melhora porque, em qualquer sociedade civilizada, o furto e a invasão de propriedade alheia serão sempre crime. Não percebo portanto reacções como a do Daniel Oliveira. Quem comete crimes tem que ser responsabilizado por eles, mesmo que o tenha feito com intenção burlesca. A liberdade tem limites legais. Quem os ultrapassa tem que ser responsabilizado.

Finalmente: não conheço o Rodrigo Moita de Deus, mas, sinceramente, neste momento tenho alguma pena dele. Tenho ainda mais pena quando penso que poderiam ter deixado a bandeira na varanda, o que os teria ilibado daquela que penso ser a acusação mais grave (a de furto). Mas solidariedade, não. Creio que se alguém fizesse o que eu descrevo no primeiro parágrafo também não haveria. Nem deveria haver, aliás.

Rumo claro para Portugal

Ligeiramente adaptado daqui:

Fertilidade

Na sua coluna "What's New", o físico Robert Park escreveu o seguinte texto, que foi de seguida traduzido no blogue "De Rerum Natura":

«O axioma tem sido que os países mais prósperos são aqueles em que a fertilidade é menor. Mas, para além de um certo limiar de desenvolvimento, essa tendência já não se verifica de acordo com um relatório divulgado na quarta-feira pela revista "Nature". A Austrália, a Suécia, a França, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha estão a experimentar modestos "baby boons". Os economistas, que se preocupam com o apoio a uma população envelhecida, julgam que isto são boas notícias. Não são. Indicador após indicador parecem mostrar que já superámos o limite de população que podemos sustentar sem um grave declínio ambiente.»

É bom que não nos esqueçamos disto, apesar daquilo que alguma propaganda vem fazendo crer. O problema não é o envelhecimento da população - é precisamente o contrário.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Um milagre!

Cheguei de fora e li a história de uns monárquicos que meteram a bandeira deles num edifício da CML. Achei a história divertida, por um lado porque tenho um fraquinho por actos de subversão não violentos, venham de onde vierem, e por outro porque os monárquicos - com ou sem ideias - aumentam a biodiversidade do país, o que é sempre bom. Eu tenho saudades dos MRPPs (menos do Durão Barroso, que já nasceu sério e nunca teve graça nenhuma).

Claro que seria melhor se os monárquicos tivessem ideias, mesmo vagas, como no tempo em que o PPM era o único partido verde do país... exagero: toda a gente sabe que dentro do movimento monárquico há correntes com ideias absolutamente claras. Conheço monárquicos de vária pena e pêlo, e não seria justo arrebanhá-los todos numa mesma massa informe e sem justificação teórica. Por exemplo, os miguelistas defendem um programa político perfeitamente definido e amplamente testado, dentro das linhas dos regimes de Pol Pot ou Kim Jong-il, mas com igrejas em vez de centros culturais revolucionários.

Outros monárquicos acreditam que as eleições têm sempre uma carga humilhante de populismo, em que mesmo os candidatos mais sérios e mais inteligentes têm de dizer que gostam do João Baião e de torresmos com vinho de má qualidade, beijar criancinhas e abraçar velhinhas, ou ir à missa, dizer bem do papa e outras coisas igualmente revoltantes. E têm muitíssima razão. Estão cobertos de razão. A democracia é um mal necessário.

Ainda outros monárquicos acham, com uma santa mas honesta inocência, que a existência de uma família real desincentiva o roubo, a corrupção e os favores políticos.

Mas acho que os monárquicos com ideias são poucos e que os comentadores que fizeram troça do movimento monárquico esta semana, acusando-o de ser o deserto das ideias, têm muita razão para se irritarem.

Porque a maioria dos monárquicos acha que Portugal é uma piolheira por ser uma república e que a Holanda, a Suécia, a Dinamarca e a Noruega são países ricos, democráticos, justos e civilizados, por serem monarquias. Ou seja, a maioria dos monárquicos constitui um grupo de alienados perigosos, com uma visão infantil e disfuncional do mundo, que acredita num milagre ainda mais inacreditável do que a virgindade da Nossa Senhora ou a santidade do Monsenhor Escrivá: acredita que o simples facto de trocar o Dr. Cavaco Silva pelo Sr. Duarte de Bragança transformaria Portugal numa Dinamarca ou numa Suécia.

E isto é uma ideia de fazer um ateu bradar aos céus! :o)

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Aqui, Luke Skywalker

Descobri a acção humorística do 31 da Armada ontem à tarde, quando uma jornalista me telefonou. Tentei explicar que a implantação da República fora muito mais do que um hastear de bandeira, e que os objectivos dos neo-monárquicos me parecem misteriosos. A Eva Cabral reproduziu assim a conversa que tivemos:
  • «Ricardo Alves, presidente da Associação República e Laicidade, frisou que não compreende "o que significa este tipo de acção". Ao DN, diz que"não se percebe se em causa está restaurar a monarquia que caiu a 5 de Outubro, se restaurar o Estado Novo ou defender uma ligação com Espanha que é quem neste momento na Península Ibérica é uma monarquia".

    Com ironia, Ricardo Alves questiona mesmo "quem foi o rei durante as varias horas em que a bandeira esteve hasteada?"». (Diário de Notícias)

Efectivamente, já uma vez comentei isso mesmo para um monárquico frequentador deste blogue: «não se entende se os monárquicos querem debater os acontecimentos de há cem anos, restaurar a monarquia do século 19 (ou a do século 15?) no século 21, se querem "vingar" o 25 de Abril e a descolonização, [ou] se querem garantir um "ethos" conservador através do monarca». A acção de ontem permite manter estas indefinições. Não explica se o objectivo do movimento é criticar as condições da implantação da República, restaurar a monarquia dos Braganças ou outra (qual?), ou apenas irritar a «esquerda». A impressão que fica é de que nem os monárquicos levam a sério a ideia de restauração da monarquia. Eis aqui um consenso nacional, mesmo que eles não o admitam.

Mas o mais importante seria que esclarecessem, exactamente, qual o projecto de sociedade que entendem avançar com a hipotética restauração da monarquia. É que a República implantada em 1910 tinha um projecto de laicização do Estado, descentralização da administração e igualitarização dos direitos cívicos. Pode-se não concordar, mas sabe-se qual era. A República actual tem também um projecto: democrático, europeísta, com garantias de assistência social e alguma laicidade. O projecto dos monárquicos de 2009, se é que existe, parece reduzir-se a missas, touradas e fotografias do Duarte nas revistas de foto-reportagens. Eu prefiro melhorar a República que tenho, mas enfim, os monárquicos que se fiquem com o passado.

Finalmente, temos a máscara do Darth Vader, símbolo da acção. O que está certíssimo: Vader batia-se por um regime autoritário, centralizado e militarista. Muito bem. Se eles são o Darth Vader, eu serei o Luke Skywalker, que combatia por uma República constitucional. Por mim, está perfeito.

domingo, 9 de agosto de 2009

Terrorismo evangélico

Um «Professor Doutor de Coimbra», «por amor de Deus» na versão cristã evangélica, levou dois blogues dedicados à divulgação da ciência (e do ateísmo, no segundo caso) a alterarem a sua política de comentários (no caso do De Rerum Natura) e a sugerirem filtros aos leitores (no caso do Que Treta!).
O Ludwig explica o problema: «Desde 1 de Janeiro de 2009 escrevi 186 posts, num total de 630 mil caracteres. No mesmo período o Jónatas pôs aqui 800 comentários, num total de um milhão e setecentos mil caracteres».
Eu não sei se o Ludwig e o Fiolhais compreendem o problema de fundo: o comportamento do Jónatas é auto-alimentado. Numa comunidade cristã evangélica, características pessoais como a insistência em incomodar estranhos que não estão interessados, a persistência monomaníaca, ou a repetição acrítica de slogans, são consideradas qualidades. Ou seja: nessas comunidades, o fanatismo é elevado a virtude. Portanto, o Ludwig bem que pode sugerir filtros aos seus leitores, porque aquilo a que se assiste é a uma demonstração de fé. Avassaladora. Ininterrupta. Insaciável. In-dialogável. Interminável. Auto-satisfatória. Chata como a potassa. (Como todos os fanatismos, aliás.)

Isto não abona a favor do Costa

  • «Nas europeias, voto Rangel, nas legislativas, voto Ferreira Leite e na Câmara de Lisboa voto António Costa» (Maria José Nogueira Pinto).

sábado, 8 de agosto de 2009

São todos uniformistas

O PSD não incluiu o Passos Coelho. O PS correu com o Alegre. O Louçã não convidou a Joana. E agora o CDS ignorou o Anacoreta.

Chorai! Chorai! Chorai!

Extinção do «Conselho da Bioética»?

Que falta faz um «Conselho da Bioética»? Nenhuma. É mais uma Câmara Corporativa armada ao pingarelho a largar bitaites sobre aquilo que deveria caber a cada um de nós decidir.

A boa notícia é que o salazarista Daniel Serrão foi corrido da chafarica (e arma um banzé por causa disso). A ser verdade, o PS sempre tem algumas qualidades.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

O BE e o PRD

É disparatado comparar o BE com o PRD. O PRD durou vinte e dois meses, o BE vai nos cento e vinte. O PRD foi cogumelo (18% na primeira eleição, cerca de um terço disso na seguinte), o Bloco tem um crescimento lento e sustentado. Aliás, a explicação do crescimento do BE para além do núcleo inicial de «extrema-esquerda» (2%), vem justamente das classes etárias urbanas que desde 1999 têm adquirido o direito de votar. E que noutros países votariam no PS local.

A verdade sobre a lista de candidatos do PS

A verdade sobre a lista de candidatos do PS é que aquelas duas senhoras que votam sistematicamente à direita, senão mesmo à extrema-direita, continuam por lá. A Rosário Carneiro é a número seis pelo Porto, e a Teresa Venda a terceira por Braga. Lugares mais seguros, e simultaneamente discretos, é difícil conceber: só não serão eleitas num cenário de derrocada total do PS, abaixo dos 15% nestes dois distritos, respectivamente o segundo e terceiro maiores em número de deputados.

Para referência futura: o currículo destas duas damas, que começaram a ser eleitas pelo PS em 1995 (Guterres, lembram-se?), inclui votarem favoravelmente a homenagem parlamentar a um bombista de extrema direita, votarem contra a despenalização da IVG, tentarem punir quem «incentivasse o aborto através da publicidade», votarem contra a procriação medicamente assistida, moverem-se contra o casamento entre pessoas do mesmo sexo, contra o divórcio, enfim, contra tudo o que signifique a liberdade das pessoas decidirem sobre a sua própria vida.

Quem vota no PS no Porto ou em Braga que fique ciente de que vota no clericalismo e no filo-fascismo, no machismo e na misoginia, no preconceito e na homofobia, no obscurantismo e no catolicismo mais integrista.

Fico à espera que convidem estas senhoras para escrever no Simplex. Estou mesmo a vê-las a «apoiar a interrupção voluntária da gravidez; (...) a plena igualdade no acesso ao casamento civil entre pessoas do mesmo sexo; a laicidade do estado e a liberdade religiosa; bem como, naturalmente, a real igualdade de género». Mais ainda, estou mesmo a vê-las a «defender acima de tudo a liberdade». Em particular, se for a liberdade de oprimir.

Sim, são listas de facção... e depois?

As listas eleitorais de Manuela Ferreira Leite têm sido muito criticadas por excluirem não-cavaquistas e outros animais avessos à actual direcção do Partido. Certíssimo. Mas acham que alguém ainda se lembrará disso daqui a cinquenta e dois dias, se Manela tiver mais um deputado do que o outro partido do centro? Eu acho que não...

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

As classes médias vão para as praias, a ICAR para toda a parte

Parece que o mito do «Jesus Cristo socialista» ainda vende bem, lá para as bandas do Bloco de Esquerda. Seria inútil (e uma perda de tempo) explicar que dos «evangelhos» (canónicos) dificilmente se retira algo de político, quanto mais de socialista (ou de capitalista). Os indígenas do médio oriente aqui há dezoito séculos tinham outras preocupações. E estavam muito longe de imaginar a sociedade da indústria, dos aviões e da internet. Enfim: inútil, dizia eu.

Mas, se «Deus» não existe, a ICAR sem sombra de dúvida que não apenas existe como está em toda a parte, pelo menos nas partes onde estão os partidos políticos: depois dos «Padres por Santana» e do Opus Dei nas listas do PS «republicano e laico», temos um padre mandatário distrital do Bloco de Esquerda. Raio de país. Se procurarmos bem, ainda acabamos por encontrar um padre candidato pelo MRPP, capaz de nos explicar, sem se rir, que Mao Zedong não era anti-religioso e nem sequer irreligioso, mas sim um verdadeiro cristão.

Pergunta chatinha

A lista de candidatos do PSD já está vista. E a do PS? Onde pára?