Mesmo que não seja possível prosseguirem com a greve, a requisição civil hoje decretada por parte do governo é uma enorme vitória da parte dos trabalhadores da TAP. Uma requisição civil só faz sentido para uma empresa pública. Toda a argumentação apresentada pelo governo para justificar esta medida pode ser utilizada para justificar que o Estado controle a TAP (e muitas outras empresas privatizadas ou em vias de o serem). Esta luta merece todo o apoio.
quinta-feira, 18 de dezembro de 2014
terça-feira, 16 de dezembro de 2014
O que é a "Esquerda"? E a "Direita"?
Muitas pessoas, geralmente com um conhecimento político pouco aprofundado, dizem que não são de "Esquerda", de "Direita", nem de "Centro". Alegam que é uma divisão simplista e redutora, ou que "o que importa é X" em que X é um valor consensual como a integridade, transparência, desenvolvimento, bem-estar, etc. Acreditam também que os partidos deviam "trabalhar em conjunto" para atingir estes objectivos.
Não é uma posição absurda ou indefensável por parte de um indivíduo, mas quase sempre é uma posição inconsistente. Neste texto quero explicar porquê.
Quero também defender que quando um partido faz essa alegação, ela é quase sempre desonesta.
Primeiro, concordo que a divisão em "Esquerda" e "Direita" é uma divisão simplista e redutora. Mas a complexidade de um posicionamento político teria sempre de ser simplificada e "reduzida" para ser exposta em menos de várias horas (já para não dizer "em poucas palavras").
Se os termos e conceitos "Esquerda" e "Direita" desaparecessem, teriam necessariamente de surgir outros análogos ou piores, para conseguir transmitir - mesmo que imperfeitamente - muito conteúdo em poucas palavras.
Posto isto, importa perguntar o que é que alguém quer dizer quando diz que é "de Esquerda"? O conceito é difuso, e abarca visões muito diferentes, desde as mil e uma perspectivas marxistas, até às perspectivas anarquistas, passando por perspectivas que aceitam a economia de mercado e querem fazer alterações ligeiras e graduais à sociedade onde vivemos. O que é que têm em comum?
Aquilo que a Esquerda tem em comum é encarar o nível de desigualdade que existe como um problema a resolver politicamente, ou seja: em conjunto.
Isto pode querer dizer coisas diferentes: quem considere que toda e qualquer desigualdade será sempre excessiva é de esquerda; mas quem considere que existem níveis de desigualdade aceitáveis, mas que o actual é excessivo e problemático também é de esquerda.
E se existem diferenças quanto ao objectivo, ainda mais existem quanto às formas de o atingir. Revolução? Reformas graduais? Estado social? Abolição do estado? Tudo isto são perspectivas compatíveis com convicções de esquerda.
E mesmo o termo "desigualdade" pode ter vários significados. Desigualdade de rendimentos e património? Desigualdade de oportunidades? Desigualdade política?
Se calhar o leitor está a abanar a cabeça. É possível (até provável) que considere evidente que a desigualdade que existe é um problema a resolver, mas nem por isso se considere de "Esquerda".
É compreensível: a associação que faz à "Esquerda" é aos partidos que conhece e não tanto às ideias subjacentes que unem estes e outros partidos (melhores ou piores) em todo o mundo. Esquece que o termo "nasceu" durante a Revolução Francesa para designar aqueles que se opunham às desigualdades políticas e sociais do Antigo Regime, e desde então tem estado associado ao combate às desigualdades (mesmo que por vias radicalmente diferentes). É por isso que o movimento sufragista pelo acesso das mulheres ao voto esteve associado à "Esquerda", é por isso que a luta contra os regimes de "aparteid" esteve associada à "Esquerda", e por aí fora.
Note-se também que grande parte das pessoas "de Direita" não obstarão a esta definição de "Esquerda". Muitas apresentarão argumentos e razões que justificam porque é que a desigualdade não deve ser encarada como um problema, ou porque é que quando se tenta fazer algo em comum para o resolver, só se consegue piorar a sociedade. Na verdade, vários pensadores celebrados pela "Direita" encontraram razões diferentes para se opor ao esforço colectivo de diminuir as desigualdades. Nuns casos porque - na sua perspectiva - qualquer acção colectiva neste sentido envolve necessariamente uma invasão da liberdade individual (a perspectiva do liberalismo de direita), noutros casos porque consideram que mudar as estruturas sociais (dito em tom pejorativo "fazer engenharia social") é arriscado e contra-producente (a perspectiva conservadora). Em Portugal (não sei se noutros sítios também) existem inúmeros conservadores a auto-identificar-se como liberais de direita, vá-se lá saber porquê (exemplo canónico).
Assim, é possível um indivíduo não ser de "Direita", "Esquerda" nem "Centro"? Sim. Quando pergunto a alguém "achas que deveríamos fazer algo em conjunto para diminuir as desigualdades?" essa pessoa pode responder que sim, e nesse caso será de "Esquerda", mesmo que não o saiba. Se responder que não, é importante perceber se ele acredita que as coisas estão bem como estão ("Centro") ou se acredita devem existir mudanças sociais importantes com determinados objectivos, que acabassem por aumentar as desigualdades como efeito colateral, caso em que será de "Direita".
Para não ser de "Esquerda", "Centro" ou "Direita" deverá responder a essa pergunta com um "não sei". E eu não sei se essa é uma resposta sensata (sou da opinião que não), mas sei que é uma resposta muito rara. Quase todas as pessoas que me dizem que não são de "Esquerda" ou "Direita" têm uma resposta à pergunta sobre as desigualdades que as coloca algures no espectro.
E se é difícil que uma pessoa, pelos seus valores e princípios, não esteja algures no espectro, mais difícil ainda será a um partido. Aí é uma questão de avaliar as suas propostas: têm propostas que visam diminuir desigualdades? Têm propostas que visam outros objectivos, mas que acabariam efectivamente por aumentá-las? Qual é o balanço entre elas?
Mesmo um partido que não se auto-identifique como sendo de "Esquerda" ou "Direita" é imediatamente identificado pelos outros partidos - à "Esquerda" e "Direita", e também pelos cientistas políticos, como estando num determinado ponto desse contínuo.
Dois exemplos: o PAN e o Podemos. Ambos dizem que não são de "Direita" nem de "Esquerda", mas os partidos de "Direita" consideram-nos de "Esquerda" e os partidos de "Esquerda" também.
[Afinal o Podemos assume-se como sendo um partido de esquerda, ver mais detalhes nos comentários.]
Porque é que um partido de "Esquerda" não se identificaria como tal? Precisamente porque a diminuição das desigualdades é um objectivo muito mais popular que o termo "Esquerda". Para as inúmeras pessoas que se identificam com o objectivo mas ignoram o significado de "Esquerda", e que até sentem alguma "distância afectiva" em relação ao termo (associando-o a partidos e instituições que aprenderam a desgostar, por exemplo), esta é a solução perfeita.
Infelizmente não me parece a mais honesta.
Não é uma posição absurda ou indefensável por parte de um indivíduo, mas quase sempre é uma posição inconsistente. Neste texto quero explicar porquê.
Quero também defender que quando um partido faz essa alegação, ela é quase sempre desonesta.
Primeiro, concordo que a divisão em "Esquerda" e "Direita" é uma divisão simplista e redutora. Mas a complexidade de um posicionamento político teria sempre de ser simplificada e "reduzida" para ser exposta em menos de várias horas (já para não dizer "em poucas palavras").
Se os termos e conceitos "Esquerda" e "Direita" desaparecessem, teriam necessariamente de surgir outros análogos ou piores, para conseguir transmitir - mesmo que imperfeitamente - muito conteúdo em poucas palavras.
Posto isto, importa perguntar o que é que alguém quer dizer quando diz que é "de Esquerda"? O conceito é difuso, e abarca visões muito diferentes, desde as mil e uma perspectivas marxistas, até às perspectivas anarquistas, passando por perspectivas que aceitam a economia de mercado e querem fazer alterações ligeiras e graduais à sociedade onde vivemos. O que é que têm em comum?
Aquilo que a Esquerda tem em comum é encarar o nível de desigualdade que existe como um problema a resolver politicamente, ou seja: em conjunto.
Isto pode querer dizer coisas diferentes: quem considere que toda e qualquer desigualdade será sempre excessiva é de esquerda; mas quem considere que existem níveis de desigualdade aceitáveis, mas que o actual é excessivo e problemático também é de esquerda.
E se existem diferenças quanto ao objectivo, ainda mais existem quanto às formas de o atingir. Revolução? Reformas graduais? Estado social? Abolição do estado? Tudo isto são perspectivas compatíveis com convicções de esquerda.
E mesmo o termo "desigualdade" pode ter vários significados. Desigualdade de rendimentos e património? Desigualdade de oportunidades? Desigualdade política?
Se calhar o leitor está a abanar a cabeça. É possível (até provável) que considere evidente que a desigualdade que existe é um problema a resolver, mas nem por isso se considere de "Esquerda".
É compreensível: a associação que faz à "Esquerda" é aos partidos que conhece e não tanto às ideias subjacentes que unem estes e outros partidos (melhores ou piores) em todo o mundo. Esquece que o termo "nasceu" durante a Revolução Francesa para designar aqueles que se opunham às desigualdades políticas e sociais do Antigo Regime, e desde então tem estado associado ao combate às desigualdades (mesmo que por vias radicalmente diferentes). É por isso que o movimento sufragista pelo acesso das mulheres ao voto esteve associado à "Esquerda", é por isso que a luta contra os regimes de "aparteid" esteve associada à "Esquerda", e por aí fora.
Note-se também que grande parte das pessoas "de Direita" não obstarão a esta definição de "Esquerda". Muitas apresentarão argumentos e razões que justificam porque é que a desigualdade não deve ser encarada como um problema, ou porque é que quando se tenta fazer algo em comum para o resolver, só se consegue piorar a sociedade. Na verdade, vários pensadores celebrados pela "Direita" encontraram razões diferentes para se opor ao esforço colectivo de diminuir as desigualdades. Nuns casos porque - na sua perspectiva - qualquer acção colectiva neste sentido envolve necessariamente uma invasão da liberdade individual (a perspectiva do liberalismo de direita), noutros casos porque consideram que mudar as estruturas sociais (dito em tom pejorativo "fazer engenharia social") é arriscado e contra-producente (a perspectiva conservadora). Em Portugal (não sei se noutros sítios também) existem inúmeros conservadores a auto-identificar-se como liberais de direita, vá-se lá saber porquê (exemplo canónico).
Assim, é possível um indivíduo não ser de "Direita", "Esquerda" nem "Centro"? Sim. Quando pergunto a alguém "achas que deveríamos fazer algo em conjunto para diminuir as desigualdades?" essa pessoa pode responder que sim, e nesse caso será de "Esquerda", mesmo que não o saiba. Se responder que não, é importante perceber se ele acredita que as coisas estão bem como estão ("Centro") ou se acredita devem existir mudanças sociais importantes com determinados objectivos, que acabassem por aumentar as desigualdades como efeito colateral, caso em que será de "Direita".
Para não ser de "Esquerda", "Centro" ou "Direita" deverá responder a essa pergunta com um "não sei". E eu não sei se essa é uma resposta sensata (sou da opinião que não), mas sei que é uma resposta muito rara. Quase todas as pessoas que me dizem que não são de "Esquerda" ou "Direita" têm uma resposta à pergunta sobre as desigualdades que as coloca algures no espectro.
E se é difícil que uma pessoa, pelos seus valores e princípios, não esteja algures no espectro, mais difícil ainda será a um partido. Aí é uma questão de avaliar as suas propostas: têm propostas que visam diminuir desigualdades? Têm propostas que visam outros objectivos, mas que acabariam efectivamente por aumentá-las? Qual é o balanço entre elas?
Mesmo um partido que não se auto-identifique como sendo de "Esquerda" ou "Direita" é imediatamente identificado pelos outros partidos - à "Esquerda" e "Direita", e também pelos cientistas políticos, como estando num determinado ponto desse contínuo.
Dois exemplos: o PAN e o Podemos. Ambos dizem que não são de "Direita" nem de "Esquerda", mas os partidos de "Direita" consideram-nos de "Esquerda" e os partidos de "Esquerda" também.
[Afinal o Podemos assume-se como sendo um partido de esquerda, ver mais detalhes nos comentários.]
Porque é que um partido de "Esquerda" não se identificaria como tal? Precisamente porque a diminuição das desigualdades é um objectivo muito mais popular que o termo "Esquerda". Para as inúmeras pessoas que se identificam com o objectivo mas ignoram o significado de "Esquerda", e que até sentem alguma "distância afectiva" em relação ao termo (associando-o a partidos e instituições que aprenderam a desgostar, por exemplo), esta é a solução perfeita.
Infelizmente não me parece a mais honesta.
sábado, 13 de dezembro de 2014
A democracia não pode ser só para o Estado
Grassa alguma agitação em Canelas (Gaia): os católicos locais não concordam com a escolha de sacerdote da hierarquia ICAResca. As circunstâncias têm zonas cinzentas e intrigas, mas a vontade da comunidade católica local (a «paróquia») parece ser unânime: querem o padre que estava e não o que veio. A hierarquia, essa, nem sequer se digna explicar a sua decisão: quer assim e os destinatários que embrulhem. O assunto já meteu até promessas de lugares no funcionalismo público para o padre «demitido», e a intervenção de uma potência estrangeira.
Eu sei que há muito quem ache que não tenho nada com isso: nem sequer sou cristão. Eu acho que sim, que tenho. Existir uma «sociedade paralela» em Portugal (refiro-me à ICAR) que é inteiramente anti-democrática, ao ponto, como se prova neste caso, de impor um sacerdote a uma comunidade que o rejeita, não é propriamente uma boa influência para o país como um todo. A democracia não é só a Assembleia da República, as autarquias e o PR. Uma sociedade só é realmente democrática quando as instituições, todas ou quase, funcionam de forma democrática. Mesmo aquelas a que só pertence quem quer. O exemplo mais discutido a esse respeito é o dos partidos, mas cabe recordar que uma associação não pode, legalmente, ser não democrática.
A ideia de igrejas (ou outras comunidades religiosas) a funcionarem de forma democrática parece com certeza exótica ao leitor português. E todavia, mesmo na Europa muitas igrejas de tradição luterana elegem quem gere a sua comunidade. É o que acontece, com especificidades, na Dinamarca e na Islândia, onde leigos elegem e são eleitos; enquanto na Suécia todos os membros da Igreja Luterana podem votar para representantes «parlamentares» ao nível da paróquia, da diocese e nacional; até o líder formal é eleito (em 2014, os suecos elegeram uma mulher). A autoridade destes representantes eleitos, geralmente, não se estende a decidir quem é padre ou bispo (embora na Suécia os bispos sejam eleitos por padres e leigos); mas a legitimidade democrática está lá e impediria uma Canelas nórdica. Ainda mais democráticas do que estas igrejas luteranas são algumas igrejas protestantes «liberais» dos EUA que elegem padres e bispos por voto directo dos leigos (após entrevistas e debates, como é normal). Tudo isto serve para lembrar que uma igreja não deixa de ser cristã (regra geral) se não mantiver a nomeação de bispos e sacerdotes autoritária e do topo para a base que é típica da ICAR.
A ideia de igrejas (ou outras comunidades religiosas) a funcionarem de forma democrática parece com certeza exótica ao leitor português. E todavia, mesmo na Europa muitas igrejas de tradição luterana elegem quem gere a sua comunidade. É o que acontece, com especificidades, na Dinamarca e na Islândia, onde leigos elegem e são eleitos; enquanto na Suécia todos os membros da Igreja Luterana podem votar para representantes «parlamentares» ao nível da paróquia, da diocese e nacional; até o líder formal é eleito (em 2014, os suecos elegeram uma mulher). A autoridade destes representantes eleitos, geralmente, não se estende a decidir quem é padre ou bispo (embora na Suécia os bispos sejam eleitos por padres e leigos); mas a legitimidade democrática está lá e impediria uma Canelas nórdica. Ainda mais democráticas do que estas igrejas luteranas são algumas igrejas protestantes «liberais» dos EUA que elegem padres e bispos por voto directo dos leigos (após entrevistas e debates, como é normal). Tudo isto serve para lembrar que uma igreja não deixa de ser cristã (regra geral) se não mantiver a nomeação de bispos e sacerdotes autoritária e do topo para a base que é típica da ICAR.
Em resumo: acho que a agitação de Canelas se resolveria se fossem a votos. E sei que não acontecerá, porque isso seria democrático e portanto anti-católico.
sexta-feira, 12 de dezembro de 2014
Não é «suicídio assistido» nem «eutanásia», é «morte assistida»
Quem tem uma doença terminal e escolhe morrer antes da dor e da degradação finais não comete suicídio nem eutanásia: suicídio é escolher a própria morte quando se está fisicamente saudável; eutanásia é ajudar a morrer outrem, e um acto que portanto remete para o médico e não para o paciente. O termo correcto será morte assistida.
Estas aborrecidas precisões terminológicas, num assunto já de si tétrico, são necessárias por ser demasiada a confusão num assunto que desafia a empatia de cada um. A situação de quem escolhe a morte assistida pode talvez ser compreendida por analogia com as mortes daqueles que saltaram em 2001 das torres em chamas do World Trade Center, após os atentados islamofascistas: aquelas pessoas já não podiam escolher entre a vida e a morte. Só podiam escolher como iriam morrer, e preferiram saltar em vez de morrerem queimadas ou intoxicadas. (Juridicamente, essas mortes foram aliás consideradas homicídios e não suicídios.)
Em boa verdade, a morte assistida sempre aconteceu em todas as épocas e culturas, mas toma outra pertinência numa época em que os cuidados médicos, felizmente, podem prolongar a vida muito para além dos trinta ou quarenta anos médios dos nossos antepassados neolíticos. Efectivamente, ser possível prolongar a vida de quem se sabe estar condenado a meses ou meras semanas de sofrimento não torna obrigatório aceitar esse sofrimento. São populares, eu sei, mundividências que glorificam o sofrimento. Será uma escolha legítima, se partir da livre consciência de cada um. Mas escolher morrer quando já não há esperança de uma vida melhor também deve ser uma escolha da livre consciência de cada um.
Estas aborrecidas precisões terminológicas, num assunto já de si tétrico, são necessárias por ser demasiada a confusão num assunto que desafia a empatia de cada um. A situação de quem escolhe a morte assistida pode talvez ser compreendida por analogia com as mortes daqueles que saltaram em 2001 das torres em chamas do World Trade Center, após os atentados islamofascistas: aquelas pessoas já não podiam escolher entre a vida e a morte. Só podiam escolher como iriam morrer, e preferiram saltar em vez de morrerem queimadas ou intoxicadas. (Juridicamente, essas mortes foram aliás consideradas homicídios e não suicídios.)
Em boa verdade, a morte assistida sempre aconteceu em todas as épocas e culturas, mas toma outra pertinência numa época em que os cuidados médicos, felizmente, podem prolongar a vida muito para além dos trinta ou quarenta anos médios dos nossos antepassados neolíticos. Efectivamente, ser possível prolongar a vida de quem se sabe estar condenado a meses ou meras semanas de sofrimento não torna obrigatório aceitar esse sofrimento. São populares, eu sei, mundividências que glorificam o sofrimento. Será uma escolha legítima, se partir da livre consciência de cada um. Mas escolher morrer quando já não há esperança de uma vida melhor também deve ser uma escolha da livre consciência de cada um.
quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
Agora é a vez dos "cidadãos"
Foi logo em 1254 que o "Terceiro Estado" (os cidadãos indiferenciados) participou pela primeira vez nas Cortes. A Constituição de 1822 enterrava o feudalismo e o absolutismo, dando igualdade a todos os cidadãos* (para lá do monarca). Infelizmente foi sol de pouca dura e o poder de dos cidadãos* só é reconquistado explicitamente em 1911, e definitivamente em 1975/6 para todos cidadãos maiores de idade.
Numa República Parlamentar são os cidadãos que livremente formam grupos com ideias políticas semelhantes, é da discussão interna que saem listas de cidadãos disponíveis para representar estas ideias, e são todos os cidadãos (independentemente de estarem nestes grupos ou não) que escolhem quais as listas que melhor representam a sua opinião para estas se reunirem numa assembleia de cidadãos.
Está muito na voga a ideia dos políticos e dos cidadãos serem dois compartimentos estanques, como a Nobreza o foi em tempos idos. O líder do Podemos espanhol vai ao ponto de falar na casta política (já aqui mostrei o meu desconforto com isto). Isto é apenas uma roupagem nova do velho populismo do ódio aos políticos e do "eles são todos iguais" e do "eles só pensam neles". É mais fácil e confortável lidarmos com o mundo deste modo maniqueísta, do que tentar perceber e envolver-nos no complexo processo de escolha e debate público da democracia.
Dado o êxito deste discurso populista aqui ao lado, há vários movimentos a acotovelarem-se para ocuparem este espaço em Portugal. Marinho e Pinto fala em abrir "o sistema político aos cidadãos". O Juntos Podemos (que conta com Joana Amaral Dias) quer "devolver a voz aos cidadãos" e promover uma "assembleia cidadã". Por último, e com pena minha, o Livre ao juntar-se a outros movimentos quer lançar uma "candidatura cidadã".
O que me leva à pergunta, actualmente se não são os cidadãos que têm voz, e que gerem o sistema político, quem é?
A divisão artificial entre nós e eles é uma ideia populista perigosa porque enterra mais a confiança na democracia parlamentar. É também contra-producente para os movimentos que a lançam, porque esvazia o debate e retira importância à participação em grupos de cidadãos politicamente activos (estejam eles definidos na lei como partidos ou não). Pode agradar no curto-prazo a algumas camadas populistas, mas o que acontecerá na próxima eleição em que participarem? Já não serão vistos como cidadãos, mas como membros da casta.
Não deixa de ser irónico que os três movimentos tenham como figuras mais conhecidas um actual eurodeputado, um ex-eurodeputado e uma ex-deputada.
Claro que a nossa democracia pode ser melhorada, seja em termos de participação seja em rotatividade - talvez baixando o número mínimo de assinaturas para candidaturas. Já tenho escrito que sou adepto do sistema holandês, onde a proliferação de vários partidos obriga sempre a governos de coligação (com 2, 3 ou 4 partidos), e cria uma cultura de debate e compromisso. Mas os excelentes resultados do Livre nas Europeias, e o de Rui Moreira nas autárquicas, mostram que ele está longe de ser estanque.
Nota: não tenho, e nunca tive qualquer envolvimento partidário.
*A definição de cidadãos não era tão abrangente como hoje, mas a diferenciação por classe social desaparece.
Está muito na voga a ideia dos políticos e dos cidadãos serem dois compartimentos estanques, como a Nobreza o foi em tempos idos. O líder do Podemos espanhol vai ao ponto de falar na casta política (já aqui mostrei o meu desconforto com isto). Isto é apenas uma roupagem nova do velho populismo do ódio aos políticos e do "eles são todos iguais" e do "eles só pensam neles". É mais fácil e confortável lidarmos com o mundo deste modo maniqueísta, do que tentar perceber e envolver-nos no complexo processo de escolha e debate público da democracia.
Dado o êxito deste discurso populista aqui ao lado, há vários movimentos a acotovelarem-se para ocuparem este espaço em Portugal. Marinho e Pinto fala em abrir "o sistema político aos cidadãos". O Juntos Podemos (que conta com Joana Amaral Dias) quer "devolver a voz aos cidadãos" e promover uma "assembleia cidadã". Por último, e com pena minha, o Livre ao juntar-se a outros movimentos quer lançar uma "candidatura cidadã".
O que me leva à pergunta, actualmente se não são os cidadãos que têm voz, e que gerem o sistema político, quem é?
A divisão artificial entre nós e eles é uma ideia populista perigosa porque enterra mais a confiança na democracia parlamentar. É também contra-producente para os movimentos que a lançam, porque esvazia o debate e retira importância à participação em grupos de cidadãos politicamente activos (estejam eles definidos na lei como partidos ou não). Pode agradar no curto-prazo a algumas camadas populistas, mas o que acontecerá na próxima eleição em que participarem? Já não serão vistos como cidadãos, mas como membros da casta.
Não deixa de ser irónico que os três movimentos tenham como figuras mais conhecidas um actual eurodeputado, um ex-eurodeputado e uma ex-deputada.
Claro que a nossa democracia pode ser melhorada, seja em termos de participação seja em rotatividade - talvez baixando o número mínimo de assinaturas para candidaturas. Já tenho escrito que sou adepto do sistema holandês, onde a proliferação de vários partidos obriga sempre a governos de coligação (com 2, 3 ou 4 partidos), e cria uma cultura de debate e compromisso. Mas os excelentes resultados do Livre nas Europeias, e o de Rui Moreira nas autárquicas, mostram que ele está longe de ser estanque.
Nota: não tenho, e nunca tive qualquer envolvimento partidário.
*A definição de cidadãos não era tão abrangente como hoje, mas a diferenciação por classe social desaparece.
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