terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Qual será o próximo líder do CDS/PP?

Novo inquérito na barra lateral.

terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Fragmentos de um delírio maoísta

  • «Entende esta canalha revisionista reaccionária que, no passado dia 13 de Novembro, houve um massacre cometido pelos islamitas em Paris (...) Se se questionassem sobre as causas reais do acontecimento, teriam compreendido, com toda a facilidade e meridiana clareza, que o massacre não é um massacre mas um ataque militar superiormente organizado e conduzido ao coração do imperialismo gaulês, infligindo uma pesada e demolidora derrota ao maior exército e à maior organização policial do continente europeu. (...) Não é o islamismo, mas o imperialismo a causa real, verdadeira e única do ataque a Paris. Agora os franceses já sabem que a guerra de rapina movida pelo imperialismo francês em África e no Oriente Médio tem como consequência inevitável a generalização da guerra à própria França, à capital desse mesmo imperialismo moribundo. E atenção: não só não foi um massacre, como foi um acto legítimo de guerra; não foi cometido por islamitas, mas por jiadistas, isto é, combatentes dos povos explorados e oprimidos pelo imperialismo, nomeadamente francês; e acima de tudo – coisa que estes revisionistas de pacotilha intentam ocultar – foi praticado por franceses, nascidos em França, vivendo em São Dinis e noutros bairros do Paris suburbano. (...)

quinta-feira, 19 de novembro de 2015

Pode 90% da actividade de um serviço do Estado ser ilegal?

Sim, pode.
  • «O ex-diretor do Serviço de Informações Estratégicas de Defesa (SIED) Jorge Silva Carvalho afirmou que o segredo de Estado serve para proteger o ‘modus operandi´ das secretas, que é “90 por cento ilegal”.» (Observador)
Pode o superior dos superiores hierárquicos colaborar em ilegalidades e manter-se em funções? Sim, pode.
  • «A decisão de espiar o telemóvel [do jornalista Nuno Simas] foi tomada com o conhecimento do seu superior hierárquico Júlio Pereira – que, ainda hoje, dirige as secretas, é secretário-geral do Serviço de Informações da República Portuguesa (SIRP) (...).» (Público)
Podem os cidadãos ficar indiferentes perante isto? Podem, mas não devem.

domingo, 15 de novembro de 2015

O «Estado Islâmico», o terrorismo e a religião

O objectivo do terrorismo é aterrorizar. Levar-nos a suspender a nossa capacidade de reacção e a nossa racionalidade. No caso da organização «Estado Islâmico» (EI), o objectivo mais imediato dos atentados de Paris poderá ser tentar a suspensão dos bombardeamentos aéreos que nos últimos meses têm feito diminuir a área que ocupa. Alguns argumentarão que o objectivo poderá ser o contrário: obter uma invasão que confirme profecias apocalípticas. Nesse caso, será difícil explicar que o EI tenha esperado por 2015 para iniciar a sua campanha terrorista na Europa.
Um efeito colateral do terrorismo é a desumanização de quem o perpetra. Os que expressam a sua condenação do EI recusando-lhe qualquer racionalidade ou até humanidade, dão largas a uma indignação justa e inteiramente compreensível, mas perdem capacidade de compreensão e portanto de resposta. «Patologizar» os terroristas chamando-lhes «loucos» ou «bestas» não nos ajuda a debater como os vamos impedir de repetir os seus atentados.

A ideologia do «Estado Islâmico» é conhecida e enunciada articuladamente pelos próprios. Querem restaurar o califado (ou afirmam mesmo já o ter feito), e portanto estabelecer um Estado baseado na interpretação mais fundamentalista do Islão. Muitos na Europa, à esquerda e à direita, resistem a aceitar que o Estado Islâmico seja aquilo que diz ser. Ao contrário do que acontecia com o IRA ou com a ETA, aos quais nunca foi negado que tinham o objectivo de unir a Irlanda ou separar Euskadi, ao «Estado Islâmico» recusam que tenha objectivos islâmicos. A razão é simples: em pleno século 21, há ainda quem não queira aceitar que da religião possa vir o mal.
E no entanto: o programa político que o «Estado Islâmico» concretizou no território que controla só difere do programa da Irmandade Muçulmana no grau de radicalismo e nos métodos. Os fundamentos são os mesmos. Aliás, não tem sido suficientemente sublinhado que a Arábia Saudita executa pessoas por dissidência religiosa e por comportamento sexual recorrendo à mesma jurisprudência que o «Estado Islâmico». Não costumam é filmar e postar no youtube. O «Estado Islâmico» não é menos islâmico do que a Arábia Saudita ou do que as monarquias do Golfo. Anda é mais mal visto.

E sendo verdade que o «Estado Islâmico» não representa todo o Islão e que mata mais muçulmanos que pessoas de outras religiões, não se ganha nada em negar a sua inspiração religiosa.

sábado, 14 de novembro de 2015

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

O meu problema com quem se acha imparcial

João Miguel Tavares assina hoje um texto no Público chamado "O meu problema com a esquerda", onde condescendentemente diz que a esquerda tem problemas com os factos.
Comecei a ler com uma certa esperança: alguém tinha dado dois passos atrás para ver as coisas em perspectiva, depois voltando à sua posição e escrito sobre o que tinha visto. Teria sido um exercício interessante, fosse de esquerda ou direita.
Perdi a
esperança a meio quando ele resume o seu ponto: a esquerda tem problemas com os factos objectivos. Se ele se tivesse dado ao trabalho de pelo menos ler o que diz a malta da esquerda, veria que a esquerda diz exactamente o mesmo: a direita tem problema com os factos objectivos. E diz isso constantemente. Afinal não deu um único passo atrás.

Quantos aos "factos" em si que ele refere, aqueles com os quais a esquerda teria problemas em lidar, e incorrendo n
o erro de confundir este governo com a direita (é o que tenho mais à mão) apraz-me dizer o seguinte:
"a nossa capacidade de produzir riqueza" - este governo foi o primeiro a deixar um PIB menor do que quando entrou, e deixa ainda um investimento igual ao de décadas atrás;
"de pagar a dívida" - este governo foi o recordista em subida do peso da dívida na economia, e o recordista em falhar metas do défice (12 orçamentos numa legislatura!);
"de influenciar o rumo político em Bruxelas" - este governo foi constantemente referido por vários outros governos, como o que mais se deixava ir com a corrente;
"enfrentar a crise demográfica" - os dados de 2014 acabaram de sair, e Portugal voltou a perder população, voltou a haver dezenas de milhares a emigrarem, e o número de nascimentos está 20% abaixo do que eram quatro anos antes.


Por último, João Miguel Tavares mostra algum desconforto com a frase do Jerónimo (que ele tenta colar a António Costa),
gostava que um economista me explicasse por que é que o défice tem que ser de 3% em vez de 4%”, pessoalmente eu também gostaria que algum economista (que não eu) me explicasse isso.

Adenda: parece que Bagão Félix também não entende os tais 3%, mas felizmente foi à procura, e percebeu que foi escolhido aleatoriamente.

terça-feira, 27 de outubro de 2015

O IVA na electricidade

A imprensa tem dado conta do finca-pé do BE na descida do IVA da electricidade para 6%, e como isso tem impedido o acordo com o PS. Tenho uma enorme dificuldade em perceber o porquê.
Se for por questão de princípio, poderíamos decretar a morte ideológica do BE.
Se é uma questão de justiça social, vêm-me à cabeça dúzias de maneiras socialmente mais justas de baixar a carga fiscal - nem que seja porque está em causa uma descida de impostos que beneficiaria todas as classes de rendimento - ou de aumentar as despesas sociais do Estado.
Ironicamente, ao querer baixar o preço final da electricidade, e por consequência aumentar o seu consumo, o BE está a fazer um grande favor ao sector eléctrico (o tal das enormes rendas) e cometer um erro de política ambiental.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

Das "tradições" da democracia portuguesa

Gosto muito desta tradição recém-inventada de indigitar o líder do partido mais votado como PM. Olhando para as decisões no passado, também se poderia inventar a tradição de indigitar quem oferece uma maioria mais estável no parlamento, mas essa tradição já não dá tanto jeito.
O que tem sido realmente tradição é um e outro serem a mesma pessoa, e essa tradição foi quebrada. Agora cabe ao PR decidir, a Constituição dá-lhe discricionariedade.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

A Helena não sabe

Helena Matos, coitadinha, não sabe distinguir:
a) um espaço de debate com vários intervenientes de um espaço de opinião pessoal e sem contraditório;
b) (mais importante) um espaço na televisão por subscrição de um espaço na televisão em canal aberto (eu dir-lhe-ia para comparar as audiências, mas esses números devem ser muito complicados para a cabecinha dela).

Revista de imprensa (13/10/2015)

"PS, BE e PCP disseram, os três, durante a campanha eleitoral, que não viabilizariam um governo de Pedro Passos Coelho. Partindo do princípio que não preciso de recordar as posições de Catarina Martins e Jerónimo de Sousa, deixo apenas a de António Costa, a 18 de setembro, em plena campanha eleitoral: “A última coisa que fazia sentido é o voto no PS, que é um voto de pessoas que querem mudar de política, servisse depois para manter esta política. É evidente que não viabilizaremos, nem há acordo possível entre o PS e a coligação de direita.” Esta declaração mereceu rios de tinta e horas de comentários, tendo sido até utilizada para justificar a perda de votos do PS. Foi bem audível e não podia ter sido mais claro. Ou seja, quem votou no PS, no PCP ou no BE, que correspondem a mais de metade dos eleitores e a mais de 120 deputados, sabia que o voto nestes partidos tornaria inviável um governo de Passos Coelho. É por isso legítimo assumir que a maioria dos eleitores votou para garantir que Passos Coelho não governava." (Daniel Oliveira)

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Introdução à democracia representativa, parte I:

O actual governo da Dinamarca é exclusivamente constituído por membros do terceiro partido mais votado (19,5%, tendo descido dos 26,7%), mas com o apoio parlamentar do segundo (21,1%), do quinto (7,5%), e o nono (3,4%), tendo mais um deputado que a oposição.

O actual governo da Bélgica tem o primeiro-ministro do terceiro partido mais votado, tendo também ministros de outros partidos, nomeadamente o primeiro mais votado.

O actual governo da Itália é liderado pelo partido mais votado, mas o primeiro-ministro só subiu a líder do partido bem depois das eleições. 

E isto são apenas os casos que me lembro de governos actuais e de democracias representativas bem mais velhinhas que a nossa. Recuando poucos anos lembro-me de casos semelhantes na Suécia e na Áustria.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Rescaldo eleitoral (2)

Esta imagem diz tudo: a direita não tem nada que festejar, tendo conseguido um dos seus piores resultados de sempre (como já aqui havia previsto há dias). Que uma esquerda em maioria não se consiga entender para capitalizar este resultado, como seria normal noutros países, é um triste fado português. O LIVRE não teve o apoio eleitoral que desejava, mas os resultados eleitorais demonstram que o seu projeto faz sentido.

Rescaldo eleitoral (1)

O grande vencedor da noite é o Bloco de Esquerda, que pela primeira vez falou de uma forma credível numa coligação pós eleitoral com o PS, tendo para isso apresentado um conjunto de condições mínimas que não era megalómano e permitiria um diálogo, caso essas duas forças juntas tivessem mais deputados que o PAF (o que não foi o caso). Mesmo assim, o Bloco apareceu como uma alternativa credível aos eleitores que não queriam um mero partido de protesto e que estavam desencantados com a errância e o ziguezaguear de António Costa. Longe vai o tempo, portanto, em que o Bloco apresentou uma moção de censura a um governo socialista, quinze dias depois de se ter com eles coligado para apoiar o mesmo candidato presidencial, como se fosse para expiar as suas culpas. Ou se recusou a reunir com a troika. As disputas eleitorais têm destas coisas: o Bloco nestas eleições deixou de estar preocupado em marcar terreno em relação ao PCP (o que para a esquerda só pode ser bom), e preocupou-se mais em não perder eleitores para o LIVRE - Tempo de Avançar, acabando por ganhar votos que à partida se esperava estarem destinados a esta força. Não estou com isto a dizer que o Bloco não fez uma boa campanha nem que não mereça o resultado que alcançou. Mas muito desse bom resultado deve-se ao aparecimento do LIVRE.

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

Após as sondagens

Todas as sondagens apontam para uma maioria de esquerda no próximo parlamento. Para que isso se traduza numa maioria efetiva (não somente aritmética) e tenha resultados práticos, é necessária convergência à esquerda. Essa convergência nunca se fez com os partidos de esquerda tradicionais (que mais uma vez passaram a campanha a atacarem-se uns aos outros, por vezes de forma bem lamentável), mas está no código genético do LIVRE/ Tempo de Avançar. Mais do que nunca essa convergência é necessária, e para a alcançar é preciso uma grande votação nesta candidatura.

quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Algumas razões para votar LIVRE/TEMPO DE AVANÇAR

Sendo subscritor da candidatura L/TdA seria estranho que não fosse votar na mesma. Ainda assim, quero partilhar aqui algumas das razões que dão mais convicção a este meu voto no dia 4 de Outubro:

1- Democracia Interna
O L/TdA é diferente de todos os partidos/coligações/candidaturas que concorrem a estas eleições pela forma como se organiza internamente. É uma estrutura menos hierárquica, mais basista, mais aberta à participação activa e consequente dos cidadãos. Inovou em relação à escolha dos candidatos (eleições primárias), inovou em relação à elaboração do seu programa (aberto à possibilidade de qualquer subscritor propor acrescentos ou alterações, que são depois votadas por todos os subscritores), e inovou em relação às opções estratégicas fundamentais (colocando-as na mão dos subscritores na lógica "um subscritor, um voto"). 
Estas inovações podem fazer muito para aumentar a participação dos cidadãos e melhorar a qualidade da Democracia em Portugal, principalmente se forem seguidas como exemplo por outros partidos (e já existiram alguns ensaios nesse sentido, que muito nos alegraram). No entanto, com um mau resultado nestas eleições a lição que o "regime" vai tirar é que não vale a pena inovar. Que a actual forma de funcionar resulta melhor.  
Nesse sentido, para dar força a soluções inovadoras e promissoras parece-me muito importante que o L/TdA tenha um excelente resultado.


2- Um excelente programa
Para ser franco, não conheço os programas dos restantes partidos que se candidataram com o mesmo detalhe que conheço o do L/TdA e não posso por isso afirmar que este é o melhor de todos os programas (como o fiz nas eleições europeias, ocasião em que os programas eram muito mais curtos e fui capaz de lê-los todos com cuidado), embora tenha fortes suspeitas que assim é.
Aquilo que posso dizer, sem hesitações, é que se trata de um excelente programa. Resultou de um trabalho muito alargado, exaustivo, envolveu muita discussão, muita reflexão, muitas iterações, muito esforço. Muitas das pessoas envolvidas conheciam as questões em detalhe, e partiram para a discussão com uma atitude sensata e pragmática. O programa apresenta, na minha opinião, a dose certa de realismo e ambição, e está extremamente completo.
A realização de um programa com esta qualidade absorveu grande parte dos esforços da candidatura L/TdA ao longo dos últimos meses, inclusivamente a prejuízo dos esforços de comunicação da nossa mensagem ("propaganda"). Seria positivo que esta opção fosse recompensada nas urnas.
Por outro lado, há pelo menos três domínios em que sei que o programa da candidatura L/TdA é melhor e mais completo que qualquer outro:

a) Combate à Corrupção
b) Reforma do Sistema Democrático 
c) Endividamento Privado


3- Uma pedrada no charco
Os negócios obscuros, as privatizações mal feitas, as PPPs, a promiscuidade entre o público e o privado, são tudo problemas que constituem um grave entrave ao desenvolvimento do país. PS, PSD e CDS têm tido um fraco incentivo para evitar os diversos escândalos e para fazer as alterações sistémicas que possam dar solução a este problema (acabando com a impunidade da corrupção, aumentando a transparência, etc.) pois apresentam a alternativa no "arco da governação" como sendo pior ou igual. 
Para combater este problema no médio-longo prazo é fundamental votar em partidos fora do arco da governação.
Parece-me um tiro no pé votar no PDR ou no AG!R com este objectivo. Apesar de fazerem da falta da seriedade dos políticos o tema central da sua mensagem, são liderados por indivíduos eles próprios menos sérios do que muitos dos políticos que criticam.
Posto isto, este argumento tanto justifica um voto no L/TdA como um voto na CDU, BE, PCTP, ou PAN, entre outros. 


4- Pontes à esquerda
A vontade de convergir do L/TdA é um ponto a favor desta candidatura. Muitos têm afirmado que o L/TdA quer convergir a "todo o custo", fazendo o jogo do PS. Esta é geralmente uma crítica ignorante ou mal fundamentada. 
A opção do L/TdA é a de fazer a convergência depender de um compromisso programático, que é exactamente aquilo que faz sentido. Recentemente tanto BE como CDU fizeram a mesma opção: mostraram-se disponíveis para convergir com o PS desde que sejam satisfeitas algumas condições ao nível das políticas executadas. Ironicamente, as condições apresentas por Catarina Martins no debate com António Costa são menos exigentes que as do L/TdA (!!). Esta recente disponibilidade para o compromisso (com condições) por parte do BE e CDU é de louvar, mas um mau resultado eleitoral do L/TdA pode dar o sinal contrário, levando estes partidos a recuar face à sua recente posição mais pragmática e consequente.
Aqueles que alegam que o L/TdA pretende convergir com o PS "a todo o custo" deveriam dar uma vista de olhos no programa com que nos apresentamos a eleições:

«Para a candidatura cidadã “LIVRE/Tempo de Avançar”, a convergência para a governação depende do entendimento programático em torno das questões inadiáveis e de compromissos claros com opções cruciais: 

• Colocar a promoção do emprego digno e o combate ao desemprego no topo das prioridades da política económica; 
• Referendar novos tratados ou alterações aos tratados da União Europeia; 
• Recusar uma negociação pouco transparente do Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento (TTIP) que abdique da soberania a favor das multinacionais; 
• Suspender as privatizações, as concessões e as parcerias público-privadas; 
• Reestruturar a dívida para relançar a economia; 
• Adotar um orçamento suficiente e não recessivo que garanta o bom funcionamento e a universalidade do Serviço Nacional de Saúde e da Escola Pública; 
• Atualizar o salário mínimo e reativar a negociação coletiva; 
• Corrigir as injustiças fiscais, garantindo que todos os rendimentos são taxados de forma progressiva; • Garantir as pensões e o financiamento da segurança social; 
• Lançar um programa de emprego público nos serviços deficitários; 
• Melhorar as condições de acesso das PME ao financiamento; 
• Dotar os tribunais de meios que lhes permitam combater mais eficazmente a corrupção e a criminalidade económica.»

[Continue a ler sobre este assunto em «ler mais»]


Conclusão
A candidatura L/TdA é a novidade mais promissora no cenário político português. De acordo com as sondagens está mesmo muito perto de conseguir alcançar um pequeno grupo parlamentar, principalmente nos círculos de Lisboa, Porto e Setúbal (nos outros estamos mais distantes, infelizmente). 
Dadas as actuais circunstâncias, este é sem dúvida o «voto útil» por excelência, não o «mal menor», mas aquele que realmente pode contribuir para mudar o país no melhor sentido. 
Não me lembro das últimas legislativas em que fui votar de forma tão convicta como irei este Domingo. Espero que também partilhem da minha convicção, pois parece-me bem fundamentada.




terça-feira, 29 de setembro de 2015

Excelência, diz a FCT

Como complemento deste excelente artigo do Carlos Herdeiro e do Vítor Cardoso, permito-me fazer algumas considerações históricas.
Ao contrário do que foi sendo propalado, apesar dos muitos elogios (alguns bem hipócritas) que recebeu de diferentes quadrantes após o seu desaparecimento há uns meses, a obra do Mariano Gago nunca foi consensual.
Um dos maiores feitos de Mariano Gago, ainda antes de ser ministro, foi a adesão de Portugal ao CERN. Esta adesão fez-se contra a vontade de grande parte da comunidade científica portuguesa, incluindo mesmo muitos físicos. Argumentava-se entre outras coisas que essa adesão custaria dinheiro a Portugal (as quotas anuais a pagar), ignorando os benefícios que poderiam advir para a indústria (passados 30 anos reconhece-se a adesão como benéfica para a economia portuguesa - o CERN é cliente de muitas empresas portuguesas). Ciente da importância dessa adesão para o desenvolvimento da ciência de um país que tinha estado fechado ao mundo por meio século, Mariano Gago convenceu o governo e o primeiro-ministro Mário Soares, apesar da oposição de muitos colegas. E Portugal aderiu ao CERN. A oposição a esta adesão pode ter diminuído (mas não acabado); a inveja do dinheiro que supostamente iria para a "Física de Partículas" (ainda por cima, uma especialidade científica que em Portugal existia sobretudo em Lisboa e principalmente no Técnico) é que não.
Desde o princípio, o objetivo da política científica deste governo era um único: o desmantelar do sistema científico construído por Mariano Gago. Um exemplo simbólico: os concursos de projetos para cooperação no CERN, ao longo de todo este mandato, só foram lançados este ano (deveriam ter sido também em 2013, se a calendarização tivesse sido obedecida). Os físicos de partículas portugueses (muitos deles participam em experiências internacionais) que não têm financiamento internacional estão sem dinheiro para investigação. Neste ano de eleições o concurso dos projetos foi finalmente lançado. A área científica destes projetos, que anteriormente era designada por "Física de Partículas" (uma designação já algo ultrapassada - basta ver o arXiv), passou a ser... "Física Nuclear". Simbolicamente, é como se deixasse de haver "Física de Partículas" (a designação dos dias de hoje é "Física de Altas Energias"), a física do Mariano Gago. Um dos objetivos era esse. As razões de queixa dos físicos de altas energias portugueses são essas, bem expostas neste artigo.
O resto é a treta da "excelência", não como objetivo em si (que isso fique claro), mas como pretexto para as políticas de cortes brutais delineadas à partida (a "excelência" estava para a política científica como a troika estava para a política económica e social). Tal como o artigo que aqui partilhei há dias ("Nunca tanto dinheiro foi para tão poucos projetos") demonstra, o objetivo é outro: a concentração do investimento em ciência em certas áreas (curiosamente, as da secretária de Estado e dos responsáveis pela FCT). Nem só as Humanidades e as Ciências Sociais foram prejudicadas pelas políticas desta FCT e deste governo: a ciência fundamental também o foi e muito. O Vítor e o Carlos, cientistas cuja excelência não pode ser questionada, demonstram-no bem neste artigo, e eu dou-lhes os parabéns por isso.

segunda-feira, 28 de setembro de 2015

sábado, 19 de setembro de 2015

Programas Eleitorais

Programas/manifestos eleitorais dos partidos/coligações que se auto-consideram de esquerda, que se candidatam às eleições legislativas de 2015:

-Partido Socialista

-Coligação Democrática Unitária (PCP e PEV)

-Bloco de Esquerda

-LIVRE/Tempo de Avançar (LIVRE, POUS, Fórum Manifesto e Renovação Comunista)

Nota: não fui capaz de encontrar o programa do PCTP-MRPP.


quarta-feira, 12 de agosto de 2015

As duas abstenções




Existem fundamentalmente duas formas diferentes de abstenção.

Uma é a abstenção com raiz no desleixo. Outra é a abstenção com raiz na revolta.
Naturalmente, isto é uma simplificação um pouco grosseira, mas peço ao leitor que me acompanhe.

Embora sejam motivações completamente diferentes e opostas, é comum que ambas coexistam em maior ou menor grau em vários abstencionistas. Ou pelo menos, assim o revelam: se o abstencionista motivado unicamente pela revolta dificilmente vai esconder a sua atitude num suposto desleixo, o contrário já se torna bastante comum - o abstencionista motivado pelo desleixo preferirá justificar a sua atitude numa suposta revolta contra os políticos "todos iguais".

A abstenção motivada pelo desleixo é mais comum quando as coisas correm bem. A economia está a crescer, as desigualdades não são excessivas, a criminalidade está sob controlo, existem oportunidades. Algumas pessoas sentem algum grau de aversão ao conflito natural na política, e desgostam do facto de que qualquer opinião que tenham vai sempre encontrar opositores descontentes. Sentem desconforto em discutir assuntos, principalmente quando se sentem menos informados, e acabam por correr o risco de passar vergonhas quando eles são discutidos. Como evitam falar sobre esses assuntos, acabam por ter menos motivação para se informarem a seu respeito, numa espécie de ciclo vicioso. Sentem que o facto dos políticos "não se entenderem" mostra que muitos deles são desonestos, mas não se arriscam a pronunciarem-se sobre quais - preferem dizer que são todos. Estas pessoas não estão preocupadas em mudar o sistema, e até poderiam encarar com grande desconfiança quem o quisesse fazer. Não é tanto porque um dia na praia ou no jardim lhes seja mais apetecível que ir às urnas que não votam: é porque preferem evitar ter de "tomar partido", e falar sobre o assunto. Podem não o reconhecer sequer perante eles próprios (e até afirmar o contrário com indignação), mas no fundo, bem no fundo, acham que as coisas não estão muito mal, e certamente o seu esforço é melhor empregue investido na sua vida pessoal, que a zelar pelo bem comum.

A abstenção motivada pela revolta é mais comum quando as coisas correm mal. A economia está em crise, as desigualdades são gritantes, as oportunidades são escassas, e por vezes o crime e a violência estão a aumentar. Parece claro para algumas pessoas que a "democracia representativa" falhou, e que outro sistema diferente a deve substituir. Assim, responsabilizam os problemas sociais naqueles que alimentam este sistema que os causa. Pelo contrário, eles não querem alimentar este sistema que tantas injustiças e tanto mal tem causado. Não é tanto porque um dia na praia ou no jardim lhes seja mais apetecível que não votam: é por uma questão de princípio. Não raras vezes, apelam a que outros lhes sigam o exemplo: não se limitam a dizer que os políticos são todos uns bandidos, querem fazer algo a esse respeito, e esse algo começa por ser uma recusa em votar. Embora existam excepções, é comum que estejam relativamente bem informados, e não têm medo de hostilizar outras pessoas com as suas opiniões algo radicais. Querem mudar o status quo, querem mudar o mundo, mesmo que isso implique alguns sacrifícios.

A abstenção motivada pelo desleixo é perniciosa?
Depende. O desleixo, a falta de informação, a falta de reflexão, a falta de acompanhamento serão tendencialmente perniciosos - os políticos que resultam de um eleitorado desleixado são mais incompetentes e menos íntegros do que aqueles que resultam de um eleitorado informado, atento, interventivo. Nesse sentido, quanto mais desleixo mais abstenção e pior qualidade da democracia. Temos aqui uma retroacção negativa: se os políticos são mais competentes a abstenção por desleixo aumenta, e a qualidade dos políticos diminui, e vice-versa. O sistema tende para uma estabilidade relativa.
No entanto, para um determinado nível de desleixo fixo, a abstenção é a melhor opção. Se alguém não está informado e atento, então o ideal é que se informe, que reflicta, que debata, etc. Não o fazendo, melhor será que não vote. Sou contra o voto obrigatório primeiramente por uma questão de princípio (acho uma tremenda violação da liberdade individual forçar alguém a votar), mas também acho que tende a piorar a qualidade da democracia, ao forçar os "desleixados" a depositar na urna um voto que não é "em consciência".

A abstenção motivada pela revolta é perniciosa?
Depende. A abstenção motivada pela revolta é estratégia mais contra-producente que alguém pode seguir. Assim, a abstenção motivada pela revolta é benéfica para o status quo, e prejudicial para todos aqueles que o querem transformar radicalmente - em particular estes abstencionistas.
O abstencionista motivado pela revolta acredita que ao não votar está a evitar "alimentar o sistema", mas isso só seria uma estratégia eficaz caso a esmagadora maioria (>95%?) da sociedade tivesse a mesma vontade de o alterar radicalmente. Mas se fosse esse o caso, as eleições não corresponderiam ao desapontamento constante daqueles que desejam mudanças mais profundas. Pelo contrário: longe de "tirar oxigénio" ao sistema, o abstencionista motivado pela revolta está com a sua recusa em votar a aumentar o poder relativo daqueles que querem preservar o status quo face aos que querem ver mudanças mais significativas.
Pior ainda, o abstencionista pode com a sua inacção facilitar a vida aos que querem fazer mudanças que impossibilitem que o sistema mude, mesmo quando as pessoas tiverem vontade que tal aconteça. Exemplos concretos: imaginemos que alguns partidos pretendiam dar mais poderes às polícias secretas, aumentar a vigilância sobre os cidadãos, limitar o direito a manifestações ou à liberdade de expressão, aumentar os poderes do aparato militar com o pretexto da luta contra o terrorismo, tornando o conceito mais abrangente ao ponto de abarcar aqueles que têm opiniões mais radicais face ao status quo. Não é muito difícil de imaginar... É fácil de compreender que o abstencionista motivado pela revolta não tem sobre estas questões uma opinião igual à da restante população: tendo uma maior vontade de mudar o status quo tenderá a ver de forma mais negativa todas estas tentativas securitárias de evitar mudanças. Ao não votar está a facilitar a vida a quem quiser implementar estas mudanças.
Ao não votar, fortalece o status quo, o que por sua vez aumenta o seu descrédito face à ideia de que a democracia representativa possa alterá-lo. Isso aumenta o grau de abstenção por revolta, o que por sua vez favorece ainda mais o status quo. Temos aqui uma retroacção positiva, que nunca resulta no fim da democracia representativa - resulta antes numa democracia de má qualidade, estanque, com desigualdades, injustiças, corrupção e cinismo.
Tendencialmente uma democracia mais "musculada", à medida que os conflitos sociais se agravam.
Faz sentido acreditar que a democracia representativa não é o sistema ideal. Mesmo que possa ser o sistema adequado para a nossa sociedade (será?), parece-me desejável que a sociedade evolua a tal ponto que o actual sistema de organização social se torne obsoleto.
No entanto, mesmo para quem quer desenvolver um esforço no sentido de mudar os fundamentos da nossa sociedade, e para quem acredita que o essencial da mudança futura não passa pelo actual sistema político-partidário, estou convencido que o voto é uma ferramenta à sua disposição, e não a usar um verdadeiro tiro nos pés - uma cumplicidade inadvertida para com as forças do status quo, ao colocar à margem do processo eleitoral precisamente aqueles com mais motivação para se lhe oporem. 

segunda-feira, 3 de agosto de 2015

As exigências de Cavaco

Em abstrato, Cavaco Silva até poderia defender a doutrina de que não deve haver governos minoritários. Mas tem que se ver a jurisprudência durante os seus mandatos. Se Cavaco defende que não deve dar posse a executivos minoritários, não deveria ter dado posse ao segundo governo de José Sócrates nas condições em que deu. Até porque, na altura, dispunha da prerrogativa de convocar novas eleições. Por não dispor dessa prerrogativa nas próximas eleições legislativas (cuja data ele mesmo escolheu), e por no passado já ter dado posse a um governo minoritário (quando poderia não ter dado), a exigência de Cavaco é inaceitável. Os partidos deveriam confrontá-lo com isso.

domingo, 2 de agosto de 2015

A morte do leão Cecil

Haverá certamente uma minoria de malucos que se preocupa mais com os animais do que com os outros humanos, mas não é sério nem honesto reduzir quem se preocupa com os animais (principalmente animais selvagens de espécies em risco) a essa caricatura. Além disso, irrita-me que se considere que, por nos indignarmos por um leão ter sido assassinado para exibir como troféu, necessariamente não somos capazes de nos indignarmos por (por exemplo) um bebé e dois adolescentes palestinianos terem sido assassinados. Como se a indignação estivesse racionada, e onde cabe uma não coubesse a outra! Argumentos destes parecem-me aqueles do tipo "por que se preocupam com o aborto ou o casamento entre pessoas do mesmo sexo no meio desta crise, com tantas pessoas a morrer à fome"? São um insulto à minha inteligência, e tudo o que é um insulto à minha inteligência irrita-me.
Outro argumento, que já é muito familiar para quem anda nas redes sociais e nos blogues, é o policiamento da indignação: "se te indignas pelo bebé e pelos adolescentes, por que não o manifestas, como o fazes pelo leão"? O leão é uma novidade; trouxe para a ordem do dia a discussão sobre a caça a animais selvagens. Infelizmente, a barbaridade dos colonos israelitas já está na ordem do dia há décadas. De qualquer forma reservo-me o direito de não ter que escrever aqui sobre tudo o que me indigna.
Finalmente, a novidade: o argumento "Com o dinheiro que pagam para abater alguns deles, os caçadores fazem muito pelos leões! O que é que tu já fizeste pelos leões?" Eu leio isto e parece que estou a ouvir a piedosa Isabel Jonet, a perguntar-nos o que é que já fizemos pelos pobres. Só nos faltava as Isabéis Jonets da espingarda.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

Ele não é Charlie, mas não merece ser processado

Parece que se vai tornar comum no Reino Unido: mais um pastor protestante processado em tribunal, e que arrisca seis meses de prisão, por ter dito (num sermão) que o Islão é «satânico» e «pagão». O centro islâmico lá do sítio (o caso passa-se na Irlanda do Norte) achou-se «ofendido». Há precedente de condenação num caso semelhante.

Há muitos anos que digo sempre o mesmo sobre estes casos: a liberdade de expressão deve servir para criticar o ateísmo e a religião, os fundamentalistas e os liberais, os democratas e os autoritários. Só em casos muito extremos (apelo à violência e ao crime) é que se pode processar pessoas por meros discursos, por mais insuportáveis, intolerantes ou idiotas que sejam.

segunda-feira, 13 de julho de 2015

É a política, estúpido!

No sábado, a reunião do eurogrupo (o conjunto de ministros das finanças da UE que não se chamem Varoufakis) terminou quase com a Grécia a sair do euro. Quem colocou a «Grexit» em cima da mesa, significativamente, foi Schauble. No domingo, os chefes de governo foram até à madrugada de hoje para conseguirem manter a Grécia no euro, o que foi possível graças a Hollande.

De tudo o que se sabe do que se passou no fim de semana, há três conclusões a tirar. Primeira, que a Europa não pode ser feita por tecnocratas. Não é a economia, é mesmo a política que tem que liderar. E os estadistas não nascem feitos, fazem-se em provas duras como as das últimas semanas. Segunda conclusão, quem quer a Grécia fora do euro é Schauble (ainda mais do que Merkel), e a esquerda radical que insiste em colocar essa questão (por cá, o PCP de modo cada vez mais claro) deve reflectir em se não estará a fazer o jogo da direita alemã. Terceira conclusão, o equilíbrio de forças das últimas horas esteve mais próximo da França (e da Itália) do que era habitual há muito tempo. No momento em que a Grécia se aproximou do precipício, foi a esquerda dos países latinos que impediu o passo final. Portanto, uma outra UE pode ser possível.

Nada disto minora a pesada continuação da austeridade na Grécia. Todavia, a grande vitória é que o governo grego continua em funções, e insistindo na reestruturação da dívida. Consegui-la ou não, não depende só do Syriza.

domingo, 5 de julho de 2015

A União Europeia mereceu o Nobel da Paz?

Ter dado, em 2012, o Nobel da Paz à UE, quando as instituições europeias revelam o pior da sua disfuncionalidade, e ao longo dos últimos anos - principalmente nos últimos dias - se têm preparado para repetir na Grécia os erros de Versalhes, parece o cúmulo da falta de oportunidade.
Quase que parece uma tentativa deliberada de descredibilizar o prémio.

Mas vale a pena sobre o assunto.
Esqueçamos 2012 e pensemos em abstracto: a UE merece o Nobel da Paz?

O comité Nobel afirmou que a UE mereceu o prémio «pelos seus esforços, ao longo de seis décadas, em prol da paz, da reconciliação, da democracia e dos direitos humanos na Europa.»

A ideia não é nova: há muitos anos que oiço falar no mérito do projecto europeu como sendo algo que evitou guerras na Europa nas últimas décadas. Parece-me que poucos na minha geração compreendem o alcance desta afirmação.

Para muitas pessoas da minha geração, a paz é algo que tomamos por garantido. Mesmo que não o formulemos intelectualmente desta forma, nós "sentimos" que a guerra é uma coisa do passado, ou que acontece "lá fora", e este sentimento é tão constante que nem nos apercebemos da sua presença.
Mais, sabemos que têm existido guerras em território europeu, mesmo que não no território da UE.

E, em parte porque inconscientemente quase que damos a paz cá dentro por garantida, não vemos esse como um importante objectivo da UE: a União Europeia é geralmente vista como uma via para para promover o desenvolvimento, para aceder a uma "prosperidade partilhada", para promover o "bem-estar".
Muitos alemães, belgas, finlandeses, portugueses, etc. sentem que vale a pena estar na UE porque serão beneficiados economicamente com essa pertença.

De alguma forma, este é um enquadramento mental muito menos propício à cooperação, mas mais propício à mesquinhez e ao egoísmo. Quando coopero com um amigo com um objectivo comum tenho uma atitude mental que não é a mesma que aquela que tenho quando negoceio com um desconhecido. Quando a incerteza face aos riscos e benefícios de diferentes medidas é maior, mais paralisante pode ser a desconfiança e o egoísmo, e mais comuns podem ser as perdas via "dilema do prisioneiro".
A ironia é tremenda: obcecados com os benefícios económicos, os países acabam por ser levados a uma postura não cooperativa que se materializa em tremendos prejuízos económicos para todos.
Tome-se como exemplo a forma como a UE reagiu à crise de 2008, para ter uma noção dos danos que o egoísmo e a mesquinhez podem provocar.

Mesmo que seja possível encarar tudo o que se tem passado como uma vitória do sector financeiro e dos mais poderosos, que têm conseguido impor a sua agenda e acentuar as desigualdades instigando egoísmos e ressentimentos nacionais, parece-me claro que as populações e os seus representantes se tornam mais susceptíveis a esta manipulação quando lhes é natural olhar para a UE como uma instituição que serve para providenciar benefícios económicos. Por mais que a «solidariedade entre os povos» esteja nos tratados, nunca deixará de ser letra morta enquanto o enquadramento mental for este (um exemplo).

Não parece fácil pensar num enquadramento mental alternativo que seja tão naturalmente aceite.
A minha geração não viveu a segunda guerra mundial, e muito menos as quase constantes guerras que a antecederam. A minha geração não tem noção da anormalidade que constitui a paz que temos vivido. Infelizmente, muitas vezes não damos o devido valor ao que temos por garantido. E esse erro pode ser muito mais grave quando temos por garantido algo que não o é.
Será preciso viver a guerra para compreender quão valiosa é a paz?

Neste ponto do texto tenho de pedir uns dezoito minutos ao leitor para ver esta animação.



Eu espero que não: que não seja preciso viver a guerra para compreender o valor da paz.

Com isto eu não quero dizer que a UE mereceu o Nobel.
Saber se a paz que temos vivido é em maior ou menor medida construída à custa da colaboração com uma potência hegemónica e o seu complexo militar-industrial, a qual tem projectado o seu poder com cada vez menos pudor, é uma questão em aberto, e apesar da promessa do título não lhe vou dar resposta.

Mas parece-me que, quando compreendemos o custo da guerra, quando compreendemos a ubiquidade da guerra, quando conseguimos dar à paz o valor que ela merece, parece mais natural ver este como o objectivo fundamental da UE.

Muitas vezes oiço políticos mais velhos, à esquerda e à direita, lamentarem-se de uma UE cada vez mais caracterizada pelos egoísmos nacionais, com menos solidariedade e menos «visão». Talvez no esquecimento colectivo a respeito da dureza das guerras passadas esteja parte da resposta.
Se todos encarássemos a UE como um custo que vale a pena suportar em nome da paz, o projecto europeu não estaria em risco de ruir para salvar meia dúzia de bancos aqui e ali.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

A imprensa nacional e os gregos malditos

Não tenho sido o único a notar que a imprensa nacional passa uma história diferente daquela que é passada pela imprensa anglo-saxónica. Nada melhor para ilustrar isto do que os textos sobre a declaração de hoje do FMI:

Enquanto uns dizem que o FMI pede maior flexibilidade na ajuda à Grécia...

The IMF called on Thursday for Europe to grant the country “comprehensive” debt relief.
Concessions proposed by the IMF was a doubling of the maturities on Greece’s existing debts to 40 years and the inclusion of a 20-year grace period on repayments.
 
The International Monetary Fund (...) conceded that the crisis-ridden country needs (...) large-scale debt relief to create “a breathing space” and stabilise the economy.
IMF revealed a deep split with Europe as it warned that Greece’s debts were “unsustainable”.
Fund officials said they would not be prepared to put a proposal for a third Greek bailout package to the Washington-based organisation’s board unless it included both a commitment to economic reform and debt relief.
According to the IMF, Greece should have a 20-year grace period before making any debt repayments.
 
... outros dizem que aponta o dedo à Grécia
 
O Fundo Monetário Internacional (FMI) defende que se a Grécia não concretizar um conjunto de reformas precisará de um perdão de dívida (haircut).

Jornal de Negócios
O Fundo Monetário Internacional efectuou uma análise à sustentabilidade da dívida pública da Grécia, tendo concluído que será necessário um "haircut" caso o país não implemente reformas 
 
Nem tive coragem de abrir o Observador...

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Lampeiros

Pacheco Pereira escreveu um texto certeiro e pertinente no Público.

É pena que tenha iniciado o texto com um devaneio sobre o vocabulário português que ainda durou uns bons quatro parágrafos. Mas logo de seguida, surge uma crítica assertiva às mentiras de Pedro Passos Coelho e outros elementos do seu governo:

« Lampeiros com a verdade, neste governo e no anterior, há muitos. Sócrates é sempre o primeiro exemplo, mas Maria Luís Albuquerque partilha com ele a mesma desenvoltura na inverdade, como se diz na Terra dos Eufemismos. E agora Passos deu um curso completo dentro da nova tese de que tudo que se diz que ele disse é um mito urbano. Não existiu. Antes, no tempo do outro, era a ”narrativa”, agora é o “mito urbano”.

Aconselhar os portugueses a emigrar? Nunca, jamais em tempo algum. Bom, talvez tenha dito aos professores, mas os professores não são portugueses inteiros. Bom, talvez tenha dito algo de parecido, mas uma coisa é ser parecido, outra é ser igual. Igual era se eu dissesse “emigrai e multiplicai-vos” e eu não disse isso. Nem ninguém no “meu governo”. Alexandre Mestre era membro do Governo? Parece que sim, secretário de Estado do Desporto e disse: "Se estamos no desemprego, temos de sair da zona de conforto e ir para além das nossas fronteiras". Como “sair da sua zona de conforto” é uma das frases preferidas do Primeiro-ministro, e a “zona de conforto” é uma coisa maléfica e preguiçosa, vão-se embora depressa. E Relvas, o seu alter-ego e importante dirigente partidário do PSD de 2015, então ministro, não esteve com meias medidas: “é extraordinariamente positivo” “encontrar [oportunidades] fora do seu país” e ainda por cima, “pode fortalecer a sua formação”. Resumindo e concluindo: “Procurar e desafiar a ambição é sempre extraordinariamente importante". Parece um coro grego de lampeiros.

Continuemos. A crise não atingiu os mais pobres porque “os portugueses com rendimentos mais baixos não foram objecto de cortes”, disse, lampeiro, Passos Coelho. Estou a ouvir bem? Sim, estou. Contestado pela mentirosa afirmação, ele continua a explicar que os cortes no RSI foram apenas cortes na “condição de acesso ao RSI” e um combate à fraude. A saúde? Está de vento em popa, e quem o contraria é o “socialista” que dirige um “observatório” qualquer. Sobre os cortes nos subsídios de desemprego e no complemento solidário de idosos, nem uma palavra, mas são certamente justas medidas para levarem os desempregados e os velhos a saírem da sua “zona de conforto”. Impostos? O IVA não foi aumentado em Portugal, disse Passos Coelho com firmeza. Bom, houve alterações no cabaz de produtos e serviços, mas o IVA, essa coisa conceptual e abstracta, permaneceu sem mudança, foi apenas uma parte. Então a restauração anda toda ao engano, o IVA não aumentou? E na luz, foi um erro da EDP e dos chineses? Lampeiro.

Depois há a Grécia. “Não queremos a Grécia fora do euro” significa, por esta ordem, “queremos derrubar o governo do Syriza”, “queremos o Syriza humilhado a morder o pó das suas promessas eleitorais”, “queremos os gregos a sofrerem mais porque votaram errado e têm que ter consequências”, “queremos a Grécia fora do euro”. O que é que disse pela voz do Presidente? Na Europa “não há excepções”. Há, e muitas. A França por exemplo, que violou o Pacto de Estabilidade. A Alemanha que fez o mesmo. 23 dos 27 países violaram as regras. Consequências? Nenhumas: foi-lhes dado mais tempo para controlar as suas finanças públicas. Mas ninguém tenha dúvidas: nunca nos passou pela cabeça empurrar a Grécia para fora do euro, até porque na Europa “não há excepções”. Lampeiros é o que eles são. Lampeiros.»

Logo de seguida, o melhor do texto: a crítica à insuportável moleza do PS (o destaque a negrito é meu):

«Este tipo de campanha eleitoral é insuportável, e suspeito que vamos ver a coligação a “bombar” este tipo de invenções sem descanso até à boca das urnas. O PS ainda não percebeu em que filme é que está metido. Continuem com falinhas mansas, a fazer vénias para a Europa ver, a chamar “tontos” ao Syriza, a pedir quase por favor um atestado de respeitabilidade aos amigos do governo, a andar a ver fábricas “inovadoras”, feiras de ovelhas e de fumeiro, a pedir certificados de bom comportamento a Marcelo e Marques Mendes, a fazer cartazes sem conteúdo – não tem melhor em que gastar dinheiro? – e vão longe.

Será que não percebem o que se está a passar? Enquanto ninguém disser na cara do senhor Primeiro-ministro ou do homem “irrevogável” dos sete chapéus, ou das outras personagens menores, esta tão simples coisa: “o senhor está a mentir”, e aguentar-se à bronca, a oposição não vai a lado nenhum. Por uma razão muito simples, é que ele está mesmo a mentir e quem não se sente não é filho de boa gente. Mas para isso é preciso mandar pela borda fora os consultores de imagem e de marketing, os assessores, os conselheiros, a corte pomposa dos fiéis e deixar entrar uma lufada de ar fresco de indignação.

Então como é? O país está mal ou não está? Está. Então deixem-se de rituais estandardizados da política de salão e conferência de imprensa, deixem-se de salamaleques politicamente correctos, mostrem que não querem pactuar com o mal que dizem existir e experimentem esse franc parler que tanta falta faz à política portuguesa.

Mas, para isso é preciso aquilo que falta no PS (e não só), que é uma genuína indignação com o que se está a passar. Falta a zanga, a fúria de ver Portugal como está e como pode continuar a estar. Falta a indignação que não é de falsete nem de circunstância, mas que vem do fundo e que, essa sim, arrasta multidões e dá representação aos milhões de portugueses que não se sentem representados no sistema político. Eles são apáticos ou estão apáticos? Não é bem verdade, mas se o fosse, como poderia ser de outra maneira se eles olham para os salões onde se move a política da oposição, e vêm gente acomodada com o que se passa, com medo de parecer “radical”, a debitar frases de circunstância, e que não aprenderam nada e não mudaram nada, nem estão incomodados por dentro, como é que se espera que alguém se mobilize com as sombras das sombras das sombras?

Enquanto isto não for varrido pelo bom vento fresco do mar alto, os lampeiros vão sempre ganhar. As sondagens não me admiram, a dureza e o mal são sempre mais eficazes do que o bem e muito mais eficazes do que os moles e os bonzinhos.»

quinta-feira, 18 de junho de 2015

«Trickle down economics is wrong, says IMF»

Um estudo com origem no FMI representa mais um prego no caixão da malfadada «Reagonomics». Esta notícia (de onde roubei o título deste texto) resume as conclusões.

O documento tem quase 40 páginas, mas vale a pena destacar este parágrafo: «Specifically, if the income share of the top 20 percent (the rich) increases, then GDP growth actually declines over the medium term, suggesting that the benefits do not trickle down. In contrast, an increase in the income share of the bottom 20 percent (the poor) is associated with higher GDP growth. The poor and the middle class matter the most for growth via a number of interrelated economic, social, and political channels.»

quinta-feira, 11 de junho de 2015

Auto-crítica anarquista (e não só...)

No início do século XX os movimentos anarquistas tinham uma força, vitalidade e influência cultural que rivalizava com a dos movimentos comunistas. Algo se passou de lá para cá.
É esta observação e interrogação que serve de ponto de partida para «RednBlackSalamander», um cartoonista anarquista anónimo, lançar uma série de cartoons com críticas - a meu ver certeiras - aos actuais movimentos anarquistas.

É evidente que muita da perda de força e influência dos movimentos anarquistas tem causas completamente exógenas aos movimentos e às atitudes dos seus participantes. Mas também é verdade que muitas das actuais atitudes sectárias, elitistas, anti-pragmáticas e alienantes explicam parte desse enorme recuo.

Gosto particularmente destes dois cartoons:


Legenda: «Go ahead and laugh while you can, one-percenters! Someday, us American radicals will remember how to interact with people who aren't middle-class college students, and then you'll be sorry!»


Legenda: «Every angry young malcontent watching grainy 9/11 youtube videos in his basement is another one that's not out in the streets organizing against war, racism, poverty and inequality. For wasting so many perfectly good activists on your wild goose chase against the imaginary Illuminati, I have just one thing to say to you, Alex Jones: go fuck yourself with an abnormally large pine cone. If I were an oil CEO or a neocon politician, I would send you a bouquet of flowers for making the job that much easier.»

Seleccionei outros 14 cartoons, todos sobre este assunto.
No entanto, creio que as críticas se aplicam não apenas aos anarquistas, mas a vários movimentos progressistas. Pelo menos foi essa a minha experiência pessoal em Lisboa, no âmbito da «luta contra a austeridade» (e não só...) desenvolvida por vários activistas. Das poucas vezes que se adoptou uma postura razoavelmente pragmática, tolerante e consciente da realidade, foi possível ter um impacto real sobre o país (exemplo). Mas geralmente a postura era outra, e os resultados condiziam: ainda me lembro da tarde inteira que centenas de activistas perderam na Fábrica do Braço de Prata a discutir a cor do cartaz da «Primavera Global.pt».

Mas aquilo que é evidente para mim é tudo menos claro para alguns. Estes cartoons foram duramente criticados por vários anarquistas, e geralmente as próprias críticas apenas demonstram quão certeiros foram os cartoons (exemplo canónico).

Se não quiserem «acordar», os vossos adversários ideológicos agradecem.


O Presidente do seu governo

Cavaco Silva nunca prometeu ser o Presidente de todos os portugueses. E nunca o foi. Foi o presidente que ajudou a cavar a sepultura do governo anterior no discurso da sua tomada de posse. E que segurou o actual governo perante as maiores manifestações dos últimos trinta anos, no meio da maior crise social, e sem pestanejar perante uma dezena de chumbos do Tribunal Constitucional.

O discurso de ontem é mais um episódio do apoio inquebrantável de Cavaco ao seu governo, o da sua facção de sempre. As referências centrais a objectivos macroeconómicos, a menorização das dificuldades sociais, tudo embalado com os ataques aos que «só criticam» (que significativamente até poderiam ter sido proferidos quando era ele o primeiro ministro), sem distanciamento nem tentativa de empatia para os que sofreram na pele esta governação, só servem o PSD/CDS de Passos Coelho.

Seria um péssimo precedente para o futuro do cargo que Cavaco Silva interviesse ainda mais na campanha do que neste discurso de 10 de Junho. O lado bom seria tornar óbvia para todos a importância de retirar a direita de Belém em Janeiro de 2016.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Outro blogue

O meu blogue pessoal foi renovado para a minha candidatura às primárias abertas do LIVRE/Tempo de Avançar. Estão por lá os artigos mais longos que escrevi, conferências e algumas intervenções na TV.

quinta-feira, 4 de junho de 2015

Afinal quem quer uma Constituição ideológica?

Desde 1976 que a direita acusa a esquerda de se agarrar a uma Constituição «programática», «ideológica» e (entre os neoliberais mais lunáticos) «socialista». Agora, no ano de 2015, a direita no poder propõe uma revisão constitucional destinada a «inscrever um limite à dívida pública na Constituição». Ora, eu não defenderia que lá se colocasse o limite à taxa de desemprego; nem o escalão máximo (ou mínimo) de IRS.  Aliás, nem o PCP iria a esse ponto.

Não existe maior fanatismo ideológico na política portuguesa do que o da coligação Passos & Portas.

O princípio do fim do 11 de Setembro

A aprovação pelo Congresso dos EUA de uma lei limitando o poder dos serviços de espionagem marca o início de uma viragem histórica. É verdade que é apenas um passo na direcção certa: embora os dados de emails e chamadas telefónicas dos norte-americanos deixem de ser sistematicamente arquivados pelos espiões estatais, podem ainda ser acedidos a pedido de um tribunal especial. É pouco, mas é alguma coisa. E depois de quase quinze anos de retrocesso na privacidade dos cidadãos, as denúncias corajosas de Julian Assange e Edward Snowden permitem que a maré comece a virar.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

Austeridade: um erro crasso

No passado dia 9 de Maio, o Banco de Portugal organizou uma conferência intitulada «Growth and Reform in Europe in the Wake of Economic Crisis».

A apresentação de Paul De Grauwe relembrou aquilo que já é claro para quase todos os que estão por dentro do assunto: a resposta da Europa (em particular dos países da zona euro) à crise foi patética*, absurda, monstruosa nas suas consequências. Os países europeus fora da zona euro, os EUA, e outros países ricos e desenvolvidos afectados por esta crise tiveram respostas muito mais adequadas.

A razão: a "austeridade" à escala europeia. Criou um problema de procura agregada, que levou a um "ciclo vicioso": como os estados gastaram menos e cobraram mais impostos, os rendimentos das pessoas diminuíram, o que por sua vez afastou investimento, diminuindo ainda mais a procura, e ainda mais os rendimentos, e por aí fora.

Os adeptos da austeridade à escala europeia interpretaram os problemas como sendo problemas do lado da oferta, e a crise como uma oportunidade para fazer "reformas estruturais" que supostamente aumentariam as perspectivas de crescimento de longo prazo. Paul De Grauwe mostrou que não é razoável afirmar que as "reformas estruturais" tiveram esse efeito, mas que a política "austeritária" como um todo (diminuição da procura agregada e "reformas estruturais") teve o efeito oposto, de agravar as perspectivas de crescimento.

Claro que hoje, à excepção de um extremista ou outro, já todos aqueles mais versados em economia compreendem que a austeridade à escala europeia foi um erro crasso. O problema é que politicamente se torna muito inconveniente admitir certos erros. Nesse sentido, vai-se tentado mudar de política sem que se note, o que implica manter uma grande parte das políticas erradas (e que se sabe serem erradas), só para não perder a face. É isto que Merkel está a fazer.

Muitos respondem a estas evidências alegando que a austeridade à escala europeia foi muito má, mas que era inevitável. Isso é completamente falso. Nos EUA fez-se o contrário daquilo que se fez na Europa (só agora se começa a fazer, timidamente e tarde): um programa de estímulo, que a direita muito combateu. Quando comparamos os resultados, as conclusões são muito claras.


domingo, 17 de maio de 2015

Estado Islâmico e Combatentes Ocidentais - Como reagir?

Um amigo pediu-me para divulgar este debate no próximo Sábado e, como me parece interessante e pertinente, é com prazer que o faço:


sexta-feira, 15 de maio de 2015

RBI, outros textos

Culminei a última série de textos sobre o RBI com a apresentação das razões pelas quais a defesa de uma solução deste tipo ao nível europeu seria a melhor opção.
O André Barata escreveu no Irrevogável um texto sobre este mesmo assunto, e estas questões são bastante aprofundadas. Para os leitores que se interessam por este tema, não posso deixar de recomendar sem reservas.

O Miguel Madeira também escreveu (no Vento Sueste e no Vias de Facto) sobre este assunto, pensando numa possibilidade de usar o RBI como instrumento de política monetária, pelo menos de forma esporádica quando medidas heterodoxas são necessárias.
Se bem que, logo na altura, a possibilidade de injectar liquidez desta forma me tenha parecido mais justa e elegante que o «quantitative easing», parece-me um pouco enganador chamar a isto um RBI ocasional. A meu ver, o RBI pressupõe alguma continuidade e previbilidade - afectando as decisões das pessoas em relação às suas opções profissionais.
Já a conjugação de uma reforma como a considerada na Islândia com uma ferramenta deste tipo, podia exigir injecções permanentes que dessem alguma continuidade a um rendimento deste tipo, que hipoteticamente aumentariam o controlo do Banco Central sobre a massa monetária, ajudando-o a evitar desequilíbrios. Será que neste caso já se poderia mesmo falar num RBI? Creio que sim, mas não tenho uma opinião muito informada sobre se a opção islandesa é uma boa solução (esquecendo a questão do RBI). Se forem em frente com essa reforma, estarei muito atento aos resultados.
 

segunda-feira, 11 de maio de 2015

RBI, primeiros passos

No texto anterior argumentei que o RBI corresponde a uma solução importante para os problemas que a revolução tecnológica ao virar da esquina irá colocar.

É possível argumentar que a revolução tecnológica já coloca estes problemas - que nos últimos anos a tendência de aumento de desemprego e diminuição do tempo de lazer se substituiu à anterior tendência de conquista de direitos sociais e constante melhoria da qualidade de vida, que há algumas décadas atrás aqueles que olhavam para o futuro imaginavam uma sociedade onde as pessoas trabalhariam muito menos horas, e se isso acontece hoje é apenas sob a forma de desemprego excessivo. 
Mas seja como for, pelas razões expostas no texto anterior, é claro que na sua forma de implementação mais directa, o RBI ainda é uma ideia à frente do seu tempo, sem condições políticas, sociais ou financeiras para ser implementada sem mais

E no entanto, como mencionei nesse texto, as linhas programáticas da candidatura LIVRE/Tempo de Avançar dizem o seguinte:

«3.24. Defendemos também a existência de um rendimento básico, assente numa filosofia de assunção da cidadania e não de assistencialismo. Tal como a educação, a saúde e a proteção social, também um rendimento básico deve ser incondicionalmente atribuído a todos os cidadãos. A introdução deste instrumento deverá ser precedida de uma avaliação dos seus pressupostos, da sua articulação com outras medidas de combate à pobreza e da sua sustentabilidade.»

Neste momento o programa da candidatura está em processo de construção, e este debate é um debate importante. 

Existem duas soluções extremas que a candidatura pode adoptar, e discordo de qualquer delas:

a) Propor a criação de um RBI «a sério», no imediato. 
Discordo desta proposta, pelas razões já explicadas. O aumento das despesas do estado em cerca de 50% parece-me um "aventureirismo" que não se coaduna com as dificuldades que o país tem vindo a sentir nos últimos anos. Seria irresponsável avançar com uma proposta assim. Ela seria punida nas urnas, e com razão.

b) Rejeitar a instauração do RBI.
A candidatura poderia alegar que, após o estudo do impacto orçamental das diferentes medidas propostas, não existe espaço para incluir também esta prestação cumprindo os objectivos orçamentais compatíveis com outras propostas importantes das mesmas linhas programáticas (nomeadamente a renegociação da dívida, que exige um saldo primário positivo para que exista maior força negocial face aos credores). 
É verdade que se poderia estabelecer uma tributação que fizesse face à despesa acrescida, nos tais moldes em que 95% da população aumentasse o seu rendimento líquido, mantendo-se o actual perfil de vencimentos. No entanto, poder-se-ia sempre alegar que não nos podemos dar ao luxo de lidar com uma hipótese tão incerta, até improvável.
Também discordo desta solução. Discordo porque ela não leva em linha de conta o enorme potencial do RBI no longo prazo, e porque ela esquece a possibilidade de soluções intermédias.

E que soluções intermédias pode a candidatura adoptar?
Eu imagino três, que gostaria de expor por ordem crescente de preferência pessoal:

1- O RBIzinho
A ideia do RBIzinho é realizar uma transformação gradual da economia até uma economia com um RBI «a sério».
Instaurava-se uma prestação simbólica, como por exemplo 60€ anuais para cada português (por hipótese metade deste valor para menores). O impacto orçamental imediato de uma medida deste tipo ainda é relativamente comportável no curto prazo, e o ritmo da transformação poderia ser adequado às possibilidades socais e financeiras. Quando «chegasse a hora» do RBI, a transição da situação de elevado desemprego, falta de procura, miséria, para uma situação equilibrada de maior produtividade e lazer seria muito mais rápida e fácil, pois a estrutura adequada para a realização desta transformação já estaria construída.

Existem dois pontos fracos desta proposta: a primeira é que será recebida por muitas pessoas como ridícula e absurda, e é compreensível que assim seja. Afinal, se a intenção não fosse aumentar significativamente esta prestação no futuro, para quê manter uma máquina burocrática capaz de efectuar esta transferência, e fiscalizar possíveis abusos, se a prestação em causa é tão insignificante?
O segundo ponto fraco será explicado quando expuser a terceira solução intermédia.


2- As «experiências piloto»
A alegação associada a esta proposta é que seria irresponsável implementar um RBI sem primeiro estudar o seu impacto nos comportamentos e escolhas das pessoas. 
Como tal, escolhem-se pequenas comunidades e realizam-se «experiências-piloto» para realizar estes estudos. 
As vantagens desta solução são claras: por um lado o impacto orçamental é negligenciável, e dificilmente lhe podem ser apontados riscos relevantes. Por outro lado, ela coloca na agenda a discussão sobre o RBI e ajuda a criar as condições políticas para que esta prestação seja implementada quando a sua necessidade for premente. Adicionalmente, ela permite fazer aquilo a que se propõe: aumentar o nosso conhecimento sobre o impacto do RBI numa pequena comunidade.

O ponto fraco desta medida é que não é assim tão relevante conhecer o impacto do RBI numa pequena comunidade: já existem várias «experiências-piloto» pelo mundo fora, e o seu problema é sempre o da «falta de escala». 


3- Um RBI à escala europeia
No texto anterior procurei demonstrar como os trabalhadores em geral tenderiam a beneficiar do RBI: quer os que privilegiam o trabalho face ao lazer - que teriam menos concorrência dos restantes e veriam seus salários subir - quer os que privilegiam o lazer face ao trabalho, que poderiam assim optar por utilizar uma maior fatia do seu tempo conforme as suas preferências. 
No entanto, estes custos salariais acrescidos, se ocorressem unicamente à escala de um pequeno país, poderiam tornar o investimento nesse país muito pouco apelativo. Ao afastar o investimento, a produtividade acabaria por diminuir, e as subidas salariais acabariam por não se manter. A prosperidade diminuiria, e o rendimento líquido da população poderia acabar por diminuir.
Este risco poderia ser quase totalmente eliminado com um RBI implementado à escala europeia.
Poder-se-ia alegar que o mesmo fenómeno ocorreria à escala europeia: o capital fugiria para outras paragens. No entanto, isso estaria sempre nas mãos dos europeus, e do enquadramento que preferissem adoptar - até em relação às taxas aduaneiras. Muito capital e investimento escolheria a Europa como destino simplesmente para ter acesso aos consumidores europeus. 
Neste sentido, a escala europeia é muito diferente da escala nacional: enquanto o capital pode fugir do nosso país para outro no mesmo mercado comum e ainda assim ter acesso aos consumidores portugueses, a situação análoga à escala europeia já poderá ser facilmente evitada se existir alguma concertação.
Um RBI à escala europeia tem outras vantagens: a prestação mínima necessária à sobrevivência constitui uma proporção muito menor do salário médio europeu do que do salário médio nacional, e nesse sentido exige um esforço fiscal que se apresenta como muito mais suportável.
Uma vantagem acrescida é que uma prestação deste tipo acabaria por constituir uma forma de redistribuição dos países mais ricos para os mais pobres que reforçaria os laços de solidariedade neste momento tão frágeis entre os povos europeus. E se poderíamos observar que os países mais ricos poderiam por essa razão ser mais renitentes face a uma medida deste tipo, é fácil de contrapor que nesses mesmos países o apoio a uma solução deste tipo é muito mais amplo que nos países menos ricos (possivelmente por causa da relação entre a prestação e salário médio já mencionada).

O ponto fraco desta medida é que olhando para as actuais instituições europeias, para a forma patética como têm gerido a crise, para os egoísmos nacionais, e os desequilíbrios de poder, é difícil confiar no enquadramento europeu seja para o que for - principalmente nesta fase.


Em jeito de conclusão, parece-me que não existe nenhuma solução perfeita.
Parte do problema é o nosso desconhecimento sobre o futuro, e as consequências que a revolução da automação, já ao virar da esquina, trará. 
Assim, qualquer opção tem riscos, e a opção de ignorar o problema parece-me das mais arriscadas.

Não sei qual será a escolha da candidatura LIVRE/Tempo de Avançar, mas estou confiante que dentro de algumas décadas, em retrospectiva, a implementação do RBI vai parecer uma conquista tão elementar e essencial como o foram as jornadas de 12h, 10h e 8h, as férias e os fins-de-semana. 


Oxalá se faça essa conquista com o mínimo de sofrimento e desperdício - precisamente o contrário da forma como a zona euro respondeu à crise das dívidas soberanas.

domingo, 10 de maio de 2015

RBI, uma ideia à frente do seu tempo?

Francisco Louçã fez duros ataques à proposta, presente nas linhas programáticas da candidatura LIVRE/Tempo de Avançar, de implementar um Rendimento Básico Incondicional.

Algumas das críticas que fez eram bastante demagógicas e até impróprias de um defensor consistente do estado social (por exemplo, quando se indigna com o facto dos ricos também receberem uma prestação social, como se não fosse essa a argumentação da direita para atacar o SNS e o sistema público de ensino ou pensões), mas não podemos negar a força do seu argumento fundamental: ou bem que um RBI levaria ao quase total desmantelamento do estado social, ou bem que levaria a uma tributação acrescida monstruosa.
Eu já vi mais do que um estudo sobre o impacto do RBI, todos apresentados pelos próprios defensores desta medida, e confirmam as críticas de Louçã: mesmo que algumas prestações sociais sejam reduzidas a um ponto verdadeiramente inaceitável, a carga fiscal teria de disparar. Para a classe média, o IRS poderia entrar na casa dos 70% do vencimento.

Responderão os defensores do RBI que faz pouco sentido fazer as contas desta forma. Sim, a carga fiscal sobe, mas a pessoa agora recebe uma prestação adicional. Assim, o que importa saber é se, fazendo o balanço aos dois efeitos, as pessoas ficam a ganhar ou a perder dinheiro. Que importa que os impostos subam, se em última análise ficamos mais dinheiro ao fim do mês?
E não é nenhum milagre da multiplicação, mas sim pura redistribuição: com alguma progressividade é possível implementar o RBI de forma a que 95% da população fique a ganhar dinheiro, e apenas 5% a perder, isto - claro está - desde que o perfil de rendimentos não mude.

Este contra-argumento é realmente muito forte. Mas acaba por ser muito pouco convincente. As pessoas não acreditam nesse "claro está" - pensam que uma prestação desse tipo alteraria significativamente o perfil de rendimentos. Geralmente estão convencidas que assim que uma prestação dessas fosse implementada, as pessoas teriam muito menos incentivo para trabalhar.
Porquê trabalhar, quando é possível ganhar dinheiro suficiente para sobreviver sem fazer nada? Pior, existe um sentimento de injustiça quase visceral: os que não trabalham estão a viver à custa dos "patetas" que preferem trabalhar.
A isto, os defensores do RBI respondem com uma visão diferente sobre a natureza humana. As pessoas - alegam - gostam de trabalhar, e trabalhariam mesmo que não tivessem de o fazer para sobreviver. Se calhar, trabalhariam a compor músicas, poesias, histórias. Alguns inquéritos - relembram - mostram que cada pessoa assume que as outras apresentariam um comportamento menos industrioso, mas quando falam sobre elas próprias, o rendimento adicional não as levaria a ficar o dia todo sem fazer nenhum: o ser humano gosta de ser útil. As pessoas não teriam menos vontade de trabalhar, talvez até mais.

Neste ponto, não concordo com a generalidade dos defensores do RBI: o senso comum é muito mais certeiro. As respostas das pessoas em inquéritos são enganadoras: além de mecanismos de protecção do ego que levam as que as pessoas se vejam a agir de forma mais decente do que aquela que efectivamente agiriam, ainda temos todos constrangimentos sociais presentes mesmo num inquérito anónimo. Mas se estudarmos o comportamento efectivo das pessoas, e as suas escolhas de profissão/carreira, verificamos que aquelas que recebem algum rendimento não proveniente do trabalho (seja algum tipo de pensão ou prestação social, rendimentos do capital, ou mesmo prémios/heranças) tendem a estar menos dispostas a abdicar do seu tempo de lazer para receber um rendimento acrescido, do que aquelas cujo rendimento provém exclusivamente do trabalho.
Sim, o senso comum está certo: se um RBI surgisse, as pessoas iriam estar menos dispostas a trabalhar. Algumas, mais sóbrias e menos gastadoras, iriam viver exclusivamente dessa prestação.
É verdade que isso não resultaria necessariamente em menos actividade: poderiam estar a escrever os tais poemas, ou fazer voluntariado. Mas no que diz respeito à actividade que queremos pagar para usufruir, desde a recolha do lixo e segurança das ruas até à gestão da base de dados que maximiza a eficácia do armazenamento num qualquer supermercado, existiria realmente uma escassez de mão de obra.

Mas a ironia é precisamente esta. A maior crítica que é feita ao RBI revela precisamente o seu maior potencial.
O RBI é a a resposta mais elegante e livre à questão colocada no texto anterior.
Como responder à nova revolução industrial, à automação cada vez mais prevalecente, já ao virar da esquina? Através do Rendimento Básico Incondicional.
Tal como na revolução industrial anterior, a automação vai destruir inúmeros empregos, e resultar numa diminuição imediata dos salários. Ambos estes fenómenos resultarão numa diminuição da procura agregada que provocará diminuições de salários e empregos adicionais. A redução dos salários levará as pessoas a trabalhar mais horas em piores condições, destruindo ainda mais empregos no processo. A procura agregada desce ainda mais.
Esta situação só pode ser revertida como na revolução industrial anterior: com uma luta social pela mudança das regras do jogo. Mas desta vez, uma redução da jornada de trabalho não resultará: muitos trabalhos são avaliados em termos de objectivos cumpridos, não em termos do número de horas passado nestas ou naquelas instalações.



Mas se um RBI for implementado, menos gente vai querer trabalhar. E se isso acontecer, os salários vão subir. Não são os "trabalhadores" que vão pagar aos "preguiçosos", não será essa a dinâmica: será um processo em que os detentores de riqueza terão de pagar salários superiores, e terão como tal incentivos ainda maiores para automatizar os trabalhos mais desagradáveis e desinteressantes, agora que as pessoas têm muito maior escolha em relação à profissão que querem desempenhar.
A tecnologia conduzirá a um aumento da qualidade de vida e do tempo de lazer e não ao contrário.
Aqueles que dão mais valor à prosperidade do que ao lazer ficarão a ganhar com a subida dos salários, agora que não têm a concorrência daqueles que dão mais valor ao lazer que aos rendimentos, que também ficam a ganhar. E os empreendedores terão vantagem na maior procura agregada que este sistema gera face à alternativa distópica de uma uma sociedade de milhões e milhões de desempregados sem rendimento.
Só os rentistas ficarão a perder - não se pode agradar a todos.

Infelizmente, esta situação só se tornará clara para a maioria da população quando os efeitos da automação forem mais evidentes.
Actualmente é perfeitamente impossível defender, em Portugal, uma medida que levasse a um aumento brutal da carga fiscal, mesmo com a promessa incerta de que os rendimentos líquidos iriam ser muito maiores para 95% da população.
Em Portugal já é difícil defender as prestações sociais que existem, depois de toda a propaganda feita pelos mais poderosos alegando a insustentabilidade destas. Uma prestação que aumentaria a despesa do estado em cerca de 50%, quando tantos cortes inaceitáveis têm sido feitos em nome de poupanças de 0.1% ou 0.2%, não tem qualquer hipótese de ser implementada.

O RBI é uma excelente ideia - e acabará inexoravelmente por ser uma realidade - mas está um pouco à frente do seu tempo.
Como resolver este problema?