sábado, 18 de março de 2023

O Elefante no Meio da Sala

A revista "A Gralha" publicou um artigo que escrevi chamado "O Elefante no Meio da Sala". Nele argumento que, no que concerne ao combate às alterações climáticas na Europa, não existe nenhuma questão tão importante como o abandono do Tratado da Carta da Energia (TCE):

«O Tratado da Carta da Energia estabelece um sistema de justiça paralelo que coloca as empresas multinacionais numa situação de privilégio face às empresas nacionais em geral, mas também ameaça as finanças públicas, a economia e a Democracia. É um obstáculo à luta contra a pobreza energética e as rendas excessivas, sendo plausível que em Portugal tenha estado associado à demissão do secretário de Estado da Energia Jorge Seguro Sanches por ter lutado com eficácia contra estas rendas.

Além disto, para o período entre 2018 e 2050, o TCE protege um volume de emissões que é cinco vezes superior ao volume que a UE pode emitir no mesmo período se quiser atingir o alvo de 1,5º estabelecido no Acordo de Paris. O TCE é completamente incompatível com os compromissos climáticos assumidos pela União Europeia e qualquer decisor político tem obrigação de saber que é impossível respeitá-los sem abandonar este acordo.»

Neste momento já vários países abandonaram ou anunciaram abandonar o TCE, correspondendo a mais de 70% da população da UE, e o abandono coordenado, recomendado pelo Parlamento Europeu e pela Comissão Europeia, estão em cima da mesa. É um momento absolutamente crucial e a decisão do governo português - seja a de apoiar publicamente este processo, seja a de se opor silenciosamente - vai ter mais impacto no combate às alterações climáticas que a totalidade de todas as suas medidas no plano nacional. Se não apoiar publicamente este processo, estará a contribuir directa e consequentemente para o incumprimento do Acordo de Paris, apenas para proteger os lucros excessivos da EDP e outras empresas que tais. 



segunda-feira, 20 de fevereiro de 2023

A “lei dos sefarditas”: um erro histórico

Há dez anos, aprovou-se por unanimidade na Assembleia da República a alteração à lei da nacionalidade conhecida como "lei dos sefarditas". Afirmou-se no debate parlamentar que se pretendia "a promoção do retorno a Portugal dos descendentes dos judeus expulsos ou perseguidos" (Simões Ribeiro, PSD), fez-se votos de que "'a planta do pé dos judeus' que têm raízes em Portugal 'aqui ache descanso'" (Maria de Belém, PS) e falou-se mesmo em "reparação histórica" por ser "muito bom podermos tê-los de volta" (Ribeiro e Castro, CDS).

Quase uma década passada (a lei entrou em vigor em 2015), deve-se aferir se era real o desejo de "retorno" a Portugal que os deputados tomavam por generalizado nos judeus sefarditas espalhados pelo mundo. "Voltaram"?

O número de locais de culto judaicos em Portugal manteve-se estável nestes anos: quatro sinagogas. Mas o número de residentes que se identificam como "judeus" nos censos do INE até baixou: passaram de 3061 em 2011 para 2910 em 2021. Sublinhe-se: certificados pelas sinagogas de Porto e Lisboa quase 140 mil processos de aquisição de nacionalidade, concluídos pelo Estado mais de 50 mil, a pequena comunidade de três mil judeus que realmente cá vive teve um ligeiro declínio. Todavia, bastaria que apenas 1% dos que obtiveram a nacionalidade (ou seja, uns quinhentos cidadãos) aqui viessem residir para que essa comunidade crescesse. Mas o "retorno" não aconteceu. Nem é plausível que aconteça.

O interesse na nacionalidade portuguesa destes nossos novos compatriotas tem uma explicação prosaica: para nacionais de Israel, da Turquia ou do Brasil (respetivamente, 69%, 15% e 7,5% dos naturalizados pela "via sefardita"), um passaporte da União Europeia abre novas portas pelo mundo, sem novos deveres e por um custo individualmente razoável. Multiplicado por dezenas de milhares de processos, esse custo (250€ por certidão) ascende aos milhões de euros e enriqueceu tremendamente a sinagoga do Porto (quase 90% dos pedidos de nacionalidade, muito acima de Lisboa), uma pequena comunidade religiosa de 400 pessoas que financia filmes com orçamentos milionários.

É triste que uma lei feita com o pensamento elevado numa "reparação" aos judeus massacrados pelas turbas quinhentistas, perseguidos pela Inquisição ou pelos nazis, caia na realidade rasteira de um negócio de venda de passaportes por intermédio de sinagogas. Um negócio que nacionaliza principalmente israelitas que nem devem saber apontar Portugal no mapa, e em menor número oligarcas russos coniventes com a autocracia de Putin, em ambos os casos pessoas que não querem partilhar o nosso destino, falar português ou sequer residir em Portugal. Mas evidencia que as leis de "reparação histórica" são uma ilusão: não se emenda o mal feito a falecidos, e é um absurdo fazê-lo 15 ou 20 gerações depois (distância à qual qualquer um de nós tem entre 30 mil e um milhão de antepassados).

Respeitar estritamente a laicidade do Estado teria evitado a trapalhada vergonhosa em que se converteu a "lei dos sefarditas". Respeitar a laicidade não delegando tarefas estatais em comunidades religiosas, particularmente uma tarefa de especial responsabilidade como a instrução de processos de nacionalidade. E respeitar a laicidade com leis universais que não distingam cidadãos por religião, como aliás estipula o artigo 13.º da Constituição (a "lei dos sefarditas" ignora completamente os descendentes de muçulmanos ou protestantes que saíram de Portugal devido a perseguições religiosas).

Retirar direitos a pessoas por serem de uma religião foi um erro manuelino mas típico do tempo medieval; conferir direitos a indivíduos por serem dessa mesma religião é um erro moderno, mas anacrónico, numa época em que se caminha para não distinguir cidadãos pela religião ou pela etnia.

Não há razões válidas para o Parlamento adiar a inevitável revogação desta lei.


(Público, 18 de Fevereiro de 2023)

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Laicidade em Portugal: perspetiva histórica e filosófica

Palestra na Biblioteca dos Coruchéus, no dia 24 de Fevereiro de 2023.

terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Igualdade de oportunidades ou igualdade de resultados? Sim!

Há quem afirme que uma questão política crucial é saber se queremos igualdade de oportunidades ou igualdade de resultados. Dificilmente poderia discordar mais.

Afinal, ao promover a igualdade de oportunidades vamos aumentar a igualdade de resultados; e ao promover a igualdade de resultados vamos aumentar a igualdade de oportunidades.
Por essa razão, as sociedades com mais desigualdade de oportunidades são as com maiores desigualdades de resultados e vice-versa.
Em todas as disputas políticas relevantes, aquela opção que aumenta a igualdade de oportunidades também aumenta a igualdade de resultados e vice-versa.

Em teoria, pode existir uma incompatibilidade entre estes dois objectivos? Sim: numa sociedade com inteira igualdade de oportunidades que ainda assim tivesse desigualdade de resultados, esses dois objectivos estariam em oposição. Nesse contexto ou noutros muito semelhantes, esse debate seria consequente e politicamente importante.
Mas para as sociedades em que vivemos neste planeta, essa discussão é como estar no deserto do Saara, perdidos com uma bussola e um mapa, e discutir se o mapa está orientado para o Norte magnético ou o Norte geográfico: é uma discussão inconsequente e irrelevante. Se queremos ir para Norte, ir para onde a bússola aponta é boa ideia, mais grau, menos grau.
Quem quer lutar por mais igualdade é favorável quer à igualdade de oportunidades, quer à maior igualdade de resultados que daí resulta; ou a maior igualdade de resultados também pela maior igualdade de oportunidades que daí advém. Estar a discutir qual destas é prioritária é pouco relevante.