quinta-feira, 31 de maio de 2007

Leituras recomendadas (31/5/2007)

  1. Uma entrevista de Daniel Dennett. Nenhuma novidade para quem leu o «Breaking the Spell», mas um resumo útil justamente para quem não o leu. Morceau choisi: «Q. You said that “religions are socially grounded for three main reasons: soothing the sufferings and calming the fear of death, explaining things that otherwise couldn’t be explained, encouraging cooperation in the group”. Don’t you believe that, ultimately, there is something positive in these aspects? D.D. Of course there is—even though they all have serious negative sides; the same religious creeds and practices that can soothe sufferings can also cause terrible guilt and suffering; the explanations are always wrong, and eventually get replaced by better, scientific explanations; and the cooperation so powerfully encouraged by religions often leads to unthinking mob action that has produced some of the most vicious ‘enthusiasms’ seen on the planet. The unquestioning conviction that one’s cause is right, and justifies just about any deed, has led many otherwise good people to perform great crimes.»
  2. A polémica entre Pascal Bruckner e Ian Buruma/Garton Ash a propósito de Hirsi Ali (da qual publiquei dois textos de Pascal Bruckner) também tem um resumo. Morceau choisi: «The French philosopher’s criticisms towards the model of multiculturalism (which he claims recognises groups, but oppresses individuals, creating a “legal apartheid”, “a racism of the anti-racists”, which “chains people to their roots”) assume a political and politico-cultural value. Timothy Garton Ash is accused of demonstrating a “francophobia worthy of Washington’s Neocons”, and thus the controversy ‘Buruma/Garton Ash vs Hirsi-Ali/Bruckner’ has become transformed into a battle in which the Anglo-Saxon multicultural model is pitted against the French integrationist one, even in which the Bush/Blair duo is pitted against Franco-European pacisfism (which might make us think, in passing, of the fact that Ayaan Hirsi Ali, who supposedly belongs to the second group, is currently employed by a Neocon think tank). Bruckner lauds the French model, “the result of the victory over obscurantism and events like the St. Bartholomew's Day Massacre. How could we tolerate in Islam that which we no longer tolerate in Catholicism?”. “Fostering an enlightened European Islam is capital” Bruckner concludes. “Europe may become a model, a shining example for reform which will hopefully take place along the lines of Vatican II. It is time to extend our solidarity to all the rebels of the Islamic world, non-believers, atheist libertines, dissenters, sentinels of liberty, as we supported Eastern European dissidents in former times”.»

Revista de blogues (31/5/2007)

  1. «(...) o argumento normalmente utilizado para defender o cheque-ensino parece-me terrivelmente falacioso. A questão não está na liberdade de escolha - essa liberdade já existe. Não há ninguém que seja impedido pelo Estado de frequentar uma escola privada. (...) Para mim a função do Estado não é zelar pela minha felicidade, subsidiar o meu desejo de comprar um Lamborghini. A função do Estado também não é a de subsidiar o funcionamento de empresas privadas (...) vamos a uma questão muito pragmática: dinheiro (...) apesar de toda a argumentação que existe em torno do cheque-ensino, afinal o Estado ajuda a pagar o ensino privado com valores que proporcionalmente rondam os 40% dos gastos com os alunos do sector público. Ora, se a isto somarmos as propinas - não propriamente baixas - das escolas privadas, eu pergunto-me: onde é que os defensores do cheque-ensino pretendem ir buscar dinheiro para pagar o luxo de quem quer ter o filho num colégio? Vão cobrar mais impostos? Vão aumentar a dívida pública? Vão fechar escolas públicas, despedir professores, cortar nos investimentos e gastos de manutenção de instalações para poupar algum dinheiro para dar o subsídio às classes média-alta e alta?» («Por que sou contra o Cheque-Ensino», no Blogue Liberal Social.)
  2. «(...) a luta contra a discriminação não visa obrigar ninguém a relacionar-se com quem não quer. Visa sim impedir o tratamento diferenciado de cidadãos e cidadãs portadores dos mesmos direitos e dotados da mesma igualdade perante a lei (...) o cartaz em causa, apesar de financiado indirectamente por fundos públicos (o financiamento dos partidos é parcialmente público, decorrendo o financiamento da Juventude Socialista dos fundos que lhe são alocados pelo Partido Socialista), não se insere numa campanha de uma instituição pública, mas sim a defesa de um programa político (no caso, o da Juventude Socialista, sufragado democraticamente em Congresso realizado em Julho do ano passado). Contudo, isto não significa que as instituições públicas não tenham precisamente o dever de promover a não discriminação e assegurar o respeito por todos e todas (...) o contrato social que nos rege, a Constituição da República, é o local onde vamos retirar os valores fundamentais da nossa comunidade política (...) a pobre da "população leiga" já terá experimentado outras imposições de concepções de progresso "iluminadas" como o sufrágio universal, a recusa do racismo e da xenofobia, a proibição da discriminação das mulheres, entre outras. Que me recorde, acolheu-as no seu código de valores e não se sentiu violentada.» («Pequenos detalhes», no Boina Frígia.)

O inquérito que se impunha

  • «A Inspecção-geral da Administração Interna (IGAI) abriu um processo de averiguações sobre alguns desacatos ocorridos no 25 de Abril, apurou a TSF. (...) Caso se apurem indícios de responsabilidade poderão ser instaurados processos disciplinares a alguns polícias.» (TSF)

Esperemos que se apurem os factos, e que se se provar que houve abuso policial se façam os correspondentes processos disciplinares. As dúvidas sobre a repressão da manifestação anarquista da tarde do dia 25 de Abril são relevantes e legítimas.

Diácono Remédios

César das Neves, sempre a tentar ultrapassar-se a si próprio, agora quer regulamentar a actividade sexual consentida entre adultos. Parece que por causa dos homens-sexuais. Um sonho! :-)

Feminismo

E fui ler o ensaio de Patricia Lança. Achei-o um chorrilho de asneiras, mas depois descobri que senhora tem 82 anos e portanto rege-se provavelmente por valores diferentes dos nossos. Mais 82 anos e o Balzac andava a explicar que a cabecinha das mulheres não era para poesias nem para pinturas. Um soneto ou uma aguarela ainda vá...

Em todo o caso a coisa não está para graças. Aqui nos EUA, onde há uma longa tradição de se discutirem as coisas abertamente (e onde as mulheres têm direitos), temos um longo caminho a percorrer até haver igualdade de oportunidades na carreira docente.

Eu faço parte de uma comissão da universidade que estuda políticas de apoio às familias e tenho acesso a dados do país inteiro. Tem-se feito imenso, mas há ainda imenso por fazer. E sem as feministas nunca se teria feito nada.

Muito gosto, mas do mau

Hoje ouvi isto na telefonia e fiquei a pensar se seria verdade, mas o José Carreira, no blog Cegueira Lusa, confirma: os holandeses tem um novo reality show em que uma mulher doente terminal escolhe a pessoa a quem vai doar um rim quando morrer.

Não estou a inventar!

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Revista de blogues (30/5/2007)

  1. «Ligo a tv pública, RTP2, à espera de encontrar a informação mais relevante do dia no seu jornal de horário nobre, mas antes vejo um indivíduo, líder de um micropartido que tem feito manchetes à custa de detenções várias entre os seus membros por, entre outros crimes, tráfico de droga, de armas, de mulheres ou homicídios racistas, a ser prazeirosamente entrevistado por Alberta Marques Fernandes. O pretexto é, what else?, as intercalares em Lisboa, esse assunto local que o centralismo doentio da nação eleva a "questão nacional". As respostas são contra o "poderoso lobby gay", "anormal, desviante" e por aí fora. A despedida, já com o "tempo excedido", é um "tive muito gosto em tê-lo cá". (...) Escusam de vir com a estória dos "deveres de isenção" e "igualdade de tratamento para todos os partidos" a que a RTP estaria obrigada. Porque NUNCA na história da estação isso alguma vez foi passado à prática. NUNCA numa eleição nacional se viram entrevistas a todos os candidatos, humanistas, monárquicos, atlantistas, da terra, operários socialistas, etc etc etc, porquê então fazê-lo numa eleição de âmbito local? Onde para cúmulo os "candidatos de relevo" não são os 5 do costume (correspondendo às forças representadas no parlamento), mas 7, graças aos independentes, mais do que suficientes para ocuparem demasiado tempo e recursos por si só. (...) PS: É isto o famoso controlo do PS sobre a RTP? Livra!» («RTP Crime», no Renas e Veados.)
  2. «Em 2006, segundo a Amnistia Internacional, morreram, em Portugal, 39 mulheres vítimas de violência doméstica. Quase uma por semana. A isto somam-se as vítimas não mortais. Anos e anos de sofrimento e sensação de impotência, sem muito a que recorrer. Os tribunais não funcionam e, quando funcionam, de vez em quando foge-lhes a boca para a verdade, e lembram essa coisa gloriosa que é a “coutada do macho lusitano”. A vítima, a parte mais fraca e desprotegida, continua a apanhar. É a vida, dirão alguns. Apesar das alterações legislativas recentes e as que estão em curso, ainda predomina - entre os portugueses - a ideia de que “entre marido e mulher não se mete a colher” e que “uma mulher tem certas obrigações”, nomeadamente, perante o “chefe da casa”. (...) Desconfio que Patrícia Lança e alguns dos seus fiéis seguidores concordarão que, enfim, “uma lambada é uma lambada”, que a mulher “tem um papel a cumprir no seio da família” (...) Quem sabe até se não haverá quem ache que uma intromissão do Estado entre marido e mulher não é um desvio inaceitável, próprio de um estado “musculado”, que não confia na “consciência” de cada um e na “responsabilidade individual” ou até que, ao interferir com hábitos e que surgiram e se enraizaram de forma espontânea, está a enveredar pelo caminho fácil e perigoso da “engenharia social”. (...) Sugerir que o uso indevido e injusto da musculatura individual pode justificar o uso ponderado e justo da musculatura estatal - através das leis e do cumprimento delas? Naaaaaaa. Isso seria perturbar a “ordem natural das coisas” e insultar a espontaneidade e o ambiente de “liberdade” que envolveu o florescimento de certas “práticas”. Uma heresia.» («Do bom e do mau músculo», no Blogue Atlântico.)

A Criação tem mais um museu

Mais um museu do criacionismo, desta vez em Petersburg, Kentuky. Este tem dinossauros dentro da Arca de Noé, uma provocação que contradiz frontalmente a importante teoria científica da extinção dos dinossauros que, como se sabe, se extinguiram porque não cabiam na Arca!

Não se sabe como é que este museu explica a extinção dos dinossauros. E parece que também não interessa muito. Como os astrólogos, os criacionistas não se preocupam com minudências. Uns acham que deus fez o mundo em seis dias, há 6 mil anos, outros há 10 mil, outros acham que os seis dias são uma metáfora, outros acham que não foi deus, foram extraterrestres. Desde que sejam crenças irracionais, contradigam a realidade e indiciem uma conspiração internacional de cientistas, parece que está tudo bem.

Adultérios e adultérios...

Mais sobre a Moral Majority: Tom Delay acha que Newt Gingritch se portou mal ao manter uma amante enquanto acusava o presidente Clinton de adultério e bradava que uma pessoa com uma amante não tinha estatura moral para ser presidente.

Ao menos Tom Delay tinha deixado a amante dele antes de acusar Clinton...

A gente lê estas coisas e não acredita que sejam escritas com a cara séria. Mas são. Quando se vê a cara destes energúmenos apetece ir a correr tomar um banho.

A superfície e o fundo

De facto, é divertido ver as pessoas que acreditam num mundo simples, a preto e branco, feito por milagre por um fazedor de mundos que eles não explicam de onde vem (se todas as coisas tem uma causa, qual é a causa de deus?), chamarem-nos broncos a nós, que vivemos num mundo complexo, excitante e cheio de perguntas e de mistérios para os quais não temos respostas.

Estas pessoas lembram-me sempre uma história deliciosa que ouvi há muitos anos. Acho que já a escrevi no meu blog.

Acho que era assim: o avô de um amigo meu tinha um amigo que era catedrático de medicina e ia para a universidade quando avistou, no Campo de Santana, um senhor a vender banha da cobra com um mapa do corpo humano feito à mão e cheio de aneiras. O professor parou e estava a ouvir as explicações do vendedor com um sorriso quando o vendedor baixou o ponteiro, revirou os olhos, e exclamou desdenhoso: “Estou a ver entre a assistência o riso alvar da ignorância!”

terça-feira, 29 de maio de 2007

A resposta é «sim»

  • «(...) poderá um projecto educativo de uma escola moderna, laica, aberta, estatal alhear-se do contributo que o ensino religioso pode dar para esse “desenvolvimento global” da personalidade dos jovens?» (Agência Ecclesia)

(E a pergunta é básica...)

O planeamento familiar no país real

  • «A legislação sobre planeamento familiar para jovens é boa, muito boa mesmo, mas a prática deixa bastante a desejar, a crer no estudo ontem divulgado pela associação de defesa de consumidores Deco. Problema número um: mais de metade dos 85 centros de saúde, hospitais e delegações do Instituto Português da Juventude visitados fecharam as portas às raparigas (entre os 15 e os 20 anos) que os procuraram na tentativa de aceder a uma consulta de planeamento familiar. Problema número dois: em 14 dos serviços as adolescentes saíram de mãos a abanar, na maior parte das vezes porque não havia contraceptivos. Problema número três: em vários centros de saúde, os funcionários da recepção falavam alto, deixando as jovens embaraçadas.» (Público de hoje.)

Comentário: quando será que esta gente vai perceber que Portugal não é uma Polónia qualquer?

Revista de blogues (29/5/2007)

  1. «Dado que o “grau de popularidade” das instituições e figuras políticas se presta a frequentes utilizações destinadas a substituir a argumentação pela autoridade dos números (...), atente-se nos resultados do barómetro da Marktest, publicado nos jornais de ontem. O PS lidera as intenções de voto (47%) a larga distância do PSD (27%) e, ainda mais, dos restantes partidos PCP e BE (8%) e CDS-PP (6%). Isto quer dizer que o PS, se fosse a votos na data das entrevistas, tinha assegurado um resultado que poderia repetir a maioria absoluta. Porém, o que vemos em provas eleitorais parciais (regionais da Madeira, autárquicas e, provavelmente, na próxima futura de Lisboa) é um partido que ganha em abstracto (ideias gerais para o país) e perde -- ou ganha menos -- no concreto (soluções específicas para os problemas das pessoas). (...) Porque será que “ninguém” reparou, agora, que o resultado do 1º Ministro ficou abaixo dos valores atingidos pelo seu partido? E que 6 (seis) dos seus ministros se apresentam com taxas negativas, três deles com saldos da ordem dos dois dígitos (Agricultura, Educação e Saúde)?» («Um circo no deserto (3)», no Puxa Palavra.)
  2. «Passaram 30 anos sobre uma das mais traumáticas e sangrentas lutas pelo poder nos movimentos-partidos que emergiram nas independências das antigas colónias portuguesas, organizações estas vindas directamente das guerras de libertação e transformadas repentinamente de organizações guerrilheiras, em que o figurino militar predominava, para organizações políticas mantendo uma forte componente militar e a tomarem posse dos Estados criados com as independências, socorrendo-se de um marxismo-leninismo colado à pressa. Refiro-me, é claro, ao “golpe” de 27 de Maio de 1977 e suas consequências. Na tríade dos movimentos-partidos mais importantes (MPLA, Frelimo e PAIGC), sem dúvida que o MPLA era o que se apresentava mais frágil, com um contexto de ingerências mais contundentes, estava profundamente minado por rivalidades internas e cisões e possuía a liderança mais problemática (Agostinho Neto tinha tanto de carisma como de perfídia autoritária). (...) Muito mistério aguarda a abertura de arquivos para se vir a saber como foi possível que, em 1977, Brejnev não tenha telefonado a Fidel Castro para o informar do golpe que o KGB preparava contra Neto, concertando posições, e Fidel Castro não tenha telefonado primeiro a Brejnev a avisá-lo que ia mandar as tropas cubanas fazer fracassar o golpe e conservar Neto no poder, ajudando a dizimar os angolanos pró-soviéticos.» («Trinta anos depois, haja reconciliação e História», no Águalisa(6).)

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Mais sobre humanismo e animais não humanos

O debate sobre ética e humanismo continuou com mais uma posta do Ludwig, onde ele nos diz que «nós exigimos que os animais cumpram certos deveres (...) os que não cumprirem são eliminados ou presos». Pois. Acontece que há muitos animais que nós eliminamos sem que tenham faltado a qualquer dever. Os ratos, por exemplo, eliminamo-los pelo simples facto de serem... ratos. E matamos muitos outros animais por nossa simples recreação (os mosquitos, as formigas...). O Ludwig, antes de responder que não deve ser assim, deveria explicar quais são os animais a que reconhece direitos (e porquê). Todos sem excepção? Exclusivamente os mamíferos (formas de linguagem e tal...)? Todos os animais com pêlo (proximidade genética alargada...)? Todos os vertebrados (a dor... a dor...)? Gostaria de saber, até porque aquilo que me interessa saber é quem são os actores deste enredo.
Quanto à reciprocidade, o Ludwig insiste em que podemos conceder direitos a quem não os compreende, e exigir deveres a quem também os não pode reconhecer. Dá o exemplo dos impostos: diz que os cobramos a quem não os compreende. Mas é ao contrário: só cobramos impostos a quem pode compreender para que servem. Não os cobramos a crianças, aos índios da Amazónia ou aos cães. Quanto ao exemplo da velhinha: será que sentimos a obrigação de levar ao hospital todos os cães que vemos serem atropelados? Não? Porquê?
O Ludwig diz ainda que «nós sentimos [um dever] quando obedecemos a uma autoridade ou exigimos [um dever] quando usamos da nossa autoridade». Mas não. Perante as autoridades, temos obrigações e não deveres.
(Ah, e é claro que a «propriedade privada» nada tem de natural; é estritamente cultural.)

Frei Gambozino e a dança que faz vertigens

No Público de domingo, Bento Domingues, por alcunha (merecida) o Frei Gambozino, diz-nos que em Fátima, a 13 de Outubro de 1917, o sol «dançou vertiginosamente num céu coberto de nuvens». Algumas perguntas simples: se o céu estava coberto de nuvens, como pode Frei Gambozino garantir que o sol «dançou»? O candeeiro mexe-se por detrás da cortina? Ou é a cortina que se mexe à frente do candeeiro? Frei Gambozino tentou as duas experiências? Ou acredita sem raciocinar? (Será essa a definição de fé?) E acredita na hipótese menos plausível porquê? Por interesse comercial e religioso? Por gostar de dançar o tango ou a lambada? Ou porque considera «estúpidos, cretinos e idiotas» os habitantes do hemisfério (e foram a esmagadora maioria...) que não viram o sol «dançar» naquele dia? Preferir as vertigens a manter os pés na terra é considerado uma virtude entre os crentes. Com os maus resultados que se podem constatar...

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

A superfície e o fundo

Uma acusação recorrente que os religiosos fazem aos ateus é a da superficialidade. Dizem-nos que a origem do universo e da vida, e a natureza da consciência, são Grandes Mistérios que nós resolvemos, insistem, de maneira superficial. Eles, pelo contrário, alegadamente atingem enormes profundidades de análise com o seu estudo dos textos sagrados da sua religião preferida. Assim, se alguém disser que aprofundou o seu conhecimento da evolução do universo estudando a relatividade generalizada e usando tensores, resolvendo equações diferenciais e adaptando a métrica de Friedmann-Robertson-Walker, os religiosos fungam com desdém e respondem que leram atentamente alguns capítulos de uma narrativa escrita por uns pastores da idade do ferro, e ainda os comentários de uns frustrados medievais. Podemos explicar que a coerência das contas não depende do desejo de quem as faz de que estejam certas, ou que as contas corroboram ou até prevêem observações que eles não sabem explicar, que a resposta será sempre a mesma: eles é que aprofundaram. Aprofundar é eliminar as dúvidas e acreditar nos devaneios de pessoas que nem eclipses sabiam prever.

Que fazer? Talvez rir...

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

Fim da «direita religiosa» nos EUA?

  • «Nearly 30 years later, with most of the promises to restore old-fashioned values unfulfilled, one must wonder if the Republican party will soon drop the Religious Right, which it has increasingly marginalised in recent years. The Moral Majority may go down in history as a long-term political failure, like the populist movement of a century past.» (Citado na National Secular Society.)

sábado, 26 de maio de 2007

Separar o trigo do joio

  • «Em pouco mais de um mês, o Governo desencadeou uma verdadeira acção de limpeza no sector privado universitário. Depois da universidade Independente (UnI), o Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (MCTES) retirou ontem o estatuto de interesse público aos pólos de Lisboa e da Figueira da Foz da Universidade Internacional. E a Dinensino (Moderna) também está sob vigilância apertada. (...) Entre outros aspectos, o Ministério, que notificou ontem a Internacional da sua decisão, alega que, nestas unidades, "nem estão em funcionamento os cursos exigidos por lei nem, relativamente aos cursos abertos, o corpo docente cumpre os requisitos mínimos indispensáveis". (...) Antes, o gabinete de Mariano Gago já tinha informado ter sido pedida à DGES "acção urgente de acompanhamento" da situação na Dinensino (Universidade Moderna). Fonte do gabinete do ministro disse ao DN que a medida se destina "a verificar se a direcção da Dinensino está a remediar a situação na instituição", embora tenha recusado precisar os motivos que ditaram a acção.» (Diário de Notícias)
Espera-se que Mariano Gago tenha a coragem de levar até ao fim a inspecção do ensino superior privado, e sobretudo que tire as devidas consequências. A visão dogmática de que «tudo o que é privado é bom» tem resultado em algumas universidades privadas péssimas, outras más e algumas (excepcionalmente) boas.

sexta-feira, 25 de maio de 2007

John Charles Sword ajoelhar-se-á em Fátima?

Na última edição do Expresso, o militante clerical João Carlos Espada saiu em defesa do catolicismo em geral e da variedade fatimista em particular. Diga-se que eu costumava apontar este ideólogo da direita mais extrema como um dos maiores inimigos do pensamento crítico e da herança iluminista e científica em Portugal, a par do inefável João César das Neves e do obscurantista Boaventura Sousa Santos. Infelizmente para quem o aprecia, John Charles Sword tem-se limitado nos últimos anos a perorar sobre a obrigatoriedade da gravata e a produzir exortações ao «cavalheirismo» e ao consumo de chá, temas a propósito dos quais consegue sempre citar quatro ou cinco filósofos ingleses ou políticos neoconservadores num único parágrafo. Em suma, embora a sua influência não cesse de aumentar, a sua combatividade tem declinado.

O que diz Espada desta vez? Que a recente «manifestação» de Fátima foi «não política» e que o fim das ditaduras no sul da Europa e na América Latina foi parte dos «contributos (...) da religião cristã para a liberdade». Começando por aqui: o papel da ICAR nessas transições para a democracia não foi de as apressar; foi de as atrasar. O apoio da nomenclatura católica ao fascismo português foi indefectível, com uma ou duas excepções (honrosas) devidamente denunciadas à PIDE pelos superiores hierárquicos. O 28 de Maio iniciara-se em Braga, capital católica de Portugal, no momento em que aí tinha lugar um «Congresso Mariano», o qual foi visitado pelos golpistas reaccionários para recolherem conselhos e um apoio que foi adequadamente recompensado a seu tempo. O papel evidente da ICAR no nacional-catolicismo franquista, ou a bênção de Pinochet por Wojtyla, são outros exemplos que dispensam mais comentários. Querer passar um certificado de antifascismo à ICAR é uma ironia de mau gosto de que só John Charles Sword se lembraria.

Quanto a Fátima: só alguém desorientado pelo pior relativismo epistemológico pode considerar plausível a ideia de que o sol pode dançar o fandango quando visto das proximidades de Leiria e manter-se aparentemente imóvel para todo o restante hemisfério. Persistir em «respeitar» essa ideia é renunciar a desmascarar uma mentira óbvia que tem sido mantida para financiar a ICAR (não as «obras sociais» para as quais pede dinheiro ao Estado, mas as suas faraónicas catedrais) e combater o espírito científico. Espada não pode pretender dar lições de «cavalheirismo» e de «carácter», e simultaneamente transigir com quem mente e promove uma fraude com evidentes objectivos políticos e comerciais. Muito menos me parece que seja digno de cidadãos livres e emancipados andarem a rastejar de joelhos à volta de uma árvore qualquer, mas admito que o britânico conceito de dignidade de John Charles Sword inclua a prescrição dessas práticas públicas. Se for esse o caso, João Carlos Espada é livre de dar o exemplo e rastejar no joelhódromo...

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

Revista de blogues (25/5/2007)

  1. «Para o Presidente do Banco Central Europeu, só com baixos salários será possível garantir competitividade para a economia europeia e combater o elevado desemprego. Nada de novo, portanto, do homem que é responsável pela política monetária europeia. E que nessa função nada mais tem feito que liderar a condução de uma política monetária excessivamente restritiva e que tem prejudicado o investimento e o crescimento económico em nome do controlo de uma fantasmagórica e constante tensão inflacionista. Tem cumprido bem o papel de carrasco de muitas economias nacionais, sempre escudado no estatuto de independência do BCE. Não quer saber se as suas receitas têm contribuido para combater o desemprego na Europa ou se para o agravar. (...) Jean-Claude Trichet não quer saber nada disto, porque só está preocupado em comportar-se como um menino bonito e disciplinado perante os mercados financeiros. Mas o que mais me choca é que o Presidente do Banco Central Europeu, apesar do elevado poder que detém sobre as nossas vidas, não tem de prestar contas a ninguém e não depende de nenhum poder democrático. (...) Eu quero que Jean-Claude Trichet seja demitido.» («Quando é que o podemos demitir?», no Ladrões de bicicletas.)
  2. «Eu e o Pedro decidimos que estava na altura de fechar este blog. Quando criámos o blog Armadilha para Ursos Conformistas, tínhamos como único objectivo armadilhar conformistas. Acho que conseguimos armadilhar alguns. (...) Em jeito de despedida, deixo aos meus leitores um excerto do Discurso da Servidão Voluntária, de Etienne de la Boétie: É natural no homem o ser livre e o querer sê-lo; mas está igualmente na sua natureza ficar com certos hábitos que a educação lhe dá. Diga-se, pois, que acaba por ser natural tudo o que o homem obtém pela educação e pelo costume; mas da essência da sua natureza é o que lhe vem da mesma natureza pura e não alterada; assim, a primeira razão da servidão voluntária é o hábito: provam-no os cavalos sem rabo que no princípio mordem o freio e acabam depois por brincar com ele; e os mesmos que se rebelavam contra a sela acabam por aceitar a albarda e usam muito ufanos e vaidosos os arreios que os apertam. Afirmam que sempre viveram na sujeição, que já os pais assim tinham vivido. Pensam que são obrigados a usar freio, provam-no com exemplos e com o fato de há muito serem propriedade daqueles que os tiranizam. Mas a verdade é que os anos não dão o direito de se praticar o mal, antes agravam a injúria. Sempre haverá umas poucas almas melhor nascidas do que outras, que sentem o peso do jugo e não evitam sacudi-lo, almas que nunca se acostumam à sujeição e que, à imitação de Ulisses, o qual por mar e terra procurava avistar o fumo de sua casa, nunca se esquecem dos seus privilégios naturais, nem dos antepassados e de sua antiga condição. São esses dotados de claro entendimento e espírito clarividente; não se limitam, como o vulgo, a olhar só para o que têm adiante dos pés, olham também para trás e para frente e, estudando bem as coisas passadas, conhecem melhor o futuro e o presente. Além de terem um espírito bem formado, tudo fazem para aperfeiçoá-lo pelo estudo e pelo saber. Esses, ainda quando a liberdade se perdesse por completo e desaparecesse para sempre do mundo, não deixariam de imaginá-la, de senti-la e saborear; para eles, a servidão, por muito bem disfarçada que lhes aparecesse, nunca seria coisa boa.» («Carta de despedida», no Armadilha para ursos conformistas.)

Blogues com tomates

Imagem para colocar nas nomeações de blogs em língua portuguesa
Este humilde tugúrio foi nomeado um «Blog com tomates» (obrigado MRF!). Cabe-nos agora, na nossa nóvel condição de tomatados, nomear mais cinco blogues para tomatar. Decisão imediata e tomatal:

Carter contra Bush

  • «Former President Jimmy Carter, in a May interview with the Arkansas Democrat-Gazette, blasted George W. Bush’s international relations as "the worst in history." He also criticized UK Prime Minister Tony Blair for "loyally, blindly, abominably" supporting Bush’s costly misadventure in Iraq. Carter also slammed Bush’s "faith-based initiative" for pumping billions into religious charities. "As a traditional Baptist," he declared, "I’ve always believed in separation of church and state and honored that premise when I was President, and so have all other presidents, I might say, except this one."» (Institute for Humanist Studies)

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Concepção ideologicamente interessada da natureza humana

  • «Retirar propriedade aos seus legítimos possuidores sem o seu consentimento, é contrário ao direito natural e violenta a natureza humana.» (Do blogue «liberal» Portugal Contemporâneo.)

O homem-objecto

[Chad_White_D_G.jpg]
Atente-se na enorme violência e infrene sexismo desta imagem. O pobre rapaz está evidentemente acorrentado pelos pulsos, e imobilizado fisicamente por uma rapariga que se prepara para violentá-lo, enquanto as suas capangas zelam, ameaçadoramente, por que ninguém se aproxime. A imagem é uma tradução fiel dos preconceitos sociais que transformam os homens em meros objectos sexuais à disposição das mulheres. Há masculinistas e outros «cientistas sociais» que especulam mesmo que poderá fazer aumentar o número de violações de homens por mulheres. Estarão correctos?
(Imagem descoberta no Womenage à Trois.)

Lisboa: dispersão e governabilidade

Com a confirmação de Carmona Rodrigues na corrida à «Câmbra de Lesboa», temos consumada a divisão dos dois campos políticos potencialmente maioritários na cidade: o centro-esquerda (dividido entre Costa e Roseta) e o centro-direita (dividido entre Negrão e Carmona). Se adicionarmos ainda as três listas dos partidos médios, lideradas por Ruben de Carvalho, Sá Fernandes e Telmo Correia, notarmos que nenhuma delas deverá ter menos de 5% dos votos, e considerando que o executivo tem 17 vereadores, concluimos que os mandatos deverão ficar dispersos por 7-listas-7, sendo muito difícil a formação de uma maioria no executivo. Quem ganhar terá que distribuir pelouros por mais duas ou mesmo três listas.
Como, ainda por cima, não haverá eleições para a Assembleia Municipal, que manterá a anterior composição, o cenário que se perspectiva em Lisboa é de ingovernabilidade.

Um ET no governo, brincadeira ou desespero?

  • «Numa iniciativa promovida hoje pela Ordem dos Economistas, o ministro das Obras Públicas disse que a localização do aeroporto "é uma questão de estratégia política e não uma questão de mera engenharia" e que um aeroporto na margem Sul seria "uma espécie de Brasília do Norte do Alentejo". Isto porque, "além das questões ambientais, não há gente, não há hospitais, não há escolas, não há hotéis, não há comércio, pelo que seria preciso levar para lá milhões de pessoas", afirmou o governante no almoço-debate sobre "O Novo Aeroporto de Lisboa", considerando o projecto de um aeroporto na Margem Sul "um projecto megalómano e faraónico". Por oposição à localização do aeroporto na margem Sul, Mário Lino reafirmou que a Ota está numa região onde se concentram "vilas, turismo, indústria e população" e sublinhou que "não é no deserto que se faz um aeroporto".» (Público)

O ministro Mário Lino pode ter tido um almoço muito divertido antes de produzir estas declarações excêntricas. Mas, das três, uma: ou vive muito fora da realidade (e portanto não deveria estar no Governo); ou estava a brincar; ou então já esgotou os argumentos para defender o aeroporto na Ota e entrou em desespero. Tendo em conta que Almeida Santos até já fala em pontes dinamitadas e «atentados terroristas» para justificar a mesma opção, creio que o Governo começa a sentir que perdeu o debate sobre a localização do novo aeroporto.

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Revista de blogues (23/5/2007)

  1. «Na altura do Golpe, Chávez decidiu, e bem, não reprimir os protagonistas. Os seus responsáveis políticos e militares continuaram em liberdade (e a fazer oposição), sendo os militares afastados do exército, como é evidente. É justo dizer que não lhe faltava legitimidade legal, política, criminal, etc. para os meter todos na prisão. (...) Chávez não o fez por não querer introduzir uma lógica repressiva na democracia venezuelana. Sobre a não-renovação de licença, muito se tem escrito em Portugal. O insurgente fala do avanço de uma "ditadura socialista" na Venezuela. E, no Arrastão, de forma mais sustentada, critica-se a "caminhada para o abismo". (...) Uma televisão que recebe uma licença de emissão de um Estado democrático não deve participar na organização de um golpe militar contra esse Estado (no qual morreram pessoas e a legalidade democrática foi subvertida), omitindo, falsificando e inventando "informação" e oferecendo aos líderes golpistas direitos de antena em exclusividade, ao mesmo tempo que faz desaparecer todas as vozes dos órgãos políticos (e judiciais) legítimos. (...) Ter uma política editorial de oposição ao governo não é critério para a não-renovação de licenças.» («Venezuela», no Ladrões de bicicletas.)
  2. «Às 12:55, sintomizei na RTP1 para ouvir (estava na cozinha, a preparar o almoço) as notícias da tarde. Estava a terminar um programa chamado Praça da Alegria. Falava, na altura, um dos seus habituais apresentadores, um tal Borga (que descobri, entretanto, que passa por padre católico). Apelava, solenemente, aos... portugueses. Hoje, às 22:00 horas, dizia ele, vamos todos parar e... rezar por Maddie. Uma vez mais, considerei-me insultado. Trata-se de uma estação pública que os meus impostos sustentam e o Estado português, que eu saiba, ainda é... laico. Onde pára o ministro da tutela, que não é capaz de obrigar a RTP a respeitar a Constituição da República? Este país é uma indecência, uma pulhice...» («Este país é, todo ele, um... Borga...», no Abnóxio.)

Reconhecer direitos sem reciprocidade? Nããã...

O Ludwig Krippahl insiste em que uma ética humanista implica deveres para com animais que não são obrigados a reciprocar deveres para connosco, e com os quais, aliás, nunca conseguiremos comunicar satisfatoriamente. (O corolário desta tese é que os animais não humanos nos podem fazer coisas que nós não lhes podemos fazer.) O exemplo que dá, o do cão, é mauzito: os cães não aderem a um dever, submetem-se ao dono. Enquanto não forem capazes de altruísmo desinteressado, ou de reparar um erro, sugiro que os deixemos de fora de qualquer humanismo. Não podemos reconhecer direitos a quem nunca os reconhecerá a nós (os recém-nascidos reconhecê-los-ão com o passar do tempo, as pessoas em coma também).
Mas reconheço que a reflexão que o Ludwig produziu é interessante, e que a frase «a ética nasce neste constrangimento do posso mas não devo, ou do devo mas não quero» é para guardar.
Conclusão: humanismo para os humanos; um tratamento ético para os animais, talvez, mas por prerrogativa nossa e não em nome de deveres que eles não podem reciprocar.

Direcção Regional da Educação do Norte

Não percebi bem: agora os funcionários passam a ser suspensos por contar piadas sobre o Primeiro Ministro?

Bush vai chamar a ONU?

Quatro anos depois, a guerra no Iraque continua. George W Bush pensa chamar a ONU para resolver o problema.
O que é feito da linda e estável democracia que nos prometeram? A necessidade das pessoas se iludirem é uma das forças mais poderosas da história.

Há licenciados a menos

«Andamos a formar engenheiros e doutores para o desemprego»

«Em Portugal tudo quer ser doutor. Temos é doutores a mais»


Quem não ouviu já estas afirmações? Seguramente afirmações do tipo não são novas para o leitor.
Convém deixar bem claro que são um rematado disparate.

De acordo com números de 2002, a população portuguesa em idade activa como Ensino Superior era apenas de 9%, sendo de 29% na média da OCDE [página 51 daqui]. Leu bem: Portugal não tem licenciados a mais - tem licenciados a menos.

Em segundo lugar convém lembrar que em Portugal a taxa de desemprego entre licenciados é significativamente menor que entre não-licenciados. Vejam-se os valores obtidos neste estudo do Banco de Portugal [a partir da página 73]:




Em Portugal, um licenciado ganha, em média, muito mais que um não licenciado, e o investimento em educação superior é dos mais rentáveis que um indivíduo pode fazer:



Deve notar-se que o ensino superior traz muitas vantagens ao indivíduo além do dinheiro. Mas ainda assim, o investimento numa licenciatura garante, em média,
uma taxa de rentabilidade real de 15 por cento — uma rentabilidade definitivamente excepcional.

O irónico nisto tudo, é que não só vale a pena estudar em Portugal, como vale mais a pena que noutros países. O que faz sentido, visto que Portugal, tendo menos licenciados, tem mais falta deles:



O artigo do Banco de Portugal também desmonta muitas das objecções que são geralmente feitas: a de que estas diferenças se devem a capacidades inatas dos indivíduos, a de que a Universidade não faz mais do que certificar habilidades, a de que este efeito é devido à auto-selecção dos indivíduos, entre outras.
Vale a pena ler.


Conclusão: alguma (muita?) direita não gosta que o estado invista em educação. O investimento estatal em educação não se limita a atenuar as diferenças sociais: enriquece toda a sociedade, que assim fica mais próspera e com maior capital humano.
Isso é válido para (entre outros) o Ensino Básico, o Ensino Secundário e o Ensino Superior.
Em Portugal, no que respeita ao Ensino Superior, este merece sem dúvida um investimento forte. É imperativo manter a qualidade (ou elevá-la), mas também formar em quantidade. Portugal tem falta de licenciados, e é importante formá-los.
Quando se diz que existem licenciados a mais em Portugal, diz-se um disparate patético e absurdo, sem qualquer relação com a realidade. É importante «acordar» aqueles que continuam a espalhar esses mitos sem fundamento para a realidade dos factos.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Politicamente correcto

Acho curioso que a direita se sinta sufocada e desgraçada por haver quem critique que se insultem as minorias ou se atirem generalizações idiotas, por exemplo, para cima dos dois biliões de muçulmanos do planeta.

André Carapinha refere uma senhora (Patrícia Lança) que se queixa algures de o “politicamente correcto” não permitir que se “chamem os bois pelos nomes.”

O “politicamente correcto” pretende evitar que se insultem os bois, os pais dos bois, a etnia dos bois e talvez o país de origem dos bois, mas nunca que se deixe de chamar os bois pelos nomes.

Se a direita troca os nomes todos e toma as ideias que tem do mundo pelo mundo, a culpa não é nossa. Diz-se que as simplificações ajudam os simples, mas as pessoas com visões do mundo um bocadinho mais sofisticadas não estão a tentar castrar ninguém quando pretendem que não se diga que “os africanos” têm muito jeito para os desportos, “os asiáticos” são bons em matemática, "os judeus" são bons para os negócios, ou que “o politicamente correcto” é uma forma de censura do pensamento.

Sem querer ser desmancha-prazeres, gostava de explicar aqui às pessoas da direita que o “politicamente correcto” não pretende que eles, coitados, deixem de pensar. Pelo contrário, é uma forma de fazer as pessoas pensarem antes de dizerem ou escreverem asneiras.

Revista de blogues (22/5/2007)

  1. «Um punhado de monárquicos ressentidos tenta travar a iniciativa do Parlamento que consiste em levar os restos mortais de Aquilino Ribeiro para o Panteão Nacional. Motivo: o autor de “Quando os lobos uivam”, teria estado implicado no regicídio de 1 de Fevereiro de 1908. Os contos, a este respeito, são largos. Como já aqui referi [neste poste], os braços de ferro em torno das memórias do passado, fazem pouco mais do que tomar pretextos para influenciar estratégias do presente. Semi-perplexa, a memória de Guerra Junqueiro, (ao lado de outras) deveria agitar-se incomodada. É que o autor de “Os simples”, com o seu funesto poema “O caçador Simão”, prevendo-o, incitou também ao assassinato de D. Carlos. Porém, Junqueiro, que ocupa há muito o seu lugar, de direito, no Panteão Nacional, parece repousar já para além de qualquer ressentimento...» («Para lá do ressentimento(2)», no Puxa Palavra.)
  2. «(...) conviria encontrar certos termos de comparação, para melhor se entender aquilo a que chama de "politicamente correcto". Pensemos por exemplo no exemplo que dá, a prostituição. Diz a Patrícia que agora já nem se chama às prostitutas de prostitutas, mas de "trabalhadoras do sexo". Ora, eu conheço, e a Patrícia por certo também conhece, outro termo para as designar: putas. Assim mesmo. Eu, cara Patrícia, reconheço-lhe o direito de as chamar de putas. Se quiser, pode chamar os homossexuais de paneleiros. Ou os muçulmanos de terroristas. Ou os esquerdistas de ignorantes. Faça-o, ningúem a quer proibir. No máximo, talvez a contradiga, ou melhor, a ignore. Sucede que há aqui uma questão a pôr. Qual é a diferença entre as chamar de prostitutas, putas, ou trabalhadoras do sexo? A validade, digamos, semântica da coisa é igual. Já quanto à justeza moral, aí já é mais complicado. Os critérios são sempre uma coisa chata. Um critério a admitir (mas que poderemos discutir, ou se quiser, ignorar) será o da opinião das visadas sobre o termo. (...) É que isto do "politicamente correcto" é muito chato quando se reivindica o direito de chamar uma puta de puta, ou um paneleiro de paneleiro, mas tem a sua conveniência quando se trata de não nos chamarem a nós de uma coisa qualquer que não seja do nosso agrado. A minha mãe dizia-me que era educação, mas parece que agora se chama "politicamente correcto". Talvez seja politicamente correcto chamar a educação de politicamente correcto, não sei. Mas creia, cara Patrícia, que defenderei até à morte o seu direito à má educação, quer dizer, a rejeitar o politicamente correcto. Eu no máximo irei contradizê-la, ou mais provavelmente ignorá-la. (...)» («Lamento...», no 2+2=5.)

Kenan Malik: «What science can and cannot tell us about human nature»

«Few people would deny that humans are animals, evolved beings with evolved bodies and evolved minds. Equally, few would deny that humans are in some fashion distinct from other animals. In part, at least, the debate about what science can or cannot tell us about human nature is a debate about how we should understand the relationship between continuity and distinctiveness, and about whether we can explain what is distinctive about humans in the same terms as we explain the continuity of humans with the rest of the natural world - in other words, can the distinctive aspects of being human be explained in naturalistic terms?

(...)

###

For many natural scientists, any acknowledgement of human exceptionalism smacks of mysticism. The primatologist Frans de Waal, for instance, suggests that the traditional distinction between nature and culture is one more expression of 'outdated Western dualism'. Natural selection, he argues, 'has produced our species, including our cultural abilities. Culture is part of human nature'. And since human nature can be understood through 'a combination of neurophysiology and deep genetic history', as EO Wilson has put it, so all that appears distinctive about human beings - language, morality, reason, culture itself - is not in fact that exceptional, and can be understood in the same way as can all natural phenomena.

(...)

Over the centuries many thinkers have pointed to some specific quality - culture, reason, tool-use, language, morality - as that which makes humans distinct. Others, especially in the wake of Darwin, have argued that each of these qualities can also be found in non-human animals: that many animals use tools, act according to reason, have the capacity for language, act morally and possess culture.

(...)

Frans de Waal defines culture as 'knowledge and habits [that] are acquired from others'. It explains why 'two groups of the same species may behave differently'. Under this - very reasonable - definition many species of animals can be viewed as cultured.

Humans, however, do not simply acquire habits from others. We also constantly innovate, transforming ourselves, individually and collectively, in the process. There is a fundamental difference between a process by which certain chimpanzees have learnt to crack open palm-nuts using two stones as 'hammer' and ‘anvil’, and a process through which humans have engineered the industrial revolution, unravelled the secrets of their own genome and developed the concept of universal rights.

(...)

Science has expunged consciousness and teleology from the natural world. But consciousness and teleology remain crucial aspects of the human world. Any naturalistic account of humanness, therefore, has to account for human consciousness and teleology in non-teleological terms.

One approach has been to argue that consciousness and teleology are illusions, phenomena that natural selection has designed us to believe in, not because they are true, but because they are useful.

(...)

From an evolutionary point of view, truth is contingent. Darwinian processes are driven by the need, not to ascertain truth, but to survive and reproduce. Of course, survival often requires organisms to have correct facts about the world. A zebra that believed that lions were friendly, or a chimpanzee that enjoyed the stench of rotting food, would not survive for long. But although natural selection often ensures that an organism possesses the correct facts, it does not always do so. Indeed, the argument that consciousness and agency are illusions designed by natural selection relies on the idea that evolution can select for untruths about the world because such untruths aid survival.

(...)

Another way of putting this is that human nature is not simply natural. We often lose sight of this because of the ambiguity of the concept of human nature. On the one hand, human nature means that which expresses the essence of being human, what Darwinists call 'species-typical' behaviour. On the other, it means that which is constituted by nature; in Darwinian terms, that which is the product of natural selection.

In non-human animals the two meanings are synonymous. What dogs and bats or sharks typically do as a species, they do because of natural selection. But this is not true of humans. The human essence - what we consider to be the common properties of our humanity - is shaped as much by our history as by our biology.

(...)

For most of human history, though, slavery was regarded as natural as individual freedom is today. Only in the past two hundred years have we begun to view the practice with revulsion. We have done so partly because of the political ideas generated by the Enlightenment, partly because of the changing economic needs of capitalism, and partly because of the social struggles of the enslaved and the oppressed. Certainly, today we view opposition to slavery as an essential aspect of our humanity, and see those who advocate slavery as in some way inhuman - but it's a belief that we have arrived at historically, not naturally. To understand human values such as the belief in equality we need to explore not so much human psychology as human history.

(...)»
(Kenan Malik)

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Democracia na Madeira: no limite da legalidade

Por uma questão de prazos, o Tribunal Constitucional não aceitou um recurso do PS contra a assembleia de apuramento dos resultados eleitorais na Madeira. Na notícia que acompanha este singelo facto no Público de hoje, ficamos a conhecer o seguintes dados interessantes...
  • «O PS denuncia o facto de presidentes de junta terem obrigado membros das mesas a deslocarem-se fora das assembleias para recolherem votos e de mesas que deixaram votar cidadãos não munidos de identificação. Nuno Godinho de Matos, porta-voz da CNE, considerou "escandaloso um dos casos reportados, o de uma mesa de voto que aceitava pessoas votarem acompanhadas com a desculpa de que estavam psicologicamente incapazes". Os socialistas protestaram também pela presença de presidentes de junta, 47 dos quais candidatos suplentes do PSD, junto das assembleias de voto, recebendo e conduzindo os eleitores. Contestaram ainda a utilização de viaturas do Governo para transportar eleitores às mesas de voto, transporte este "não publicitado" e de que apenas "beneficiaram determinados eleitores".»
A situação do transporte selectivo de eleitores fica apenas no limite da ilegalidade. O resto, fica provavelmente para lá do limite. O quadro geral que fica pintado não espanta, e explica, pelo menos em parte, a sobrevivência do regime jardinista e a sua votação recorde nestas últimas eleições...

Nick Cohen: «Stop this drift into educational apartheid»

«(...)
A bus ride through Belfast should convince doubters that the Good Friday Agreement created partition and called it peace. The walls that went up to separate Catholics from Protestants in the Seventies have not been torn down. There are more of them now than ever. Catholics travel for miles to avoid a Protestant leisure centre and Protestants go out of their way to avoid a Catholic newsagent.
(...)
Limiting sectarian education was a noble aspiration of the Good Friday Agreement. Even Sinn Fein politicians said they supported it. Politicians appeared to recognise that the integrated schools movement has provided one of the few solid grounds for optimism. Run by parents who were determined not to start segregating toddlers, it was creating schools that were not merely non-sectarian, but anti-sectarian.
For all the praise given to them, just 5 per cent of Northern Ireland's pupils attend integrated schools today.

###
(...)
Now ought to be the time to merge Catholic and Protestant schools. Unfortunately, it is yet again showing itself to be the land of missed opportunities. The Northern Ireland Office rejected plans for new integrated schools, which might offend vested clerical interests, and the chance of a better future is again being wasted. Readers in the rest of Britain may not care because mainstream opinion long ago gave up on all sides in the province. Yet it is a mistake to ignore them. Phenomena that begin in Northern Ireland have an alarming habit of going mainstream. Mass surveillance, armed police officers and the random slaughter of civilians by psychotic fanatics crossed the Irish Sea and segregated schools are on their way. Two policies of the Blair years encourage them: parental choice and the expansion of faith schools. Choice is currently the more damaging. Although there are no national studies of segregation by colour and creed, there are figures from the tense Lancashire mill towns. In Blackburn, 22 per cent of the population is from ethnic minorities, but 90 per cent of their children go to almost exclusively Asian schools. Elsewhere, we have informed guesses, Trevor Phillips's warning that we are 'sleepwalking' towards a segregated society being high among them, and anecdotal evidence.
(...)
In the name of 'respecting' faith and 'celebrating' difference, we are moving to a liberal version of educational apartheid.»
(Nick Cohen no The Guardian; ler na íntegra.)

O humanismo aplica-se aos bois?

No Que Treta!, o Ludwig Krippahl defende galhardamente os direitos dos touros e outros quadrúpedes.
A raiz da nossa divergência cresce do entendimento que o Ludwig faz da ética humanista, cuja aplicação ele estende a outros animais (embora, aparentemente, apenas aos mamíferos). Acontece que uma ética humanista não se esgota no enunciado dos seus valores fundamentais: é necessário explicitar quem são os sujeitos dos direitos e deveres resultantes. Mas concordo com o Ludwig que nenhuma ética humanista pode ser centrada em seres divinos imaginários, e portanto proponho que o humanismo seja centrado no animal humano, à exclusão de animais não humanos. Apenas seres que podem estabelecer relações de reciprocidade entre si podem ter direitos (e deveres) iguais. É o caso dos seres que pertencem à nossa espécie, mas não podemos definir «direitos dos animais» da mesma forma que não podemos enunciar «deveres dos animais». (Confesso que nunca vi um animal não humano reclamar direitos ou organizar-se para esse fim, mas posso andar distraído.)
O Ludwig argumenta que teremos deveres para com os animais, sem exigir que eles os tenham para connosco. Pessoalmente, discordo. Se formos por aí, desembocaremos no pior paternalismo, para além das contradições inevitáveis (o boxe é mais voluntário do que uma luta de cães? Porquê?). A defesa de que os animais não sejam tratados com crueldade pode ser feita, não a partir de «direitos» reconhecidos aos animais, mas sim a partir da nossa preocupação com eles.
Finalmente, o Ludwig diz que «a nossa espécie é parte de um contínuo biológico». Será verdade, mas há vários tipos de contínuo. O contínuo dentro da nossa espécie é bastante mais suave do que o contínuo acidentado entre a nossa espécie e os seus parentes mais próximos. Sugiro que deixemos de fora do humanismo as espécies animais que não desenvolveram linguagens complexas e com as quais não nos podemos cruzar (seria fascinante discutir o que fazer com os homens de Neanderthal; ou com os homens das Flores; mas...).



Outras reacções: A ética das touradas (notar o «todos deveríamos ser vegetarianos» do autor, para exemplo de como as «consequências remotas» que enunciei no primeiro artigo não estão assim tão longe); Sobre direitos dos animais e touradas (mas eu não disse que não pode haver manifestações a favor de uma proibição...).

Revista de blogues (21/5/2007)

  1. «Aqui está um bom exemplo para desdizer os que afirmam que a Ciência é dogmática. Existe um problema em Física que não foi resolvido. Como é sabido, a intensidade da força gravítica F sentida por dois corpos é proporcional às suas massas, m1 e m2 e inversamente proporcional ao quadrado da distância r entre elas. (...) Mas, como disse, há um problema. É que as estrelas na orla da galáxia estão a rodar mais depressa do que deviam, a julgar pela força gravítica a que estão sujeitas. Conhecendo a luminosidade das estrelas, os astrónomos conhecem a sua massa. Medindo a sua paralaxe, conhecem a sua distância. Conhecendo as distâncias e as massas conhece-se a força gravítica e por estranho que pareça, esta parece ser insuficiente para pôr as estrelas a rodar à velocidade a que estão. Propôs-se então que talvez exista uma forma de matéria entre as estrelas que fornece a força extra - matéria que, ao contrário das estrelas, não emite radiação tendo sido assim apelidada de matéria escura. Apesar de não ser possivel observá-la directamente pode-se detectar a sua presença porque o seu campo gravítico distorce o espaço-tempo e isso altera a trajectória da luz das estrelas no fundo estelar. (...)» («Fora-da-lei», n´O Banqueiro Anarquista.)
  2. «(...) a crença não indica menor inteligência. Mas vou começar por explicar o que quero dizer com «inteligência».Proponho que é o conjunto de quatro aspectos mais fáceis de definir. Conhecimento, capacidade de relacionar o que se conhece, criatividade e espírito crítico. (...) O crente é inteligente, mas a crença é das poucas actividades humanas (e talvez a única das que a sociedade eleva) que não beneficia da inteligência. Para ter fé de nada serve o conhecimento, o raciocínio, a criatividade ou a capacidade de crítica. Pelo contrário. Cada um destes ameaça a fé, e em conjunto são o seu pior inimigo. A crença não é inteligente. Mas há duas formas diferentes da crença não ser inteligente. Pode ser como gostar de chocolate. Não é inteligente nem estúpido. É, e pronto. Eu reconheço que o chocolate me pode fazer mal, e não me ofende se me disserem que é melhor evitar comer chocolate ou que gostar de chocolate é como gostar de chupa-chupas. Muitos crentes encaram a crença desta forma. (...) Mas outros apresentam a crença como sabedoria, como uma verdade, que é pública, objectiva e que todos devem reconhecer. Tentam convencer que a sua fé é verdadeira, ao contrário das outras. Ensinam os filhos a crer e batem-nos à porta a oferecer revistas ridículas. (...)» («Crença e inteligência», no Que Treta!)

domingo, 20 de maio de 2007

Touradas

O que eu quero dizer é que esta discussão dos touros de morte e das touradas é um bocado piegas e soa-me sempre deslocada, no pior dos sentidos, em vista das mil outras injustiças que não preocupam NADA os portugueses.

Eu acho que as touradas são espectáculos selvagens e medievais e se calhar deviam ser proibidas. Como cresci a ver os toiros a serem picados e torturados estou insensibilizado contra esta prática. Irracional? Inconsistente com os ideais tradicionais da esquerda? Talvez! Mas algum dos senhores que me criticaram é perfeito? :)

Mas perdoem-me a franqueza: eu não tenho paciência nenhuma para os grupos dos defensores dos animais que, se pudessem, mandavam milhares de imigrantes de volta para o México ou a Guatemala, para salvar um condor.

Por favor não comparem os animais com as pessoas.

A crueldade contra os animais é uma coisa horrível: a caça desportiva, por exemplo, pode ser uma coisa medieval e de uma crueldade enorme. Os tipos que andam atrás de antílopes com um arco e uma flecha e depois não acertam bem e os animais vão morrer longe, duas semanas mais tade. Ou os que vão à Africa ferrar um tiro num leão para depois meterem a pele na parede da sala.

Acho que Portugal pode e deve discutir as touradas e envergonhar-se perante os turistas nórdicos que nos acham uns selvagens, uns trogloditas sem vergonha, que torturam as vacas e os toiros e as galinhas, etc.

Mas eu continuo a achar que o que faz os os portugueses uns selvagens, muito, muito, muito mais que as touradas, é a nossa tolerância ao sofrimento alheio: dos iraquianos, dos sudaneses, dos ciganos, dos caboverdeanos, etc. Se Portugal algum dia, por exemplo, quizesse fazer uma reflexão sobre o que foi a guerra de África, e depois explicasse aos energúmenos do PNR porque é que nós temos obrigações morais para com os imigrantes – legais e ilegais – das ex-colónias, que aliás não cumprimos... eu achava que a discussão das touradas – simultânea com as outras – fazia sentido.

Sozinha, como prioridade nacional, não acho que tenha relevância nenhuma.

sábado, 19 de maio de 2007

Moral Majority

Mais um! Ted Klaudt: oito acusacoes de violação de rapazinhos, entre outras coisas. Os católicos e os republicanos batem todos os recordes possíveis da hipocrisia e depois batem os seus próprios recordes, todas as semanas.

Touros e vacas...

Não li as críticas todas ao texto do Ricardo sobre os protectores dos animais. Mas acho que as pessoas reagiram emocionalmente a um texto que critica, justamente, as reacções emocionais e frequentemente pouco razoáveis das pessoas que argumentam os direitos dos animais.

Eu adoro corridas à espanhola porque cresci a vê-las com o meu pai e acho as corridas à portuguesa uma palhaçada. E nunca percebo porque é que as pessoas têm pena dos toiros e não vêem o que os cavalos sofrem.

Espero que ninguém queira discutir se as corridas de toiros são, ou não, espectáculos bárbaros e medievais. A maioria dos toiros que são mortos na arena acabam sempre a deambular por ali, com um estoque enfiado nas costas, a tossirem os pulmões aos bocados, sem perceberem o que lhes aconteceu, até serem mortos com um golpe na nuca. Os que não são mortos na arena – os portugueses não aguentam tanta crueldade! – sofrem no escuro dos curros o tempo que for necessário até serem carregados para o matadouro, para serem abatidos, geralmente com febre e os tendões do pescoço lacelaros.

O que eu acho é que se devia discutir a selvajaria e a barbaridade das corridas de toiros, mas depois de se discutir a barbaridade e a selvajaria da invasão do Iraque, na qual Portugal participou. Para mim é escandaloso ver os portugueses a discutirem os direitos dos toiros e a ignorarem o sofrimento dos milhões de iraquianos que ajudámos a invadir, na esperanca de apanharmos umas migalhas do petróleo que os ingleses e os americanos lhes iam roubar.

Morreram mais de 650 mil civis inocentes e o resto da população anda a apanhar os restos dos filhos, pais e mães, ainda a mexer, nos escombros das explosões, as expressões dos pais com crianças mortas nos braços deviam rasgar o coração a qualquer pessoa normal, ou a levarem os filhos com as entranhas de fora para os hospitais em escombros, ou os olhares de medo das crianças sem braços e sem pernas nas camas dos hospitais. Mas é o sofrimento dos toiros que agora não deixa dormir os portugueses?

Caçadores de Tesouros

Enquanto estou a escrever isto há uma empresa a espatifar naus portuguesas em Moçambique para vender as porcelanas e os lingotes de ouro, e o que quer que se encontre e valha algum dinheiro. Há muitos anos que eles andam por lá e eu já desisti de suplicar ao governo português que faça alguma coisa para proteger o património português no mundo. Nunca encontrei uma nesga de simpatia para a minha causa em nenhum dos organismos do Ministério da Cultura relacionados com a arqueologia.

Ninguém se parece incomodar com esta situação. Provavelmente porque quase ninguém percebe que as naus portuguesas que nos séculos XVI e XVII faziam a Carreira da India eram o equivalente do Space Shuttle do século XX. Ou porque quase ninguém percebe quão pouco se sabe sobre estes navios, sobre as pessoas que os pensaram, construíram, navegaram, habitaram, etc.

Há menos de um ano um arqueólogo português perguntou-me porque é que eu ainda andava a estudar a nau que ajudei a escavar em São Julião da Barra entre 1996 e 1998 e cuja reconstrução do casco foi a base do meu Ph.D. Eu perguntei-lhe se tinha lido algum dos meus livros ou artigos – onde se explica quanto é que nos falta saber sobre estes navios enormes, estas máquinas formidáveis – e ele, obviamente, não tinha.

Mas tinha uma opinião absolutamente definitiva sobre a minha competência e a relevância do meu trabalho. :)

Isto são os meus colegas. Imagine-se os políticos e os jornalistas.

Jornalistas

O que mais me irrita nos jornalistas é aquela atitude de absoluta certeza que eu vou partir os ossos da bacia... deixem-me pensar numa metáfora menos brejeira... que eu estou ali, ao serviço deles, e que não hesitarei em deixar os meus filhos sem jantar só para aparecer 15 segundos no documentário infantil deles, entre dois anúncios de automóveis.

Este semestre disse a três grupos que não queria trabalhar com eles, ou participar nos documentários deles. O terceiro grupo, sobretudo, ficou absolutamente chocado porque apareceram fora de horas e eu não os recebi porque tinha um almoço de trabalho, com um colega. A incompreensão estampada na cara deles reflete uma arrogância de que nem eles próprios se dão conta.

Para mim a actividade deles é criminosa: a esmagadora maioria faz documentários para uma idade mental de 5 anos e distorce a realidade para a tornar mais atractiva para as multidões bovinas que eles depois vendem às empresas de anúncios.

O passado é um assunto sério. Além de uma das “últimas fronteiras” mais excitantes do conhecimento, já não me lembro quem é que escreveu que o estudo do passado tem uma componente orwelliana muito séria: é que se desconhecermos o passado temos de confiar nos políticos.

Mas não se adivinha nenhuma reflexão por trás do riso alvar destes produtores e destes realizadores, para não falar do resto das equipas.

Tesouros!

Como diz Richard Dawkins, as pessoas adoram um bom mistério e odeiam quem lhes explica a realidade.

Ontem uma empresa de caça aos tesouros norte-americana encontrou um tesouro fabuloso: segundo a estimativa deles, as moedas recuperadas de um navio do século XVII a 40 milhas da costa inglesa valem 500 milhões de dólares! Hoje havia 752 artigos no Google e ontem as acções da empresa fecharam a quase 9 dólares (antes do anúncio estavam a 4).

Há mais ou menos 20 anos, outra empresa – dos mesmos sócios – anunciou que tinha encontrado um tesouro de 80 milhões e angariou uma pequena fortuna (um dos sócios disse-me 7 milhões de dólares, embora com esta gente nunca se saiba). Depois de recuperado, parece que de um navio comprado em Portugal e perdido no mesmo furacão em que se perdeu o Atocha, em 1622 o “tesouro” foi avaliado por um especialista da empresa em 5 milhões de dólares. Umas semanas mais tarde a Sotheby’s declarou que o tesouro valia, no máximo, um milhão. Há poucos anos o dito “tesouro” foi vendido em leilão por mais ou menos 200 mil dólares. Em vez de três astrolábios a colecção agora tinha quatro.

A estupidez mesquinha dos jornalistas que têm ligado para aqui – esta manhã para minha casa! – é absolutamente assustadora.

sexta-feira, 18 de maio de 2007

O touro é sagrado (ou é a vaca?)

A minha curta reflexão sobre as touradas provocou um número inusitado de comentários. São tantos («grande tourada»...) que, excepcionalmente, respondo em artigo.
  1. Não gosto de touradas. É um espectáculo que não me agrada e que portanto não frequento. Lá por isso, não tenciono proibi-lo, como não tenciono proibir muitos outros espectáculos de que não gosto. (Esta minha preferência deveria ser irrelevante para o debate, mas alguns dos comentadores não sabem discutir sem pessoalizar.)
  2. A verdade, que alguns dos comentadores parecem ignorar, é que os movimentos «animalistas», para além de serem anti-touradas, defendem também o fim dos jardins zoológicos, dos circos com animais, da experimentação em animais, do uso de peles para vestuário, do foie gras e ainda a libertação das galinhas poedeiras. Quanto ao vegetarianismo, por enquanto limitam-se a recomendá-lo...
  3. Não escrevi que os animais não devem ter «direitos». Notei apenas que não podem ser sujeitos de Direito. Quaisquer «direitos» que se atribuam aos animais não humanos resultam do nosso desejo (legítimo) de nos sentirmos melhor com as nossas acções, e não de qualquer relação de reciprocidade com os animais não humanos que seria absurda (por impossível). Nesse sentido, não me repugna que se ilegalizem determinadas formas de crueldade sobre os animais, mas choca-me que se faça do «bem estar animal» um valor absoluto ou sequer comparável ao bem estar das pessoas.
  4. É um facto que alguns dos movimentos «animalistas» têm o mau gosto de comparar a abolição da escravatura à luta pelos «direitos» dos animais. Também comparam o genocídio de judeus com a morte de animais para alimentação. Em termos humanistas, isto diz tudo sobre o grau de desorientação e alienação de quem perdeu de vista o essencial: o ser humano.
  5. A ala terrorista do movimento animalista (a Frente de Libertação Animal) não se limita a destruir talhos e a incendiar lojas de roupas de pele, mas também se empenha em destruir laboratórios e fábricas, causando milhões de euros em danos. Este grupo já considera normal ameaçar pessoas que fazem experiências científicas com animais. Falta matar alguém em nome dos animais, um passo que os mais extremistas (a Animal Rights Militia) se aproximaram de dar quando enviaram cartas armadilhadas a pessoas que praticam a vivissecção de animais. Quando isso acontecer, tudo ficará mais claro.

Comunicado do M.A.T.A. (Movimento Anti «Tradição Académica»)

«Começou por ser mais um caso público de praxe violenta. No dia seguinte passou a dois. No primeiro caso, um jovem estudante viu-se "imobilizado por colegas mais velhos e alguns começaram a rapar-lhe os pêlos púbicos com uma lâmina de barbear" do que "resultou o rompimento de parte do escroto do caloiro", segundo conta um jornal diário. O outro "para além de unhas negras, resultantes de apanhar com uma colher de pau" sofreu cortes no couro cabeludo com uma tesoura enquanto lhe cortavam o cabelo, segundo outro jornal diário regional. Um apresentou queixa ao Conselho de Veteranos (CV), o outro, junto das autoridades policiais.
José Luís Jesus, dotado do "nobre título" dux veteranorum da Universidade de Coimbra, garante-nos que os agressores "estão devidamente identificados"; que ainda "esta semana serão feitas todas as averiguações"; e que caso tenha havido abusos "o CV vai até às últimas consequências". Além de se fazer passar por uma autoridade para tratar o que as leis normais, iguais para toda a gente, deveriam resolver, este estudante acrescentou ainda, em declarações mais recentes: "já sabemos que é tudo mentira! Se o estudante tem um rompimento no escroto, foi porque fez outra coisa qualquer!" Parece incrível, mas é verdade: as "leis" da praxe são feitas para proteger e fomentar a barbaridade e não precisam de grandes averiguações para "julgar" e tomar as suas "decisões".
Surge então uma pergunta: Que entidade é esta, o "CV", e as pessoas que o constituem, os "duces", que se auto reveste do poder de identificar, averiguar, julgar e condenar situações nas quais não esteve directamente envolvida? O Estado reconhece-lhe esse direito?
É inaceitável que se pense que as pessoas que praticam as praxes podem ser as mesmas a fiscalizar os actos por si praticados, e ainda para mais consideradas idóneas. Como se pertencessem a uma instituição à parte, numa proposta de mundo à parte – a Universidade. É exactamente essa proposta de Universidade-fortaleza, fechada ao mundo, que recusamos.
A sociedade vai perdendo a ilusão de que as praxes não passam de um conjunto de brincadeiras menores e que até é normal que tenham instituições próprias que a regulem. Mas se por algum motivo não tivessem acontecido cortes no escroto ou no couro cabeludo, nódoas negras e hematomas, estes casos teriam sido notícia? O CV consideraria aquela praxe admissível?
O Conselho de Veteranos talvez responda sim a esta pergunta alegando, em defesa dos agressores, que o aluno aceitou ser praxado. E novas questões se colocam: em que condições aceitou ser praxado? Foi de livre e espontânea vontade que avançou para a praxe, com o conhecimento prévio do que lhe poderia acontecer? Não foi persuadido sob nenhuma forma, física ou psicológica (e o motivo da integração adapta-se perfeitamente a este tipo de persuasão) para se submeter à vontade dos praxantes?
Infelizmente, sabemos que a coragem de não aceitar e denunciar estas violências é quase sempre "premiada" com o abandono e a hostilização das vítimas e a cumplicidade com os agressores: o passado recente mostra-nos que os responsáveis pelas escolas e pelo ministério são os primeiros a contribuir para o clima do medo e da impunidade.
O Movimento Anti "Tradição Académica" não aceita esses poderes obscuros e sem qualquer legitimidade e considera que estes casos não são acontecimentos isolados mas que acontecem devido à própria natureza da praxe. Condenamos as violências inerentes às praxes quer se tornem em casos públicos ou não. Apelamos aos estudantes que rejeitem qualquer forma de praxe, bem como todas as imposições e os poderes absurdos de estudantes sobre estudantes disfarçadas de brincadeiras e "tradição". A lei da praxe não vale nada, nem pode sobrepor-se às leis do país e ao convívio entre estudantes sem imposições, sem chefes e sem violências.
Por último, mantemos a expectativa de que o Sr. Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Prof. Mariano Gago, mantenha o perfil de indignação que já demonstrou relativamente a situações semelhantes, esperando ainda pelo momento em que verdadeiramente coloque na agenda a reflexão e acção sobre este tema. Para ele, como para toda a comunidade escolar e sociedade em geral, desistir e abreviar responsabilidades seria uma atitude inaceitável. Esperemos que, à semelhança do que aconteceu noutros casos como o de Ana Sofia Damião, não seja a própria instituição escolar a querer ocultar o que se passou para manter o bom nome da casa.»
Sítio do M.A.T.A.; comunicado reproduzido a partir do blogue O Bitoque.
Comentário: qualquer aluno violentado numa situação deste género pode e deve queixar-se às autoridades competentes; como essa atitude pode ter custos sociais no meio universitário, seria desejável que as universidades proibissem a realização de praxes dentro do campus universitário. Há quem desista da universidade ou entre em depressão por causa de algumas praxes...

quinta-feira, 17 de maio de 2007

Grandes touradas

Existem duas-razões-duas para manifestações anti-touradas como a prevista para hoje à tarde no Campo Pequeno:
  1. Acreditar que os animais não humanos podem ser sujeitos de Direito;
  2. Achar que os outros não têm o direito de se divertir de uma forma que não aprovamos.

A primeira é típica de correntes de pensamento anti-humanistas que têm o mau gosto (ou a desorientação ética...) de comparar a escravatura ao bife na grelha; a segunda, de puritanos que acham que os espectáculos de que eles não gostam devem ser proibidos. As consequências remotas da primeira postura seriam a proibição do consumo de carne de todos os mamíferos que não tivessem morrido acidentalmente ou de velhice; as da segunda, seriam a proibição do boxe, da pornografia e do Big Brother.

Kenan Malik: «Human nature, human differences and the human subject»

«In and of itself, the concept of 'difference' possesses no significance. Its meaning emerges only in the context of a common standard against which the relationships, and hence the differences, between a set of objects, phenomena or events can be judged. Any discussion of differences, then, only makes sense in relation to a discussion about commonalities. In humans, the discussion about 'commonalities' usually turns on a discussion about 'human nature' - that is, the common nature that all humans are perceived to possess.
The concept of human nature is, of course, a highly contested one, and many deny the very existence of a universal essence to human life. In part, this denial has been shaped by the history of anthropology. Nineteenth racial science had viewed humans as entirely moulded by the laws of nature, and the differences between human groups as the consequence of distinct evolutionary paths. In response, twentieth century anthropology rejected not simply racial essentialism, but increasingly any form of essentialism. Human nature, and indeed the very idea of the human itself, has come to be see by many anthropologists as suspect.
On the other side of the debate, sociobiologists and evolutionary psychologists view an understanding of human nature as a fixed quality that constrains the human condition, and fundamental to any understanding of what it is to be human. The denial of human nature, Steven Pinker suggests, 'distorts our science and scholarship, our public discourse and our day-to-day lives'.
(...)

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Whatever their other differences, in other words - and I would not wish to diminish those differences - both sides in this debate accept that human unity is manifested solely at a biological level, while culture expresses its differences. What separates the two sides is largely a debate about the relative weights that should be attached to one's biological nature and one's cultural upbringing in shaping beliefs and behaviours. For sociobiologists humans are defined primarily by their nature. Given the pliability of human nature, relativists retort, the universal aspects of the psyche are largely unimportant.
(...)
There are certainly species-typical human behaviours and social forms that are likely to be the products of evolved adaptations. But humans, unlike non-human animals, also forge universal values and behaviours through social interaction and historical progress. In this sense the human essence - what we consider to be the common properties of our humanity - is as much a product of our historical and cultural development as it is of our biological heritage.
(...)
I have no doubt that our capacity for moral thought is likely to be an evolved trait. But this is not the same as saying that values are natural. Take the question of slavery and the idea of equal human worth. For most of human history, slavery was regarded as natural as individual freedom is today. Only in the past two hundred years have we begun to view the practice with revulsion. Why? Partly because of the political ideas generated by the Enlightenment, partly because of the changing economic needs of capitalism, and partly because of the social struggles of the enslaved and the oppressed. Certainly, today we view opposition to slavery as an essential aspect of our humanity, and see those who advocate slavery as in some way inhuman - but it's a belief that we have arrived at historically, not naturally.
(...)
Discussions about the relationship between human nature and human differences, however, whether rooted in natural or cultural views of human behaviour, have paid insufficient attention to the transformative character of human life. The conflation of the debate about universals and differences with the nature-nurture debate has established a dichotomy between biological universals and cultural differences, a dichotomy within which the sense of human agency has been lost.
(...)
To restore balance to the discussion of human commonalities and human differences, we need to do three things: first, to distinguish the debate about universalism and relativism from nature-nurture debate; second, to understand human nature not simply in naturalistic terms but also as historical created; and thirdly to restore the concept of human agency into the discussions of both human nature and human differences.»