As Testemunhas de Jeová vão a casa das pessoas, tentar convertê-las.
Muitos consideram que não tem nada de mal acreditarem no que acreditam, o pior é fazerem o que fazem.
Eu acredito que a acção que tomam é coerente com o que acreditam. Estão convencidos que aquilo é verdade, e como tal que aquela atitude é a melhor que podem ter face aos outros. Não espalhar a verdade seria uma forma de egoísmo.
Podemos descartar a atitude como fanática, mas a atitude é simplesmente altruista. Jesus pediu aos seus seguidores para abandonarem tudo e segui-lo, ora espalhar a palavra a estranhos durante os tempos livres exige bem menor fanatismo. Quase que me parece o mínimo que se exige a quem acredite realmente naquilo que diz acreditar.
Por isso, mesmo que veja as acções proselitistas das testemunhas de Jeová como más acções, vejo-as como bem intencionadas e respeito isso. Tento sempre tratá-las com o maior respeito e simpatia que consigo, pois entendo que do ponto de vista deles, estão simplesmente a ajudar. A fazer o bem.
Claro que não é só a intenção que conta. Quem se lançou contra as torres gémeas também acreditava estar a fazer o bem - a dar a sua vida para fazer o bem - e seria bem difícil ter alguma simpatia por essas pessoas.
Mas falar é muito diferente de atentar contra a vida de terceiros, e aí a minha atenção pela intenção é superior. As testemunhas de Jeová estão no seu direito, e estão a fazer algo que acreditam estar correcto, a perder o seu tempo, a abdicar da sua disponibilidade para ajudar pessoas que nem conhecem.
O mesmo sinto em relação a qualquer cristão que esteja a abdicar do seu tempo que me aborde na rua. Sinto respeito, e nenhuma vontade de dicutir com ele.
Não assumo: «bah, ele está a fazer isso para ganhar o céu, em proveito próprio». Parece-me que quando uma pessoa é crente e menos altruista tende a acreditar que é mais importante não roubar, matar e dizer mal de Deus, do que ajudar os outros, para ir para o céu. Quem acredita em ajudar os outros para ir para o céu não o faz por si, e fá-lo-ia sem ser crente.
Claro que em certa medida sinto pena que as testemunhas de jeová percam o seu tempo para enganar os outros. Se sacrifiquem para tornar o mundo um pouco pior. Mas entendo que estão a fazer aquilo que consideram correcto. E se bem que preferisse que nunca tivessem acreditado naquela teia de equívocos, e aproveitassem o tempo que dedicam aos outros de forma mais produtiva, não tenho qualquer sentimento de agressividade para com elas. À priori, repito, tenho simpatia.
Da mesma forma, se souber de um cristão que mantém um blogue religioso, não vou sentir qualquer espécie de revolta ou ansiedade. Claro que esse blogue pode ser uma ferramenta de engano, contribuindo para desinformar as pessoas. Mas parte da minha crença na liberdade da expressão fundamenta-se no idealismo - talvez ingénuo - de que com liberdade de circulação de ideias e informação, pouco a pouco, e apesar de vários enviesamentos cognitivos e outro tipo de factores sociais que atrapalham o processo, as melhores ideias sobrevivem. Pode demorar séculos, ou mais, mas eventualmente, a verdade vem ao de cima.
Continuo a sentir um grande desconforto se deparar com um site negacionista do holocausto, por exemplo, mas isso é porque associo a esse site enganador ideias de ódio e violência que me perturbam. Ora apesar de todo o ódio e violência que as várias instituições religiosas demonstraram enquanto foram poderosas, a verdade é que no ocidente da actualidade não associo esse ódio e violência à esmagadora maioria dos crentes, nem dos sacerdotes.
Por outro lado, se deparar com um site propagandístico que espalhe contra-informação, e souber que o seu autor não acredita naquilo que escreve, também me vou sentir desconfortável (enojado, diria).
Mas um típico site religioso mantido por um cristão português não corresponde a estes problemas. Nem apela directa ou indirectamente à violência (a excepção mais frequente é a homofobia), nem é mantido por quem não acredita no que escreve (diria que podem existir excepções, mas a menos que as identifique, assumo que o autor acredita no que escreve). Por isso não me desperta qualquer incómodo.
Acho a sua leitura um pouco entediante, e por isso não o frequento, mas não sinto senão simpatia pelo autor. É verdade que defronto com esse autor uma batalha pelas ideias. Ele pode querer convencer as pessoas de A, e eu de B. Ele acredita que eu estou a enganá-las; eu acredito que ele está a enganá-las. E suponho que ambos acreditamos que o outro não engana intencionalmente, faz o que faz com a melhor das intenções. Por isso, acredito, é possível manter respeito e simpatia mútuos, apesar de sermos "adversários".
Não?