quarta-feira, 24 de julho de 2019

O eixo esquerda-direita é o "primeiro componente principal" do espaço multidimensional do pensamento político

Ocorreu-me uma ideia (um "bitaite"), que quis partilhar. Aproveitei para escrever este post sobre o assunto. Da última vez que tive uma ideia deste tipo tinha 16-17 anos e antecipei em alguns anos a popularização da ideia dos dois eixos (propriedade privada vs redistribuição e liberdade vs autoritarismo) do "political compass". Embora tenha partilhado esta ideia na altura com vários colegas do secundário, não tinha um blogue onde pudesse ter escrito o meu "bitaite". Mas agora faço parte de um blogue onde, com sorte, alguns leitores se podem interessar por mais uns palpites sobre o "mapeamento" do pensamento político.

Os termos esquerda-direita têm uma origem histórica (a esquerda em oposição ao poder absoluto do Rei, ao contrário da direita), mas muitos alegam que o uso que lhes é dado já não corresponde à origem histórica (obviamente não me refiro à razão trivial de que não existe Rei em muitos dos países em que os termos esquerda-direita são usados, mas sim à alegação de que o que define a esquerda não é a oposição a uma excessiva concentração de poder).

Sucede-se que todos temos uma noção intuitiva daquilo que é a esquerda-direita na nossa sociedade, mas verificamos que em sociedades diferentes, com um historial diferente, os termos esquerda-direita assumiram valores não necessariamente iguais, e por vezes até bastante diferentes. 
Então, o que representa o eixo esquerda-direita de uma forma mais geral?

Comecemos por considerar que o espaço do pensamento político é multidimensional. Na verdade, poderíamos pensar num espaço com centenas de milhares de dimensões (para não dizer infinitas) em que cada dimensão seria uma possível proposta política ("devia reduzir-se o máximo do horário de trabalho para as 35h"; "devia nacionalizar-se toda a indústria"; "devia legalizar-se a venda de órgãos"; "devia ser proibido criticar a liderança política do país"; "deviam taxar-se as emissões de CO2"; etc.) onde cada um poderia posicionar-se com "concordo muito"; "concordo"; "sem posição sobre o assunto"; "discordo"; "discordo muito". 
Como um espaço com tantas dimensões é completamente inoperacional, as pessoas com maior interesse por política tenderiam a fazer uma "análise de componentes principais" intuitiva e a reduzir consideravelmente o número de dimensões para posicionar um determinado pensamento, partido ou ideologia. 
Se quisermos pensar num espaço do pensamento político em que cada um dos eixos importantes teria alguma "semântica" intrínseca, talvez encontrássemos eixos como estes:

-Redistribuição da riqueza vs Protecção da propriedade privada

-Protecção das liberdades individuais vs Reforço do poder coercivo do estado

-Priorização da defesa do meio ambiente vs Outras prioridades

-Aumento do poder na escala nacional vs Aumento do poder na escala supra-nacional

Aqui cada eixo se torna mais "contínuo" pois a quantidade de propostas possíveis que se relacionam com cada um deles seria simplesmente imensa. 

No entanto, (infelizmente) a esmagadora maioria dos eleitores não acompanha a política com suficiente atenção e empenho para que muito do debate político relevante possa ocorrer neste espaço político multidimensional, mesmo que simplificado. É necessária uma simplificação acrescida. 
A diversidade de posições políticas, as alianças e inimizades tendem a fazer o debate político coalescer num único eixo. Este eixo será o primeiro componente principal do espaço multidimensional do pensamento político e será designado por esquerda-direita.

De acordo com esta teoria, numa sociedade onde tem lugar uma ditadura comunista e onde tem lugar uma ditadura fascista os termos esquerda e direita assumem significados consideravelmente diferentes.
As pessoas com tendência para se oporem ao poder absoluto tenderão a coalescer em torno das propostas económicas opostas às do poder instituído. Assim, a "direita" de um país com uma ditadura comunista poderá ser "pró-liberdade" (a favor da liberdade de expressão, a favor do estado de direito, contra a tortura, etc.) enquanto que será a esquerda de um país com uma ditadura fascista a coalescer em torno destes valores. Se o poder económico não quer obstáculos ao lucro de curto prazo, tenderá ser a esquerda a priorizar o ambiente, e a direita a desvalorizar essas questões. A esquerda pode chegar ao ponto de alegar que não pode existir solução para os problemas ambientais num sistema capitalista. Mas também não custa muito encontrar exemplos do fenómeno oposto. 
Nos EUA, o eixo relativo às políticas identitárias tornou-se tão importante que vários dos apoiantes de Trump defendem políticas redistributivas. Na realidade o termo "extrema-direita" denuncia que "direita" não representa necessariamente uma perspectiva "pró-mercado". O termo foi cunhado por uma História onde o eixo esquerda-direita tinha no seu extremo-direito um pensamento que era muito mais convicto na defesa do poder coercivo do estado, no nacionalismo, etc. do que necessariamente na defesa da propriedade privada. 

Gostaria de ver algum teste empírico a esta hipótese. Conceptualmente não é muito difícil, mas seria muito interessante fazê-lo em várias sociedades. 



Adenda: O Miguel Madeira partilhou este interessante artigo, que confirma a ideia de que não existe em todas as sociedades a mesma relação entre as convicções relativamente à distribuição da riqueza e aquilo que por vezes se designa a "esquerda cultural".

Relativamente ao exemplo de um país sujeito a uma ditadura comunista num passado recente, concluiu-se o seguinte: "Post-communist status. Within nations that were under communist domination during the Cold War, the traditional value-based underpinnings of social conservatism might give rise to left-wing economic views. Indeed, the analyses testing the two-way interactions revealed that post-communist status significantly moderated all six relationships between cultural and economic conservatism variables (see Appendix Tables F1 and F2). In each case, the interaction
term’s coefficient was negative, indicating that the cultural-economic conservatism relationship
was more negative in post-communist nations than it was in other nations."

Sempre é um indício empírico a favor da hipótese apresentada. Insuficiente, mas promissor. 

quinta-feira, 18 de julho de 2019

Há diferenças de interesses entre os géneros com origem biológica?

É certo que um dia as percentagens de homens e mulheres venham a ser praticamente as mesmas em todas as profissões?

Ou será que, pelo contrário, haverá sempre certas profissões com mais mulheres (ou homens) do que outras?

E se houver realmente diferenças significativas entre as escolhas profissionais de homens e de mulheres, isso resultará de condicionamento social ou de predisposição biológica?


O vídeo acima aborda estas questões, e vale a pena.

terça-feira, 16 de julho de 2019

Fazer o oposto de Trump

Enquanto activista da TROCA - Plataforma por um Comércio Internacional Justo escrevi um texto que foi publicado no Público.

O texto chama-se Fazer o oposto de Trump e diz respeito ao tipo de clivagem comum no debate público entre aceitar a globalização tal como ela existe (com as suas insustentabilidades a nível ambiental, económico e político) ou defender uma alternativa com pressupostos nacionalistas, xenófobos e anti-ecológicos (a "política de Trump").
O texto propõe uma terceira alternativa: recusar o status quo actual, mas caminhar na direcção oposta à de Trump e construir uma globalização com pressupostos universalistas, solidários e ecológicos.

Assim, a tese principal do texto é a seguinte:

«No entanto, quiçá mais grave ainda do que a contribuição dada para o aumento avassalador das desigualdades e para a estagnação dos salários, tem sido o impacto ambiental insustentável resultante da forma como estruturamos o comércio internacional. O actual nível de emissões de CO2 ou equivalentes (se não for travado) irá dar origem a danos materiais e humanos que em muito superam os sofridos pela Humanidade durante a segunda guerra mundial. No entanto, as alterações climáticas estão longe de ser o único desafio ambiental de proporções planetárias seriamente agravado por esta forma de globalização que vem sendo realizada. É cada vez mais urgente uma globalização muito diferente.

Nos EUA, a frustração com os impactos da globalização foi um dos factores que contribuiu decisivamente para a vitória de Donald Trump. Porém, a política comercial de Trump tem sido verdadeiramente catastrófica. A subida das taxas aduaneiras tem sido errática, precipitada, inconsequente. Pior: subjacente a estas subidas está uma postura de rejeição do multilateralismo; uma crença na ideia de que o comércio é um jogo de soma nula em que uns países ganham à custa dos outros, sem que ambos possam perder ou ambos possam ganhar; e um profundo desprezo pela necessidade de diminuir o impacto ambiental da actividade económica.

Se Trump fez bem em rejeitar o status quo insustentável desta globalização, ele optou por caminhar na direcção precisamente oposta à da defesa do interesse público. Urge fazer exactamente o contrário.

Quando pensamos no comércio internacional entre dois países é fundamental rejeitar a noção de soma nula. Um mau acordo pode prejudicar as populações de ambos os países para benefício de um punhado de multinacionais, mas um bom acordo poderia trazer benefícios a ambas as partes. Por esta razão, importa rejeitar pressupostos nacionalistas ou xenófobos e partir de uma perspectiva universalista e solidária. É fundamental combater o progressivo esvaziamento da Democracia e empoderar a população e a sociedade civil no delinear da política comercial.»

O texto procura, no espaço disponível restante, concretizar em que é que consistiria uma política de comércio internacional universalista e justa, enumerando propostas relativamente à política aduaneira, à harmonização regulatória e aos mecanismos de resolução de litígios. Em relação a este último assunto escrevo:

«Por fim, em todos os acordos devem ser rejeitados os mecanismos de resolução de litígios (ISDS e semelhantes) que estabelecem um sistema de justiça paralelo ao serviço das empresas multinacionais contra os Estados, com graves problemas de falta de transparência, inaceitáveis conflitos de interesses e gravíssimos prejuízos para a legislação ambiental, laboral, de defesa dos direitos humanos, entre outras.

Os Estados deveriam antes empenhar-se na concretização das propostas do Conselho de Direitos Humanos da ONU relativamente ao estabelecimento de um Acordo Vinculativo sobre empresas transnacionais e cumprimento dos direitos humanos.»

Concluo com o apelo à construção de um mundo mundo mais solidário, mais consciente relativamente aos impactos ambientais e muito mais democrático. O leitor pode contribuir para esse objectivo assinando a petição europeia contra o ISDS.


Texto também publicado no Espaço Ágora.

segunda-feira, 1 de julho de 2019

O estado social é socialista, mas os países nórdicos não


Já vi esta discussão (e esta contradição) tantas vezes....




Post também publicado no Espaço Ágora