domingo, 25 de setembro de 2016

As esquerdas unidas perante o seu segundo orçamento

O novo imposto sobre o património tem sido debatido de forma exageradamente crispada para os dados concretos que se conhecem. Sabe-se apenas que o limite inferior do património tributável será entre meio milhão de euros e um milhão de euros; e que afectará portanto, respectivamente, 44 mil ou nove mil contribuintes. Não é claro se será excluída do património englobado a habitação própria, ou incluídos os imóveis arrendados ou que sejam sede de empresas, ou ainda património móvel (carros?). Muito menos se divisa qual a taxa aplicável, embora se diga que a receita será de 100 milhões de euros. Está-se portanto a discutir (em público) quase sobre o vazio.


O governo apoiado pelas esquerdas unidas pode e deve discutir uma reforma da fiscalidade para o próximo orçamento. É até um avanço relativamente às medidas tomadas no primeiro ano de governo, geralmente começadas por «re»: repôr salários, restituir cortes, reverter concessões de transportes, retirar subsídios às escolas privadas. Embora concorde na generalidade com essas medidas, a esquerda não pode ser só a oposição da direita. Tem que ter uma visão construtiva clara quanto ao que pretende para o futuro. E uma fiscalidade mais incidente sobre os muito ricos, embora mais justa por aliviar os pobres e a classe média, não significa uma alteração profunda na relação entre os cidadãos e o Estado. Do primeiro governo do PS apoiado pela esquerda radical esperava-se mais.

Por outro lado, continua por abordar substancialmente a questão de fundo da dívida e da sua resolução. Essa guerra só poderá ser travada nas instituições europeias, e nenhum dos partidos parlamentares à esquerda do PS acredita suficientemente na União Europeia para a querer reformar. Essa insuficiência da «geringonça» será, mais tarde ou mais cedo, manifesta.

sábado, 24 de setembro de 2016

Religião e Generosidade

A ideia de que a religião promove a generosidade carece de fundamento empírico. Os indícios que existem a esse respeito vão no sentido contrário, o de que existe uma correlação negativa entre religiosidade e generosidade.

No entanto, e isto serve para outras questões científicas e não apenas para esta, um estudo isolado não justifica convicções fortes. Antes de concluir com segurança o que quer que seja a respeito da relação entre a religião e generosidade deve esperar-se pela replicação deste estudo, outros estudos relacionados, e meta-estudos que os enquadrem.
Até lá, os fundamentos para dizer o que quer que seja sobre esta relação são insuficientes. 

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Alterações Climáticas em perspectiva

O aquecimento global é, sem sombra de dúvida, o maior desafio ecológico da actualidade. Os dados são tão claros, que se torna cada vez mais raro ouvir a alegação de que não está a acontecer. E o facto da actividade solar ter diminuído nos últimos anos também torna difícil alegar que as nossas emissões não são a causa, já que é difícil apresentar uma causa alternativa.

Uma alegação comum é a de que a terra tem vivido alterações de temperatura muito mais radicais que as actuais. É pena que quem faz essa alegação não reflicta dois segundos sobre as suas implicações - as alterações passadas do clima terrestre evidenciam a relação de realimentação positiva entre carbono e temperatura, e a reacção em cadeia que pode ser provocada a partir de mudanças relativamente ligeiras com resultados absolutamente catastróficos.
De facto, que alterações tão ligeiras na órbita terrestre, que resultam em variações muito reduzidas da exposição solar, tenham causado variações de temperatura tão amplas é algo que nos deve alarmar bastante quando podemos provocar alterações climáticas de dimensão comparável ou superior através das nossas emissões.
É que os seres humanos lidariam muito mal com as alterações climáticas da magnitude que a terra já experienciou (por exemplo, com o triplo da temperatura atmosférica), e portanto parece tudo menos recomendável que, ao invés de aproveitarmos os largos milhares de anos que a terra vai orbitar sem alterações climaticamente relevantes, estejamos nós em vias de provocar a nossa pequena "mudança radical" na temperatura terrestre.

De qualquer das formas, a respeito desta questão da temperatura ao longo dos últimos milhares de anos, recomendo vivamente este diagrama engraçado, elucidativo e assustador do cartoonista autor do xkcd, que muito aprecio.

E, aproveitando o balanço, e como já vem sendo meu hábito, coloco também o último vídeo de potholer54 respondendo a alguém bastante equivocado a respeito das alterações climáticas. Geralmente os seus vídeos são mais informativos que este, mas mesmo assim não dei o meu tempo por perdido:



Post também publicado no Espaço Àgora.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Os exageros da anti-islamofobia

Compreendo e acho necessário que se combata a islamofobia: o preconceito politizado contra os muçulmanos atinge hoje extremos na Europa que, em rigor, não foram atingidos nos anos 30 contra aqueles (os judeus) que desempenhavam um papel semelhante para os nacionalistas dessa época. O holandês Wilders, por exemplo, já foi ao ponto de preconizar que se fechem todas as mesquitas do seu país.

O que não compreendo e acho prejudicial é que em nome do combate à islamofobia se negue que o «Estado Islâmico» é islâmico, que quase todos os atentados dos últimos dois anos na Europa foram cometidos em nome de uma interpretação radical do Islão, que as comunidades muçulmanas não devem ser privilegiadas na atribuição de subsídios camarários ou que o burquíni não é uma bandeira de liberdade.

Infelizmente, ao longo do último ano tornou-se cada vez mais difícil criticar qualquer coisa islâmica sem ser acusado de se ser um «islamófobo», quiçá um racista. O que só agrava o problema. Em primeiro lugar, porque retira espaço (e argumentos, e apoio) aos próprios muçulmanos para isolarem os radicais das suas comunidades. Em segundo lugar, porque abandona a crítica dos aspectos radicais do Islão aos xenófobos de direita, esses sim verdadeiramente islamófobos.

Há quem já tenha entendido isto muito bem: Salman Rushdie e Slavoj Zizek são dois exemplos recentes e que merecem ser lidos.