Suponhamos que um grupo discute qual deve ser o preço a pagar por um determinado produto. Uma parte das pessoas do grupo defende que o preço deveria diminuir, outra parte defende que deveria aumentar, enquanto uma terceira parte defende que deveria ser mantido igual ao que era em anos anteriores.
Nesta situação, claro que podemos agrupar os que querem aumentar e os que querem diminuir o preço num grupo dos que querem alterações, em oposição ao outro grupo, o dos que querem manter o valor actual.
Porém, seria profundamente demagógico dar a entender que os que estão no mesmo grupo porque querem alterar o preço do produto (seja aumentá-lo ou diminuí-lo) querem a mesma coisa, ou sequer algo parecido.
Na verdade, a ideia que apresentei é tão simples e inequívoca, que até me arrisco a ter insultado a inteligência do leitor.
No entanto, quando o assunto é o “Comércio Internacional”, existe quem tente esse rasteiro truque de retórica.
O comércio internacional pode ser realizado de diferentes formas e sob diferentes pressupostos. Em causa podem estar apenas taxas aduaneiras ou/e a harmonização das regulamentações sobre as mais diversas áreas ou ainda a forma de lidar com eventuais disputas.
Estes instrumentos são diferentemente usados, consoante os objectivos.
Por outro lado, as circunstâncias actuais são muito claras: desde os anos 80 que os salários têm estado estagnados, as desigualdades têm aumentado de forma violentíssima, os direitos laborais têm-se deteriorado e a actividade económica tem exercido uma pressão insustentável sobre o planeta, sendo responsável por fenómenos como as alterações climáticas, o desaparecimento das florestas tropicais e o excesso de plásticos nos oceanos, entre outros. Como estes processos não têm acontecido apenas numa ou outra economia isolada, é possível concluir que a forma como temos gerido a globalização é irresponsável e deve ser repensada.
No entanto, a alteração da forma como se processa o comércio internacional pode visar objectivos e pressupostos completamente díspares.
Pode-se querer alterar o comércio internacional com objectivos Nacionalistas. Encarar o mundo como uma "competição" entre nações e o comércio como um jogo de soma-zero. Pode-se assumir que o prejuízo das indústrias estrangeiras constitui, por si, um benefício para a população nacional. E pode fazer-se tudo isto num contexto de pouca consideração pelos Direitos Humanos, menorização dos desafios ecológicos globais, rejeição das abordagens multilaterais aos problemas da Humanidade e enorme falta de empatia pelos outros povos.
Mas pode querer-se alterar o comércio internacional com objectivos Universalistas. Ou seja, compreendendo que o comércio internacional pode ser fonte de prosperidade, desde que se evite fazê-lo de forma social e ecologicamente insustentável. Assumindo que o desenvolvimento das outras nações beneficia a nossa, mas que o desenvolvimento implica respeito pelos Direitos Humanos, pela Democracia e pelo Planeta. Defender soluções multilaterais para os problemas globais, mas escolhidas pelas populações ou seus representantes e não pela gestão de topo das multinacionais. Ter empatia pelos outros povos, e recusar contribuir para a sua miséria ou para a destruição do planeta que partilhamos.
Estas abordagens não são apenas opostas nos objectivos e pressupostos. Também diferem radicalmente nos resultados concretos. Tarifas destinadas a prejudicar a importação de painéis solares estrangeiros para beneficiar o carvão nacional, por exemplo, não têm lugar numa política de comércio Universalista, que, consistente com a consciência do desafio civilizacional que o aquecimento global representa, nunca deveria beneficiar a indústria dos combustíveis fósseis.
É por esta razão que, quando não ignorantes, são profundamente desonestas as tentativas de colocar todas as políticas de oposição ao status-quo no mesmo saco. O que Trump e outros nacionalistas querem para o Comércio Internacional é o oposto daquilo porque lutam os progressistas com consciência da insustentabilidade do actual sistema.
Se queremos um mundo menos desigual, mais justo, mais democrático, com respeito pelos limites físicos do planeta e pelos outros seres vivos, não nos podemos conformar com o rumo que a Humanidade tem tomado nas últimas décadas.
Podemos ser a favor do Comércio Internacional, sim, já que um Universalista reconhece no comércio o potencial de ambas as partes serem beneficiadas, e isso é bom duas vezes. Mas só acontece se estivermos perante um Comércio Internacional Justo, com respeito pelo Planeta, pela Democracia, pela Justiça, pelas Pessoas e pelos outros seres vivos.
Podemos ser a favor do Comércio Internacional, sim, já que um Universalista reconhece no comércio o potencial de ambas as partes serem beneficiadas, e isso é bom duas vezes. Mas só acontece se estivermos perante um Comércio Internacional Justo, com respeito pelo Planeta, pela Democracia, pela Justiça, pelas Pessoas e pelos outros seres vivos.
Post também publicado no Espaço Ágora.