segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Os uns e os outros: diálogo inter-religioso na terra dita «santa»

Uns reclamam a terra porque crêem no mesmo «Deus» dos que ali viveram há uns milhares de anos. Outros não os aceitam porque já lá estavam e acreditam num livro diferente. Uns acharam que não podiam viver noutros países porque eram minoritários, e querem que a sua religião seja lei no novo Estado. Outros estão habituados a que outra religião (a deles) seja lei, e não querem misturas. Uns e outros não querem um Estado comum em que as leis sejam escolhidas por debate e voto. Uns são poucos. Outros são muitos. Uns são fortes. Outros são fracos. Uns são judeus. Outros são muçulmanos. Todos são infelizes assim há pelo menos sessenta anos. E assim continuarão enquanto preferirem as bombas contra o diálogo, a religião contra o laicismo, Abraão contra a humanidade.

O outro lado de Teresa de Calcutá

Uma ex-freira fala do lado de Teresa de Calcutá que os católicos não querem conhecer.

O autoritarismo e a exigência de submissão:
  • «Any organisation that demands you stick to a rigid timetable and do exactly what you're told is on the road to inhumanity, and I think and that was the problem," she says. "Mother Teresa asked you to give up your brain, your will, everything. She asked for total surrender of the person."» (Courier Mail)

O isolamento e condicionamento psicológico típico das seitas:

  • «"You're cut off. You can't listen to the radio or read the newspapers or talk to friends. You have very little contact with your family. Your mind is only hearing one opinion. There's only one voice speaking. It's difficult to leave when Mother Teresa is telling you that it's to do with the devil."» (idem)

A recusa de providenciar tratamento médico às crianças nos dias «santos»:

  • «"A ruling was made that on this recollection day, this day of prayer, children were not to be admitted to the Home for the Children. "This really sick child came in with stick arms, breathing really fast and dehydrated and I was told he couldn't stay."» (ibidem)

A ordem religiosa de Teresa de Calcutá era, no fundo, um sistema totalitário:

  • «Mother Teresa's mistake, says Livermore, was in thinking that obedience was more important than compassion."That's not something that's widely known and not part of what the media says about her. It was dictatorial. I should have got out sooner," she says.» (ibidem)

E não falta o detalhe da auto-flagelação:

  • «She says the problems within the order are exemplified by the nuns' practice of self-flagellation, whipping themselves to try to imitate Christ's suffering.» (ibidem)

Todavia, há um final feliz: esta freira já não o é.

  • «"I ended up an agnostic," she says.» (ibidem)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Máquina de Costura Portátil

As desigualdades mundiais na distribuição da riqueza fazem com que o preço da mão de obra nalguns países seja irrisório, o que pode ter consequências trágicas na vida
de muitas pessoas.
As injustiças e ganâncias subjacentes a muitos destes casos são satirizadas pelo The Onion:

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Jacques Brel: «Les bigotes»

As beatas

Elas envelhecem com pequenos passos
Como de cãezinhos ou de gatinhos
As beatas
Elas envelhecem tão depressa
Que confundem o amor e a água benta
Como todas as beatas
Se eu fosse diabo ao vê-las por vezes
Eu acho que me faria castrar
Se eu fosse Deus ao vê-las rezar
Eu acho que perderia a fé
Pelas beatas
Elas procissionam em pequenos passos
De pia de água benta em pia de água benta
As beatas
E patati e patata
As minhas orelhas começam a assobiar
As beatas
Vestidas de negro como o Senhor Padre
Que é demasiado bom com as criaturas
Elas beatizam-se de olhos em baixo
Como se Deus dormisse sob os seus sapatos
De beatas
No sábado à noite depois do trabalho
Vê-se o operário parisiense
Mas nada de beatas
Porque é no fundo das suas casas
Que elas se preservam dos rapazes
As beatas
Que preferem encarquilhar-se
De vésperas em vésperas, de missa em missa
Muito orgulhosas de terem conservado
O diamante que dorme entre as suas pernas
De beatas
Depois morrem em pequenos passos
Em fogo lento, em montinhos
As beatas
E enterram-se em pequenos passos
De manhãzinha num dia frio
De beatas
E no céu que não existe
Os anjos fazem depressa um paraíso para elas
Uma auréola e duas pontas de asa
E elas voam... com pequenos passos
De beatas
(Jacques Brel, 1962; tradução livre de Ricardo Alves)




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Les bigotes

Elles vieillissent à petits pas
De petits chiens en petits chats
Les bigotes
Elles vieillissent d'autant plus vite
Qu'elles confondent l'amour et l'eau bénite
Comme toutes les bigotes
Si j'étais diable en les voyant parfois
Je crois que je me ferais châtrer
Si j'étais Dieu en les voyant prier
Je crois que je perdrais la foi
Par les bigotes
Elles processionnent à petits pas
De bénitier en bénitier
Les bigotes
Et patati et patata
Mes oreilles commencent à siffler
Les bigotes
Vêtues de noir comme Monsieur le Curé
Qui est trop bon avec les créatures
Elles s'embigotent les yeux baissés
Comme si Dieu dormait sous leurs chaussures
De bigotes
Le samedi soir après le turbin
On voit l'ouvrier parisien
Mais pas de bigotes
Car c'est au fond de leur maison
Qu'elles se préservent des garçons
Les bigotes
Qui préfèrent se ratatiner
De vêpres en vêpres de messe en messe
Toutes fières d'avoir pu conserver
Le diamant qui dort entre leurs f...s
De bigotes
Puis elles meurent à petits pas
A petit feu en petit tas
Les bigotes
Qui cimetièrent à petits pas
Au petit jour d'un petit froid
De bigotes
Et dans le ciel qui n'existe pas
Les anges font vite un paradis pour elles
Une auréole et deux bouts d'ailes
Et elles s'envolent... à petits pas
De bigotes
Jacques Brel (1929-1978)

domingo, 21 de dezembro de 2008

Solstício de Inverno

O solstício de inverno acontece neste exacto momento, às 12 horas e 4 minutos.

É o instante em que a ponta norte do eixo de rotação da Terra se encontra inclinada 23.44º para fora da órbita da Terra (ver o lado direito da imagem de baixo). No solstício de verão, a ponta norte do eixo de rotação da Terra encontra-se inclinada para dentro da órbita da Terra (ver o lado esquerdo da imagem de baixo).

O sinal mais evidente do solstício é a menor duração do dia no hemisfério norte (e a menor duração da noite no hemisfério sul). Outra evidência é a menor altura a que o sol «sobe», no mesmo hemisfério, relativamente à linha do horizonte (durante o seu «movimento» diário).

O dia mais curto do ano e a noite mais longa do ano marcam o início de um novo ciclo, com dias que se alongarão sucessivamente durante os próximos seis meses, até ao solstício de verão, quando o sol estará no seu máximo de altura no horizonte.

Bom ano!

Humanismo secular (na medida do possível)

Depois de sofrerem oito anos de governo pelo “Stupid Party” os EUA preparam-se para mitigar a crise e emendar a mão no que fôr possível.

Obama nomeou Jane Lubchenco (segundo a AP "an Oregon State University professor specializing in overfishing and climate change) para dirigir a NOAA (a NASA dos oceanos), e três cientistas para dirigirem o White House Office of Science and Technology Policy. Segundo a AP:

Eric Lander, "who teaches at both MIT and Harvard, founded the Whitehead Institute-MIT Center for Genome Research in 1990, which became part of the Broad Institute in 2003."

John Holdren "is a former president of the American Association for the Advancement of Science in Washington who has pushed for more urgent action on global warming."

Harold Varmus, "who was a co-recipient of the Nobel Prize for his research on the causes of cancer, served as NIH director during the Clinton administration."

Nada mau, depois de oito anos a sermos governados por pastores evangélicos, loucos varridos a chefiarem gabinetes políticos e científicos. Lembram-se do Dr. Hager, o chefe da FDA que sodomizava a mulher contra a vontade dela?

sábado, 20 de dezembro de 2008

God is not Great

Hitchens, God is not Great. New York: Twelve, 2007, pp.6-7.
“(…) To us no spot on earth is or could be “holier” than another: to the ostentatious absurdity of the pilgrimage, or the plain horror of killing civilians in the name of some sacred wall or cave or shrine or rock, we can counterpose a leisurely or urgent walk from one side of the library or the gallery to another, or to lunch with an agreeable friend, in pursuit of truth or beauty. Some of these excursions to the bookshelf or the lunch or the gallery will obviously, if they are serious, bring us into contact with belief and believers, from the great devotional painters and composers to the works of Augustine, Aquinas, Maimonides, and Newman. Those mighty scholars may have written many evil things or many foolish things, and been laughably ignorant of the germ theory of disease or the place of the terrestrial globe in the solar system, let alone the universe, and this is the plain reason why there are no more of them today, and why there will be no more of them tomorrow. Religion spoke its last intelligible or noble or inspiring words a long time ago: either that, or it mutated into an admirable but nebulous humanism, as did, say, Dietrich Bonhoeffer, a brave Lutheran pastor hanged by the Nazis for his refusal to collude with them. We shall have no more prophets or sages from the ancient quarter, which is why the devotions of today are only the echoing repetitions of yesterday, sometimes ratcheted up to screaming point so as to ward off the terrible emptiness.”

acho que vou copiar para aqui mais algumas passagens deste livro. :o)

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

O sistema partidário implantado pelo 25 de Novembro

Portugal vive no regime político implantado pela revolução de 25 de Abril de 1974 (e pelas eleições constituintes de 25 de Abril de 1975), e no sistema partidário resultante do 25 de Novembro de 1975.


Explico-me. Do 25 de Novembro de 1975 resultou a assunção (correcta ou não, já pouco importa...) de que os partidos políticos à esquerda do PS eram irremediavelmente antidemocráticos, como o «comprovava» o seu alegado envolvimento numa tentativa de tomada de poder pela força. Deste mito fundador do sistema partidário português pouco resta hoje: as «provas» de uma tentativa de tomada de poder partidariamente organizada a 25 de Novembro de 1975 são escassas, para não dizer risíveis. No entanto, o PCP e outros partidos da esquerda radical (incluindo, na última década, o BE) ficaram definitivamente afastados do poder governamental, e mesmo de simples coligações locais com o partido maioritário da esquerda, o PS. Ao contrário do que se passa na França, na Itália ou até na Espanha, em Portugal as convergências globais das forças de esquerda, em trinta e três anos, resumiram-se a três eleições presidenciais (1980, 1986 e 1995, no segundo caso só na segunda volta) e a uma única câmara municipal (a de Lisboa, entre 1989 e 2001). A divisória funcional fundamental não é entre esquerda e direita, mas entre o bloco CDS-PSD-PS e os partidos à esquerda do PS. Esta é uma situação anómala, e que só prejudica o conjunto da esquerda.


Manuel Alegre identificou certeiramente este bloqueio da esquerda portuguesa, como tem referido em discursos e entrevistas. É à amputação da esquerda do espaço de poder que se deve o desequilíbrio à direita da política portuguesa, particularmente a «direitização» do PS, com as consequências conhecidas de o PS governar sempre à direita da sua base de apoio e da maioria dos seus militantes. Construir uma força política que permitisse romper este bloqueio (uma «força de desbloqueio»?) poria fim ao sistema partidário que dura desde o 25 de Novembro. E já é mais que tempo.

Omer Goldman

Hoje o Público on-line tinha um vídeo de um grupo de miúdos israelitas que se recusam a lutar contra os palestinianos no contexto em que a direita israelita equaciona o conflito entre judeus e árabes.

Acho fantástico que a voz deles tenha passado os crivos da propaganda da extrema direita, que há anos tenta vender uma imagem inventada dos judeus, todos iguais, todos sionistas de direita, todos contentes com os ataques de Sharon à classe média israelita e com o tratamento escandaloso dos colonos, um grupo de fanáticos violentos e racistas que custam um braço e uma perna aos contribuintes israelitas e americanos.

As direitas americana e europeia, que controlam os media, habituaram-se a perseguir quem critica a brutalidade da direita israelita contra os não judeus com insultos de anti-semitismo.

Isto é uma injustiça repugnante quando se sabe, por exemplo, que quatro quintos dos judeus americanos votaram Obama, apesar da propaganda da direita que pintou Obama como um muçulmano perigoso.

Como é óbvio, ser-se judeu, católico, luterano, ou muçulmano não define ninguém, de ponto de vista nenhum. Há judeus horríveis, como há católicos horríveis, luteranos horríveis e muçulmanos horríveis. Como há judeus, católicos, protestantes, muçulmanos, budistas e indus fantásticos.

E estes miúdos são verdadeiros heróis, com uma generosidade e uma coragem formidáveis, que se atrevem a arriscar o futuro pelos ideais humanistas que os inspiram, apesar dos ataques dos media ao bom senso, à paz e à solidariedade entre os seres humanos.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Em tempos de crise, pensemos nos ricos

Neste momento de crise, o nosso coração (não me refiro ao órgão que faz circular o sangue, mas à metáfora sentimental dos poetas) deve estar com os ricos em dificuldades. O Estado, por todos nós, tem estado com eles. Tudo pelos milionários!





(Agradecimentos aos contemporâneos.)

Contas erradas?

Acho que entre os sociais democratas e os neo-cons o que está e causa não é aritmética, mas ideologia.

Acho que não vale a pena discutir com eles porque os nossos pressupostos e as nossas prioridades são diferentes.

Como acho que não vale a pena discutir com os jeovás. Para os neo-cons a solidariedade social é uma ideia que contraria uma ganância primária e infantil, um bocado disparatada, baseada numa visão do mundo paroquial e de curto prazo.

A esquerda tenta argumentar com eles, mas a realidade dos últimos 30 anos demonstra que os neo-cons não são intelectuais. São uma seita, como os PCs, ou os jeovás, ou os creacionistas.

Nós andamos para aí a defender uma visão do mundo com uma classe média forte e informada, com democracia, com teatros, óperas, museus e livrarias, cidades planeadas, um sistema de segurança social que assegure condições mínimas de dignidade para os fracos, os lentos, as crianças, os doentes e os velhos, e eles passam os dias a ver revistas de automóveis e a sonhar com um ferrari.

Que se lixem o ambiente e os pobres, se eles puderem ir a uma festa ostentar o relógio novo.

Quando vivia em Portugal via-os no S. Carlos, chateados de morte, com brilhantina e um caracol modernaço por cima do colarinho branco da camisa às riscas, a olharem para o relógo como se o tempo tivesse parado, com umas mulheres horríveis, cheias de pulseiras, mascaradas de adolescentes, as saias curtas demais, sempre a mexerem no cabelo e a olharem para o relógio de marca...

As nossas realidades não se tocam.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Contas erradas

No Blasfémias o João Miranda tenta mostrar que o sistema actual para a segurança social não tem sustentabilidade. Com a esperança média de vida a subir e a natalidade a descer, até poderia ser tarefa fácil. No entanto, o João Miranda complicou-a fazendo umas contas completamente erradas:

«A Segurança Social portuguesa paga por ano cerca de 12 mil milhões de euros em pensões. Este valor é o fluxo. Supondo uma rentabiliade de 5%, o stock de capital necessário para gerar este fluxo é de 240 mil milhões de euros.»

Nos comentários, vários explicaram ao João Miranda o disparate. Além da assunção razoável de uma população constante, este raciocínio assume que todos os contribuintes da segurança social são imortais. Imortais: com o sistema do João Miranda, um indivíduo podia contribuir durante 40 anos e viver para a eternidade dos seus rendimentos.
É evidente que isto é uma exigência um bocadinho mais forte que a mera sustentabilidade da segurança social...

Alianças, compromissos e acção

«[...] Estamos longe do desespero dos anos 30, mas há algo que podemos aprender com as pessoas que nesse tempo tentaram salvar o mundo da barbárie: a vontade de superar os papéis que nos estão atribuídos. Em Espanha, 1936, até os anarquistas aceitaram entrar no governo, e logo com a primeira mulher ministra no país — Federica Montseny. É algo que talvez os "anarquistas" gregos de hoje desconheçam. Mas sei que assustou muito mais os fascistas do que qualquer montra partida.» (Salvem os ricos em ruitavares.net)

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

O «caso Esmeralda»: na contra-corrente

No «caso Esmeralda», estou do lado do pai biológico. E estou-o perfeitamente bem, embora sabendo que estou na contra-corrente da quase totalidade da comunicação social e, mais relevante para mim, da esmagadora maioria dos meus amigos e conhecidos.

Bastam-me os factos: um homem e uma mulher uniram-se ocasionalmente e a mulher engravidou. O homem não tinha a certeza de que fosse o pai, e portanto houve um processo de averiguação de paternidade. A certeza de que era o pai chegou por volta do primeiro aniversário da filha. A partir daqui, o normal seria que os progenitores acordassem horários de visita e de férias, já que não queriam, nitidamente, viver juntos. Foi o que tentou o pai.

Porém, tal não foi possível. A mãe da criança «dera» a filha a um casal que a queria. Não a «dera» para adopção, que é uma figura legal e em que intervém o Estado como mediador entre a família de origem e a família de acolhimento. Não. A criança fora entregue por alta recreação da mãe.

E aqui é que a estória descambou.

As pessoas a quem a criança fora entregue recusaram-se a cumprir as inevitáveis ordens dos tribunais, fugiram, esconderam-se, praticaram portanto a ilegalidade de se auto-atribuirem a tutela da criança. O que dura já há cinco anos. Há cinco anos que beneficiam da lentidão da justiça portuguesa, dos seus atrasos e protelamentos, das mil e uma habilidades que se podem cometer para evitar uma ida a tribunal ou a entrega de uma criança, para continuarem a cometer uma ilegalidade.

Como se não bastasse, os media, não se sabe bem como nem porquê, tomaram partido pelo casal que fez uma «adopção selvagem», a quem chamam carinhosamente «os pais afectivos». Esquecem-se de que ser «pai afectivo» à força é fácil. Basta raptar uma criança numa maternidade. E a única diferença entre este caso e um rapto numa maternidade é, pura e simplesmente, o consentimento da mãe biológica.

Leituras recomendadas:
  1. «Esmeralda-Sim» (vários autores).
  2. «A minha versão do "Caso Esmeralda"» (Nuno Albuquerque).

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Da inutilidade da oração

O melhor estudo sobre a inutilidade da oração para efeitos terapêuticos é referido aqui. O resumo é o seguinte:
  • «The 1,802 patients were divided into three groups, two of which were prayed for by members of three congregations: St. Paul’s Monastery in St. Paul, Minnesota; the Community of Teresian Carmelites in Worcester, Massachusetts; and Silent Unity, a Missouri prayer ministry near Kansas City. The prayers were allowed to pray in their own manner, but they were instructed to include the following phrase in their prayers: “for a successful surgery with a quick, healthy recovery and no complications.” Prayers began the night before the surgery and continued daily for two weeks after. Half the prayer-recipient patients were told that they were being prayed for while the other half were told that they might or might not receive prayers. The researchers monitored the patients for 30 days after the operations.
    Results showed no statistically significant differences between the prayed-for and non-prayed-for groups. Although the following findings were not statistically significant, 59% of patients who knew that they were being prayed for suffered complications, compared with 51% of those who were uncertain whether they were being prayed for or not; and 18% in the uninformed prayer group suffered major complications such as heart attack or stroke, compared with 13% in the group that received no prayers.
    » (Skeptic Society)

Aguarda-se, com expectativa, que a Ministra da Saúde apresente provas em sentido contrário.

E pronto

Bush e os 8 anos de poder absoluto da extrema direita evangélica podem ir para casa passar o Natal orgulhosos. A FOX já tinha dado o tom, ao acusar os sindicatos de terem destruído a indústria automóvel americana. Agora os trabalhadores vão pagar, mais uma vez, os erros dos oligarcas e os media vão, mais uma vez, aplaudir.

O resumo da situação aqui.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Prioridades

Quando a ICAR fala da dignidade da pessoa humana, nove em cada dez vezes não se trata de crianças com fome, de adolescentes obrigados a lutar em guerras que não lhes dizem respeito, adultos sem emprego, ou velhos sem reforma. Estas coisas nunca fizeram grande impressão a bispos e cardeais, que sabem que o poder da organização depende das aristocracias e oligarquias que os protegem.
A expressão ‘dignidade da pessoa humana’ aplica-se quase sempre a óvulos, espermatozóides e embriões. Quando nascemos deixamos de lhes interessar (a menos que tenhamos dinheiro ou poder, mas isso é outra história).
E é assim: num planeta em que se mata e tortura por razões políticas, em que os frabricates de armas organizam guerras, metade da população vive na pobreza mais abjecta, os oligarcas do capitalismo selvagem global destroem o ambiente e as diferenças entre ricos e pobres não param de aumentar, o que verdadeiramente preocupa o Vaticano é a fertilização in vitru...

Sereis europeus, quer queireis quer não

Quando a Irlanda se atreveu a blasfemar contra o credo europeísta, comentei para um amigo europatriota que a solução seria a mesma encontrada noutras ocasiões: mais um «protocolo anexo» que criasse excepções para a Irlanda, e que permitisse ao governo irlandês fazer um novo referendo garantindo ao eleitorado que A, B e C não se aplicariam à Irlanda.
Previsão confirmada: da reunião do Conselho Europeu já se anunciou que a Irlanda fará novo referendo, para votar «bem» desta vez, e que haverá «garantias jurídicas» de que o Tratado respeitará a «neutralidade militar» irlandesa, a sua «autonomia fiscal» e a sua esplêndida «interdição do aborto» (são os A, B e C do parágrafo anterior). Mais problemática parece-me a garantia de que haverá um comissário europeu por Estado, pois tal garantia implicaria a revisão do Tratado (que foi ratificado na forma actual por 25 Estados membros).
E Portugal? Tudo caladinho. Um Tratado que mantém a estrutura anti-democrática da União Europeia (o Parlamento Europeu não pode iniciar legislação, a Comissão, que não é eleita, pode), que engloba uma normal anti-laicista (garante reconhecer os «direitos nacionais» das comunidades religiosas, e cria uma «câmara consultiva» clerical) e neoliberal (num momento em que o mercado desregulado nos permite contemplar o abismo) deveria ser discutida democraticamente. Mas parece que não somos considerados cidadãos suficientemente crescidos para tal.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

Professores II

Até agora tem sido difícil pronunciar-me sobre este assunto.

Por um lado, considerava que os professores tinham razão em várias das críticas concretas que faziam a esta reforma. Por outro lado, defendo o principio da avaliação, e considerava que não estava nenhuma proposta alternativa séria em cima da mesa.

Esta objecção parece não ter mais razão de ser. Pelo que tenho lido e visto na comunicação social, a mais recente proposta da plataforma sindical dos professores é séria. Pretende-se avaliar a assiduidade, o cumprimento do programa lectivo, e a competência científico-pedagógica. Por outro lado, rejeitam as quotas.

Agora os detalhes serão tudo. Uma avaliação sem quotas não tem nada de errado, se for suficientemente restritiva para que nem todos (nem muitos) consigam a nota máxima, o que levaria à ausência de qualquer tipo de esforço para cumprir os requisitos. Como será avaliada a competência científico-pedagógica? Como será aferido o cumprimento do programa?

Mas aquilo que sei até agora parece promissor. No geral, parece existir mais bom senso nesta proposta alternativa do que na proposta original do ministério. Agora é esperar que exista compromisso de parte a parte, e esperar que não ocorra uma persistência cega (chamada "teimosia") em manter o modelo antigo durante este ano, mesmo caso se tenha encontrado um modelo melhor. As declarações que já aconteceram nesse sentido são preocupantes.
Isso seria um conflito inútil, apenas explicado por eleitoralismo barato. Se isso acontecer, o ministério irá perder qualquer razão que possa ter tido neste processo.

Se a ministra souber alcançar um bom compromisso, aceitando aquilo que de bom esta nova proposta dos sindicatos possa ter, a sua persistência terá sido compensada, e todos ficarão a ganhar.

Crente perde bilhete para o paraíso

A polícia belga deteve 14 islamistas suspeitos de ligações à Al-Qaeda, dos quais pelo menos um já se despedira da família por tencionar entrar em breve «no paraíso».

Os suspeitos tinham feito a habitual peregrinação aos santuários ex-mujahedin, ex-talibã, ex-anticaxemira da fronteira noroeste do Paquistão.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

Sempre disponíveis

O incrível ministro Amado diz que Portugal «está disponível» para «acolher» os detidos de Guantánamo, se e quando Obama decidir acabar com as detenções ilegais. É tocante. Portugal esteve «disponível» para receber a cimeira das Lages, «disponível» para fechar os olhos quando detidos ilegais foram levados, através do nosso espaço aéreo, para onde as leis nacionais ou as convenções internacionais não os pudessem proteger ou libertar, disponível para operações sinistras como esta. E agora, está «disponível» para o branqueamento e para a desresponsabilização dos principais responsáveis pelo autêntico recuo civilizacional a que assistimos nestes últimos sete anos: os EUA.
Sempre pensei, na minha ingenuidade, que a democracia portuguesa se construíra, deste 1976, sobre um consenso ético de repúdio por práticas anteriores ao 25 de Abril de 1974 como a tortura, as escutas telefónicas e as detenções indefinidas sem culpa formada. Parece que, afinal, era tudo treta. PSD´s e PS´s colaboraram alegremente com a deslocalização da tortura e com o «off-shore» de Guantánamo sem problemas de consciência, e preparam-se agora para dispersar as provas e os prisioneiros, sem punir os responsáveis nem tirar consequências. Mas eu vou tirá-las.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

A cura pelo cura

  • «O novo acordo de colaboração entre o Ministério da Saúde e a Igreja Católica, no sentido de regular a assistência religiosa nos hospitais, levanta sérias preocupações a dois níveis. Por um lado, porque se aparenta justificar numa suposta eficácia terapêutica que terá a participação de padres católicos no processo de recobro. Por outro lado porque representa uma intromissão inaceitável do Estado nesta matéria tão pessoal que é a religião.
    A Sra. Ministra da saúde Ana Jorge anunciou em Fátima que o acordo com a igreja católica se justificava porque a saúde «não é só o tratamento físico», mas a «espiritualidade entra neste campo global»(1). No entanto, mesmo que o bem estar dos doentes não resulte só da terapia e da medicação, não é verdade que exija uma espiritualidade no sentido de crença religiosa ou dependência do sacerdócio. Muitos doentes encontrarão todo o conforto e consolo nos seus familiares, nos seus amigos e na competência e empenho dos técnicos de saúde que os acompanham. A religião não é uma componente necessária da terapia.
    Além disso, a espiritualidade religiosa não é necessariamente o catolicismo. Só se justificaria por razões médicas celebrar este acordo específico com a Igreja Católica se houvesse evidências concretas que esta religião não só é eficaz no recobro dos pacientes como é mais eficaz que as outras religiões que não estão cobertas por este acordo. Não há indícios que assim seja.
    Quanto ao direito de acompanhamento religioso este acordo tenta resolver um problema inexistente. O direito de receber apoio espiritual já está garantido nas visitas hospitalares, nas quais o doente pode receber familiares, amigos ou sacerdotes da sua religião sempre que tais visitas não comprometam a sua recuperação. Por isso o que parece estar em causa neste acordo não é o direito à assistência religiosa mas sim quem financiará este encargo, se a Igreja Católica ou se o contribuinte. O que põe em causa outros direitos do doente.
    Põe em causa o direito do doente, enquanto doente, que o Ministério da Saúde promova uma utilização eficiente dos recursos de que dispõe. E estes não são tão abundantes que o salário de um capelão não faça falta para equipamento, técnicos de apoio, de enfermagem ou médicos. Põe em causa o direito do doente, enquanto crente, que o Estado não se intrometa na religião nem favoreça umas em detrimento de outras. E põe em causa o direito do doente, enquanto contribuinte, que o seu contributo para o Estado seja usado com justiça para ajudar aqueles que mais precisam em vez de subsidiar a Igreja Católica, uma das organizações mais opulentas de Portugal
    .» (Do Diário Ateísta)

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Leis Secretas

A falta de escrutínio público da actividade dos serviços de informação constitui um risco para a Democracia. É esse o tema desta sátira da Onion:

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Amado que responda

Parece que ainda há alguém no PS (para além de Ana Gomes...) com verticalidade para colocar perguntas incómodas em defesa de valores que deveriam ser património irrenunciável (mas não exclusivo) desse partido:
  • «Em causa estão as notícias dos últimos dias no diário espanhol El País dando conta que logo em Janeiro de 2002, cerca de dois meses depois do início dos ataques dos EUA ao Afeganistão (que derrubaram o regime talibã), as autoridades norte-americanas pediram autorização às de Espanha para utilizar o seu território no transporte de prisioneiros do Afeganistão para Guantánamo. Segundo o El País, documentos diplomáticos secretos espanhóis dessa altura revelam também que os EUA tencionavam fazer o mesmo pedido a outros países, depreendendo o jornal que um deles seria Portugal, por ficar na rota para Guantánamo. (...) Aparentemente, as respostas de Amado não deixaram os deputados socialistas Paulo Pedroso e Vera Jardim completamente esclarecidos. Daí o requerimento ontem anunciado. São feitas ao MNE português duas perguntas: "Iniciou ou tenciona iniciar qualquer processo de averiguação da eventual existência de contactos de teor semelhante com as autoridades portuguesas?"; e se "está em condições de disponibilizar à Assembleia da República o que tiver apurado ou vier a apurar sobre a matéria?"» (Diário de Notícias)

Curiosidades jornalísticas

Na primeira página do Público (em papel), os 94% dos sindicatos são o número que se lê primeiro (os 61% do Ministério ficam entre parêntesis); na primeira página do Diário de Notícias, os 61% são o único número que se lê a um metro da banca de jornais (é necessário aproximar o dispositivo ocular para ler os 94% em letra miudinha).
Assim se percebe quem apoia quem...

Lavar a História

Bush começou a já esperada campanha para reescrever a história da sua presidência delinquente. O presidente da administração pós-moderna que declarou ao mundo: "nós criamos a nossa realidade" não vai deixar a história julgá-lo com base nos factos. Tal como Reagan, aliás, que como se sabe construíu uma história da sua presidência que os media e os biografos repetiram até se tornar 'real'.

Mas enfim, na sequência de uma administração caracterizada pelo secretismo, propaganda, desrespeito pela lei e conspiração permanente, W já começou a divulgar a versão oficial destes 8 anos ignóbeis na história do mundo.

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

O fim político de Maria de Lurdes Rodrigues?

A serem verdade os 92% de adesão à greve (FENPROF) de professores de hoje, Maria de Lurdes Rodrigues ficaria politicamente moribunda. A serem verdade os 60% do Ministério, ficaria muito mais frágil. Em qualquer dos casos, pode ter mais ou menos razão, mas governar contra a maioria (esmagadora?) da classe docente é insustentável.
Um final amargo para a única anarquista assumida (!) que passou pelo governo da República (pelo menos que eu me recorde)?

A culpa é sempre dos outros...

Bush, em 1999:

"One of the keys to being seen as a great leader is to be seen as a commander-in-chief. My father had all this political capital built up when he drove the Iraqis out of Kuwait and he wasted it. If I have a chance to invade---if I had that much capital, I'm not going to waste it. I'm going to get everything passed that I want to get passed and I'm going to have a successful presidency."

A guerra foi planeada antes do 11 de Setembro e as armas foram inventadas. A história está documentada num discurso do senador ted Kennedy. E aqui: http://www.gnn.tv/articles/article.php?id=761; e aqui: http://www.pbs.org/wgbh/pages/frontline/shows/iraq/etc/cron.html; e aqui: http://www.newamericancentury.org/.

Toda a gente sabia - pelo menos aqui a imprensa fartou-se de repetir - que as armas biológicas não duram 10 anos.

Armas de destruição em massa

Aqueles que apoiaram a decisão de Bush de atacar o Iraque, ou mesmo o próprio que a tomou, defendem-se agora alegando que, segundo as informações de que dispunham, o Iraque tinha armas de destruição em massa (ADMs).

É possível observar que existiram vozes ignoradas ou silenciadas (e pessoas demitidas) nos diferentes serviços de informação por tentarem trazer a público as lacunas na alegação das ADMs no Iraque. E que neste sentido, tendo tido a casa branca um papel importante no silenciamento destas vozes, o erro não podia deixar de ser da responsabilidade do presidente e dos seus colaboradores mais próximos.

É possível notar que existiu fraude deliberada na tentiva de associar Saddam à compra de urânio da Nigéria. Fraude com intenção de enganar não apenas o povo americano, mas a comunidade internacional, tendo em vista o alargar da «coalition of the willing».

É possível referir que perante os factos de que todos dispunham antes da invasão, não deixaria de ser um erro de análise grosseiro assumir que (parte d)os serviços de informação americanos estavam correctos no seu receio face às ADMs, e que os restantes serviços de informação em todo o mundo (mesmo a injustiçada Mossad) estavam equivocados por não ter detectado nada, bem como toda a informação publicamente acessível a respeito da destruição de grande parte das armas químicas de que Saddam chegou a dispôr. Ter nessa assunção disparatada confiança ao ponto de planear com base nela uma gigantesca campanha militar, sem confirmações adicionais de nenhum tipo.

Mas demos tudo isso de barato. Esqueçamos a fraude deliberada, imaginemos que a casa branca não silenciou nenhuma voz crítica nos seus serviços de informação, consideremos que não existiu qualquer erro de análise na confiança elevadíssima que o presindente depositou nos serviços de informação do Pentágono, mesmo que em contradição com toda a restante informação disponível.

Ainda assim teria sido um erro a invasão do Iraque.

Poucos se parecem lembrar que as nações unidas tinham enviado para o Iraque um conjunto de inspectores. Saddam começara por dizer que estes não podiam entrar no seu território, mas acabou por temer o ataque norte-americano, e deixou entrar os inspectores para que estes procurassem as ADMs.
E à medida que o tempo passava, e os inspectores não encontravam nada, as potencias ocidentais pressionavam o regime de Saddam para que aos inspectores fosse dada maior margem de manobra, para que o escrutínio pudesse ser mais eficaz. O regime resistia, mas acabava sempre por ceder. O governo dos EUA mantinha a sua indignação pelo facto das armas não aparecerem, e anunciava um ataque para breve. Hans Blix pedia mais dias, manifestando a sua vontade de encontrar as alegadas armas, mas dando já a entender algumas suspeitas de que as mesmas podiam não existir.

Sabendo-se que Saddam estava com as mãos e pés atados para usar qualquer ADM que pudesse ter em seu poder enquanto os inspectores por lá estivessem, não existiu qualquer justificação para que não tivesse sido dado mais tempo à comissão de Hans Blix. Aqui não há «erros de análise» ou «confiança nas pessoas erradas», ou qualquer tipo de legitimação parcial desta atitude. Foi unilaterialismo belicista, violento, arrogante, imperialista.

Desta tragédia, espero que ao menos tenha saído uma lição da dimensão da asneira.

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

«Destruímos as provas», sr. ministro?

Luís Amado, Ministro dos Negócios Estrangeiros, garante que não há documentos que «comprometam» governos portugueses (este ou os dois anteriores) nos voos da CIA que transportaram prisioneiros ilegais por território português. Como os voos existiram, Amado só pode estar a dizer uma de três coisas: ou que os governos portugueses não foram informados pelos EUA, ou que foram informados oralmente, ou que foram informados por escrito e as provas «desapareceram». Em qualquer dos casos, é uma vergonha.

A culpa é sempre dos outros

Cem mil mortos depois, o George W «lamenta» ter confiado nos serviços de informações. É tarde. Poderiam ter-se poupado vidas e não se ter concedido um novo foco de recrutamento à Al-Qaeda. Será que alguém aprendeu a lição para a próxima? E o que vai acontecer às «muitas pessoas [que] puseram as suas reputações em jogo» (sobre as armas de destruição «maciça»(*))? Alguma vai perder o emprego? Serem despromovidos? Pode-se saber os nomes deles, já agora?
(*) Um neologismo que fica desta guerra: as destruições «maciças» (supõe-se que antónimas das destruições «ocas»).

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Diário Ateísta reloaded

O Diário Ateísta, depois de uma fase em que foi quase exclusivamente editado pelo Carlos Esperança, vai reagrupar vários dos seus ex-redactores que entretanto se tinham dispersado por várias paragens da blogo-esfera (e também mais alguns que nunca lá tinham escrito). Voltam a Palmira Silva, o Ludwig Krippahl e o Luís Grave Rodrigues, entra também o Raul Pereira.
Uma nova aurora na luta pelo ateísmo em filosofia, pela laicidade em política e pela ciência enquanto método para estudar a realidade.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Aquecimento Global

Uma perspectiva geral, séria e justa sobre o debate científico relacionado com as causas do aquecimento global. Quer para proponentes, quer para detractores da teoria dominante, estes videos do youtube são profundamente esclarecedores.

Vale a pena vê-los do início ao fim (cada um tem cerca de 10 minutos):





Nota: para quem tiver mais tempo, vale muito a pena ver outros videos do mesmo autor.

Discutir com católicos

Há muitos católicos com quem é fácil discutir. Não digo que essas discussões sirvam de alguma coisa no sentido em que alguém acabe por mudar a posição que tinha a respeito de um determinado assunto, mas pelo menos cada um dos intervenientes cmpreenderá melhor a forma de pensar do outro, e as razões que - mal ou bem - o levam a ter determinada posição. Por vezes essas discussões entram num ciclo em que argumentos já repetidos começam a ser utilizados, e fica a sensação que argumentos que nós próprios repetimos afinal não foram entendidos, bem como a sensação que o outro lado sente o mesmo. Mas, aparte desta frustração, existe um respeito mútuo, não tanto pela posição do outro, mas pela pessoa do outro - que é o importante. As boas maneiras caracterizam o debate, e o insulto fica de fora.

Há outros católicos (apesar de tudo não são muitos) com quem é difícil discutir. Não apenas porque não entendem os argumentos que utilizamos, mas principalmente porque confundem argumentar com insultar. Não nego que também haverá ateus assim, mas com esses nunca discuti religião.

Às vezes lembro-me daquilo que me disseram: «um imbecil faz a discussão descer de nível, para depois ganhar por experiência». Em vez de descer o nível, faço um comentário sobre a postura daquele que prefere os insultos aos argumentos, e daí não saio.

Outras vezes, infelizmente, esqueço-me dessas sábias palavras e não resisto a responder na mesma moeda. Assim, se as palavras do meu interlucutor, mesmo que ocupem um parágrafo ou dois e contenham vestígios de riqueza gramatical e vocabular, se resumem ao infantil «Os ateus são parvos, la!la!la!la!», posso ser tentado a retorquir por outras palavras algo como «os católicos são parvos, la!la!la!la!la!». E isto é idiota na medida em que eu nem sequer acredito nisso.

Acredito que muitos católicos, e isto inclui alguns padres, não são parvos, podem até ser brilhantes. E são pessoas tolerantes e boas. No momento em que escrevo estas linhas estou a lembrar-me de um padre em particular, bem como cerca de 10 pessoas que conheci mais de perto (entre familiares e amigos).

Não me interpretem mal: continuarei a discordar dessas pessoas na medida em que acredito que a Igreja Católica tem hoje um impacto negativo na sociedade. Continuo a acreditar que o catolicismo é uma crença errada, não menos disparatada que outras crenças que a nossa sociedade considera ridículas. Continuo a acreditar que as crenças católicas desencorajam em alguma medida a tolerância, e em maior medida o espírito crítico. Isto não é o mesmo que dizer que nenhum católico é tolerante (ver parágrafo acima) ou sequer que qualquer católico seria mais tolerante fora do catolicismo. Acredito que algumas pessoas tolerantes podem ver no catolicismo uma boa justificação da sua tolerância, e por isso esta crença religiosa pode contribuir para que a aprofundem. Mas, como creio que a Bíblia é mais facilmente interpretável de outra forma, percebo que seja mais comum a situação oposta - um intolerante encontra no catolicismo a legitimação da sua intolerância, e assim manifesta-a e aprofunda-a devido à sua religião. Já no que respeita ao espírito crítico, creio que podem existir católicos com muito espírito crítico, mas ninguém o desenvolve devido ao catolicismo. Já o oposto é possível.

Clarificando a minha posição - a de que existem pessoas boas e más entre católicos e ateus, pessoas brilhantes e burras entre católicos e ateus, pessoas tolerantes e intolerantes entre católicos e ateus; a de que apesar de acreditar que a Igreja e a crença católica tem um impacto negativo na sociedade, e que o catolicismo é epistemologicamente equiparável a outras crenças que (mal ou bem) não encontram grande respeito por parte da nossa sociedade, é possível ter uma discussão civilizada com alguns católicos, em que cada um dos intervenientes compreenda melhor as posições do outro - serve este texto para reforçar a minha intenção de não «chafurdar na lama» quando algum crente mais boçal começar a insultar o ateísmo e os ateus sem apresentar qualquer vestígio de argumentação.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

God is Not Great

Comecei ontem a ler este livro formidável de Christopher Hitchens, que devia ser obrigatório nas escolas, a par com as aulas de religião. Eu julgava que tinha uma boa ideia sobre a violência disfuncional das religiões e as situações horríveis que a superstição propicia.

Mas este livro é eloquente. Filho de um pai baptista e de uma mãe judia, ambos apostatas, e educado anglicano (acho eu), Christopher Hitchens conta-nos histórias horríveis de ódio e supertição, doenças e práticas médicas e dietas absolutamente idiotas, inspiradas por ideias infantis de pureza, muitas vezes com resultados letais. Os Jeovás e as transfusões, por exemplo, ou a circuncisão feminina entre muçulmanos, ou a prática de alguns judeus ortodoxos que retiram o prepúcio às criancas com a boca, provocando infecções e herpes entre as crianças em quem estas mutilações medievais são praticadas.

Ainda só li 3 capítulos e já tenho pena de não ter tempo para copiar para este blog várias páginas. "God is not Great" é um livro obrigatório.

Paul Kurtz:«Belief in God Essential for Moral Virtue?»

«A growing sector of world civilization is secular; that is, it emphasizes worldly rather than religious values. This is especially true of Europe, which is widely considered post-religious and post-Christian (with a small Islamic minority). (...)
Secularists recognize the centrality of self-interest. Every individual needs to be concerned with his or her own health, well-being, and career. But self-interest can be enlightened. This involves recognition that we have responsibilities to others. (...)

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However, there is now substantial evidence drawn from evolutionary biology that humans possess a moral sense (see Marc Hauser, Steven Pinker, and David Sloan Wilson). Morality has its roots in group survival; the moral practices that evolved enabled tribes or clans to survive and function. This means that human beings are potentially moral. Whether or not this moral sense develops depends on social and environmental conditions. Some individuals may never fully develop morally--they may be morally handicapped, even sociopaths. That is one reason why society needs to enact laws to protect itself.
There is also of course cultural relativity, but there are, I submit, also a set of common moral decencies that cut across cultures--such as being truthful, honest, keeping promises, being dependable and responsible, avoiding cruelty, etc., and these in time become widely recognized as binding. Herein lie the roots of empathy and caring for other human and sentient beings. Such behavior needs to be nourished in the young by means of moral education. In any case, human beings are capable of both self-interested and altruistic behavior in varying degrees.
Secular humanists wish to test ethical principles in the light of their consequences, and they advise the use of rational inquiry to frame moral judgments. They also appreciate the fact that some principles are so important that they should not be easily sacrificed to achieve one's ends.
To say that a person is moral only if he or she obeys God's commandments--out of fear or love or God or a desire for salvation--is hardly adequate. Ethical principles need to be internalized, rooted in reason and compassion. The ethics of secularism is autonomous, in the sense that it need not be derived from theological grounds. Secular humanists are interested in enhancing the good life both for the individual and society.
(...)» (Paul Kurtz)

Escândalo BPN já chegou à Madeira

O escândalo BPN, onde já saltaram os nomes grandes do cavaquismo, chegou agora à Madeira. Descobriu-se também que a campanha presidencial de Cavaco foi financiada com 100 mil euros dos senhores deste banco que se enganava, quase sistematicamente, nos valores correctos das vendas que fazia:
  • «A ERGI foi vendida em Dezembro de 2006 ao grupo brasileiro WTorre, por 135 milhões de euros. Mas no relatório e contas desse ano, a administração do BPN refere um encaixe de apenas 5,5 milhões de euros com a operação, o que significa que os restantes 129,5 milhões de euros não foram incluídos nas contas do banco.» (Público)

A imaginação voa quando se põe a pensar onde foi parar tanta bagalhoça... Projectos caritativos, sem dúvida.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Democracia

Paul Krugman: "Middle class America [c. 1935-1975]: That’s the country I grew up in. It was a society without extremes of wealth or poverty, a society of broadly shared prosperity, partly because strong unions, a high minimum wage, and a progressive tax system helped limit inequality."

Foi esta sociedade que colocou um homem na Lua, impugnou um presidente escroque, inventou o rock'n'roll, reinventou o cinema, implementou o Plano Marshall e inspirou o Civil Rights Movement.

E isto no contexto da Guerra Fria, contra o poder da enorme do KGB, da American Legion e do KKK, e apesar das barbaridades que a direita cometeu ou instigou na América Latina, da Guerra do Vietnam e dos assassinatos de John e Robert Kennedy, e de Martin Luther Ling.

Durante 40 anos a América foi um dos países mais justos e mais dinâmicos do mundo, com uma mobilidade social extraodinária (a GI Bill). E é em parte essa memória que faz os americanos tão optimistas e quase completamente destituídos de cinismo. Aqui as coisas mudam muito depressa e nem sempre para pior :o)

domingo, 23 de novembro de 2008

Segurança Social

Uma das razões pelas quais a direita se encarniça na luta pela destruição da segurança social é muito simples: os trabalhadores que gozam de regalias sociais tendem a votar na esquerda. Um dos think tanks da extema-direita aqui nos EUA (o Cato Institute) avisou que se Obama conseguir passar um plano de segurança social o Partido Republicano pode sofrer um enorme revés.

Para a direita a religião é um factor fundamental, que permite manter as massas ocupadas com assuntos como o aborto ou o casamento gay, em vez de as deixar considerar as oportunidades que uma distribuição justa da riqueza proporcionariam ao mundo.

Uma das primeiras coisas que Bush fez em 2001 foi transferir o apoio social para organizações religiosas. A outra prioridade na cartilha da direita é desbaratar as finanças públicas para não haver dinheiro para a solidariedade social (small government, como eles dizem). Mas vale a pena ler a opinião do sr. Cannon:

Blocking Obama’s Health Plan Is Key to the GOP’s Survival

Ditto Baucus’ health plan. And Kennedy’s. And Wyden’s.

Why? Norman Markowitz, a contributing editor at PoliticalAffairs.net (motto: “Marxist Thought Online”), makes an interesting point about how making citizens dependent on the government for their medical care can change the fates of political parties:

A “single payer” national health system – known as “socialized medicine” in the rest of the developed world – should be an essential part of the change that the core constituencies which elected Obama desperately need. Britain serves as an important political lesson for strategists. After the Labor Party established the National Health Service after World War II, supposedly conservative workers and low-income people under religious and other influences who tended to support the Conservatives were much more likely to vote for the Labor Party

I’m no student of British history, but that sounds about right. Markowitz continues:

The best way to win over the the portion of the working class in the South or the West that supported McCain and the Republicans is to create important new public programs and improve the social safety net. National health care [and other measures] will bring reluctant voters into the Obama coalition. That is how progress works.

Republicans might want to take note.

(Anyone who thinks that Obama’s plan is not socialized medicine should read this.)

Bentinho, Bentinho!

O vaticano perdou a John Lennon uma piada dita em 1966.

Nunca é tarde para perdoar.

Agora o Vaticano podia-nos pedir perdão por ter apoiado o Ustasa, Hitler, Mussolini, Franco, Salazar, Pinochet e Videla, pela Operação Condor, por ter deliberadamente escondido e apoiado 5000 pedófilos perigosos durante mais de 20 anos, por ter queimado filósofos, dramaturgos, escritores e matemáticos a torto e a direito durante 250 anos, por ter proibido e queimado livros, por ter mentido a gerações incontáveis de criancinhas sobre o Natal e os presentes que o menino Jesus só dá aos meninos cujos pais têm posses, por ter mentido aos doentes sobre Lourdes e sobre Fátima, por ter inventado a história do coxo de Calandra, por ter mentido aos fascistas sobre os milagres de Monsenhor Escrivá e por ter organizado as crusadas.

Não vale a pena pedirem perdão pelos crimes dos papas porque esses, apesar de serem incontáveis e inenarráveis, estão largamente esquecidos.

sábado, 22 de novembro de 2008

Obama

Gostava de voltar brevemente à questão do Obama e da 'etnia' dele.

A máquina de propaganda da direita divulgou os 'talking points' das eleições através dos canais do costume e a direita portuguesa leu-os e repetiu-os, como faz sempre, lascarinamente e sem pensar.

A narrativa da direita é que a 'culpa' da 'esquerda' teria feito a América progressista votar em Obama só por causa da cor da pele dele. Desta premissa emanaram as discussões sobre a cor dele e a cor da mãe dele, e a do pai, etc. (estou a excluir deliberadamente desta discussão os anormais que queriam discutir se ele era um terrorista muçulmano)

Mas o que esteve em causa foi a eleição de um homem inteligente, culto e normal, com uma família normal e amigos normais, para substituir um idiota, ex-alcoólico e ex-drogado, que passou 8 anos a conspirar contra a democracia em nome do deus dos alcoólicos anónimos e a entregar o erário público a um grupo de amigos. Mais nada.

A questão da cor da pele de Obama faz muito mais sentido num país profundamete racista como Portugal, que se recusa a discutir o esclavagismo e a brutalidade do colonialismo, do que aqui, onde a escravatura e o racismo são discutidos e estudados nas universidades e há políticas de quotas que asseguram que a paisagem humana seja incomparavelmente mais diversa do que na Europa.

Irrita-me um bocado que os europeus (que invadiram e esventraram a Africa, e lhe venderam os habitantes aos americanos e aos brasileiros) passem a vida a falar da América como se a América fosse mais racista do que a Europa.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Proudhon tinha razão

Parece que afinal o Proudhon tinha razão quando dizia que «a propriedade é um roubo».
  • «Foi perto das 21.00 de ontem que José Oliveira e Costa, ex-presidente do BPN, entrou, como arguido, para a garagem do Tribunal Central de Instrução Criminal (TCIC). Ficando para a História como o primeiro banqueiro de topo em Portugal suspeito de cometer crimes no exercício de funções: burla agravada, falsificação de documentos, fraude fiscal e branqueamento de capitais são, segundo apurou o DN, as suspeitas que incidem sobre o antigo homem forte do BPN.» (Diário de Notícias)

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Partido ou quadrilha?

Luis Filipe Menezes revela-nos algo de útil: que recebeu «ameaças» (sic) de «ex-ministros de Portugal» quando tentou avançar com a fiscalização da supervisão bancária. Alguns ter-se-ão mesmo «demitido» da Comissão Política Nacional do PSD. Nomes, Menezes não diz. Mas a Comissão Política de Menezes incluía Duarte Lima e Arlindo de Carvalho (ex-ministro), de quem hoje se sabe que receberam avultados empréstimos do BPN. Incluía também «ex-ministros de Portugal» como Gomes da Silva e Couto dos Santos. Quais se demitiram?

terça-feira, 18 de novembro de 2008

Fugiu-lhe a boca para a verdade...

Anda aqui uma pessoa cheia de boa vontade, a tentar acreditar que a direita se moderou, se democratizou, que já não tem saudades do salazarismo, e depois aparece a Manuela Ferreira Leite com esta:
  • «E até não sei se a certa altura não seria bom haver seis meses sem democracia, mete-se tudo na ordem e depois então venha a democracia» (Público).

Ora bem. Uma ditadura provisória? Provisória quando começar ou quando acabar? E para durar quanto tempo? E com quem? Com a Manuela como ditadora? Ou outro(a)? São só perguntas inocentes. Por enquanto ainda se podem fazer. Se a Manuela partir para a ditadura, já não sei se as poderemos fazer...

Desemprego

  • «Em seis anos, o Norte de Portugal enfrentou mais de 60 casos de reestruturação de empresas que motivaram despedimentos em massa. Dados da Eurofound sugerem a destruição de mais de 17 500 postos de trabalho, sobretudo no sector têxtil. (...) A falência é o principal motivo para estes casos de destruição de emprego (37 empresas) no Norte de Portugal, seguida das reestruturações internas (14) e das deslocalizações (6).» (Diário de Notícias)

Mia Couto: «E se Obama fosse africano?»

  • «Os africanos rejubilaram com a vitória de Obama. Eu fui um deles. Depois de uma noite em claro, na irrealidade da penumbra da madrugada, as lágrimas corriam-me quando ele pronunciou o discurso de vencedor. Nesse momento, eu era também um vencedor. A mesma felicidade me atravessara quando Nelson Mandela foi libertado e o novo estadista sul-africano consolidava um caminho de dignificação de África. (...) E se Obama fosse africano e candidato a uma presidência africana?
    ###
    1. Se Obama fosse africano, um seu concorrente (um qualquer George Bush das Áfricas) inventaria mudanças na Constituição para prolongar o seu mandato para além do previsto. E o nosso Obama teria que esperar mais uns anos para voltar a candidatar-se. A espera poderia ser longa, se tomarmos em conta a permanência de um mesmo presidente no poder em África. Uns 41 anos no Gabão, 39 na Líbia, 28 no Zimbabwe, 28 na Guiné Equatorial, 28 em Angola, 27 no Egipto, 26 nos Camarões. E por aí fora, perfazendo uma quinzena de presidentes que governam há mais de 20 anos consecutivos no continente. Mugabe terá 90 anos quando terminar o mandato para o qual se impôs acima do veredicto popular.
    2. Se Obama fosse africano, o mais provável era que, sendo um candidato do partido da oposição, não teria espaço para fazer campanha. Far-lhe-iam como, por exemplo, no Zimbabwe ou nos Camarões: seria agredido fisicamente, seria preso consecutivamente, ser-lhe-ia retirado o passaporte. Os Bushs de África não toleram opositores, não toleram a democracia.
    3. Se Obama fosse africano, não seria sequer elegível em grande parte dos países porque as elites no poder inventaram leis restritivas que fecham as portas da presidência a filhos de estrangeiros e a descendentes de imigrantes. O nacionalista zambiano Kenneth Kaunda está sendo questionado, no seu próprio país, como filho de malawianos. Convenientemente "descobriram" que o homem que conduziu a Zâmbia à independência e governou por mais de 25 anos era, afinal, filho de malawianos e durante todo esse tempo tinha governado 'ilegalmente".
    (...)
    4. Sejamos claros: Obama é negro nos Estados Unidos. Em África ele é mulato. Se Obama fosse africano, veria a sua raça atirada contra o seu próprio rosto. Não que a cor da pele fosse importante para os povos que esperam ver nos seus líderes competência e trabalho sério. Mas as elites predadoras fariam campanha contra alguém que designariam por um "não autêntico africano". O mesmo irmão negro que hoje é saudado como novo Presidente americano seria vilipendiado em casa como sendo representante dos "outros", dos de outra raça, de outra bandeira (ou de nenhuma bandeira?).
    5. Se fosse africano, o nosso "irmão" teria que dar muita explicação aos moralistas de serviço quando pensasse em incluir no discurso de agradecimento o apoio que recebeu dos homossexuais. Pecado mortal para os advogados da chamada "pureza africana". Para estes moralistas – tantas vezes no poder, tantas vezes com poder - a homossexualidade é um inaceitável vício mortal que é exterior a África e aos africanos.
    6. Se ganhasse as eleições, Obama teria provavelmente que sentar-se à mesa de negociações e partilhar o poder com o derrotado, num processo negocial degradante que mostra que, em certos países africanos, o perdedor pode negociar aquilo que parece sagrado - a vontade do povo expressa nos votos. Nesta altura, estaria Barack Obama sentado numa mesa com um qualquer Bush em infinitas rondas negociais com mediadores africanos que nos ensinam que nos devemos contentar com as migalhas dos processos eleitorais que não correm a favor dos ditadores.
    (...) Fique claro: existem excepções neste quadro generalista. Sabemos todos de que excepções estamos falando e nós mesmos moçambicanos, fomos capazes de construir uma dessas condições à parte.
    Fique igualmente claro: todos estes entraves a um Obama africano não seriam impostos pelo povo, mas pelos donos do poder, por elites que fazem da governação fonte de enriquecimento sem escrúpulos.
    A verdade é que Obama não é africano. A verdade é que os africanos - as pessoas simples e os trabalhadores anónimos - festejaram com toda a alma a vitória americana de Obama. Mas não creio que os ditadores e corruptos de África tenham o direito de se fazerem convidados para esta festa.
    Porque a alegria que milhões de africanos experimentaram no dia 5 de Novembro nascia de eles investirem em Obama exactamente o oposto daquilo que conheciam da sua experiência com os seus próprios dirigentes. Por muito que nos custe admitir, apenas uma minoria de estados africanos conhecem ou conheceram dirigentes preocupados com o bem público.
    (...)» (Mia Couto; ler na íntegra.)

Sobre a discriminação racial

Num texto chamado Uma lança na América, Luís Aguiar Conraria escreve:

Em Fevereiro, Pacheco Pereira escrevia na revista Sábado que Obama era um «produto da fábrica de plástico», «politicamente correcto na cor, nem muito preto, nem muito branco». Admito que, para padrões portugueses e brasileiros, Obama seja considerado mulato. No entanto, para padrões norte-americanos, Obama é negro. Se Obama tem a cor certa, é difícil entender como conseguiram os anteriores 43 presidentes ser eleitos com a cor errada. Na realidade, Barack Hussein Obama não só tinha a cor errada como também tinha o nome errado. Negar isto é desconhecer a realidade. Nos Estados Unidos, a probabilidade de um negro estar preso é oito vezes maior do que a de um branco, a probabilidade de estar desempregado é o dobro e os que estão empregados ganham salários muito mais baixos. Claro que podemos e devemos perguntar se o racismo explica tudo ou se também devemos apontar o dedo à população negra.

Em 2004, Marianne Bertrand e Sendhil Mullainathan levantaram um pouco o véu sobre esta questão, conduzindo uma experiência de campo. Marianne e Sendhil enviaram mais de 5000 currículos vitae falsos como resposta a 1300 anúncios de emprego. A alguns currículos deram nomes tipicamente «brancos», como Emily e Greg, enquanto os outros ficavam com nomes tipicamente «negros», como Jamal ou Lakisha. Sem surpresa, concluíram que um candidato negro com exactamente as mesmas qualificações profissionais e académicas que um branco tem muito mais dificuldades em encontrar emprego. Verificaram também que quanto mais qualificada a profissão a concurso maior a discriminação.

Os professores Roland Fryer, Jacob Goeree e Charles Holt levaram a cabo um jogo que ilustra as causas e consequências de tais injustiças. Repartiram os alunos entre empregadores, trabalhadores verdes e trabalhadores roxos. Cada trabalhador começa cada round com um nível de educação zero e tem a opção de comprar, ou não, educação. Os custos dessa compra variam de trabalhador para trabalhador e de forma aleatória. De seguida, cada trabalhador faz rolar dois dados de seis faces. Com base nos dados, é-lhe atribuída uma classificação. Quem tiver adquirido educação tem 25% de hipóteses de ter nota alta, 50% de ter nota intermédia e 25% de ter nota baixa. Para quem não investiu, as probabilidades são de 3, 28 e 69%, respectivamente. Finalmente, o empregador decide se contrata o trabalhador ou não. No entanto, apenas observa duas variáveis: a cor do trabalhador e o resultado do teste. O empregador ganha dinheiro se contratar alguém com educação e perde se contratar alguém sem educação. O procedimento é repetido 20 vezes. A única constante ao longo dos 20 rounds é a cor de cada trabalhador.

Numa dessas experiências, por mero acaso, os custos do investimento em educação foram maiores para os trabalhadores roxos nos três primeiros rounds. Esses custos acrescidos induziram estes trabalhadores a investir menos. A partir do quarto round, os empregadores deixaram de contratar trabalhadores roxos, enquanto os trabalhadores verdes eram quase sempre contratados. De nada servia aos roxos investirem em educação. Eram pura e simplesmente rejeitados. No fim do jogo, os ânimos estavam exaltados. Os roxos queixavam-se de discriminação. Os empregadores acusavam os trabalhadores roxos de serem de pouca confiança e de não investirem em educação. Um dos roxos retorquiu que deixou de gastar dinheiro a adquiri-la, porque raramente era contratado.

Ou seja, num ambiente absolutamente controlado, em que verdes e roxos partiram em igualdade e em que no início de cada round todos voltavam a estar nas mesmas circunstâncias, rapidamente se criou uma sociedade segregacionista com trabalhadores verdes educados e a trabalhar e com trabalhadores roxos, sem instrução, revoltados e desempregados.

Se isto acontece neste ambiente, imagine-se a realidade, com condições desiguais causadas por séculos de História de discriminação racial. É um ciclo vicioso da baixa instrução, baixos salários, elevado desemprego e alta criminalidade. A vitória de Barack Obama é notável e é uma estultícia desvalorizá-la. Felizmente que os americanos perceberam isso e não desperdiçaram a oportunidade de fazer História, dando um passo para uma América pós-racial.


Já conhecia a primeira experiência relatada, devido ao Freakonomics. A segunda é igualmente elucidativa...

sábado, 15 de novembro de 2008

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Prop 8

Keith Olberman sobre a homofobia dos californianos. Os trogloditas do P"S" deviam ouvir isto. Seis minutos. E depois deviam-se envergonhar por serem tão estúpidos, tão maus e tão tacanhos.

Sentido de Humor

Hoje o grupo "The Yes Men" distribuiu 1.200.000 números de uma 'edição especial' do New York Times de 4 de Julho de 2009 e colocou on-line uma versão do digital NYT.

As notícias são as notícias com que as pessoas de bem sonham: o fim da guerra, Bush incriminado por traição, Thomas Friedman a pedir desculpa por ser um crápula e a declarar que não volta a escrever artigos de opinião, Condoleeza pede desculpa aos soldados por ter mentido sobre as armas de destruição massiça... divertidíssimo.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Os professores

Estou mal informado sobre este assunto.
Como estou sobre outros.

É impossível a um eleitor estar devidamente informado sobre todos os assuntos respeitantes à governação e à política. No entanto, na altura do voto cabe-lhe avaliar os partidos e o governo o melhor que pode.
Claro que tem o dever de se tentar esclarecer, e perder algum tempo da sua vida a informar-se sobre as diferentes questões em jogo. Mas por muito tempo que perca numas, vai sempre ter informação insuficiente sobre outras.
Para isso, o eleitor acaba por ser forçado a usar heurísticas: formas de raciocinar que lhe permitem formar uma opinião, mesmo com informação incompleta. As heurísticas podem ser mais ou menos sofisticadas, mas são sempre falíveis. Podemos ter mais ou menos confiança neste indivíduo ou naquele pela avaliação de situações passadas, podemos ter em linha de conta quais são as partes interessadas, quais são as dinâmicas usuais de comportamento, etc... O importante é que exista sempre alguma abertura para corrigir uma opinião baseada em heurísticas se melhor informação revelar que esta era errada. Assim sendo, passo a expôr as minhas impressões sobre esta questão dos professores, num convite a que me esclareçam melhor se estiver errado.

1- Seria bom que passasse a existir um sistema de avaliação sério. Progressões automáticas, ou um número ilimitado de lugares de topo não cumprem este requisito. Os lugares de topo não precisariam de ser fixos por escola, mas o seu acesso teria de ser sempre de tal forma restrito que na prática só uma percentagem reduzida dos professores lhe pudesse aceder.

2- Uma crítica que me parece algo legítima que os professores fazem a este sistema é relativa à avaliação por pares, e toda a "politiquice" envolvida. O ideal seriam critérios objectivos. Será possível medir o mérito desta forma? Se sim, como seria isso feito? Parece-me disparatado medir o mérito quase exclusivamente pela auto-avaliação. Posto isto, existe alguma proposta em cima da mesa que cumpra o requisito 1 e que ultrapasse este problema?

3- Uma crítica que me parece algo legítima que os professores fazem refere-se ao peso dos encarregados de educação na avaliação. Tanto quanto descobri, este peso é muito reduzido. É defensável que não devia ser nenhum. Mas não estamos a falar de um problema grave, sendo o peso tão reduzido.

4- Uma crítica que me parece algo legítima que os professores fazem diz respeito à necessidade de passarem muitos alunos. Alega-se que promove o facilitismo, e premeia os professores que são mais generosos na altura de dar as notas, e não aqueles mais rigorosos.

4.1- Por si, parece disparatado que o professor seja avaliado pelas notas que ele próprio escolhe dar. Isto é como premiar um juiz quando absolve os arguídos - assim ele torna-se parte interessada no julgamento em curso, e a justiça fica comprometida. A ser assim, os professores têm toda a razão neste ponto. Será que eu percebi mal?

4.2- O senso comum diz-nos que em Portugal existe um grande facilitismo. Esta forma de avaliação é acusada de agravar este problema. Mas os números e os estudos aprofundados desmentem o nosso senso comum. Há argumentos sérios e bem estruturados que podem ser usados para sustentar que em Portugal não existe retenção insuficiente, mas sim excessiva. Isto foi uma surpresa para mim que acreditava que um dos nossos grandes males era o facilitismo. Creio que grande parte dos professores acreditam que é, mas podem estar equivocados. De qualquer forma, mesmo pretendendo encorajar os professores a alterar as suas taxas de retenção, a avaliação de professores não deve ser usada com esse objectivo. É possível defender que a generalidade dos professores devia aprovar mais alunos, mas é disparatado assumir que os melhores professores aprovam mais do que os piores.

5- Um aspecto muito positivo deste sistema de avaliação é que a assiduidade é tida em linha de conta. Já aumentou significativamente. Este é um aspecto a manter.

6- As críticas mais disparatadas que oiço por parte dos professores são aquelas que dizem respeito à "forma" como são tratados pela ministra. Se dão importância a este aspecto, perdem toda a razão. Sempre que leio entrevistas de Maria de Lurdes Rodrigues, ou a oiço a falar, parece-me que tudo aquilo que diz é uma exposição do seu ponto de vista perfeitamente normal. Geralmente algum tempo depois vejo os sindicatos indignados com uma expressão qualquer que ela usou, a "falta de respeito", a "arrogância", etc... Quase que dá a impressão de se terem de discutir a forma por não quererem discutir o conteúdo.

Conclusão: não me parece difícil de acreditar que este modelo de avaliação é mau. É o primeiro que cumpre o critério exposto em 1, e para que uma mudança desta envergadura saia bem não é estranho que se tenham de dar muitas voltas.
Aquilo que eu gostaria de ver seria um conjunto de propostas alternativas bem estruturadas, que conseguissem o apoio de grande parte dos professores, que obedecessem ao critério 1, e não descartassem o aspecto 5. Seria uma excelente oportunidade para que o nosso sistema de ensino melhorasse significativamente.

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Palavra de animal!

O que nos distingue das outras espécies animais (para além da capacidade de escrever em blogues e outras coisitas desse género), é a faculdade de sacrificarmos os nossos interesses ao respeito pelos direitos de outrém (ou pelo bem comum). Não vejo essa capacidade nas outras espécies, e portanto continuo a achar que só os animais humanos têm direitos. Concretamente, nunca me apercebi de que os leões fossem capazes de controlar o desejo de comer um bebé indefeso, ou que os mamíferos não humanos fossem capazes de controlar o ímpeto para ter relações sexuais com uma fêmea isolada. Mas devo ser eu que tenho má opinião dos animais. Especiísta me confesso.
O Miguel Madeira defende que por os cães serem capazes de obediência/lealdade, teriam direitos. Mas não é a obediência que se exige de um cidadão. É a liberdade responsável. A obediência canina pode levar (e leva, por vezes) a um cão atacar um inocente. Um animal humano, pelo contrário, sabe onde a obediência deve parar: na obediência a ordens injustas, ou ordens para cometer crimes. Um animal humano que obedece a uma ordem para cometer um crime merece ser tratado como criminoso, seja polícia ou outra coisa qualquer. Não vejo os animais não humanos a serem capazes de interiorizar que os outros têm direitos, e duvido que alguma vez o venham a ser capazes, por muito que eduquemos os chimpanzés. Nesta linha, o Miguel pergunta o que faríamos perante os Neanderthal, se ainda andassem por aí, ou outras espécies hominídeas agora extintas (como o Homem das Flores, que pode ter existido até há poucas centenas de anos atrás). A questão é sem dúvida interessante.

O Francisco Burnay objecta que temos deveres para com o ecossistema. Eu não concordo. Temos deveres para com os outros seres humanos, que passam por garantir um meio ambiente saudável para eles (e para nós). O respeito pelo ecossistema é um meio de respeitarmos os outros animais humanos, e não um fim em si mesmo. E também me repugna a violência gratuita sobre animais. A violência que leva a que eles acabem no meu prato, essa, já não é gratuita. Mas rejeitarmos essa violência tem mais a ver com a sociedade (humana) que queremos do que com atribuirmos «direitos» aos outros animais.
O Ludwig Krippahl não me compreendeu, pois afirma que eu considero um direito uma espécie de «prémio». Não. Não se trata de medalhas. Temos deveres perante quem respeita os nossos direitos. Quem os desrespeita perde o respeito. E o que se faz a quem desrespeita os nossos direitos é justamente limitar-lhe os direitos. Por exemplo, privá-lo de liberdade. Ou de convívio social.
Só respeitamos quem se compromete a respeitar. Quem dá palavra de homem (ou de mulher).

Cisão no PS francês

À atenção dos apoiantes de Manuel Alegre: em França, anuncia-se a constituição de «um novo partido de esquerda», a formar por dissidentes de esquerda do PSF decepcionados com a vitória interna da linha «blairista» de Ségolène Royal, que defende alianças ao centro. O novo partido será formado por socialistas que se opuseram ao Tratado de Lisboa, que pretendem «pôr em causa o capitalismo», e que «para continuar socialistas têm que sair do Partido Socialista». Apontam explicitamente o exemplo do Die Linke alemão, e poderão concorrer às eleições europeias coligados com o PCF.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Consumismo - IV

Quem já acompanha este blogue há algum tempo sabe que, apesar de tudo o que penso sobre a publicidade, não advogo muitas restrições ao seu uso.

Acho razoável que seja limitada a publicade nas escolas e infantários - principalmente no que respeita a comida pouco saudável - e não me indigna que só a partir das 22h possam ser publicitadas bebidas alcoolicas. Também me parece razoável que exista um limite para o número de intervalos televisivos, e para a duração dos mesmos.

Nenhuma destas limitações pretende, nem pode, resolver o problema do consumismo. O problema do consumismo é mais profundo e está relacionado com a manipulação. É impossível proibir a manipulação em geral, sem destruir completamente o direito à liberdade de expressão. E isto é verdade para a manipulação em geral, e também verdade para a publicidade em particular.

Para a manipulação temos de desenvolver outro tipo de respostas, ao nível social, ao nível psicológico, ao nível comportamental. E a primeira defesa contra a manipulação é a indentificação do manipulador. Se entendermos que um determinado agente tem interesse em manipular a nossa percepção e comportamento, não necessariamente no nosso melhor interesse, é mais provável que abordemos a sua mensagem com espírito crítico. É menos provável que sejamos enrolados.

Então a primeira das armas que temos contra a publicidade é a conscencialização dos seus propósitos, dos seus instrumentos e tácticas. Quando os anúncios são descronstruídos, as tentativas de manipulação tornam-se transparentes, e a sua eficácia reduz-se significativamente.
É preciso ter em conta que quando a publicidade se torna menos eficaz num indivíduo, ela torna-se menos eficaz em toda a sua rede social. Assim, a conscencialização de uma rede social pode tornar-se progressivamente mais fácil.

E se a eficácia da manipulação na publicidade diminui, ela pode deixar de ser do interesse dos vendedores. Conforme expliquei num texto anterior, a manipulação tende a destruír valor, pelo que à medida que os indivíduos se forem tornando menos susceptíveis a esta manipulação, toda a sociedade sai beneficiada.

Consumismo - III

É comum associar os problemas do consumismo aos problemas ambientais. Na verdade, se não fossem consumidos tantos bens perecíveis, o impacto ecológico do homem sobre o nosso planeta seria menor. Ainda assim, creio que se trata de um problema diferente.

Enquanto que a economia clássica é incapaz de lidar com o problema fundamental do consumismo (a manipulação em geral e a publicidade em concreto), ela é mais do que suficiente para explicar porque é que os padrões de consumo actuais são tão devastadores para o planeta. A razão é simples: as externalidades associadas à produção de vários produtos não são internalizadas no custo dos mesmos.

Um exemplo simples: imaginemos que eu quero comprar um produto. Os fabricantes A, B e C usam uma técnica de produção que é agressiva para o meio ambiente. Com isso o custo de produção baixa, e como existe concorrência o produto é algo mais barato. Os fabricantes D, E e F não usam essa técnica. Neste caso, não é preciso manipulação alguma: se eu for irresponsável e não quiser saber do planeta, vou escolher os produtos mais baratos. D, E e F irão falir se não existirem consumidores responsáveis, enquanto que os envolvidos nas transacções de A, B e C continuarão impunemente a beneficiar à custa de destruição do planeta.

Se o consumismo faz as pessoas consumirem mais, é a ausência da internalização dos custos ambientais que desloca os padrões de consumo para bens cuja produção tem um impacto ambiental severo. Mas a resolução deste problema é mais simples e independente da questão do consumismo. Os custos ambientais têm de ser internalizados. Não o fazer, e isto é economia clássica básica, é ineficiente. Se os custos não forem internalizados, ocorrerão transacções voluntárias sem qualquer manipulação que causam destruição de riqueza - ou seja: em que aquilo que ambas as partes ganham é nenos valioso que a destruição que causaram.

Internalizar os custos ambientais nos bens de consumo é urgente e necessário. Mas não vai resolver o problema essencial do consumismo, descrito no texto anterior. Os indivíduos terão um perfil de consumo mais adequado ao valor que a sociedade der ao planeta, mas continuarão a consumir mais do que aquilo que serve os seus interesses.
Como evitar tal situação?

Consumismo - II

A economia clássica diz-nos que uma troca corresponde à criação de riqueza. Afinal, os dois agentes só participam na troca se cada um deles considera mais valioso aquilo que recebe do que aquilo que dá. Se ambos terminam a troca com algo mais valioso do que aquilo que tinham, então a riqueza aumentou. Ponto final.

Reticências, que as coisas não são bem assim. Se um indivíduo está interessado numa troca e o outro não, não quer dizer que a troca não se faça. O indivíduo interessado na troca pode utilizar várias estratégias para que a transacção se realize. A manipulação, a mentira, a ameaça (nos limites que forem socialmente aceites), e outras estratégias podem ser empregues, permitindo assim que sejam efectuadas trocas que não seriam necessariamente no interesse de ambas as partes. Assim sendo, é possível que uma troca crie riqueza, e é possível que destrua.

Estas estratégias de manipulação e engano são utilizadas hoje na publicidade (ver também aqui). Quando uma troca traz muita vantagem a um determinado vendedor, ele vai querer realizar o máximo de transacções. Assim, o publicitário eficaz é aquele cuja mensagem mais se aproximará deste objectivo, que alcança não apenas aqueles clientes "a priori" interessados na transacção, mas também persuade o máximo daqueles que não estariam.

Imaginemos um universo em que existem 3 fabricantes de sabonetes cada um com um produto conhecido por todos, dos quais cada um deles adequaria melhor ao gosto de 1/3 dos consumidores. Seria de esperar que se dois fabricantes iniciassem uma estratégia publicitária agressiva, a vendas do terceiro fabricante diminuissem - de outra forma não valeria a pena iniciar tal estratégia. Assim, ficariam todos pior servidos: não só os consumidores que tivessem alterado os seus hábitos de consumo, mas também todos outros que pagariam mais pelos sabonetes consumidos (a publicidade não é gratuita).

O advento actual do consumismo tem uma razão de ser análoga. Quando trabalhamos trocamos o nosso tempo por dinheiro. Se não existisse publicidade, no que respeita a quem ganha mais do que o suficiente para providenciar às suas necessidades básicas, ocorreria uma transacção entre tempo de lazer e bens de consumo. Cada um trabalharia o número de horas que desejaria para maximizar o seu bem estar.

Mas enquanto que os bens de consumo são publicitados, o tempo sem consumir não é. Tal como no caso do sabonete não publicitado, é de esperar que a publicidade distorça esta escolha no sentido de fazer as pessoas consumirem mais do que aquilo que seria o seu melhor interesse.

A publicidade recorre aos impulsos naturais descritos no texto anterior, tentando exacerbá-los no limite das possibilidades dos meios ao dispor. Interessa não apenas associar o objecto de consumo a sensações agradáveis, despertando o desejo do consumidor; interessa associar a posse do objecto a sucesso, e o reverso ao falhanço; interessa que tal associação não persuada apenas o potencial comprador mas também a sua rede social, por forma a torná-la real.

Assim, o consumismo exacerbado é uma consequência natural e expectável da publicidade.