Não estou convencido da necessidade de decretar o estado de emergência.
As medidas drásticas tomadas desde quinta-feira passada foram aceites pelos cidadãos e pelas empresas de forma ordeira e sem revolta. Por enquanto. (Tirando excepções muito mediatizadas que foram devidamente criticadas nos media e nas redes sociais.) Portanto não vejo a necessidade de chamar as Forças Armadas para as ruas.
Todas as medidas restritivas que faltam tomar (encerrar completamente restaurantes e cafés e negócios não essenciais, por exemplo) podem ser tomadas sem estado de emergência. E presumivelmente serão respeitadas se a responsabilidade for de cada um e não imposta pelo Estado.
A responsabilidade individual tem servido até agora. O estado de emergência só fará sentido se houver revolta e desobediência, o que não é (ainda) o caso. O estado de emergência será passar da «limitação» de direitos por decisão individual (assumirmos a responsabilidade pelo colectivo) para a suspensão de direitos por decreto estatal. A diferença é que o juízo sobre o que se pode fazer passará de nós para o Estado. E quando voltará para nós? É que o estado de excepção abre um precedente que pode vir a ser muito complicado evitar que se volte a repetir. E em tempos de populismos, calma.
A liberdade que o estado de emergência cerceará imediatamente será a de circularmos nas ruas. Poderemos já quinta-feira ficar sujeitos a multas ou eventualmente prisão por nos desviarmos do caminho normal para o caixote do lixo. Pois, tenham paciência: não podemos dar este poder ao Estado de ânimo leve. Um dia, que desejo que venha o mais rapidamente possível, voltaremos a ter a liberdade, decidida por nós e permitida pelo Estado, que tínhamos até há menos de uma semana.
E mais: esta crise vai matar cem vezes mais empregos do que pessoas. Tão entretidos que andamos a pedir mais autoridade do Estado, talvez devêssemos parar um pouco para pensar nas pessoas que perderam o emprego já ontem (logo no primeiro dia efectivo de limitação de liberdades), e que perderão o emprego ou verão o salário reduzido nestas próximas semanas.
Se os governos nos querem fechados em casa ou em teletrabalho (este é um privilégio de intelectuais), que nos dêem um desconto significativo na factura da electricidade e eventualmente na do gás ou das telecomunicações. E que protelem legalmente o pagamento de empréstimos e hipotecas, enquanto a crise sanitária durar. Nem todos temos salários fixos, contratos de trabalho ou sequer papéis escritos que garantam um rendimento. O que se está a fazer terá consequências tremendas, e sociais muito mais rapidamente do que julgam.
Repito: podemos estar em quarentena sem ir presos por a infringir. Basta bom senso. Pensem duas vezes antes de dar ao Estado o privilégio de nos retirar liberdades que custaram a garantir.