sábado, 30 de junho de 2007

Revista de blogues (30/6/2007)

  1. «Não faz sentido acreditar em algo só porque não foi refutado. Não vou passar os dias com medo do homem invisível que ninguém pode provar não me perseguir. Para usar o famoso exemplo de Bertrand Russell, é disparate acreditar que há um bule de loiça a orbitar Plutão mesmo que não se prove o contrário. Não podemos viver assumindo como verdadeiro tudo o que não provamos ser falso. Por isso não bastava ao criacionismo ser compatível com a ciência. Era preciso mais. Era preciso evidências.» («Miscelânea Criacionista: Blá, blá, blá...», no Que Treta!)
  2. «Há meia dúzia de horas, entrei num autocarro com um padre católico sentado no banco ao lado do meu, do outro lado da coxia. Olhei aquele rosto triste de um homem de 70 anos, com o colar romano a apertar-lhe o pescoço como o cincho onde se estreita o queijo para extrair o soro. Há muito que não via tal adereço na via pública. O uso manteve-se com a resignada dedicação ao múnus. Não pude deixar de apreciar aquele homem só, a caminho de uma casa da Igreja ou de um ritual que perdeu o sentido e de que a sociedade se desinteressou. Que sofrimento ajudou a desenhar aquelas rugas? Quantos desejos reprimidos e quantos anos perdidos com o pescoço apertado por um colar e a lapela ornada com uma cruz?» («Viagem de autocarro», no Diário Ateísta.)

sexta-feira, 29 de junho de 2007

O clericalismo é regionalista


  • «A regionalização prende-se com o princípio da subsidiariedade e alarga a doutrina dos corpos intermédios. Nem é uma questão de extensão do país». (Manuel Clemente, bispo do Porto, no Portugal Diário.)
Devemos agradecer ao senhor Manuel Clemente por nos ter recordado que o princípio da subsidariedade tem a sua origem na doutrina católica, e que convém à ICAR uma regionalização. O pior possível, para estes senhores, seria uma República de cidadãos. A regionalização permite-lhes ensaiar um retorno a abordagens feudais da organização política.

O Estado acima da crítica

Se esta trapalhada se passasse noutro país qualquer, as expressões «república das bananas», «atentado ao Estado de Direito», «vergonha», «crise institucional», «escândalo» e outras semelhantes estariam neste momento a proliferar pela blogosfera (e mesmo pelas notícias), e amanhã leríamos nos jornais editoriais inflamados explicando que o Estado em questão não merece ser considerado uma democracia.

Pois, o que é a laicidade?

No Povo de Bahá, o Marco Oliveira respondeu ao meu artigo de ontem. Refira-se, para começar, que concordo que o Estado deve tratar de forma igualitária as diversas confissões religiosas, mas que divergimos porque para o Marco esse parece ser um ponto de partida, e para mim essa é uma mera consequência de defender a igualdade entre todos os cidadãos de uma ou outra religião, ou de nenhuma. Seria anti-laicista defender direitos diferentes para quem tem religião apenas por a ter, como acontece na prática através da Lei da Liberdade Religiosa, que concede àqueles que têm religião, por exemplo, o direito de dispensa do trabalho ou das aulas em certos dias (ver artigo 14º), um direito que não pode ser legalmente exercido por quem não tenha religião.
Resumindo: é a igualdade entre cidadãos em matéria espiritual que é um valor fundamental da laicidade, e não a igualdade de tratamento das diversas confissões religiosas, que é «apenas» uma sua consequência (necessária).
Evidentemente, concordo que seria preferível substituir a Concordata por um acordo com a Conferência Episcopal.

Os efeitos civis dos casamentos religiosos e as desigualdades entre comunidades religiosas

No Boina Frígia, o Pedro Delgado Alves escreve sobre os efeitos civis dos casamentos religiosos, ontem regulamentados pelo Governo.

  • «O que a alteração legislativa vem permitir é tratar em igualdade todas as confissões, acabando com o estatuto privilegiado de determinados ministros de culto, cujas cerimónias adquiriam efeitos civis automáticos.»

Ao contrário do Pedro Delgado Alves, parece-me evidente que se está a tratar de forma não igualitária as diferentes confissões religiosas nesta matéria, pois a Concordata de 2004 prevê várias especificidades para o casamento católico que não serão reconhecidas a outras confissões religiosas: os casamentos «in articulo mortis, em iminência de parto, ou cuja imediata celebração seja expressamente autorizada pelo ordinário próprio por grave motivo de ordem moral» (§3 do artigo 13); a não exigência de que o ministro do culto católico seja português ou tenha autorização de residência em Portugal (enquanto tal exigência é feita para os ministros do culto não católicos no §1 do artigo 19º da Lei da Liberdade Religiosa); a condução do processo burocrático pelas autoridades eclesiásticas católicas no caso do casamento católico, e pelo conservador do registo civil no caso das outras comunidades religiosas (comparar os artigos 13 e 14 da Concordata com o artigo 19º da Lei da Liberdade Religiosa); os efeitos civis da nulidade canónica (artigo 16 da Concordata); finalmente, os conselhos moralistas do artigo 15 da Concordata, exarados para nossa vergonha num Tratado internacional ratificado pela República portuguesa. Acrescente-se que, se houvesse qualquer preocupação com a igualdade entre confissões religiosas, a faculdade de celebrar casamentos com efeitos civis seria conferida a todas as comunidades religiosas reconhecidas, e não apenas às comunidades religiosas radicadas. O próprio conceito de «comunidade religiosa radicada» é uma quase perversidade instaurada pela Lei da Liberdade Religiosa, que restringe este nível de reconhecimento estatal às confissões religiosas toleradas pelo Estado Novo (esse caso exemplar de laicidade), e que sejam devidamente aprovadas por uma Comissão de Liberdade Religiosa de que fazem parte elementos directamente nomeados por uma certa e determinada confissão religiosa.

Como é evidente, partilho com o cidadão Pedro Delgado Alves a preferência pelo «modelo de tipo francês em que não há reconhecimentos automáticos de coisa alguma - quem quer ter efeitos civis do casamento casa civilmente perante uma autoridade pública, podendo, se quiser, casar de acordo com os ritos da sua fé, antes ou depois, mas sem reconhecimento de efeitos pelo Estado». Acontece que desde a Lei nº16/2001, dita da «Liberdade Religiosa», que o caminho seguido parece ser o do reconhecimento estatal de todas as peculiaridades religiosas, e da institucionalização das desigualdades entre comunidades religiosas.

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

Revista de blogues (29/6/2007)

  1. «Para saber se um neoliberal é um liberal, convém perguntar-lhe:- o que pensa da criminalização das drogas;- o que pensa das leis que regulam os comportamentos sexuais;- o que pensa da validação, pelo Estado, dos casamentos entre homossexuais; (...) - se pensa que a blasfémia pode ser, em certas circunstâncias, um crime;- idem em relação à obscenidade;- idem em relação à pornografia; (...) - se acha que o direito à propriedade prevalece sempre sobre todos os outros, ou se pode haver outros que prevaleçam sobre ele em caso de conflito; (...) - se acha que o Estado, por natureza, oprime as pessoas; - se acha que o Estado, por natureza, liberta as pessoas; - se acha que o Estado, por natureza, oprime e liberta, sendo necessário organizá-lo de modo a que liberte o mais possível oprimindo o menos possível;- como é que dispõe, por ordem de valor, os indivíduos, as famílias, as comunidades identitárias, as nações e as empresas.» («O Neoliberalismo não é (necessariamente) um Liberalismo», no As Minhas Leituras.)
  2. «De seis em seis meses, já sabemos que vamos ter que gramar com as lições de governação do Compromisso Portugal. (...) Desdobrando-se em entrevistas e declarações a toda imprensa, lá aparece o inevitável Carrapatoso, armado em Marcelo, a dar notas ao Governo e a explicar-nos - como se fôssemos muitos burros - do que é que o país precisa. (...) Liberalização dos despedimentos, o Estado pagar a inscrição nas escolas privadas, continuar o caminho na diminuição das reformas e aumento da idade de aposentação. (...) O discurso é igual ao de Sócrates, ponto por ponto. Não é de estranhar. Afinal, foi apenas ontem que um ministro do governo socialista apresentou aos parceiros sociais um pacote negocial para facilitar os despedimentos, a diminuição das férias e do valor do seu subsídio, o fim do limite do horário de trabalho diário, a possibilidade de baixar os salários, novos tipos de contrato precário.» («Foi você que votou neste senhor?», no Zero de conduta.)

quinta-feira, 28 de junho de 2007

Mário Soares nomeado para presidir à Comissão de Liberdade Religiosa

Soube-se na última hora que Mário Soares substituirá Menéres Pimentel na presidência da Comissão de Liberdade Religiosa. Esta comissão, dependente do Ministério da Justiça, foi criada pela Lei da Liberdade Religiosa de 2001, e produz pareceres sobre aspectos legais do relacionamento entre o Estado e as comunidades religiosas. Tem sido também responsável por colóquios e pronunciamentos públicos onde as perspectivas laicistas são abertamente ignoradas ou mesmo hostilizadas.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

O que é a laicidade?

  • «O Estado não pode ignorar a religião, ou fingir que esta não existe. Isso não seria laicidade, mas sim ateísmo. Uma confissão religiosa não é uma mera associação de cidadãos. As especificidades próprias do fenómeno religioso, e a actividade das confissões religiosas (que podem ser forças de desenvolvimento ou de perturbação social) exigem que o Estado acompanhe a actividade destas através de legislação adequada e projectos de cooperação.» (Marco Oliveira)

Pelo contrário. O melhor que o Estado pode fazer aos cidadãos é ignorar a religião que têm e tratar as comunidades religiosas como quaisquer outras associações de cidadãos. Será isso a a laicidade do Estado. Ateísmo de Estado seria proibir as reuniões religiosas, fornecer nas escolas argumentos para provar que «Deus» não existe, e erigir monumentos públicos à ausência de «Deus». O que seria pouco laico, convenhamos.

A verdadeira mudança

  • «O mundo terá mais gente a viver nas cidades do que no campo em 2008. (...) A questão da urbanização é o tema central do documento Situação da População Mundial 2007, do Fundo das Nações Unidas para a População. Segundo o relatório, a população urbana mundial chegará a 3,3 mil milhões de pessoas em 2008, ultrapassando pela primeira vez na história da humanidade a população rural.» (Público)

A mais profunda mudança social do século 20 foi a aceleração do movimento migratório dos campos para as cidades. As consequências deste movimento foram enormes para as estruturas sociais não estatais, para as interacções entre os indivíduos, e mesmo para a política, para a religião e para a sexualidade. O mundo das próximas décadas será ainda mais massificado, mais uniformizado, mais rápido e mais individualista.

quarta-feira, 27 de junho de 2007

New Labour reloaded?

Gordon Brown and his wife Sarah at 10 Downing Street on Mr Brown's first day as prime minister, June 27 2007. Photograph: Matt Dunham/AP.
É o fim de uma era, e o início de não-se-sabe-muito-bem-o-quê. A queda de Blair fora prevista por mim (tenho uma faceta de Zandinga ateu...) há mais de dois anos.
De Blair, tudo está dito. Será recordado pelos europeus por ter seguido Bush para o Iraque, pelos irlandeses do Norte por ter posto fim ao terrorismo, pelos trabalhistas por ter conseguido três maiorias consecutivas, e pela esquerda como o principal protagonista da viragem à direita da social-democracia europeia.
Quanto a Gordon Brown, enquanto não ganhar umas eleições parlamentares será sempre um líder fraco.

Revista de blogues (27/6/2007)

  1. «Desde o início Portugal entrou na União Europeia (anteriormente designada de Comunidade Económica Europeia) porque sim, porque senão não eramos como os outros, não eramos bons. Depois tornámo-nos subsidiodependentes, tanto a nível estatal como a nível empresarial e até sindical. Hoje continuamos a ter um bloco central (Cavaco Silva + José Sócrates + coros do PS e PSD) a dizer que sim, que deve ser tudo decidido em Bruxelas, sendo que não se referenda nada. E um Sérgio Sousa Pinto (delfim do PS e possível candidato a sucessor) a afirmar que a despenalização do aborto é uma questão menor e que as questões maiores não devem ser referendadas. Antes de mais nada, é óbvio que a questão da despenalização do aborto não é uma questão menor. Depois, quanto maiores são as questões mais pertinência há na sua discussão.» («A frase», no Insustentável Leveza.)
  2. «Normalmente, o propósito de algo concebido com inteligência é aparente no próprio design. Uma espada, um automóvel, uma muralha de pedra, uma fábrica de rolhas de cortiça. Mas nos seres vivos não. Peixes com pulmões, moscas, pinguins, trezentas mil espécies de escaravelho. Uma diversidade enorme sem que se vislumbre um propósito, nem na vida como um todo nem em cada espécie. Não se pode garantir a ausência de propósito, mas esta complexidade caótica não sugere uma criação inteligente. Pelo contrário.» («Miscelânea criacionista: a complexidade», no Que Treta!)

A blogosfera delira

  1. «Acham que não sei do que falo quando refiro as práticas insanitárias dos homossexuais como perigosas para a saúde. Acham que não queria também referir as mulheres que se livram (ou são forçadas) às mesmas práticas. Evidentemente que, a fortiori, o sexo anal é igualmente, ou mais, prejudicial para a mulher. Quais as minhas credenciais para escrever sobre esta questão?» (Patrícia Lança)
  2. «Eu faço parte do lóbi relativista que quer destruir a sociedade burguesa através da sodomia. Leia a Patrícia e aprenda. A nossa revolução anal está em marcha.» (Daniel Oliveira)
  3. «A boca foi feita/evoluiu (criacionismo/darwinismo) para comer e beber. Não para beijar. O rol de contaminações que podem acontecer através de um beijo devia ser suficiente para temperar os impulsos de algumas mentes perversas. Lembram-se daquela senhora da telenovela Tieta (belo genérico) que lembrava quantas bactérias existem na boca de cada um?» (Tiago Mendes)
  4. «Nós progredimos um pouco desde a antiguidade. Sabemos muito mais sobre o corpo humano. Sabemos muito bem que o sistema digestivo, ingestão e excreção, não deve ser confundido com o sistema generativo.» (Patrícia Lança)
  5. «A liberdade de cada um implica o corpo todo, incluindo vias respiratórias, reprodutórias e excretórias. É isso que importa. Até pode fazer mal.» (Andreu Valles)
  6. «A sodomia é uma forma de prazer? Talvez. A droga é uma fonte de prazer? Certamente. Mas sabemos onde ambas conduzem, ao colapso da dignidade pessoal, da família e da própria sociedade.. É tempo de dizer basta. Basta de retrocessos civilizacionais!» (João Paulo Geada)
  7. «Que tem Patrícia Lança a dizer sobre a suméria prostituição sagrada e as mulheres que ofereciam o ânus em honra de Ishtar? É uma pergunta para a qual se impõe um resposta.» (Puto Paradoxo Ved)

Será do calor?

Sam Harris: «In Defense of Witchcraft»

«Imagine that the year is 1507, and life is difficult.
(...)
Imagine being among the tiny percentage of people -- the 5 percent, or 10 percent at most -- who think that a belief in witchcraft is nothing more than a malignant fantasy. Imagine writing a book arguing that magic spells do no real work in the world, that the confessions of bad witches are delusional or coerced, that the claims of good witches are self-serving and unempirical. You argue further that a belief in magic offers false hope of benefits that are best sought elsewhere, like from scientific medicine, and lays the ground for false accusations of imaginary crimes, leading to the misery and death of innocent people. If your name is Sam Harris, you may produce two fatuous volumes entitled The End of Magic and Letter to a Wiccan Nation. Daniel Dennett would then grapple helplessly with the origins of sorcery in his aptly named, Breaking the Spell. Richard Dawkins -- whose bias against witches, warlocks, and even alchemists has long been known -- will follow these books with an arrogant screed entitled, The Witch Delusion. And finally Christopher Hitchens will deliver a poisonous eructation at book-length in The Devil is Not Great.
What sort of criticism would these misguided authors likely encounter?
(...)»

segunda-feira, 25 de junho de 2007

«Europa sim, democracia não!»

  • «O referendo só é um instrumento legítimo e adequado para as questões menores. (...) A realização de uma consulta popular tem de ser posta em linha com outros valores. Neste caso, o valor da importância da viabilização de um novo tratado europeu.» (Sérgio Sousa Pinto, eurodeputado do PS, no Diário de Notícias.)
  • «Os referendos existem em função de decisões políticas que têm que ser tomadas, mas se chegarmos à conclusão de que não são necessários, se as circunstâncias não o exigirem, podemos passar bem sem eles.» (José Matos Correia, antigo chefe de gabinete de José Manuel Durão Barroso no PSD e no Governo, também no Diário de Notícias.)

«Europa sim, democracia não!» parece ser o lema dos partidos do centrão quando se fala em deixarem os cidadãos pronunciar-se sobre a organização internacional que mais condiciona a vida portuguesa. Ou, dito de outra forma, «a Europa não se discute!». Que o peso da República Portuguesa no Conselho Europeu seja diminuto, que o Parlamento Europeu seja uma instância pouco mais que consultiva, que o corporativismo pareça por vezes o modo de decisão a privilegiar na UE do futuro, são todas questões nas quais os cidadãos portugueses, aparentemente, não podem meter o bedelho. Não ajuda que o debate português sobre a União Europeia seja (infelizmente) provinciano e tacanho, com momentos em que parece que nada há de mais importante do que o passaporte do presidente da Comissão, ou deter a Presidência da UE durante a finalização de um Tratado. Salvo raras excepções, as gerações que tinham dezoito ou mais anos em 1974 ainda olham para a Europa com complexo de porteira. As decisões, os votos e essas coisas, são para os dos «andares de cima».

A ciência aos cientistas, o ensino aos professores

Deixa-me ver se entendi: não podem ser cientistas a definir o que são factos científicos para serem ensinados na escola? Então, quem deveria definir o que são factos científicos? Os proprietários de escolas privadas? As associações de pais? Ou os eleitores deveriam votar os currículos da escola pública por maioria simples? Género: a) o geocentrismo pode ser ensinado na escola (sim/não/voto em branco); b) o criacionismo é cientificamente válido (sim/não/voto em branco); c) as crianças vêm de Paris numa cegonha (sim/não/voto em branco); d) o uso do preservativo diminui as probabilidades de contrair uma doença venérea (sim/não/voto em branco); e) há cientistas com filhos (sim/não/voto em branco). Parece absurdo, não é? Mas seria mesmo esse o resultado de termos os currículos escolares de «geometria variável» que os liberais ortodoxos defendem...

Johann Hari: «Rushdie is not the author of his woes»

«(...)
The reaction to the knighthood of the novelist Salman Rushdie is a case study of the new spitefulness. Here's the story. In 1989, Rushdie wrote a superb novel, The Satanic Verses, in the course of which an insane person in a dream says some questioning, querying things about a man who died over a thousand years ago. In response, a theocratic dictator said he should be butchered to death. Millions of people agreed that beheading is a legitimate form of literary criticism, and tried to hunt him down.
(...)
I'm no fan of the honours system. Seeing a hereditary monarch reward people by calling them a "Member of the British Empire" in 2007 makes me sad for my country. But if anyone deserves a reward, it's Rushdie - arguably our greatest living novelist, and a symbol of the glories of free speech.
(...)
Rushdie was trying to nudge his fellow Muslims away from a literalist reading of their "Holy Book" and towards a more reflective, independent form of thought. This is what really enraged the Ayatollahs: they wanted to retain their monopoly on interpreting the Koran.

###
(...)
Yet across the political spectrum, people have reacted by blaming Rushdie for being the victim of wannabe-murderers. "He cost us £10m!" sneers the right-wing press in unison.
(...)
Ah, the critics say, but he brought it on himself. He wrote things he knew were "provocative". George Galloway, completing his journey to the theocratic far right, has sneered that his novel is "indeed positively Satanic", and said "he turned 1.8 billion people in the world against him when he talked about their prophet in a way that can only be described as blasphemous."
This is exactly analogous to saying a woman wearing a short skirt is responsible for being dragged into an alley and raped. It is also flecked with a form of soft racism, since Galloway assumes all Muslims are excitable children who can only react to querying of the Koran with attempted butchery.
(By the way, literalist followers of the Koran - or any other pre-modern "Holy Book" - are ill-advised to get into a row about whose literature is more "offensive." The Koran has passages calling for the murder of Jews and gays, and instructions on how to beat your wife. The Satanic Verses contains nothing even a scintilla as bad.)
(...)
To all these people, we should ask - why are you more angry with a man who wrote a novel than with the people who tried to hack him to pieces for it?
(...)»

Revista de blogues (25/6/2007)

  1. «O respeito que merece o Presidente da República devia resguardá-lo de algumas atitudes susceptíveis de provocar críticas legítimas e uma indesejável animosidade. Não perdeu o respeito que lhe é devido depois da vitória tangencial que o colocou em Belém, é certo, mas arriscou a consideração ao pretender defraudar as expectativas do referendo. (...) Se triunfassem os desejos do PR as mulheres, no uso de um direito, teriam de suportar um sermão e um vexame, acompanhados de uma crueldade injusta, inútil e gratuita.» («O PR e a IVG. A lei foi regulamentada.», no Ponte Europa.)
  2. «(...) compreendo o crente que encara a fé como um valor pessoal e não está disposto a discuti-la. Mas isto só faz sentido em questões de valor, e nunca em questões de facto. Eu abomino maus tratos a crianças, mas a razão obriga-me a admitir que possam ocorrer. Não é por detestar algo que vou concluir que não existe. É este o erro de alguns crentes, extrapolar de um juízo de valor para uma afirmação de facto. Deus é bom e é bom que exista e é bom acreditar nele. Seja. Gostos não se discutem. Mas isso não quer dizer que exista mesmo.» («Diálogo difícil, parte 3», no Que treta!)

sexta-feira, 22 de junho de 2007

O problema polaco

  • «Enquanto a elite católica e liberal que fez a transição de 1989-90 e os pós-comunistas que depois a renderam se reviam num modelo político-cultural europeu, o PiS e a extrema-direita católica denunciam a "Europa ímpia, laica e apátrida" que ameaçaria "a alma da Polónia" católica. Esta inflexão inscreve-se numa deriva populista que visa liquidar a anterior elite e, mesmo, promover uma mudança de regime - a "IV República", um "Estado forte" assente nos "valores tradicionais polacos". Esta operação passa pela relativamente fracassada "lei da purificação" (visando antigos colaboradores da polícia política comunista) ou pelas sucessivas provocações do ministro da Educação, Maciej Giertych, líder da extrema-direita, que ora ameaça os homossexuais, ora se propõe retirar dos programas escolares autores como o alemão Goethe, o russo Dostoievski ou o judeu Kafka. Giertych quase nada representa, mas "é notícia" e projecta uma imagem deformada da Polónia.» (Jorge Almeida Fernandes no Público de hoje.)

A Áustria de Haider foi isolada internacionalmente por muito menos do que isto. Começa a ser evidente que a entrada de alguns Estados da Europa de Leste na União Europeia foi precipitada.

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Revista de blogues (21/6/2007)

  1. «O direito à educação é um direito das crianças, e não dos seus pais. Não são os pais que têm o direito a que o Estado apoie a educação dos seus filhos, são as crianças quem tem, inerentemente e independentemente dos seus pais, o direito a receber uma educação completa, que as prepare para a vida. E nessa educação está naturalmente contida uma educação sexual, que as faça conhecer a sexualidade e os riscos e cautelas a ela associados. A educação, seja sobre sexualidade seja sobre que outro tema fôr, não é um assunto moral. É um direito positivo que as crianças têm. As crianças têm o direito positivo de ser educadas sobre factos conhecidos e científicos - de acordo, naturalmente, com os conhecimentos científicos tidos em cada época como válidos. Os pais têm a liberdade de ensinar os seus conceitos morais e religiosos aos seus filhos, mas não têm a liberdade de impedir que eles sejam educados de acordo com o melhor conhecimento científico existente à época.» («São as crianças propriedade dos seus pais?», no Blogue Liberal Social.)
  2. «Entram aqui em conflito noções diferentes do indivíduo e do seu lugar. Podemos entender que há três elementos a ter em conta - o indivíduo, a família e o Estado - ou que há apenas dois - o indivíduo e a família. A noção pré-moderna era a de uma total submissão do indivíduo à sociedade (neste caso, família); por contra-intuitivo que nos possa parecer, o Estado moderno surge precisamente para libertar o indivíduo da prisão comunitária. Estatismo e individualismo andaram a par e passo - até ao ressurgimento de perspectivas comunitaristas. (...) A meu ver - e esta é somente a minha opinião - a defesa do indivíduo é um bocadinho mais complexa do que dizer mal do Estado. Por vezes, o Estado é a única defesa do indivíduo. Devemos balizar a defesa da sociedade civil como mecanismo de libertação do indivíduo (e não como mais um mecanismo de formatação do mesmo).» («Educação Sexual como um Direito», n´O Reino dos Fins.)

E o problema central do Médio Oriente chama-se...

  • «O ministro do Interior saudita lançou ontem um aviso aos responsáveis religiosos do reino, exortando-os a não encorajarem as suas próprias crianças a partirem como combatentes para o Iraque. "Sabem que os vossos filhos só são usados para se fazerem explodir? Os próprios responsáveis iraquianos disseram-me isso", afirmou o princípe Nayef bin Abdul-Aziz numa intervenção perante centenas de religiosos. Os dados que se conhecem - divulgados por serviços secretos e centros de estudo que tentam monitorizar a actividade de grupos extremistas através de sites - indicam que a Arábia Saudita é o país de onde partem mais combatentes para o Iraque. Segundo a Reuters, há notícias de que filhos de importantes responsáveis religiosos estarão a combater as forças norte-americanas e o Governo.» (Público)

...Arábia Saudita.

quarta-feira, 20 de junho de 2007

O Admirável Iraque Novo

  • «A maior ofensiva militar do exército americano no Iraque nos últimos meses foi desencadeada na madrugada de ontem na província de Diyala, a norte de Bagdad. Horas depois, a explosão de um camião armadilhado em frente de uma mesquita xiita, no centro de Bagdad, causava pelo menos 75 mortos e 200 feridos, no atentado mais mortífero ocorrido na capital iraquiana nos últimos dois meses. Apoiados por helicópteros de combate e por blindados, mais de dez mil soldados americanos e iraquianos participam numa operação - designada Arrowhead Ripper - destinada a "eliminar os terroristas da Al-Qaeda que operam em Baquba e nas redondezas", esclarece um comunicado do estado-maior americano no Iraque. A região é considerada um bastião dos insurrectos, cujos ataques terão matado milhares de pessoas no último ano.» (Diário de Notícias)

Ainda haverá alguém a prestar atenção ao que se passa no Iraque?

Revista de blogues (20/6/2007)

  1. «(...) conservadores e reaccionários ocidentais criticam o Islão simplesmente porque ele é um concorrente: concordam ambos na intolerância, mas odeiam-se mutuamente por defenderem doutrinas distintas. No entanto, quando têm de enfrentar os progressistas, aliam-se com a maior das canduras aos muçulmanos. Exemplo disso foi a posição da Igreja Católica a respeito dos cartoons dinamarqueses. Naquele momento havia valores mais elevados a preservar: a proibição da crítica à religião e o ataque à liberdade de expressão. (...) se na Europa ou na América do Norte temos autoridade moral (porque a temos, de facto) para criticar o obscurantismo alheio, não é por a cultura que nos envolve ser religiosa, mas porque a religião foi sendo remetida para a esfera privada.» («Cultura, Multiculturalismo e a "superioridade" do Ocidente», n´O Reino dos Fins.)
  2. «O número 27 da revista Atlântico publica um artigo em que diz que a ICAR está a ficar sem privilégios e que não se vê que mais haverá para lhe retirar. Se não é ignorância é má fé. Senão vejamos dois exemplos: 1 - Tem a ICAR direitos de transmissão de cerimónias religiosas através da RTP, paga por todos os portugueses, e ainda dispõe de um programa diário enquanto as outras confissões fazem de primeira parte de vez em quando. 2 - Tem a concordata. Esta aberração que consiste num "tratado" entre dois Estados (Portugal e o Vaticano) que dá privilégios aos portugueses que trabalhem para o Vaticano (artigo 26), por exemplo. Suponhamos que existia um tratado entre Portugal e a Inglaterra que dava isenção fiscal aos portugueses que trabalhassem para firmas inglesas. Haveria protestos de neocolonialismo, no mínimo. Mas é isso que se passa com a empresa vaticana e seus delegados no nosso País. (...)» («Privilégios da ICAR», no Croquete-matinal.)

terça-feira, 19 de junho de 2007

Revista de blogues (19/6/2007)

  1. «(...) parece ser plausível a ideia de que o segredo para o fôlego do capitalismo tem residido na sua plasticidade e maleabilidade para acomodar até certo ponto lógicas de redistribuição da riqueza e de acesso a bens e serviços cruciais sem a mediação mercantil (...)» («Economia Política do Capitalismo: as hipóteses da impureza e da variedade», no Ladrões de Bicicletas.)
  2. «Se é pela virtude e pelo exemplo moral que se deve seguir a pretensão de Maria Filomena Mónica, porque razão determo-nos nos políticos? Os médicos devem ser um modelo cívico de higiene e saúde. Porque não sabermos se o nosso médico fuma, bebe ou sai à noite? E os professores, que educam os nossos filhos, porque não sabermos os detalhes íntimos de cada um deles? As hipóteses são inesgotáveis.» («O doce charme do voyeurismo», no Zero de conduta.)
  3. «(...) a ética não é uma resposta a pressões externas, nem um meio para um fim. Não é o que fazemos para escapar à prisão ou para agradar a um deus. São as restrições que nós próprios impomos aos nossos actos. Se em todo o universo só existir eu e um cachorro, a ética vem da compreensão que não devo dar um pontapé no bicho porque isso vai magoá-lo. É o critério final que avalia os meus actos. Não depende do polícia, dos santos, de Deus nem da tia Dele.» («Ética, parte 3: Deus?... Para quê?», no Que Treta!)

segunda-feira, 18 de junho de 2007

O choradinho habitual

Essa figura de referência do clericalismo nacional que é João César das Neves virou-se contra a República no seu artigo de hoje:
  • «Por cá, a república, cujo centenário se aproxima, decretou uma sistemática perseguição religiosa na linha do ateísmo oitocentista.»

Nunca é demais repetir: quando os clericais falam em perseguição a propósito da República, isso significa que consideram que um Estado sem religião oficial é «perseguidor», que um Estado em que os sacerdotes não são pagos pelo Estado está a «perseguir a religião», que ninguém ir para a prisão por «delito de blasfémia» é «perseguir o cristianismo», que legalizar o divórcio é «perseguir» a ICAR, e que não haver religião obrigatória na escola pública é ateísmo de Estado. Na realidade, o raciocínio dos clericais é cristalino a partir do momento em que compreendemos que, para eles, Estado que não obriga os cidadãos a serem e comportarem-se como católicos está a perseguir o catolicismo. Não obrigar é perseguir.

O grande César diz-nos ainda que «olhando a cultura oficial, ninguém diria que vivemos num país cristão». Será? Se assumirmos que por «cultura oficial» se entende aquela que é promovida pelo Estado, temos: largas dezenas de templos católicos mantidos e subsidiados pelo Estado; centenas de escolas com professores de religião pagos pelo Estado; a TV pública com presença regular de um sacerdote católico no RTP1 de manhã, e com um espaço específico para as religiões da parte da tarde no TV2; transmissão das cerimónias obscurantistas de Fátima todos os dias 13 de Maio a Outubro, e de missas dos católicos todos os domingos do ano... Se isto demonstra que «as manifestações da civilização cristã são silenciadas ou distorcidas», então tremo só de pensar no que seria necessário para que o nosso amigo Neves não se dissesse «perseguido»...

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

E que tal «Jádei Baga Lhoça Pónegócio C. Aprovado»?

  • «Jacinto Leite Capelo Rêgo. Esta foi um dos nomes encontrados pela Polícia Judiciária nos recibos de donativos emitidos pelo CDS/PP para justificar o encaixe de um milhão de euros em Dezembro de 2004.» (Expresso)

André Freire: «A narrativa neoliberal sobre a globalização»

«Manfred Steger faz uma distinção entre "Globalização" e "Globalismo". A primeira refere-se aos processos sociais associados à intensificação da interdependência global dos vários países, economias, culturas, etc., e que têm sido descritos pelos estudiosos de diferentes formas. O "globalismo" refere-se à narrativa ideológica sobre a globalização que associa tais processos aos valores e conteúdos do neoliberalismo (...) os resultados da globalização tal qual tem vindo a ser conduzida estão à vista: taxas de crescimento do PIB inferiores às do período do capitalismo regulado ("30 anos gloriosos"); aumento das desigualdades à escala mundial, quer no seio dos países, quer entre países (Relatório da ONU no PÚBLICO, 15/1/06); face aos anos 1960, nas grandes potências mundiais, os "salários recebem (hoje) a menor parcela do PIB de sempre" (DN, 28/11/06). Ou seja, a globalização tem beneficiado sobretudo as grandes empresas transnacionais e o capital financeiro e bastante menos as populações, sobretudo as dos países mais desenvolvidos. Tanto assim é que o próprio FMI (PÚBLICO, 6/4/07) e certos especialistas (DN, 25/5/07) alertam para os riscos que o processo corre, a continuar nestes termos (...) tendo em conta os maus resultados da globalização neoliberal, também me parece errado reduzir as correntes alter-globalização a mero "folclore": porventura mais do que nunca, torna-se necessário inflectir a globalização tal como a temos conhecido.»
(Público, sem linque.)

Da origem do Estado aos fundamentos da ética

Sugiro ao Rui A. que explique cuidadosamente a partir de que grau de complexidade uma dada sociedade passa a constituir um Estado. Será quando funciona o primeiro «tribunal» comunitário no largo da aldeia, com os anciãos a presidir? Ou será quando se cobra impostos pela primeira vez? E porque não quando se instaura o SMO? Ou quando se entrega a primeira declaração de guerra e/ou se celebra um Tratado com outro Estado?
E sugiro porque a conversa se arrisca a tornar-se absurda neste ponto. Eu não nego que havia «justiça» de tribo muito antes do Estado romano. Por exemplo com pena de banimento, presumo eu, pelo homicídio de alguém da tribo. Mas tenho pudor em chamar «tribunal» às arbitrariedades inevitáveis de uma assembleia que funcionava ou pela lei da maioria, ou pelo poder do chefe da tribo.
Sendo evidente que os tribunais (tal como o Estado) são legítimos enquanto o povo que a eles está sujeito os considerar como tal, não deixa de ser ingenuidade pensar que o «Direito» que aplicam alguma vez foi «natural». Não há «Direito natural». Há leis e princípios que foram evoluindo pela própria lógica de grupo, e que recentemente têm sido sujeitos a crítica racional sistemática, com o efeito de fazer avançar os direitos do indivíduo sobre o colectivo. Mas querer «naturalizar» os nossos valores políticos favoritos, para além de arrogante, é ingénuo.
Leitura recomendada (onde concordo com a conclusão mas não com alguns exemplos): «Mas isto do natural ser bom está sempre na moda. Da medicina alternativa aos iogurtes apresentam-nos muita coisa como sendo boa por ser natural. E nunca mencionam que o arsénico e o veneno de cascavel também são 100% naturais. Na ética, criticam os direitos dos animais porque somos omnívoros (será a violação menos condenável se o violador for heterossexual?), criticam o capitalismo pelo nosso instinto de cooperação, o comunismo pelo nosso instinto territorial, ou defendem cada um escolhendo o exemplo contrário. (...) O único universal ético com que podemos contar é que cada sujeito tem uma perspectiva subjectiva única. O que é importante para um nem sempre é importante para os outros. Escolher o que é importante para mim e tentar impô-lo aos outros não tem nada de ético, por muito que eu gesticule invocando deuses, instintos, ou naturezas.»

sábado, 16 de junho de 2007

Jusnaturalismo: kaput

O Rui A. «[confessa a sua incapacidade] para argumentar contra» o meu último artigo sobre a natureza humana. «Limita-se» (sic) a recordar que «foi exactamente para precaver e punir (...) que os homens criaram os tribunais», o que é verdade. Poderia dar o passo seguinte e reconhecer que sem o poder coercivo do Estado os tribunais servem para muito pouco ou mesmo para nada, mas para um liberal ortodoxo já não está mal (quem está intoxicado de ideologia dificilmente se deixa corrigir pela ciência).


Nota secundária: «comportamentos desviantes» é uma expressão que tem implícita uma normatização social daquilo que não é desviante. Ao nível individual, por muito auto-controlo que cada «animal humano civilizado» (vulgo, cidadão) exerça, as definições do que é ou não desviante são incomensuráveis.


(Agora que arrumei de vez com a fantasia liberal dos «direitos naturais», acho que vou voltar ao debate sobre os «direitos dos animais». Rima e tudo.)

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Revista de blogues (15/6/2007)

  1. «Numa recente NYRB, alguém dizia que o deus de Lincoln não era o deus da cristandade. Aquele deus asséptico, e sem barba, de Lincoln é apenas uma referência ética. Lincoln não acreditava num deus em concreto. A sua “providência” é uma ideia impessoal que não se associa a nenhum texto ou ritual sagrado. Aquele deus é uma “medida justa” para onde devemos incluir as nossas acções. A ideia de Cristo como redentor dos homens nunca aparece, por exemplo. Lincoln, num mundo monoteísta, faz sempre lembrar Cícero do saudoso mundo pagão. Numa polémica em 1846 (quando concorria ao Congresso), sendo acusado de ateísmo, Lincoln respondeu que «não pertencia a nenhuma igreja cristã» mas que «nunca negou a verdade das escrituras». Notável. Como faz falta esta alergia a clubes, seitas, agremiações, partidos. Um homem só devia ter um clube: a sua mulher, num hábito de pelicano. No resto, devia andar sozinho, sem clube, partido, e demais entidades colectivas a quem tem de prestar lealdade canina. A lealdade não fica bem quando somos mais de dois. A partir do 3, já não é lealdade. É uma equipa de futebol a brincar aos deuses e ao poder. (...) Há por aí demasiadas matilhas e alcateias.» («Pelicano», no Blogue Atlântico.)
  2. «Ricardo Alves e Rui Albuquerque discutem se a propriedade privada é natural (...) quer consideremos a propriedade como "natural" ou não, basta ver um documentário sobre a natureza (p.ex., uma disputa territorial entre dois jaguares) para concluirmos que "retirar propriedade aos seus possuidores sem o seu consentimento" é do mais natural e instintivo que há (logo, não será contrário ao "direito natural" nem violentará a "natureza humana"). Ainda a respeito da propriedade ser natural, como defende Rui Albuquerque, a mim há uma coisa que me parece clara - a "propriedade absentista" (i.e., a propriedade que não é para uso pessoal e directo do proprietário) não é natural. Mesmo que demos razão a Rui Albuquerque quando este refere a organização territorial de outros animais, parece-me que o equivalente à "grande propriedade privada" é inexistente - ou seja, temos a "pequena propriedade privada" (os territórios/recursos que cada individuo utiliza exclusivamente para si) e a "grande propriedade colectiva" (os territórios/recursos do "bando"), mas não "grande propriedade privada" (territórios/recursos controlados por um individuo, mas utilizados por vários) - p.ex., há uma espécie de "propriedade" nos ninhos de cegonhas (cada casal tem o seu, que se mantém durante anos), mas, que se saiba, não há "cegonhas-senhorias" e "cegonhas-inquilinas" (eventualmente a pagar um aluguer em ratos pelo uso do ninho...). Poder-se-á argumentar se, nos animais sociais, o "chefe da matilha" não será o equivalente a um "grande proprietário", que "possui" o território do bando, mas acho que não - ao contrário, digamos, de um empresário, que manda na empresa porque é o dono dela, um "chefe de matilha" (ou alpha male, ou como lhe queiramos chamar...) é o "dono" do território do bando porque manda nele; ou seja, será algo mais parecido com o feudalismo ou o "modo de produção asiático" (ou, já agora, com os antigos regimes comunistas), em que o controlo sobre os recursos económicos deriva do poder político/social, do que com um sistema de propriedade individual.» («Propriedade e "natureza humana"», no Vento Sueste.)

O Hamas na cadeira do poder

Palestinian militants from Hamas stand at the desk of Palestinian President Mahmoud Abbas inside Abbas' personal office after it was taken over by Hamas in fighting in Gaza City. Photograph: Hatem Moussa/AP.

O Hamas sentado na cadeira de Mahmoud Abbas, em Gaza (fotografia pilhada no The Guardian).

Mais um Estado islamista?

Nas últimas horas, o Hamas tomou o controlo da Faixa de Gaza, derrotando militarmente o que restava, nesse território, da Fatah, um movimento que, apesar dos seus imensos defeitos, é laico.

O Hamas é a secção palestiniana da Irmandade Muçulmana, uma espécie de «Internacional Islamista» com braços em quase todos os países do Magrebe e do Médio Oriente e da qual têm saído movimentos exclusivamente terroristas como a Al-Qaida. Pretende instaurar um Estado islâmico na Faixa de Gaza, com a «Lei Islâmica» e as maravilhas habituais.

Na Europa, olha-se para a guerra civil palestiniana como um efeito colateral do conflito israelo-palestiniano. E no entanto, os acontecimentos na Faixa de Gaza traduzem o conflito fundamental do mundo muçulmano actual, entre laicos e islamistas. Seria melhor abandonar as dicotomias e alinhamentos herdados da guerra fria e olhar para o que está a acontecer dessa forma. Eu estou com as forças democráticas e laicas da Palestina (se as houver).

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

Natureza e cultura, até na política

O Rui A. do Portugal Contemporâneo, não sei se mais saudoso do salazarismo se do nazismo, não consegue olhar para o mundo sem o enfiar nas categorias binárias do tempo da guerra fria. Se se notar também que as suas principais referências sobre o perpétuo debate entre natureza e cultura (Lorenz e Pavlov, logo no título...) nunca parecem ter menos do que cinquenta anos, confirma-se que estamos perante alguém irremediavelmente amarrado às categorias mentais de meados do século passado.

Mas vamos à substância: o Rui A. defende a sua asserção de que a propriedade privada está inscrita na natureza humana referenciando alguns autores estudiosos «do comportamento inato de algumas espécies animais, sobretudo dos primatas, onde - pasme-se! - encontraram uma complexa organização social assente na delimitação de um (ou vários) territórios, com marcação do espaço próprio de cada animal, dos direitos inerentes a cada um dos animais do grupo habitante, com distribuição de tarefas entre eles, isto é, com repartição das funções sociais, com uma hierarquia vertical, e com uma afectação de recursos determinada pelo macho dominante do grupo». Francamente, parece-me que este argumento do Rui A. serve para defender a «naturalização» dos territórios estatais, das hierarquias não eleitas, das ditaduras patriarcais, da poligamia e da escravatura (o que pode reflectir apenas a inifinita nostalgia de um reaccionário clássico por um mundo de ordem, autoridade, hierarquia, machismo e tradição). Territórios demarcados muitas espécies animais têm (incluindo os felinos, por exemplo) e a partir do momento em que temos pelo menos uma família alargada residente, não sei se estaremos mais próximos da partilha cooperativa de recursos, e portanto do comunismo (ele próprio um sistema autoritário), ou da propriedade privada (que eu na minha ingenuidade pensava que seria individual). E como também não tenho conhecimento de que as crianças nasçam com o sentido inato do respeito pela propriedade alheia, a tese de que a «propriedade privada» é «natural» soçobra, seja qual for o critério de corroboração. Mas é significativo que um liberal ortodoxo veja «direitos» onde há apenas autoridade e submissão sem possibilidade de arbitragem ou sequer de negociação...

Sejamos claros: deixando de lado a obtenção de alimentos e o seu consumo, não existem comportamentos mais naturais no homem do que a violação sexual e o assassinato de rivais. Nesse sentido, instituições como a escravatura, o casamento enquanto aquisição da parte feminina ou a poligamia, a guerra e o genocídio, são profundamente «naturais» (um jusnaturalista diria que fazem parte do «Direito natural»...). Mas não é por terem sido práticas constantes e tradicionais desde tempos imemoriais que hoje deixamos de as considerar instituições bárbaras, lesivas da dignidade humana e impróprias de qualquer sociedade presente e futura minimamente desejável. A marca da civilização e do progresso(!), penso eu, é justamente o controlo, pessoal ou social, dos nossos piores instintos.

Se não nos devemos iludir quanto à natureza humana, em particular não devemos projectar nela os nossos desejos ideológicos, sob o risco de mais à frente sermos corrigidos pela própria natureza. O meu interlocutor liberal ortodoxo acha que as ditaduras comunistas «implodiram porque negaram a propriedade privada aos cidadãos, formatando artificialmente a vida social em torno da ideia contranatura do colectivismo». Mas não é bem assim. As ditaduras comunistas não negaram a propriedade privada na forma em que já existe desde o paleolítico (objectos pessoais), nem sequer a que todos podem adquirir desde o século 18, em havendo oferta e bagalhoça (casa própria); negaram apenas a propriedade privada enquanto parte da economia de larga escala. (E implodiram mais pela sua ineficiência comparativa do que por outra razão qualquer, por muito que isso custe a todos os defensores das liberdades individuais.)

Numa segunda tentativa, o medievalista confesso, impenitente e saudoso argumenta noutro sentido, defendendo que a propriedade privada desempenhou um papel imprescindível ao longo de toda a história da Europa, de Roma à Magna Carta. Será verdade, mas outro tanto poderia ser dito de formas comunitárias de propriedade colectiva. E muito mais poderia ser dito dos impostos, que os liberais ortodoxos, no limite, argumentam serem contra natura, e que no entanto estruturaram todas as sociedades humanas complexas depois do neolítico...

quinta-feira, 14 de junho de 2007

Revista de blogues (14/6/2007)

  1. «Devido à programada trasladação dos restos mortais de Aquilino Ribeiro para o Panteão Nacional e à petição filo-monárquica que quer travar a iniciativa (...), um post de João Miranda no Blasfémias perguntando se "ser a Assembleia da República a decidir quem deve ser sepultado numa igreja não viola o princípio da separação entre a Igreja e o Estado" alarga a discussão ao próprio conceito de Panteão. De facto, há um entorse do princípio da separação, mas que não resulta da vontade do Estado utilizar o espaço de uma igreja para realizar cerimónias fúnebres, mas sim do facto de o Panteão Nacional não ter sido laicizado, à semelhança do que sucedeu, por exemplo, em França, quando foi decidido que aquele seria o uso definitivo da antiga basílica de Santa Genoveva. (...) Conforme disse Rui Tavares num comentário ao post de João Miranda "o panteão nacional / igreja de santa engrácia foi iniciado num tempo em que o catolicismo era a religião única do reino e terminado com dinheiros públicos, já no fim da década de 1960. foi feito e pago pelo povo português, e não só pelos católicos. se há coisa que viola o princípio da separação é o facto de ainda ser uma igreja, mas se alguém propusesse que deixasse de o ser logo seria acusado de jacobinismo." Não tenho medo do epíteto: PANTEÃO LAICO, JÁ!» («Panteão Laico», no Boina Frígia.)
  2. «Ser Cadete: Código de Honra 9. O Aluno da Academia Militar ama devotadamente a sua Pátria e forja os seus ideais no culto dos grandes valores humanos e cristãos que a encheram de glória no passado. (...) É completamente inaceitável que o Código de Honra da Academia Militar faça menção ao cristianismo. Seria suficientemente grave que qualquer escola ou universidade pública submetesse os seus alunos ao respeito dos "valores cristãos". Que os militares, que são quem no limite deve garantir a segurança e estabilidade do regime, tenham um código de ética que vai contra a Constituição é duplamente grave. Impõe-se a denúncia deste caso e a alteração do referido código.» («Pela Laicização da Academia Militar», no Blogue Liberal Social.)

Democracia e laicidade enquanto garantias da neutralidade do Estado

O Daniel Oliveira e o João Miranda desentendem-se a propósito de saber se o Estado poderá ser neutro.

A bem da liberdade efectiva de cada um, o Estado não deve adoptar qualquer religião ou ideologia totalitária alguma. Quem acha que o democratismo ou o laicismo serão ideologias políticas como as outras encontra aqui uma contradição. Mas a democracia não é um sistema de governo como os outros porque permite que cada facção se organize para ser governo temporária e limitadamente, tentando aplicar as suas soluções, ideologicamente inspiradas ou clientelarmente obrigadas (o sistema tem os seus defeitos...). E a laicidade não é um regime como os outros porque deixa a cada cidadão a liberdade de escolher uma religião ou nenhuma, e de tentar convencer os outros a aderirem à sua preferência. Quer a democracia quer a laicidade são modos de funcionar que permitem, respectivamente, a escolha colectiva (temporária) de mais social-democracia ou mais liberalismo, e a escolha individual de mais religião ou mais ateísmo. Nesse sentido, a sua superioridade está justamente em permitir vários modos de funcionar e várias escolhas.

No fundo, a diferença é entre ideologias fechadas que escolhem o palco, o guião e os actores, e ideologias abertas que arrumam o palco e deixam o guião à escolha dos actores.

O Chefe tem sempre razão!

  • «A RTP vai emitir no próximo domingo a parte das cerimónias comemorativas do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas que não transmitiu no domingo passado, atendendo ao protesto do Presidente da República. Num comunicado enviado às redacções, a estação pública de televisão explica que o seu Conselho de Administração apresentou um pedido de desculpas à Casa Civil do Presidente da República sobre a cobertura em directo daquelas cerimónias, no dia 10 de Junho.» (Público)

Sugiro que se desloquem de joelhos dos Olivais a Belém e que assistam à transmissão deitados aos pés do Cavaco.

O regresso da tortura

  • «O Conselho da Europa confirmou na sexta-feira passada o que o Human Rights Watch tem dito desde há dois anos: que a CIA operou secretamente prisões ilegais para suspeitos de terrorismo, na Polónia e na Roménia, de 2003 a 2005, onde os detidos eram submetidos a "técnicas de interrogatório classificáveis como tortura". (...) Segundo Marty, no caso dos centros de detenção secretos na Polónia e na Roménia, a CIA recorreu a agentes de ligação de confiança que reportavam directamente ao então presidente Aleksander Kwasniewski na Polónia e aos presidentes Ion Iliescu (primeiro) e Traian Basescu (depois) na Roménia. As prisões na Roménia e Polónia foram provavelmente encerradas em 2005, depois das atenções da imprensa se terem concentrado nelas, e os presos devem ter sido transferidos para outro local, mas o sistema de prisões secretas não acabou.» (Reed Brody, da Human Rights Watch, no Público de hoje.)
De 1945 a 2001, a Europa ocidental não ibérica deu de si uma imagem de impecável e democrático respeito pelos Direitos do Homem, em particular de repúdio por interrogatórios usando tortura, por punições bárbaras como a pena de morte, e pela repressão violenta de manifestações (porém, mesmo nesse período houve excepções de monta). Após o 11 de Setembro de 2001, as democracias europeias (o que nesse momento incluía todos os Estados do continente com duas ou três excepções) tornaram-se especialmente indulgentes quanto à detenção e tortura de muçulmanos suspeitos de pertencerem à rede terrorista do cheique Ossama Bin Laden. Por muito que o aumento do repúdio público pela violência e pela tortura esteja a aumentar (o que é inegável), a identificação de um novo grupo a quem se negam direitos universais recorda-nos que o progresso ético não avança em linha recta. E que acontecem regressões.

quarta-feira, 13 de junho de 2007

Liberalismo ortodoxo enquanto pseudo-ciência

No Portugal Contemporâneo, o Rui A. diz-nos:
  • «Ao contrário da esquerda, que acredita que a política é capaz de criar um «homem novo» e uma «sociedade igualitária», ao invés da maior parte da direita, que espera pela providência de Deus ou de um homem para manter a «boa ordem» social, o liberalismo conhece bem os homens e a política, e sabe com exactidão o que os primeiros querem da segunda. Por terem essa exacta noção, é que os liberais desconfiam do Estado e dos governantes.»
Bom, eu estou à esquerda e não acredito que seja possível criar ideologicamente um «homem novo» (nem uma «mulher nova», já agora). Mas acho divertida esta pretensão do liberalismo ortodoxo de «conhecer bem os homens»: este Rui A. é o mesmo que há uns tempos dizia que «[retirar] propriedade (...) violenta a natureza humana». Se é um tão grande conhecedor da natureza humana, o senhor Rui A. deveria começar por explicar-nos, «com exactidão», em que parte do córtex cerebral está o instinto/desejo de propriedade privada...

Aquilo que eu dizia

Aquilo que eu dizia, que alguns defensores dos direitos dos animais não distinguem um boi de um humano, confirma-se neste vídeo da Acção Animal. Fico à espera que proponham que pisar formigas seja considerado homicídio.

Tarefa para os geneticistas

Criar sardinhas sem espinhas. Aquelas transversais e fininhas...

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Revista de blogues (11/6/2007)

  1. «O nome que se deve apelidar a este tipo de liberalismo é dúbio, liberalismo ortodoxo é o que melhor o descreve, por indicar a crença em princípios inalteráveis e a inflexibilidade típica de um ortodoxo. (...) Mas, porque é que esta forma de “liberalismo” é um falhanço? Em primeiro lugar é obviamente um falhanço em termos políticos, ao recusar-se a fazer política real. (...) Apesar de pregar a liberdade, a utopia liberal ortodoxa é por natureza uma antítese de um estado democrático. (...) A única forma de se manter um estado anarco-capitalista é via a eliminação da democracia, e Hayek já o sabia, tendo proposto alternativas institucionais à democracia e não negando que um governo autoritário poderia ser baseado em princípios liberais (New Studies, 1978). (...) O terceiro ponto, extremamente relevante, é que, em democracia, a vontade popular tem demonstrado claramente, ao longo dos anos, que não deseja o fim do Estado. (...) Não desprezável é também, ao contrário do que afirma a retórica liberal ortodoxa, que o Estado, controlado, tem sido historicamente um garante da liberdade. (...) A ironia é que em 2007, o país que talvez se pareça mais com o ideal liberal ortodoxo, é a China. Neste país, não existem sistemas de segurança social como conhecemos por cá, não existe um sistema nacional de saúde gratuito (foi desmantelado) e a economia de mercado está já mais desregulada que em qualquer países ocidental, não existindo, nem salários mínimos dignos desse nome nem regulamentações ambientais ou de saúde relevantes (...)» («O Falhanço do Liberalismo Ortodoxo / Anarco-Capitalismo», no Speaker´s Corner Liberal Social.)
  2. «Na manhã soalheira de Setúbal, encenou-se a peça pátria costumeira a 10 de Junho. Na deriva da portugalidade, a corveta presidencial, com um Cavaco de semblante sério como que encarnando a pesarosa alma lusa, atravessou a foz do Sado para, perante a jóia da Coroa NRP Vasco da Gama e da “dama de festas” NRP Sagres, desembarcar o presidente “de todos nós”. O fito era ali comemorar o dia de Portugal, de Camões e das Comunidades. (...) Não obstante a demonstração de força, entendeu quem organizou semelhante "comemoração da pátria" que o BMW de Cavaco deveria, ainda, ser acompanhado por guarda costas, de óculos escuros, em passo de corrida junto da viatura. Este "american touch" foi, pouco depois, temperado por uma bem mais lusitana prece dita aos militares e povo, ali em comemoração do dia do laico (??) estado português, na voz do Bispo das Forças Armadas, devidamente anunciado ao gentio "Sua Excelência Reverendíssima D. Januário Torgal Ferreira". (...) A celebração da Portugalidade, em pleno século XXI, não deveria constituir desculpa bastante para, nem mesmo por um dia, se institucionalizar o fascismo de Estado. Se as comemorações são, como todas as celebrações, simbólicas... então talvez não devesse ser o Portugal militarista, bolorentamente entregue a preces e demonstrações de força de uma vacuidade atordoante que deveria ser celebrado. Ao invés de se orgulhar do sangue dos egrégios avós derramado "pela Pátria", quem manda neste "solo jucundo" deveria entregar o 10 de Junho à concretização das melhores esperanças dos netos.» («A paródia nacionalista», no Devaneios Desintéricos.)

Pensamento e Acção - IV

Ou seja: se é verdade que «pensamento sem acção ou é aborto ou é traição», também é verdade que aquilo que acreditamos sobre o mundo não deve estar dependente daquilo que nos desse mais jeito que fosse verdade.

Devemos esquecer que acções é que cada crença implica, quando procuramos saber qual o mundo mais desejável. Devemos estar dispostos a rever tais crenças sempre que bons argumentos, factos, dados, raciocínios ou conclusões o justificarem. E apenas nessas circunstâncias.

Posto isto, creio que é louvável que façamos sacrifícios em nome daquilo que acreditamos, tentando ser coerentes com as nossas crenças. O altruismo é geralmente uma boa qualidade, e deve ser encorajado e aplaudido.
Mas se não formos capazes de fazer aquilo que consideraríamos mais desejável, é melhor reconhecermos as nossas limitações do que tentar enganarmo-nos a nós próprios reformulando as nossas crenças para evitar grandes trabalhos ou sentimentos de culpa.

Estar disposto a ouvir quem pensa de forma diferente é fundamental. O Compromisso é sempre necessário nas grandes transformações. E as discussões devem centrar-se nas ideias, e não em críticas como as do Matias.

Pensamento e Acção - III

Já várias vezes ouvi e li o argumento do Matias.

Desde a escola secundária oiço críticas aos comunistas que não abdicam do carro e do telemóvel, ou que, sendo latifundiários, não abdicam das propriedades.

Também é frequente que algumas pessoas respondam às preocupações ecológicas de outros com críticas ao estilo de vida destes, que parece nunca ser suficientemente primitivo para que possam fazer notar alguns factos a respeito do funcionamento da ecologia terrestre.

Outras vezes, são os anarquistas os alvos das críticas, por compactuarem com o capitalismo que dizem desprezar, ou por compactuarem com uma sociedade e um estado que afirmam opressores.

Mas as críticas do Matias são facilmente utilizadas contra qualquer tipo de pessoas que advoguem opiniões mais extremas. E raramente são refutadas. Mas creio que são críticas que não colhem.


Quantos é que, caso acreditassem que o comunismo é a melhor solução, renunciariam à propriedade nesta sociedade? Quantos é que, se fossem ricos e comunistas, abdicariam da sua riqueza? Poucos.
Criticável seria reformular as suas crenças em função das respectivas conveniências pessoais. Antes um comunista rico que - por não estar disposto ao enorme altruismo de abdicar da sua fortuna - se mantém comunista rico, do que aquele que, na mesma indisposição, prefere reformular as opiniões em função daquilo que lhe dá jeito.
No caso daquele que se manteve comunista rico, fará sentido criticar a sua omissão? Uma omissão que poucos deixariam de cometer?

Se achamos que o comunismo é errado, expliquemos porquê. Usemos argumentos, dados, factos, lutemos para que a razão triunfe, sempre dispostos a rever aquilo em que acreditamos se bons argumentos se impuserem.
Deixemos de lado a avaliação moral e as motivações de quem apresenta uma determinada visão, e não exijamos maior altruismo do que aquele que consideraríamos razoável para qualquer um de nós - por mais extrema que a opinião possa parecer.

Pensamento e Acção - II

A conversa entre o Joaquim e o Matias parece absurda, por várias razões - uma das quais é o Matias ser suficientemente alienado para duvidar da existência de pobreza. Mas a sua argumentação falaciosa é frequentemente usada.

Existem três aspectos fundamentais na sua argumentação que merecem ser discutidos:


a) O facto de Joaquim ter razão, ou não, quanto à existência de pobreza, não tem nada a ver com a sua atitude perante essa realidade.

b) O facto de Joaquim acreditar, ou não, na existência da pobreza, deve apenas ter a ver com o facto de ter razão em acreditar nisso, e nunca deverá ter a ver com as consequências pessoais que adviriam de tal crença.

c) Será questionável criticar Joaquim pelas suas omissões se, acreditando no mesmo que Joaquim, não se estivesse disposto a sacrificar muito mais que Joaquim (e mesmo neste caso a crítica não está necessariamente legitimada).


Ou seja:

a) Matias devia ter acreditado na existência da pobreza apenas baseado nos indícios e provas a esse respeito. A atitude de Joaquim é completamente irrelevante para aferir se existe pobrez ou não.

b) O facto de Joaquim acreditar em algo que, a ser verdade, possa fazer surgir deveres onde não existiam - quer ele os cumpra, quer não - passíveis de o prejudicar, é sinal que resistiu ao enviesamento cognitivo que nos faz ter maior tendência para acreditar que aquilo que é bom para nós, é bom para todos.

c) Caso Matias acreditasse no mesmo que Joaquim, estaria disposto a fazer muito mais? Se não, a sua legitimidade para criticar Joaquim pelas suas omissões é um tanto dúbia...

Pensamento e Acção - I

Matias: Olá, Joaquim!

Joaquim: Olá, Matias!

M: Não esperava ver-te aqui, num restaurante.

J: Que tem isso de estranho?

M: Não sei, deixa estar...

J: Diz lá! Agora fiquei curioso.

M: É que... Pensava que tu acreditavas que existe muita pobreza no mundo.

J: Sim... Existe, vários milhões...

M: E que existe muita fome, falta de cuidados básicos, etc. A pobreza é tanta que com meia dúzia de tostões se podem salvar vidas.

J: Sim, acredito nisso.

M: Não achas um bocado incoerente e hipócria estar a comer num restaurante?

J: Como assim?

M: Tu é que acreditas que o mundo é dessa forma... Não sou eu. Vou comer neste restaurante, mas eu acho que a pobreza não existe.

J: Hã????

M: Já to tinha dito. Tínhamos discutido, e tu deste-me imensos argumentos para me mostrar que existia pobreza, estatísticas, notícias, etc...

J: Nada disso te convenceu?

M: Não, a tua atitude sempre falou mais alto. Dizes que há tanta pobreza, mas depois vais comer ao restaurante como se nada fosse. Fazes uma vida normal, vais ao cinema, compras prendas pelo Natal, etc...
Mas se fosses coerente, saberias que a cada tostão que gastas em luxos e prazeres, poderias ter dado esse dinheiro, e estarias a salvar vidas. Em vez disso optas por ter sangue nas mãos como um assassino.

J: Mas tu também tens uma vida normal, com pequenos luxos e gastos desnecessários.

M: Sim, mas eu não acredito que existam pobres. Por isso, eu não estou a matar ninguém. Tu é que és incoerente. Acreditas na pobreza, e ainda assim ages como se nada fosse.

J: Calma, eu de vez em quando faço voluntariado aqui e ali. E às vezes também faço algumas poupanças para dar a associações na luta contra a pobreza.

M: Poupa-me! Quanto dinheiro (e tempo!) gastas com luxos, contigo, e com o teu bem estar, a comparar com esse?
Se calhar em vez de matares - por omissão - várias dezenas de pessoas, matas várias dezenas menos uma. A incoerência mantém-se. És um hipócrita. És incoerente.

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Pensamento religioso: o sentido proibido como modo de funcionar

O verdadeiro símbolo do pensamento religioso é o sinal de sentido proibido. Porquê? Porque o que realmente caracteriza um pensamento genuinamente religioso é a paragem no desenvolvimento normal do raciocínio, o estacar perante uma conclusão incómoda, ou até o voltar para trás com medo daquilo que está à frente.

Muitas pessoas pensam que aquilo que caracteriza o pensamento religioso é dar respostas erradas para algumas das interrogações realmente interessantes do universo. Mas o que caracteriza o pensamento religioso é o assassinar cada uma dessas perguntas com uma proibição. Enquanto o pensamento científico consiste exactamente em aceitar rever as nossas ideias de forma a adaptá-las à realidade verificável ou ao que for logicamente plausível, a religião é o exacto contrário: não rever; não verificar; não aprofundar; não questionar.

Deveríamos definir religião, em sentido lato, como qualquer modo de pensar em que todas as contradições e perguntas interessantes são bloqueadas com um sinal de proibido. Exemplo: «Cristo ressuscitou». O mais relevante seria saber como, mas o pensamento religioso não explica como. Diz que é «dogma» ou «mistério», e passa à frente ignorando tudo o que importaria realmente saber. A origem do universo? Foi «Deus». Enquanto nome que se dá arbitrariamente ao que se quiser, funciona superficialmente. Mas o problema é que explicar algo respondendo «Deus» não é uma resposta. É uma paragem forçada na marcha do raciocínio.

A religião alimenta-se tanto da ignorância sobre as respostas correctas, como do medo das consequências de colocar perguntas ou de dar respostas imprevistas. A proibição reconforta: é mais fácil parar do que andar, resolver a angústia da morte com uma esperança falsa, não estudar e não corrigir as próprias ideias, não mudar de ideias.

Esqueçam as cruzes (com ou sem «Cristo»), os crescentes e as menorás. No fundo, «Deus» é um grandessíssimo sinal de sentido proibido.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

A Europa do futuro?

  • «"Há hoje elementos suficientes para afirmar que existiram centros secretos de detenção, geridos pela CIA, na Europa, entre 2003 e 2005, nomeadamente na Polónia e na Roménia", escreve o senador suíço e investigador especial do Conselho da Europa, Dick Marty, no seu segundo relatório sobre as actividades ilegais da CIA na Europa, apresentado hoje.» (Notícia do Público, via Arrastão.)

Como será que iremos encarar isto (ou isto) daqui a dez ou vinte anos? Como desvios temporários? Casos isolados? Ou como o início de algo sistemático e portanto bastante mais sinistro?

Ao Ministério da Saúde...

  • «1. O Ministério da Saúde não deveria conceder às administrações hospitalares uma amplitude excessiva no âmbito da capacidade de regulamentação local da assistência religiosa e espiritual, de forma a não transigir, nem com a multiplicidade e disparidade de regimes, nem com arbitrariedades locais.
    2. O princípio estruturante da regulação de qualquer tipo de assistência espiritual e religiosa nos hospitais públicos deveria assentar unicamente na manifestação de uma vontade de receber esse tipo de apoio livremente expressa pelo utente ou, em caso de incapacidade, por quem legalmente se lhe possa substituir na prática desse acto. Concretamente, em condição de internamento numa unidade hospitalar, todos os utentes deveriam ser informados da possibilidade de solicitar amparo espiritual por parte da sua confissão religiosa, sendo que essa assistência só poderia ser prestada a quem expressamente a solicitasse e que seria frontalmente vedado oferecer auxílio religioso a utentes que o não tivessem previamente solicitado. Apenas seguindo este princípio se consegue articular o respeito pelas normas constitucionais que regulam a privacidade individual em matéria religiosa, a liberdade de consciência e de religião, bem como a norma da separação entre o Estado e as igrejas (§3, §1 e §4 do artigo 41º da Constituição da República Portuguesa).
    3. Porque a assistência religiosa constitui um «serviço» directamente prestado pelas confissões religiosas aos seus crentes e não ao Estado, não faz qualquer sentido que seja o Estado a remunerar os ministros do culto que prestam essa assistência espiritual, ainda que o façam em hospitais públicos.
  • (...) A terminar, gostaríamos ainda de assinalar ao Senhor Ministro da Saúde que, atendendo à previsível introdução, a curto prazo, de alterações profundas no modo como passarão a ser assegurados muitos dos cuidados públicos de saúde, designadamente, através do estabelecimento de parcerias público-privadas – onde instituições católicas, como sejam as Misericórdias e muitas IPSS, poderão vir a assumir expressão relevante –, será evidentemente necessário assegurar, atempadamente, que os «cadernos de encargos» que irão vincular essas entidades parceiras do Ministério da Saúde na dispensa de cuidados públicos de saúde especifiquem, de forma muito clara e taxativa, os termos da concretização do normativo constitucional da laicidade do Estado no quadro daquelas prestações de serviços.»

(Ler a carta completa da Associação República e Laicidade.)

Revista de blogues (8/6/2007)

  1. «Mas a melhor cena foi quando ali perto de Heiligendam antes de mais uma cena de porrada entre os globalizados antiglobalização e a polícia, um dos manifestantes sacou de um trompete e tocou impecavelmente e com muito soul e feeling a…. Internacional. O tipo tocava bem embora eu tenha pensado na altura que foi um pouco de mau gosto tocar a internacional num local que pertenceu à antiga Alemanha de Leste. (...) Tenho a dizer-vos que já estou um pouco farto de tudo isto. Ontem aliás fui à praia para passar tempo, praia que é aqui mesmo em frente do centro de imprensa. Quando voltei duas horas depois estava toda a malta na galhofa em frente a um écran gigante a ver o George e o Vlad (é assim que os amigos tratam o Putin) a dizerem que se amam. (...) Vocês devem ter notado que eu disse que a malta estava em frente a um écran. Isto em grande parte funciona assim. A malta no centro de imprensa vê as notícias no écran da televisão (como vocês) e depois escreve as notícias sobre as coisas que vocês já viram em directo. (...) Ah! Já me esquecia que ontem fui a uma conferência de imprensa de activistas de causas africanas. Fiquei a saber que o aquecimento global é que causa cheias em Moçambique. Segundo um dos gajos que falou na conferência de imprensa (um nigeriano com uma impecável pronuncia britânica) os países da brancalhada deveriam pagar aos países africanos pelo aquecimento global. “E isso para além do dinheiro já prometido,” disse ele. Ninguém se riu o que eu achei estranho. A brancalhada continuou toda a escrever nos cadernos de notas, todos muito sérios. Eu estava à espera que o nigeriano dissesse:"estava só a gozar", mas não. Aparentemente estava a falar a sério. Quando eu lhe disse que cheias em Moçambique acontecem desde o tempo do antes da Outra Senhora, ele disse me que agora ocorrem com mais frequência e afectam mais pessoas. Ninguém se riu, vejam lá! (...) Até breve Do local da conferência dos oito governadores» («Da conferência dos Oito Governadores», no 2+2=5.)
  2. «Primeiro, o Ludwig defende que merece consideração ética todo aquele que sente, tendo como premissa um sistema nervoso baseado no córtex cerebral dos vertebrados. Ora, esse princípio parece-me tão válido como qualquer outro. Porque não basear-nos num princípio que exclui, por exemplo, as espécies não sociais, uma vez que as consequências da morte de um indivíduo se repercutiriam menos na vida dos outros da mesma espécie? Nesse caso, a formiga teria direito a muito mais consideração ética que um urso polar, por exemplo. Este princípio do sentir torna-se claramente mais duvidoso quando o Ludwig responde que o doente comatoso irreversível não merece qualquer consideração ética! Quero acreditar que o Ludwig após uma mais ponderada análise irá mudar de opinião. A humanidade é composta por um elevado número de factores, não apenas pela eficiência do seu sistema nervoso. (...) Em segundo lugar, o Ludwig defende que o erro é usar a tal regra de ouro de não fazer aos outros o que não queremos que nos façam e que, em vez dessa regra, o correcto é não lhes fazer aquilo que eles não gostam. Estou completamente de acordo até aqui. O problema é quando o Ludwig se acha no direito de saber o que os outros gostam ou deixam de gostar.» («Ética com estética», no Penso, logo sou ateu.)

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Governing Elite

Por Bill Hicks. Aqui. Vale a pena ouvir (1 minuto e 6 segundos). :-)

Os media e a “violência” dos “anarquistas”

Talvez por viver nos EUA num período particularmente infeliz da sua história – já se fala deste presidente como o pior de sempre: poluição, inflação, desemprego, concentração escandalosa da riqueza, aumento do número de pobres, atropelos à constituição, mentiras, invasões ilegais, tortura, incompetência, etc. – eu me tenha tornado tão cínico.

Mas acho que basta dar uma vista de olhos pelo site Media Matters” para se ter uma ideia sobre o que são os media hoje: uma máquina de propaganda das empresas que mandam no mundo.

Há muito que os políticos deixaram de contar. As pessoas sabem que o Belmiro manda muito mais que o Sócrates e não são as lamúrias ocasionais dos políticos que nos vão convencer a levá-los a sério. (ver, por exemplo o artigo de 1992 "Jihad vs. McWorld").

As polícias? Trabalham para os ministros, que trabalham para quem lhes paga as eleições e as férias, e lhes emprega os filhos e as noras: as empresas.

Neste contexto não compreendo que as pessoas embarquem na história da conspiração nihilista para destruir a ordem democrática, cada vez que os representantes dos 0,1% mais ricos do planeta se reunem para conspirar a sério contra nós, planear como é que nos vão roubar as pensões de reforma, a educação dos nossos filhos, o ambiente e a paz.

Claro que há-de haver sempre idiotas que aproveitam para vandalizar paredes e partir uma montra ou duas, mas idiotas há em todos os movimentos, políticos e apolíticos.

A história dos “anarquistas” é uma invenção. Como a história dos bébés no chão das enfermarias, no Koweit, ou a história das WMDs no Iraque, ou a história do salvamento da menina Jessica Lynch, ou da morte heróica do cabo Pat Tillman no Afeganistão, ou a crise da segurança social numa Europa 5 vezes mais rica do que era no tempo em a segurança social foi criada...

Acreditar que os 0.1% mais ricos do mundo não estão organizados para defender o que possuem com os meios que têm é quase infantil.

Em 2005 escrevi isto no meu blog sobre o memorando de Lewis Powell (1970):

Há muitos anos – nos anos 80 – ouvi Gore Vidal referir pela primeira vez este memorando e as consequências que ele trouxe para a ordem económica e política mundial.

Perante a revolta geral contra o capitalismo selvagem da Guerra Fria e os crimes perpetrados pelo governo americano em defesa dos interesses das grandes empresas na América Latina, a guerra do Vietnam, etc., a direita percebeu que a guerra ideológica podia estar perdida. Lewis Powell escreveu isto em 1970:

“The most disquieting voices joining the chorus of criticism come from perfectly respectable elements of society: from the college campus, the pulpit, the media, the intellectual and literary journals, the arts and sciences, and from politicians.”

Perante esta situação de descrédito geral da direita e do sistema capitalista o Juiz do Supremo Lewis Powell avançou propostas muito concretas no célebre memorando:

“Business pays hundreds of millions of dollars to the media for advertisements. Most of this supports specific products; much of it supports institutional image making; and some fraction of it does support the system. But the latter has been more or less tangential, and rarely part of a sustained, major effort to inform and enlighten the American people.”

ou

“Under our constitutional system, especially with an activist-minded Supreme Court, the judiciary may be the most important instrument for social, economic and political change.”

Vale a pena ler. E vale a pena ler o balanço feito 35 anos depois por George Lakoff da Universidade de Berkeley.

A resposta da direita foi incrivelmente eficaz: criaram-se fundações para financiar posições específicas para professores de direita nas melhores universidades, para financiar “think tanks” e especialistas de marketing, para financiar campanhas publicitárias, editoras, rádios, jornais e televisões. Pouco a pouco, utilizando técnicas de propaganda milenárias (repetição, “framing”, etc.), a direita foi acusando os campus universitários, as editoras, os jornalistas e os políticos de simpatias esquerdistas inaceitáveis e conquistando posições, uma após outra. Enquanto que o número de professores universitários de esquerda se mantem firme fora das escolas de economia e gestão, o número de jornalistas com cursos superiores diminuiu constantemete desde os anos setenta até hoje. Hoje seria impensável um escândalo como o de Watergate. Em vez disso, entre 1996 e 2000, assistimos ao escândalo inaudito da perseguição dos media ao presidente Clinton.

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Há 100 anos, em Portugal, ia-se para a prisão por escrever sobre religião

No Almanaque Republicano:

  • «1906 [Dia 29 de Maio] - O professor Carlos Cruz, secretário da Associação do Registo Civil sai da cadeia, indultado pelo governo de João Franco. Este cidadão encontrava-se preso por ofensas à religião e tinha sido condenado a vinte meses de cadeia

Conforme já referido pelo mesmo Almanaque Republicano (noutra nota), o livre pensador Carlos Cruz cumpriu setenta e oito dias de prisão por ter criticado publicamente, por escrito, o «Dogma da Imaculada Concepção de Maria» (segundo o qual os avós do JC não cometeram «pecado» - seja lá isso o que for - ao conceberem a mãe do próprio JC, a qual mais tarde teria engravidado sem sexo, etc.).

Os clericais tentam-nos convencer dia-sim/dia-sim de que os republicanos tentaram implantar em Portugal um regime de ateísmo de Estado horrorosamente repressivo. É necessário recordar-lhes continuamente que a liberdade em matéria religiosa não serve apenas para afirmar dogmas; também existe para criticar esses dogmas. E, como se vê, não é necessário recuar até à inquisição para encontrar casos de perseguições a livre pensadores. Pelo contrário, não conheço um único caso de um católico preso durante a «pavorosa» República por afirmar este ou outro qualquer dogma católico em público...

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

terça-feira, 5 de junho de 2007

Dar mau nome ao anarquismo

  • «Milhares de militantes altermundialistas manifestaram-se em Rostock, a cidade alemã mais próxima do local onde decorrerá, a meio da semana, a cimeira do G8. Pedras, garrafas e paus, de um lado, e granadas de gás lacrimogénio, do outro, marcaram os primeiros confrontos com a Polícia, fora do cerrado dispositivo de segurança que envolve a estância balnear de Heiligendamm, onde serão recebidos os líderes dos oito países mais industrializados do Planeta. (...) Uma porta-voz da Polícia descreveu os incidentes como resultantes do "ataque em massa" por banda dos manifestantes, embora a generalidade das fontes note que apenas uma pequena porção dos manifestantes terá provocado as autoridades. Mais de 160 grupos antiglobalização, de Esquerda, de estudantes ou de anarquistas participaram na marcha de ontem, que atravessou o centro da cidade em direcção ao porto, zona onde a maior parte dos activistas montou acampamento. De acordo com a Polícia, havia entre os manifestantes cerca de dois mil membros, encapuzados, do "Schwarzer Block" (Bloco Negro), grupo anarquista radical que procura sempre o confronto com as autoridades.» (Jornal de Notícias)
Sendo legítimo (e até desejável) protestar contra a «privatização» das mais importantes decisões mundiais por um grupo que reune à porta fechada (o que aconteceu à ONU?), os métodos escolhidos por alguns destes manifestantes prejudicam o movimento por outra globalização na sua globalidade e, mesmo que o não prejudicassem, são contraproducentes. Prejudicam porque roubam o espaço a discursos mais inteligíveis, e porque associam à violência um movimento que não tem necessidade dela. E são contraproducentes porque procuram que a violência estatal confirme que o Estado é repressivo, para gerar mais revolta e mais violência, e depois mais repressão para voltarem ao ponto de partida. No fundo, o que esta gente faz, de capuz na cabeça e de pedras na mão, é dar mau nome ao anarquismo (e à esquerda).