sábado, 31 de dezembro de 2005

O comentário do ano

O comentário mais eloquente feito neste blogue, em 2005, foi registado no dia 21 de Dezembro:
  • «Anonymous said...
    Ó pá, tanto atraso mental devia pagar imposto.
    Quarta-feira, Dezembro 21, 2005 5:21:48 PM»
O artigo que assim se comentava, usando o coloquial «Ó pá» e uma expressão vulgar muito popular, mas ao mesmo tempo insistindo numa pontuação correcta e na maiúscula no início da frase, era sobre o debate Soares-Cavaco. Eu não escrevera nada de muito inspirado, mas um indivíduo chamado João Caetano Dias deve ter ficado irritado com as minhas banalidades, pois açulou uma matilha de cães na minha direcção, os quais se divertiram a emporcalhar a minha caixa de comentários.
Peço ao João Caetano Dias que enderece ao cavaquista anónimo autor do comentário acima reproduzido os meus desejos de feliz ano novo, já que o autor dessa intervenção tão brilhante decidiu, num acto que demonstra o carácter que tem, não o assinar.
Desejo um feliz ano novo a todos, aos que reagem a gritos tribais e aos que nem por isso.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2005

terça-feira, 27 de dezembro de 2005

Mais Cavaco, mais instabilidade

O melhor da entrevista de Cavaco Silva ao Jornal de Notícias:
  • A mentirinha inocente sobre a decisão de se candidatar: «Foi um mergulho súbito para o que, confesso, não estava lá muito bem preparado. (...) Foi um mergulho sem preparação
  • A promessa de ser implacável com Sócrates: «A primeira tarefa que gostaria de realizar era uma conversa longa com o primeiro-ministro.»
  • A ameaça de modificar o regime na sua vertente simbólica: «A primeira cerimónia a que o próximo presidente vai presidir será a comemoração do 25 de Abril. O que diria para lembrar essa data?-Ainda não pensei nisso. No passado, assisti a discussões e até a desejos de se modificar a cerimónia do 25 de Abril».
  • O desejo de mandar em todos os sectores da política económica, até aos mais ínfimos detalhes: «Vai usar até à exaustão o poder da palavra?-Ai isso vou. Vou falar. Uma palavra-chave para mim é cooperação. Há aí candidatos que estão nervosos por eu dizer que vou cooperar com o Governo, mas até digo mais, alargarei esses estímulos e contactos à sociedade. Por exemplo, preocupam-me muito os nossos têxteis e calçado. Tenho dito, e continuarei a dizer que é uma ilusão pensar em substituir, de um momento para o outro, os têxteis por indústrias tecnologicamente avançadas. Este sector tem de ser apoiado na direcção da qualidade, na marca».
  • A vontade de desenhar o organigrama do Governo: «Podia existir um responsável do Governo que fizesse a lista de todas as empresas estrangeiras em Portugal e, de vez em quando, fosse falar com cada uma delas para tentar indagar sobre problemas com que se deparam e para antecipar algum desejo dessas empresas se irem embora, para assim o Governo tentar ajudá-las a inverter essas motivações. Tem de ser um acompanhamento com algum pormenor que deveria ser feito por um secretário de Estado especialmente dedicado a essa tarefa.
    Vai propor isso ao Governo?-Já o estou a propor aqui
  • A interpretação maximalista dos poderes presidenciais, exigindo poderes legislativos para o Presidente: «Admite sugerir legislação ao primeiro-ministro?-Nas conversações com o primeiro-ministro, se entender que existe um domínio que carece de uma lei ou que tem legislação em excesso posso trocar impressões com ele. (...) O presidente pode sugerir intervenção legislativa nalgumas áreas

sábado, 24 de dezembro de 2005

Definição minimal de terrorismo

Terrorismo: o uso, por grupos não governamentais, de meios violentos para atingir fins com os quais não simpatizamos.

Exemplos:
  1. Em 1998, o Departamento de Estado dos EUA considerava o UÇK albanês um grupo terrorista, e poucos meses depois apoiou-o militarmente;
  2. A UNITA de Savimbi era considerada terrorista pela «esquerda» (com a excepção da família Soares) enquanto Reagan lhes chamava «combatentes pela liberdade»;
  3. Ribeiro e Castro considera a Al-Qaeda terrorista, mas é melhor ninguém lhe perguntar se teve ou tem a mesma opinião sobre o MDLP.
Conclusão: os meus terroristas são os vossos «combatentes pela liberdade».

sexta-feira, 23 de dezembro de 2005

Os sarilhos que Cavaco promete

Na sua entrevista à Atlântico, Cavaco Silva define o seu programa da forma seguinte:

  • «Eu defini seis grandes ambições. A melhoria da qualidade da nossa democracia, onde incluo também o funcionamento do sistema de justiça, a administração pública, as forças de segurança e até uma comunicação social livre, autónoma, responsável, e uma sociedade civil também autónoma e também com uma cultura ética. Depois, uma segunda ambição que consiste em reencontrar o caminho de aproximação ao nível de desenvolvimento médio da UE e da Espanha. Uma terceira, que é o aumento da qualificação dos recursos humanos, um problema que na minha opinião justifica uma mobilização quase geral dos órgãos de soberania, incluindo o Presidente da República, para tentar corrigir uma situação que é grave. Uma outra que implica a correcção do desordenamento do território, o desenvolvimento cultural, a melhoria da qualidade ambiental. As restantes são a construção de uma sociedade mais justa e mais solidária e tornar Portugal um protagonista activo e credível na cena internacional.»

Tudo isto é tão vago que poderia ser subscrito por qualquer um dos outros candidatos, incluindo Manuela Magno e até Jerónimo de Sousa. O problema está naquilo que se vai compreendendo, no resto da entrevista, sobre o modo de actuar que Cavaco se imagina.

  • «Ninguém pense que sem confiança o investimento vai ser feito, ou que os empregos vão ser criados, ou que sem confiança os capitais ficam aqui, ou que os talentos são suficientemente bem aproveitados. Eu acho que o Presidente da República pode desempenhar aqui um papel como factor de confiança e factor de credibilidade

Em primeiro lugar há isto: a ideia de que basta Cavaco ser Presidente para a «confiança» por ele irradiada gerar crescimento económico. Se algum político de esquerda dissesse que a mera «confiança» que a sua pessoa supostamente transmite é suficiente para atrair investimento ou criar emprego (já agora, para deter as marés...), seria ridicularizado, sem piedade mas merecidamente, pelos «liberais» da blogo-esfera e arredores. Sendo Cavaco o candidato mais à direita, terá que ser a esquerda a explicar o óbvio: que não basta uma pessoa ter confiança em si própria para os outros terem confiança nela, e que nenhum dos poderes do Presidente lhe permite, directamente, criar emprego ou impedir a fuga de capitais. Mas o que me deixa apreensivo são coisas destas:

  • «Acho, por experiência própria, que as reuniões entre o Presidente da República e o primeiro-ministro têm uma grande importância. E se o Presidente da República estiver bem preparado então estou certo de que o primeiro-ministro chegará lá também bem preparado, para tratar das matérias em profundidade

Traduzindo: o Presidente Cavaco entenderá as reuniões com o Primeiro Ministro como um exame universitário em que ele será o Professor e Sócrates o aluno? É que juntando isto com a célebre defesa de que «os mesmos dados levam às mesmas conclusões» (que só estaria certa se a política fosse a Física ou a Biologia), fica-se com a suspeita de que Cavaco ambiciona governar a partir de Belém por interposto Primeiro Ministro. O que promete sarilhos (conflitos e instabilidade)...

O Presidente tem poderes que são essencialmente «negativos»: vetar leis, demitir o Governo, dissolver a Assembleia da República, etc.; tem poderes propositivos praticamente nulos: enviar mensagens à Assembleia da República, organizar colóquios... Como poderia Cavaco relançar a economia e o emprego (e é isso que ele promete) com estes poderes?

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

Citações republicanas (4): Pierre Mendès-France

«La République doit se construire sans cesse car nous la concevons éternellement révolutionnaire, à l’encontre de l’inégalité, de l’oppression, de la misère, de la routine, des préjugés, éternellement inachevée tant qu’il reste des progrès à accomplir.»

quarta-feira, 21 de dezembro de 2005

Christopher Hitchens: «The horrors of December in a one-party state»

«I used to harbor the quiet but fierce ambition to write just one definitive, annihilating anti-Christmas column and then find an editor sufficiently indulgent to run it every December.
(...)
What I have always hated about the month of December: the atmosphere of a one-party state. On all media and in all newspapers, endless invocations of the same repetitive theme. In all public places, from train stations to department stores, an insistent din of identical propaganda and identical music. The collectivization of gaiety and the compulsory infliction of joy. Time wasted on foolishness at one's children's schools. Vapid ecumenical messages from the president, who has more pressing things to do and who is constitutionally required to avoid any religious endorsements.
And yet none of this party-line unanimity is enough for the party's true hard-liners. The slogans must be exactly right. No "Happy Holidays" or even "Cool Yule" or a cheery Dickensian "Compliments of the season." No, all banners and chants must be specifically designated in honor of the birth of the Dear Leader and the authority of the Great Leader. By chance, the New York Times on Dec. 19 ran a story about the difficulties encountered by Christian missionaries working among North Korean defectors, including a certain Mr. Park. One missionary was quoted as saying ruefully that "he knew he had not won over Mr. Park. He knew that Christianity reminded Mr. Park, as well as other defectors, of 'North Korean ideology.' " An interesting admission, if a bit of a stretch. Let's just say that the birth of the Dear Leader is indeed celebrated as a miraculous one—accompanied, among other things, by heavenly portents and by birds singing in Korean—and that compulsory worship and compulsory adoration can indeed become a touch wearying to the spirit.
(...)
There are millions of well-appointed buildings all across the United States, most of them tax-exempt and some of them receiving state subventions, where anyone can go at any time and celebrate miraculous births and pregnant virgins all day and all night if they so desire. These places are known as "churches," and they can also force passersby to look at the displays and billboards they erect and to give ear to the bells that they ring. In addition, they can count on numberless radio and TV stations to beam their stuff all through the ether. If this is not sufficient, then god damn them. God damn them everyone.»
(Christopher Hitchens na Slate; ler na íntegra.)

O ponto de viragem?

Ou muito me engano, ou o debate de ontem foi um ponto de viragem na campanha eleitoral. Durante toda a primeira parte, Soares encostou Cavaco a um canto e sovou-o metodicamente. Durante a segunda parte, Cavaco conseguiu descomprimir os músculos faciais, mas duvido que lhe tenha servido de muito.
Mas na verdade, de política concreta pouco se ouviu ontem. O que se viu foi o esforço (inglório?) de Soares para acordar toda a gente berrando (e com uma energia surpreendente para a idade que tem) que a função presidencial não consiste em ser um super-ministro da economia ou um consultor de finanças com poderes executivos. Porque realmente ninguém, até agora, se dera ao trabalho de desmontar as promessas incumpríveis que Cavaco assina implicitamente quando fala em «difundir uma cultura de mérito e exigência» ou em ser o «irradiador da confiança e da competência». Um Presidente só tem uma ou duas formas de intervir: os discursos presidenciais (e Cavaco até reconhece pressurosamente que não é muito dotado para a fala e para a escrita...) e os congressos e seminários (que se arriscam a ser entendidos como acções de oposição aberta ao governo). Influir decisivamente no desenvolvimento do país ou nas minudências sectoriais está para além dos poderes do Presidente da República, e Cavaco tem feito de conta que não o sabe. Soares tentou explicar isto. Se teve ou não sucesso, ver-se-á nos próximos dias.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2005

American heroes (5.1): Robert Green Ingersoll

«A fact never went into partnership with a miracle. Truth scorns the assistance of wonders. A fact will fit every other fact in the universe, and that is how you can tell whether it is or is not a fact. A lie will not fit anything except another lie.»

(Robert Green Ingersoll)

Citações republicanas (3): Jean Jaurés

«La République c'est le droit de tout homme, quelle que soit sa croyance religieuse, à avoir sa part de la souveraineté
(Jean Jaurés, 1859-1914)

sábado, 17 de dezembro de 2005

American heroes (5): Robert Green Ingersoll

«They knew that to put God in the Constitution was to put man out. They knew that the recognition of a Deity would be seized upon by fanatics and zealots as a pretext for destroying the liberty of thought. They knew the terrible history of the church too well to place in her keeping, or in the keeping of her God, the sacred rights of man. They intended that all should have the right to worship, or not to worship; that our laws should make no distinction on account of creed. They intended to found and frame a government for man, and for man alone. They wished to preserve individuality of all; to prevent the few from governing the many, and the many form persecuting and destroying the few.»

(Robert Green Ingersoll, 1833-1899; conhecido como «o Grande Agnóstico», Ingersoll foi durante toda a vida um defensor do laicismo, da liberdade de expressão, do direito de voto das mulheres e do fim da escravatura.)

quinta-feira, 15 de dezembro de 2005

Citações republicanas (2): Albert Camus

«La démocratie, ce n'est pas la loi de la majorité, mais la protection de la minorité

(Albert Camus, 1913-1960; Carnets.)

quarta-feira, 14 de dezembro de 2005

Regresso à Pátria

Manuel Alegre usa a palavra pátria. Não me incomoda nada, porque percebo que se refere a uma comunidade de Direito, valores cívicos e interesses, historicamente consolidada, e inclusiva (ver a defesa que faz de uma lei da nacionalidade baseada no direito de solo). Aborrece-me mais o europeísmo de outros candidatos, porque (esse sim) é provinciano (imagina que lá fora tudo é melhor), ingénuo (não vê que a UE não é o fim da história) e incondicional (apoia o projecto europeu quer este seja laico ou confessional, democrático ou não).
O posicionamento desempoeirado e descomplexado de Manuel Alegre na política internacional (e é isso que a política europeia continua a ser) constitui uma grande novidade desta campanha e permanece uma das melhores razões para votar nele. Mas gostaria de ver um pouco mais de ousadia e ambição...

terça-feira, 13 de dezembro de 2005

Citações republicanas (1): Leon Gambetta


«Ce qui constitue la vraie démocratie, ce n'est pas de reconnaître des égaux, mais d'en faire
(Leon Gambetta, 1838-1882; avisam-se os leitores de que este blogue será ainda mais aborrecido daqui em diante...)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2005

sexta-feira, 9 de dezembro de 2005

American heroes (3.1): Thomas Paine

«It is for the good of nations and not for the emolument or aggrandisement of particular individuals, that government ought to be established, and that mankind are at the expense of supporting it. The defects of every government and constitution both as to principle and form, must, on a parity of reasoning, be as open to discussion as the defects of a law, and it is a duty which every man owes to society to point them out. When those defects, and the means of remedying them, are generally seen by a nation, that nation will reform its government or its constitution in the one case, as the government repealed or reformed the law in the other. The operation of government is restricted to the making and the administering of laws; but it is to a nation that the right of forming or reforming, generating or regenerating constitutions and governments belong; and consequently those subjects, as subjects of investigation, are always before a country as a matter of right, and cannot, without invading the general rights of that country, be made subjects for prosecution. On this ground I will meet Mr. Burke whenever he please.»
(Thomas Paine, no Prefácio de The Rights of Man, 1792.)

quarta-feira, 7 de dezembro de 2005

American heroes (2.1): James Madison

«If we resort for a criterion to the different principles on which different forms of government are established, we may define a republic to be, or at least may bestow that name on, a government which derives all its powers directly or indirectly from the great body of the people, and is administered by persons holding their offices during pleasure, for a limited period, or during good behavior. It is essential to such a government that it be derived from the great body of the society, not from an inconsiderable proportion, or a favored class of it; otherwise a handful of tyrannical nobles, exercising their oppressions by a delegation of their powers, might aspire to the rank of republicans, and claim for their government the honorable title of republic. It is sufficient for such a government that the persons administering it be appointed, either directly or indirectly, by the people; and that they hold their appointments by either of the tenures just specified; otherwise every government in the United States, as well as every other popular government that has been or can be well organized or well executed, would be degraded from the republican character
(James Madison no Federalist Papers nº39, 1788.)

terça-feira, 6 de dezembro de 2005

Revista de blogues (6/12/2005)

  1. «O bispo de Coimbra», por Carlos Esperança, no Ponte Europa.
  2. «Laicidade», por aaa, no Sopa de Nabos.
  3. «A Sopa», por Miguel Vale de Almeida, n´Os Tempos que Correm.
  4. «A cruz na parede», por José Vítor Malheiros, no Selecção de Crónicas de Imprensa.