terça-feira, 29 de março de 2011

Uma terra sem senhorios

Posso estar plenamente de acordo com as premissas e deduções lógicas do texto do Miguel, que na maior parte das vezes são indiscutíveis. Não estou é minimamente de acordo com o que o Miguel considera “interessante” ou “desastroso”, avaliações subjetivas e necessariamente morais.
Começo por esclarecer o que defendo sobre o assunto: compreendo a necessidade de um mercado de arrendamento de casa: ninguém sai de casa dos pais, seja para estudar ou trabalhar, para ir viver para uma casa própria (a não ser que os pais sejam senhorios e tenham alguma casa vaga). Tal como um namoro não tem que dar em casamento, e um primeiro emprego não tem que ser com um contrato sem termo (é legítimo e lógico um período de teste e adaptação), pelas mesmas razões uma primeira casa não deve ser definitiva, pelo que o arrendamento é a opção mais sensata. Mas considero que, tal como o emprego estável, a habitação própria é uma aspiração legítima. (E uma coisa não pode ser vista sem a outra: quem fala em liberalizar as rendas é exatamente quem fala em liberalizar os despedimentos. A agenda é a mesma.)
No prédio onde vivo, a construtora decidiu pôr alguns apartamentos à venda e manter sob sua posse outros, para alugar. Nas reuniões de condomínio a construtora comporta-se como “acionista maioritário” e basicamente faz o que quer: gere o prédio como se fosse seu (e é em grande parte), pois é do seu interesse manter uma boa reputação sobre os prédios que constrói. Da minha experiência, este esquema funciona bastante bem. Conheço outros casos semelhantes noutras cidades.
Bem diferente é aquilo de que o Miguel fala: “investir em habitação para arrendar por parte dos possíveis proprietários.” Quem compra uma casa somente com a intenção de a arrendar não está verdadeiramente interessado nela, pelo que não fará a melhor manutenção: está somente interessado nas rendas ao fim do mês. (E não me venham com a história das “rendas baratas” que não permitem obras de conservação: nas casas mais recentes e com renda mais alta a situação é a mesma – mais abaixo voltarei a este assunto.) Direi mais: quem compra uma casa (no passado era frequente ver-se prédios inteiros a serem assim comprados pela mesma pessoa – e é esta a situação da maior parte das casas antigas que o Miguel refere) somente com a intenção de a arrendar opta por uma renda segura, sem grande responsabilidade e sem nenhum esforço. Esse seu rendimento resulta somente das suas posses e em nada do seu trabalho (é análogo a um rendimento especulativo) – quem assim procede só está a criar riqueza para si e não está a beneficiar minimamente a sociedade. Embora estejam longe de serem os meus modelos, tenho mais respeito por empresários como Belmiro de Azevedo ou Américo Amorim que por estes senhorios, que nem sequer a casa construíram. A senhorios deste tipo o presidente da Câmara Municipal de Lisboa chamou, a meu ver com toda a legitimidade, “parasitas”.
Voltando ao texto do Miguel, ele lamenta que “deixou de haver interesse em investir em habitação para arrendar por parte dos possíveis proprietários.” Pelo que eu acima expliquei, acrescento: ainda bem que deixou de haver tal interesse, que constituía o legitimar, e mesmo o perpetuar, de uma situação de gritante desigualdade social.
No ponto 3, o Miguel refere que “os centros das cidades esvaziaram-se, criando enormes problemas de ordenamento de território: os transportes públicos não estão onde as pessoas estão”. Não sei o que é que uma coisa tem a ver com a outra (ponha-se transportes públicos onde as pessoas vivem e onde vão trabalhar e passear). Da minha parte não me repugna mesmo nada que não haja muita gente a viver nos centros das cidades, se tal corresponder à geografia e planeamento das cidades americanas: nos centros há sobretudo negócios e lazer, e não é por isso que deixam de estar cheios. Viver no centro é um privilégio; eu não gosto nada de privilegiados (coisas de um gajo de esquerda), pelo que a solução mais fácil seria ninguém viver no centro e não havia privilégios para ninguém (pragmatismo americano). Mesmo assim reconheço que há casas nos centros das cidades, e há pessoas que legitimamente querem lá morar. Em qualquer cidade do mundo, viver no centro é mais caro (o “caro” aqui é relativo e depende da cidade, como é óbvio). O que me leva ao ponto “2” do texto do Miguel e aos “coitadinhos” dos “proprietários sem fundos.” No mesmo ponto o Miguel reconhece candidamente que “os proprietários deixaram de ter interesse em renovar as habitações,” dando-me razão quando atrás afirmei que quem compra uma casa somente com a intenção de a arrendar não está verdadeiramente interessado nela, pelo que não fará a melhor manutenção. E dando razão a António Costa pelo que chamou a este tipo de senhorios. Pois bem: ninguém é pobre se for proprietário de um imóvel no centro de uma cidade. Se apesar de tudo não conseguem ou não estão mesmo interessados em fazerem obras de manutenção, que tal se estes senhorios, ao invés de contarem com um aumento de rendas que lhes permita aumentarem a conta bancária sem nenhum esforço, pusessem as suas propriedades à venda? Nos centros das cidades, interessados é que não faltarão. Mas os senhorios sentem-se bem no seu papel e preferem esperar pelo governo que liberalize as rendas. Desde que até lá a casa não caia.

Finalmente, uma atenção especial vai para a frase do Miguel sobre “a crítica a esta política ser hoje consensual”. Deve ser o mesmo consenso das agências de rating… Tem que haver vida para além disso.

24 comentários :

João Vasco disse...

«Esse seu rendimento resulta somente das suas posses e em nada do seu trabalho (é análogo a um rendimento especulativo) – quem assim procede só está a criar riqueza para si e não está a beneficiar minimamente a sociedade.»

Isto parece-me falso a dois níveis.

O primeiro é que abdicar de usufruir da riqueza agora para benefiar dela no futuro é um sacrifício, e esse sacrifício deve ser recompensado, numa economia de mercado, da mesma maneira que os outros sacrifícios: através de trocas voluntárias. Se alguém der bastante por esse sacrifício, não existe nada de imoral em aceitar a oferta. Quem a fez é dela beneficiado, ou não a faria.

Há excepções, mas não vejo que esta seja uma delas.

Na verdade, quem compra uma casa com o objectivo de a arrendar está além do mais a correr um risco.


Na verdade, existem casas abandonadas que não estão a ser arrendadas. O dono não quer correr riscos, prefere o dinheiro de imediato e esperar pela oferta que nunca mais chega. Ou esperar que o terreno valorize indefinidamente, e isso sim não beneficia ninguém.

Quem compre estas casas, colocando-as no mercado de arrendamento, presta um serviço válido. Ele abdica do usufruto imediato da sua riqueza, assume riscos e tem chatices. Se ganham muito dinheiro face ao esforço e riscos, é porque há falta de casas no mercado de arrendamento e mais gente devia fazer o mesmo, aumentando a concorrência e fazendo descer os preços de arrendamento, seria uma melhor alocação dos recursos, e beneficiaria potenciais arrendatários.

E agora para algo con pateta mente diferencial disse...

No prédio onde não vivo
Nas reuniões de condomínio os velhotes que detêm os apartamentos comportam-se como “acionista maioritário” e basicamente faz o que quer: gere o prédio como se fosse seu (e é em grande parte)
Uma empregada de limpeza extra para lhes limpar as casas
uma fotocopiadora e um computador para o condomínio
internet paga pelos condóminos residentes ou não

logo alugar tornou-se um risco e ser proprietário também

um elevador novo pode atingir os 30 mil euros
a 20 proprietários dá 1500 a cada um
pintar o dito cujo barato 8000euros
400 a cada um

algeroz novo 1300 euros
reparação do telhado com infiltrações devido às chuvas de Março
2800 euros + 20% se for com factura



pois é do seu interesse manter uma boa reputação sobre os prédios que constrói.

obviamente há toda a vantagem quando o proprietário é uma corporação com fundos

Quem compra uma casa somente com a intenção de a arrendar
é parvo
uma casa em 2ªmão com 30 ou 40 anos por 50mil euros
teoricamente poderia render nas cercanias de Lisboa 5000 euros por ano

mas os impostos e o condomínio tiram 35 a 50%
250 a 300 de IMI mais imposto sobre a renda 1250 euros a 1500

mais 20 a 35 de condomínio por mês

sobram

2500 por 50mil são 5%
aparentemente seria bueno

mas já se alugam casas em rio-de-mouro por 300 a 350 ao mês
e a tendência

um cano roto com substituição de canalização 1000 a 1500 euros
com a repavimentação

pintura de paredes
substituição de tacos
etc

o inquilino também não se preocupa com a destruição do habitáculo


não está verdadeiramente interessado nela?
2ª habitação emigrantes

trabalhadores ocasionais no turismo de verão
aqui no prédio são 8 em 20
obviamente absentistas
logo 4 indivíduos controlam todo o prédio
9 andares mais um sobre-loja loja
desocupada durante 12 anos
e com 3500 euros de condomínio em atraso
e incobráveis

E não me venham com a história das “rendas baratas” um dos emigrantes tem uma casa alugada a um dono de uma tipografia há 32 anos

o indivíduo paga 37 euros e 50 cêntimos

pagava 2 contos quando a alugou logo a renda teve um incremento
de 300 e tal por %
e o gajo já foi duas vezes a tribunal

pelo inquilino
cá o condomínio não tem carcanhol

e só pagou 50% dos arranjos totais
uns 4000 euros elevador incluido
que o tipógrafo vive acima do chão

até chorou esse latifundiário que trabalha na renault
o tipógrafo nã sei se é CDS ou CDU
mas trabalha pra todos

e com ele ninguém faz farinha



Direi mesmo mais: quem compra uma casa (no passado era frequente ver(em)-se prédios inteiros a serem assim comprados pela mesma pessoa

para os vender por fracções geralmente

opta por uma renda segura, sem grande responsabilidade e sem nenhum esforço....o outro que alugou a casa a uns moldavos brasileiros
é uma nova etnia

fez cá um esforço para os meter fora por causa das rendas em atraso

mas felizmente 8 meses depois inda cá tão

são boa gente

de vez em quando assaltam umas coisas mas aqui damo-nos muito bem

e os cafés da zona agradecem

Ricardo Alves disse...

Filipe,
começo pelo título: «uma terra sem senhorios» é uma utopia. E não sei se seria das boas.

Vejamos. Há pessoas que têm dinheiro. Ou porque amealham o dinheiro que lhes sobra ao fim do mês, ou porque herdaram. Têm várias opções:

a) Meter o dinheiro no banco ou especular na bolsa;

b) Comprar casas ou terrenos;

c) Comprar bens de luxo;

d) Fundar empresas ou ser sócio delas;

e) Meter o dinheiro debaixo do colchão.

Como sei que és, em menor ou maior grau, contra a), b) c) e d), pressuponho que a única alternativa que toleres seja e). O que levanta o problema, por exemplo, de alguém que tenha casa própria e que herde outra por morte dos pais. Defendes que sejam obrigados a vendê-la, ou só proibidos de arrendá-la?

Até na URSS se sub-alugavam quartos em casas...

Passando à liberalização das rendas: não são os mesmos que defendem a liberalização dos despedimentos que defendem a liberalização destas. Porque são questões em que há mais e menos «liberalismo». E, no Portugal de 2011, eu acho que há «liberalismo» a mais nos despedimentos e a menos nas rendas.

Se é que são coisas comparáveis. Eu acho que não são. É que os contratos não passam de pais para filhos, e não são indexados à inflação durante um período de quase um século. Se fosse assim, eu ganharia o mesmo que o meu avô, actualizado pela inflação. O que felizmente não acontece. E, no mundo do trabalho, aceita-se, mal ou bem, o princípio de «salário igual para trabalho igual». No mundo das rendas, podes ter rendas de 50 e de 500 por apartamentos equivalentes no mesmo prédio. Imaginas-te a ganhar 10 vezes menos do que um colega de trabalho que faz o mesmo do que tu?

(E, se procurares bem, até deves ter casas em Alfama com rendas de 5 euros ao lado de prédios em que as rendas ultrapassam os 500. A justiça é um valor para ti?)

(continua)

Ricardo Alves disse...

O que eu defendo é que as rendas sejam actualizadas por escalões. Num ano que se torna urgente marcar, o Ano Zero da actualização das rendas, as de menos de 1 euro poderiam ser multiplicadas por 10, as entre 1 e 10 ser multiplicadas por 5, as entre 10 e 20 por 3, etc. A antiguidade também deveria ser considerada na actualização, com as rendas mais antigas a serem mais fortemente actualizadas.

E defendo isto por várias razões.

1) Porque é mais justo para todos.

2) Porque as rendas baixas estão a destruir os centros urbanos.

3) Porque as rendas para os jovens estão de facto inflacionadas.

Quanto aos centros das cidades, estás enganado. Nas capitais, todos querem viver no centro, que é geralmente caríssimo. Mas há cidades médias, por exemplo em Inglaterra, em que o centro é mais barato do que algumas zonas periféricas. Porque essas zonas são mais tranquilas, têm menos trânsito, melhores equipamentos, ou porque as pessoas preferem assim.

Finalmente, é óbvia a resposta a esta pergunta: «Se apesar de tudo não conseguem ou não estão mesmo interessados em fazerem obras de manutenção, que tal se estes senhorios, ao invés de contarem com um aumento de rendas que lhes permita aumentarem a conta bancária sem nenhum esforço, pusessem as suas propriedades à venda?». A resposta é que não vendem porque ninguém quer comprar casas que têm lá dentro inquilinos que pagam rendas irrisórias. Rendas baixas vitalícias também desvalorizam as casas.

Anónimo disse...

«Quem compra uma casa somente com a intenção de a arrendar não está verdadeiramente interessado nela, pelo que não fará a melhor manutenção: está somente interessado nas rendas ao fim do mês.»

Hã? Donde é que isto saiu?

dorean paxorales disse...

é que não encontro nada na posta em que possa concordar. eg, o planeamento proposto (à americana) é a forma mais degradante e discriminatória de vivência urbana possível.
mas isto são opiniões, vamos aos fatos: sou inquilino lisboeta, com renda atual de contrato novo, em prédio relativamente antigo, de ocupação mista e variada (proprietários e inquilinos de diferentes proprietários, também com rendas "novas"). o prédio está renovado e é bem tratado. quando, mal me mudei, deparei com um defeito *numa varanda*, o senhorio, particular, resolveu o problema numa semana.

não tenho estigma de não ser proprietário para o resto da vida nem intenção de baixar as calças a um gerente bancário. apesar de tudo, tenho noção que as rendas novas em lisboa são absurdas quando comparadas a outras capitais europeias, por vezes sem mesmo ser necessário ter em conta os maiores salários lá fora. talvez o monopólio do crédito à habitação tenha ali dedo metido.
o resto é conversa.

Filipe Moura disse...

Ricardo:

"Há pessoas que têm dinheiro."

Pois há, Ricardo. E há pessoas que não têm. Há pessoas que têm casa. E há pessoas que não têm. Tu estás preocupado com as que têm. Eu, com as que não têm. Voltando ao teu ponto:

"Há pessoas que têm dinheiro."

E que não sabem o que lhe hão-de fazer. E tu estás muito preocupado com elas.

Das cinco opções que pões para as pessoas "com dinheiro", eu afirmo explicitamente no texto que sou mais favorável a d) que a b) (e creio mesmo que um grave problema da nossa economia é haver pessoas a preferirem b) a d), o que revela uma notável falta de empreendedorismo). E não tenho nada contra o c) - redistribui a riqueza e estimula a economia.

"ninguém quer comprar casas que têm lá dentro inquilinos que pagam rendas irrisórias. Rendas baixas vitalícias também desvalorizam as casas."

Esse problema resolve-se com o tempo e com as leis da natureza(mas também não tenho nenhuma simpatia por quem passa uma vida inteira a alugar uma casa por uma renda baixa: não tenho simpatia por este sistema, nem por inquilinos nem por senhorios).

"E defendo isto por várias razões.

1) Porque é mais justo para todos.

2) Porque as rendas baixas estão a destruir os centros urbanos.

3) Porque as rendas para os jovens estão de facto inflacionadas."

1) Um sistem em que uns têm casa e outros não não é justo.

2) Refiro isso no meu texto.

3) Peçam aos "Deolinda" para escreverem uma canção sobre o assunto e façam uma manifestação.

"não tenho estigma de não ser proprietário para o resto da vida nem intenção de baixar as calças a um gerente bancário. (...) talvez o monopólio do crédito à habitação tenha ali dedo metido."

Dorean, a banca do povo, como queria o companheiro Vasco Gonçalves, resolvia este e outros problemas, como os que o Miguel refere no post seguinte dele.

Luís Lavoura disse...

"Quem compra uma casa somente com a intenção de a arrendar não está verdadeiramente interessado nela, pelo que não fará a melhor manutenção"

!!!

Então as pessoas compram a casa, investindo portanto nela uma data de dinheiro, depois arrendam-na e com isso tornam-na numa fonte de bom rendimento, e deixam o seu investimento e o seu ganha-pão degradar-se?

Ninguém racional faz isso, Filipe!

Qualquer pessoa que compra uma casa e a arrenda com bom lucro tem todo o interesse em que a casa, pelo menos, se mantenha em boas condições.

Aquilo que o Filipe está a afirmar é mais ou menos tão ridículo como dizer que as companhias de aluguer de automóveis não tratam bem dos carros que alugam.

Luís Lavoura disse...

"Esse seu rendimento resulta somente das suas posses e em nada do seu trabalho (é análogo a um rendimento especulativo) – quem assim procede só está a criar riqueza para si e não está a beneficiar minimamente a sociedade."

Trata-se de uma aplicação de uma poupança, exatamente como, por exemplo, um depósito a prazo num banco. Da mesma forma que os depósitos a prazo são benéficos para a sociedade, pois permitem que os bancos tenham capital para emprestar, também o arrendamento de casas é benéfico para a sociedade - pois que, tal como o próprio Filipe concede, há pessoas que querem alugar casa.

É tão ridículo condenar quem investe o seu capital numa casa para arrendar, como condenar quem o investe num depósito a prazo e depois fica a ver o dinheiro dos juros a cair, mês após mês, na sua conta à ordem.

Luís Lavoura disse...

"ponha-se transportes públicos onde as pessoas vivem"

Os transportes coletivos só são rentáveis onde há grandes concentrações de potenciais utilizadores. Se a população vive dispersa por grandes superfícies e por extensos subúrbios, transportes coletivos jamais são rentáveis. É precisamente isso que acontece em boa parte dos EUA. Não se pode pôr transportes públicos (rentáveis) onde quer que as pessoas vivam, tal como não se pode fornecer eletricidade (rentavelmente) a todos os montes isolados do Alentejo.

Luís Lavoura disse...

"que tal se estes senhorios pusessem as suas propriedades à venda?"

Muitos as porão se as puderem vender pelo preço de uma casa desocupada, isto é, sem inquilino.

Tal como o Filipe sabe, e por razões que são evidentes, uma casa com um inquilino vitalício lá dentro, o qual paga uma renda baixa, tem um preço muito inferior ao de uma casa desocupada.

Mas, se os inquilinos abandonarem a casa, ou se tiverem contratos de arrendamento apenas por um período de tempo limitado, de bom grado muitos senhorios venderão a casa - por um alto preço, evidentemente.

dorean paxorales disse...

Filipe,
eu não tenho qq problema. como se diz em engenharia, "se funciona, não tentes consertar".

Ricardo Alves disse...

Eu não estou preocupado com as pessoas que têm dinheiro. Simplesmente os teus argumentos parecem tender a querer ignorar que elas existem, e como vivem.

Quem trabalha diariamente vinte ou trinta anos e junta 30 mil contos para ter uma casa para alugar no Algarve dificilmente será um empresário a partir daí. E nem é porque estará em fim de vida - é porque já tem um trabalho.

Nem todos podemos ser Belmiros ou Amorins, como querem as utopias neoliberais, e como tu pareces desejar. Não dá.

E como partes de premissas irreais, chegas a resultados absurdos. Como este: «Um sistema em que uns têm casa e outros não não é justo». Esqueces-te que há quem não queira ser proprietário. E que para os que querem e não podem deveria haver a habitação social.

Ou este: «Quem compra uma casa somente com a intenção de a arrendar não está verdadeiramente interessado nela, pelo que não fará a melhor manutenção». Que já foi tão comentado que não vou acrescentar mais nada.

Há muito para debater neste assunto:
-as desigualdades que resultam das rendas antigas face às novas;
-a inflação das rendas (novas) nas grandes cidades;
-a destruição dos centros históricos urbanos;
-a dificuldade de os jovens encontrarem casa a um preço razoável.

Mas tu contornaste todos estes problemas para propor... exactamente o quê?

Filipe Moura disse...

Luís, alguns dos seus comentários parecem querer abordar um outro problema bastante português, de ordenamento do território, que resulta da possibilidade de se contruir casa em qualquer sítio à vontade do freguês. Lembro-me de comentários seus num post do João Pinto e Castro no Jugular com que estava de acordo, mas esse é outro assunto.

Ricardo, refiro-me a habitação permanente e não a habitação de férias. Na série que publiquei há dois anos e meio no Cinco Dias, explicitei que deveria haver um limite ao número de casas que uma pessoa ou agregado possuem num dado concelho, ou num dado raio em km. É claro que não tenho nada contra a habitação de férias, não permanente - de outra forma, ainda era contra os hotéis :).

Dizes que eu não proponho nada, mas eu acho que encontras resposta a todas as tuas questões no meu texto, se as quiseres ler (nomeadamente quando descrevo como funciona o meu prédio, e que acho que assim funciona bem).

Ricardo Alves disse...

Filipe,
mas por que raio há de haver limites ao número de casas que uma pessoa pode ter? Por acaso há limite ao dinheiro que pode ter? Ou ao número de obras artísticas? Ou ao número de carros?

E como irias implementar isso? Confiscavam-se as casas a quem tivesse demais? Nacionalizavam-se?

Cada um dos teus pronunciamentos deixam-me mais perplexo e geram mais perguntas, a que não estás a responder...

Por exemplo: achas justo que se pague 50 euros e 500 euros por dois apartamentos semelhantes no mesmo prédio? E o que propões fazer a esse respeito?

Filipe Moura disse...

"por que raio há de haver limites ao número de casas que uma pessoa pode ter? Por acaso há limite ao dinheiro que pode ter? Ou ao número de obras artísticas? Ou ao número de carros?"

Ricardo, já respondi a isso várias vezes. As casas são (ou é desejável que sejam, se não queres que o planeta seja uma Brandoa) um recurso finito. Tal como os carros, pelo que deve haver limites ao que possuis, sim - não deves possuir o que manifestamente não usas. Já com as obras de arte, livros, CDs, e mesmo com os pares de sapatos, é evidentemente totalmente diferente.

Recordo-te aqui o essencial do meu pensamento político: http://esquerda-republicana.blogspot.com/2010/08/se-os-recursos-fossem-ilimitados-nao.html

"E como irias implementar isso? Confiscavam-se as casas a quem tivesse demais?"

Claro.

"achas justo que se pague 50 euros e 500 euros por dois apartamentos semelhantes no mesmo prédio? E o que propões fazer a esse respeito?"

Comparado com o problema da distribuição justa das casas, para evitar o que sucede em Braga (montes de casas por ocupar, construídas a mais), esse é um problema totalmente secundário. Un petit problème.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
o facto de haver limites *naturais* ao número de casas ou de carros não implica que deva haver limites legais. Não entendeste a pergunta. Eu tento de outra forma: que bem social é que é servido por haver limites ao número de casas ou de carros que cada um possui?

«não deves possuir o que manifestamente não usas»

E que raio tem o Estado a ver com isso? Tenho livros que não abro há vinte anos, e objectos que herdei dos meus avós e que não uso. Estás a dizer que o Estado mos deve confiscar?

Há momentos em que as tuas ideias parecem uma caricatura de algum mau ultra-marxismo.

Confiscar casas, por exemplo. Defendes o mesmo para os terrenos rurais? E se a pessoa X herdar quatro casas e cinco terrenos dos avós e dos tios? O Estado confisca porque X deve ter limites à sua riqueza imobiliária?

Tenho que ir.

Filipe Moura disse...

"o facto de haver limites *naturais* ao número de casas ou de carros não implica que deva haver limites legais."

Estou inteiramente em desacordo. Para certo tipo de bens.

«não deves possuir o que manifestamente não usas»

Obviamente (é mesmo óbvio) estou a referir-me a esse tipo de bens, de recursos finitos. Se não consegues distinguir uma casa ou mesmo um carro de um livro, CD ou mesmo um par de sapatos, não sei o que te dizer.

"Confiscar casas, por exemplo. Defendes o mesmo para os terrenos rurais?"

Viva a reforma agrária. De qualquer maneira, há alternativas ao confisco, como um IMI (ou imposto automóvel) muito alto (algo que o Miguel sugere).

Ricardo Alves disse...

Filipe,
o que me incomoda mais na tua posição é que pareces mais preocupado em combater a abundância do que a escassez. Não consigo convencer-me de que te preocupe muito haver pessoas sem casa quando todas as medidas concretas que sugeres são para atingir quem tem casa.

Ricardo Alves disse...

Quanto aos teus argumentos concretos, são todos rebatíveis.

O IMI já é diferente (mais baixo) para primeira habitação.

O número de livros que pode existir também é limitado, e há bibliotecas.

Etc.

Filipe Moura disse...

Ricardo, para os bens em que haja limites naturais não há outra hipótese: tem de se atingir quem os tem em excesso, tem de se combater a abundância, por muito que isso te incomode.

"O IMI já é diferente (mais baixo) para primeira habitação."

Se calhar deveria ser ainda mais alto para as outras.

"O número de livros que pode existir também é limitado, e há bibliotecas."

Pelos vistos continuas a confundir, ou querer misturar, livros, computadores, bicicletas e batatas com carros e casas, que hei-de eu fazer? Compara o tipo de impostos que pagas pela aquisição (e manutenção) destes bens.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
estamos muito longe do «limite natural» de casas. Aliás, há um continente quase completamente por urbanizar (África). Mais perto se está de transformar toda a floresta em livros. E paga-se muito mais, em bruto e até em percentagem, nos impostos imobiliários do que no IVA dos livros. Por exemplo, não há nenhum imposto só por ter livros em casa. E há impostos só por ter casa. E não se paga por doar livros aos filhos. E paga-se por doar casas aos filhos. Etc.

Filipe Moura disse...

Há muitos bens de papel onde se pode cortar antes dos livros: os estúpidos toalhetes de papel que se usam nos tabuleiros nas cantinas, apesar de estes serem limpos (cada toalhete deveria ser pago); os guardanapos de papel (que deveriam ter um imposto especial), etc.

Quanto ao resto: os senhorios que vão ser senhorios para África então.

Ricardo Alves disse...

«os senhorios que vão ser senhorios para África então»

E o que ganharíamos nós com isso?