segunda-feira, 7 de março de 2011

Racionalidade automóvel: o exemplo espanhol

A decisão do governo espanhol em limitar a velocidade a 110 km/h nas auto-estradas a partir de hoje é um exemplo de uma medida racional que implica um esforço muito menor do cidadão para combater a crise e que tem implicações positivas na segurança rodoviária e na qualidade de vida. Sabendo que o problema principal da crise nacional é a nossa elevadíssima dívida privada, uma parte dela resultante da importação do petróleo, faz todo o sentido tomar medidas que reduzam a dependência e o consumo do petróleo. Faço notar que a velocidade máxima nos países europeus que detêm reservas de petróleo é inferior à do nosso país: Reino Unido ~113km/h, Noruega 100 km/h e Rússia 110km/h. 110 km/h é uma velocidade mais do que suficiente para trajectos longos (já fiz muitos de cerca de 2000 km) e para a qual os motores funcionam perto da melhor parte do seu regime quando se considera a poluição, a fiabilidade e o consumo. Acrescento que gosto de automóveis e que adoro conduzir, por isso estou bem consciente das irracionalidades motorizadas que circulam nas nossas estradas. Por isso, seria muito mais racional para a crise da dívida privada proceder a alterações profundas na fiscalidade automóvel, tal como a taxação mais severa de veículos particulares com motores com mais de 2000 cm3 ou de veículos todo-terreno (autênticos luxos com rodas), em vez acentuar a pressão sobre os cortes de salários ou nos serviços públicos que pouco ou nada contribuíram para a crise.

13 comentários :

João Vasco disse...

Discordo, e por várias razões:

a) se o objectivo é diminuir as importações de petroleo através de intervenções estatais ao funcionamento do mercado de petroleo, então faz mais sentido cobrar uma tarifa alfandegária.

Se isto é impossível devido a algum compromisso internacional, então esta medida é uma forma ineficaz de contornal tal compromisso, o que é desde logo imoral.

b) é imoral que o estado crie leis que condicionam o consumo privado alegando que quer diminuir o endividamento. O endividamento privado deveria ser da responsabilidade de cada agente, a mesmo que exista alguma "falha de mercado a resolver", ou externalidade envolvida.

c) por falar em externalidade, faria mais sentido aumentar os imposto sobre o petroleo, que ao menos geraria receita, do que diminuir a valocidade máxima nas auto-estradas

d) deveria ser bastante claro para todos que os limites de velocidade têm em vista a segurança reodoviária, e apenas isso em vista. Considerações económicas sobreporem-se a esta questão parece-me imoral

e) mais sobre a ineficácia e absurdo desta medida aqui:

http://blasfemias.net/2011/03/02/zapaterices/

Estou farto de discordar com a autora, mas as críticas que faz são mais que justas.

Ricardo Alves disse...

Rui,
a fiscalização do excesso de velocidade em Portugal é de uma timidez assustadora.

Rui Curado Silva disse...

Ricardo,

concordo.

Rui Curado Silva disse...

João,

a) c) e d) há uma diferença entre a tarifa alfandegária (aplicável a países extra-comunitários) e esta medida. A tarifa alfandegária abrange todas as aplicações do petróleo: transportes, saúde, agricultura, etc. Esta medida restringe-se a um acto de desperdício sem qualquer benefício para o sector dos transportes. Graças aos GPS hoje sabemos que o tempo que se ganha numa viagem de algumas centenas de quilómetros é irrisório quer se conduza a uma velocidade máxima de 110km/h ou 140 km/h. O factor que mais pesa no tempo de viagem é quantidade de vezes que paramos para fazer um chichizinho ou beber um café para não adormecer;

b) como deves saber a actual crise mundial chegou onde chegou graças às subprimes e à "(ir)responsabilidade de cada agente". Aqui eu discordo completamente. O Estado deve regular actividades que representam um suicídio para o país, em que a irresponsabilidade de uns cidadãos põe em causa o futuro dos outros. A crise portuguesa é essencialmente dívida privada. Como podes verificar cerca de 95% dos portugueses estão endividados mas ninguém assume as culpas (empresas, banca, particulares que compraram casa), as culpas são todas chutadas para o Estado. Gostaria muito que o que referes sobre a responsabilidade fosse assumido, até porque faço parte dos restantes 5%.

João Vasco disse...

Rui:

« há uma diferença entre a tarifa alfandegária (aplicável a países extra-comunitários) e esta medida. A tarifa alfandegária abrange todas as aplicações do petróleo: »

Esse ponto pretende responder às alegações a) e c), mas não vejo como pretende responder à alegação d).

Por outro lado, da mesma forma que tais medidas abrangeriam todas as aplicações de petroleo, também teriam o mérito de lidar com diferentes formas de desperdício e não com uma escolhida arbitrariamente.


Sobre o ponto b), devo dizer que a crise do subprime é quase um catálogo de falhas de mercado, desde problemas de agência, opacidades várias e assimetrias de informação, etc...
Mas o meu ponto b) era precisamente para os casos em que não existe "falhas de mercado". Como esse da gasolina, excepção feita à externalidade ambiental de cuja cobrança sou (muito) a favor.

Se alguém quer poupar uns minutos e com isso conduzir mais rápido desperdiçando mais combustível, só vejo dois problemas: o da segurança rodoviária, e o ambiental. Colocando o limite de velocidade tendo apenas como preocupação a segurança rodoviária, e taxando o combustível cobrando as externalidades devidas tendo em conta a questão ambiental, já só sobra a liberdade de escolha do automobilista. Se ele se quer endividar - e provavelmente nem será o caso - comprando bens da arábia saudita, está no seu direito, seja um tapete que nunca vai usar, seja chegar onde quer uns minutos mais cedo.

É uma arbitrariedade ineficiente (e aqui, lembrar a alegação e), que atenta contra a liberdade das pessoas. Já agora, porque não limitar o número de tapetes persas e turcos em casa das pessoas? Também diminui as importações e o endividamento...

Rui Curado Silva disse...

João,

no final do meu texto refiro que esta medida se enquadraria bem num conjunto de "alterações profundas da fiscalidade automóvel", que poderiam ser tomadas a nível ibérico ou europeu. Não a vejo apenas como uma "medidinha" (como diz o JCD) ou medida arbitrária como a dos tapetes.

Há irracionalidades grandes no sector automóvel. Hoje em dia até na F1 e nos rallies se estabelecem limites para os motores, mas nas nossas estradas continuam a circular carros com motores com mais de 2000, 3000, 3500 cc, com 150 cv, 200 cv, que atingem velocidades máximas de 200, 220, 250 km/h veículos todo-o-terreno, etc. Gosto e interesso-me por carros, uso dessa tal liberdade que referes para fazer uns piõezecos em quintais de amigos. Para lá das questões ambientais, segurança, recursos escassos, etc, acho que a minha liberdade deve ter limites se os meus concidadãos estão a pagar juros de dívida mais altos, não só mas também, porque eu gosto de fazer piões ou porque me apetece fazer Lisboa-Porto em 1 hora e meia a 200 e tal à hora. A crise das subprime e outras crises já mostraram que se não forem os reguladores (essencialmente o Estado) a tomar a iniciativa alguma coisa ninguém o fará. E que se segue a uma crise profunda ou à falência de um estado são décadas em que perdemos efectivamente a liberdade para comprar tapetes, fazer piões e muitas outras liberdades bem mais sérias.

João Vasco disse...

«refiro que esta medida se enquadraria bem num conjunto de "alterações profundas da fiscalidade automóvel"»

Eu acho que essa medida seria dispensável nesse conjunto.

A ironia é que constantemente dizem que Portugal tem impostos altíssimos sobre os combustíveis automóveis, comparando os nossos impostos com os espanhois.
Mas os impostos espanhois é que são uma anormalidade. Os nossos são valores razoáveis tendo em conta a realidade europeia e os espanhois são baixíssimos.

Ora Espanha tinha muito a fazer neste campo: punha impostos razoáveis, como os nossos, o que não só iria levar a uma diminuição significativa das importações de petroleo e danos ambientais resultantes, como seria mais eficiente em termos económicos, e acabaria a romaria de gente no interior a desperdiçar petroleo porque quer encher o depósito na fronteira. Aí ficavam todos a ganhar: os contribuintes espanhois porque a receita que viesse daí não vinha de outros lados, o objectivo de diminuir as importações, o ambiente mundial, a liberdade individual, e até os cofres lusos.

Em vez disso, preferem manter a política absurda de petroleo baratíssimo, e andar a pôr meia dúzia de autocoloantes, levando a desacreditar a motivação que os limites à velocidade na estrada têm: a segurança rodoviária. As importações não vão diminuir de forma significativa, e em vez de gerar receitas ficais isto vai gerar despeza e burocracia inútil. E isto vai irritar as pessoas, se sentem a arbitrariedade da medida. Para impôr sacrificíos, ao menos que sejam úteis. Isto ainda vai desacreditar a preocupação - saudável - pelo excesso de consumo de petroleo, e respectivas implicações.




«Gosto e interesso-me por carros, uso dessa tal liberdade que referes para fazer uns piõezecos em quintais de amigos. Para lá das questões ambientais, segurança, recursos escassos, etc, acho que a minha liberdade deve ter limites se os meus concidadãos estão a pagar juros de dívida mais altos»

O problema é que uma medida avulsa cria um limite para te endividares a comprar ISTO mas não AQUILO.

Então, mesmo que prefiras comprar ISTO a AQUILO e o efeito de ambas as compras seja o mesmo nos juros colectivos, esta medida vai fazer com que tu compres AQUILO, prejudicando-te a ti sem beneficiar ninguém.

Este é um problema que acresce ao problema moral de te impedir de comprar ISTO (que não deixa de ser relevante).

Kruzes Kanhoto disse...

Portagens para ter acesso aos centros de TODAS as cidades - só a veículos ligeiros - seria uma medida tão impopular quanto eficaz. Mas isso só quando um dia alguém suspender a democracia.

Filipe Moura disse...

Rui,
manda o bom senso em questões que digam respeito à liberdade individual estar em desacordo com o João Vasco, mas desta vez eu concordo com ele pelo menos em certos aspetos, como na questão (crucial) que a única razão para fixar limites de velocidade deve ser a segurança, nomeadamente a segurança dos outros.
Acho muito mais útil legislação que contrarie a tendência para o uso quotidiano do automóvel, nomeadamente impostos sobre a gasolina e sobre os carros de grande cilindrada (assunto sobre o qual estou totalmente de acordo contigo). Acho contraditório que o estado espanhol queira diminuir o consumo de petróleo baixando os limites de velocidades e continue a ter os combustíveis mais baratos da Europa.
Pessoalmente creio que o uso quotidiano do automóvel deve ser evitado ao máximo, e só em caso de efetiva necessidade. Agora, quando se usa o carro é para tirar dele o melhor proveito. Ou seja... na autoestrada os carros devem ser poucos e andar depressa. (Concordo absolutamente com o que o Ricardo Alves diz sobre os irrisórios controlos de excesso de velocidade em Portugal, mas creio que o principal problema nesse aspeto está nas localidades e nas estradas nacionais e não propriamente nas autoestradas.)
Prometi ao Miguel dar-lhe porrada (na forma de um texto) a propósito do que ele escreveu sobre o subsídio aos transportes públicos (ainda não tive tempo de o escrever). Se ele quiser pode dar-me porrada também por este meu comentário (sei que vontade não lhe faltará).
Abraços e bom Carnaval a todos.

Anónimo disse...

Não é por acaso que o consumo se mede em litros por 100 km. Reduzir a velocidade reduz a taxa de consumo instantâneo, mas aumenta-se o tempo de viagem e portanto o de consumo. Como um e outro variam de forma inversa tudo isso redunda no mesmo...

Isto admitindo que o consumo é proporcional às rotações do motor no mesmo diferencial (reduzi-lo só ia piorar o consumo, de qualquer maneira), e que o atrito do ar é semelhante nas duas situações.

Mas mesmo que haja um decréscimo do consumo, diminuir a velocidade de 120 para 110 km/h vai poupar exactamente quanto? Parece-me uma proposta perfeitamente populista...

Se não houver diferença, o único inconveniente são mais 4 minutos e meio de viagem para cada 100 km. Isto para os condutores zelosamente cumpridores...

Anónimo disse...

Quanto às cilindradas e consumos disparatados, totalmente de acordo.

Se se proibem lâmpadas incandescentes, também se deviam proibir veículos com consumos injustificáveis. Um automóvel novo que consuma 10 aos 100 devia ser fortemente taxado.

João Vasco disse...

«manda o bom senso em questões que digam respeito à liberdade individual estar em desacordo com o João Vasco,»

Sou um grandessíssimo de um liberal

João Vasco disse...

«a mesmo que exista alguma» = «a menos que exista alguma»

Isto causou um equívoco