quinta-feira, 10 de março de 2011

Censo de 2011: quantos infiéis somos?

Está na rua o Censo de 2011. Como ateu consciente e cidadão atento à evolução do fenómeno religioso, interessa-me a última pergunta do questionário individual: a delicada «qual é a sua religião». A situação é conhecida: o grupo em que me incluo, os «sem religião», é a maior minoria, e também a que mais cresceu entre 1991 e 2001.

O censo é a única operação oficial de contagem dos residentes em Portugal por critério de religião. Felizmente a única, porque o Estado não deve meter o nariz no que é matéria de convicção pessoal. E assim a Constituição nos garante, como deve, o direito de nem responder à questão.

As respostas registam sempre um número elevadíssimo de católicos, quase quatro vezes superior aos que se encontram na missa em qualquer domingo. O que acontece, em primeiro lugar, porque muitas pessoas entendem a pergunta «qual é a sua religião» como uma questão sobre se foram baptizados ou não. Mas não é disso que se trata.

Não ajuda que a pergunta do censo mencione, logo em primeiro lugar, a resposta «católica». Em mais nenhuma pergunta se seguiu, como a da religião aparenta, o critério da maioria (esperada) das respostas para as ordenar. Por exemplo: as respostas para o país de nascimento (quando no estrangeiro, questão 8) seguem a ordem alfabética. E as respostas à pergunta «como se desloca para o trabalho» (questão 21) começam com «a pé», e não «de carro» ou «de autocarro». No mínimo, o ordenamento é capcioso.

Também não ajuda que as categorias não católicas que se oferecem como resposta tenham designações tão estranhas que dificultam a identificação. «Ortodoxa» é um modo de viver a religião, não é uma religião. Seria melhor usar «católica romana» e «católica ortodoxa». «Protestante» será adequado para luteranos ou anglicanos, mas não para a maior minoria religiosa não católica, os que se designam a si próprios como «cristãos evangélicos». «Judaica» levanta outra questão: porquê incluir uma comunidade religiosa tão diminuta (quatro locais de culto no país inteiro) quando o Censo ignora as Testemunhas de Jeová (650 congregações em Portugal, dizem eles) ou a IURD (que chegam a usar estádios de futebol)? Parece, sejamos claros, discriminatório. Porque, das duas, uma: ou o critério aqui deveria ser o número, e as opções seriam outras, ou a lista deveria ser exaustiva, e seria muito mais longa (ou com uma opção em aberto para se acrescentar «ateu», «agnóstico», «pagão», «satânico» ou «cavaleiro de Jedi»).

Seja qual for a opção, nada melhor do que escolhê-la esclarecidamente.

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

4 comentários :

Miguel Carvalho disse...

Colocar católica em primeiro lugar não foi mero acaso, não haja dúvida. O que não faltam são estudos de psicologia e economia comportamental a mostrar que as pessoas tendem a optar pelo que lhes é apresentado como standard ou em primeiro lugar.
E duvido que o INE não soubesse disso.

Luís Lavoura disse...

Há certamente muitas pessoas que não responderão a essa pergunta, por não se sentirem à-vontade com ela. Pelo que, dificilmente se poderão extrair muitas conclusões dela.

Também achei esquisita a presença da opção "judaica", ainda por cima à frente da "muçulmana", quando é evidente que em Portugal há muitíssimo mais muçulmanos que judeus. Parece que fizeram gala em dar primazia às religiões abraâmicas. Provavelmente, de facto, haverá até em Portugal menos judeus do que hindus, budistas ou confucionistas.

Penso que o Instituto Nacional de Estatística teria meios muito mais seguros de ter uma ideia muito mais fiel daquilo que é a adesão religiosa em Portugal, através de visitas aos templos religiosos e de esttísticas sobre quantos os frequentam.

Ricardo Alves disse...

Luís Lavoura, em 2001 houve 790 mil pessoas que não responderam a essa pergunta. Os restantes quase oito milhões de pessoas ainda são uma amostra significativa.

E, aliás, um dado curioso é que a diminuição do número de «recusas de responder» entre 1991 e 2001 parece ter beneficiado sobretudo a ICAR. Suspeito que houve um efeito «e agora a última pergunta: é católico, não é?, agora tenho que ir andando, xau» (barulho de fuga pela escada abaixo ou pela rua fora).

E concordo convosco que o INE deveria ser mais cuidadoso na formatação deste questionário.

Unknown disse...

Não é por acaso e se virem o Telejornal do canal 1 ás 20h00 há sempre três ou quatro notícias sobre o que o cardeal disse e o papa disse. E por falar nessas grandes minorias que não têm voz, há um programa na rtp2 ao fim da tarde em que é dado tempo de antena aos cultos mais bizarros e desconhecidos e os que enchem estádios como TJ e IURD não estão lá.