O Estado Novo promovia em 1929 a tristemente famosa Campanha do Trigo (considerado unanimemente como o maior crime ambiental alguma vez cometido em Portugal), com o objectivo da auto-suficiência portuguesa em termos de trigo.
Salazar manteve uma orientação política fortemente rural (no mau sentido da palavra), tendo feito dela uma das suas bandeiras. Pouco importava a pobreza e as condições de trabalho, o importante era sermos honradinhos e cultivar a nossa horta com a ajuda dos bois para ganhar a nossa comidinha. Melhorias tecnológicas eram irrelevantes porque a produção alimentar não era o objectivo primordial, era sim a honra de viver pobre mas honrado.
Esta mentalidade continua bem viva hoje em dia, da esquerda à direita, mesmo que sendo em versão 2.0 (com o expoente máximo no Paulinho das Feiras) sob a forma da auto-suficiência alimentar do país. Em 2011 não deve haver nenhum país auto-suficiente em nenhum tipo de produto, mas Portugal deveria sê-lo na alimentação. E porquê a alimentação, e não a energia, os medicamentos ou outro produto essencial? Até Maria Antónia Figueiredo, presidente de um tal Observatório dos Mercados Agrícolas (um organismo público) defende que Portugal deveria ser auto-suficiente em termos de cereais.
Para lá da impossibilidade física de tal objectivo, e do crime ambiental associado, há que perguntar se esta auto-suficiência serviria para alguma coisa na situação actual de elevados preços dos produtos agrícolas, algo que o Bloco de Esquerda defendia há uns dias. Só vejo dois canais pelos quais isto poderia ajudar. Ou esta produção extra baixaria os preços mundiais, mas Portugal é demasiado pequeno para que isto possa acontecer. Ou então Portugal fecharia as fronteiras, forçando os agricultores portugueses a venderem a 10 o que do outro lado da fronteira poderiam vender a 50.
Outros problemas também surgiriam em tempos de preços mundiais baixos. No tipo de produtos em que Portugal tem desvantagens produtivas, obrigaríamos os consumidores portugueses a comprar a 10 ao produtor local o que poderiam comprar a 2 nos mercados internacionais?
Salazar manteve uma orientação política fortemente rural (no mau sentido da palavra), tendo feito dela uma das suas bandeiras. Pouco importava a pobreza e as condições de trabalho, o importante era sermos honradinhos e cultivar a nossa horta com a ajuda dos bois para ganhar a nossa comidinha. Melhorias tecnológicas eram irrelevantes porque a produção alimentar não era o objectivo primordial, era sim a honra de viver pobre mas honrado.
Esta mentalidade continua bem viva hoje em dia, da esquerda à direita, mesmo que sendo em versão 2.0 (com o expoente máximo no Paulinho das Feiras) sob a forma da auto-suficiência alimentar do país. Em 2011 não deve haver nenhum país auto-suficiente em nenhum tipo de produto, mas Portugal deveria sê-lo na alimentação. E porquê a alimentação, e não a energia, os medicamentos ou outro produto essencial? Até Maria Antónia Figueiredo, presidente de um tal Observatório dos Mercados Agrícolas (um organismo público) defende que Portugal deveria ser auto-suficiente em termos de cereais.
Para lá da impossibilidade física de tal objectivo, e do crime ambiental associado, há que perguntar se esta auto-suficiência serviria para alguma coisa na situação actual de elevados preços dos produtos agrícolas, algo que o Bloco de Esquerda defendia há uns dias. Só vejo dois canais pelos quais isto poderia ajudar. Ou esta produção extra baixaria os preços mundiais, mas Portugal é demasiado pequeno para que isto possa acontecer. Ou então Portugal fecharia as fronteiras, forçando os agricultores portugueses a venderem a 10 o que do outro lado da fronteira poderiam vender a 50.
Outros problemas também surgiriam em tempos de preços mundiais baixos. No tipo de produtos em que Portugal tem desvantagens produtivas, obrigaríamos os consumidores portugueses a comprar a 10 ao produtor local o que poderiam comprar a 2 nos mercados internacionais?
30 comentários :
Sou da opinião que a produção agrícola não deve ser deixada simplesmente aos mercados.
Por duas razões importantes. Por um lado, mesmo que o ocidente tenha vivido décadas de paz, tem de acautelar a situação de guerra.
Por outro lado, porque existe uma significativa inércia na forma como a produção agrícola funciona. Os preços podem disparar, mas o mercado demora décadas a adaptar-se.
Durante décadas existiu uma enorme abundância na produção de alimentos, e o mercado demorou muito tempo a responder a essa situação - nos bastidores estão pessoas que toda a vida viveram da agricultura e não sabem nem querem viver de outra coisa, estão infra-estruras caras e já adaptadas, etc... Havendo escassez, por muito elevados que sejam os preços dos alimentos, o mercado demoraria igualmente muito tempo a adaptar-se (educar uma nova geração de agricultores, capazes de conhecer as técnicas e truques do ofício, voltar a povoar o interior, criar as infra-estruturas agrículas entretanto abandonadas ou destruídas, etc..), com consequências devastadoras.
Nesse sentido, creio que há alguma razão de ser na política agrícola comum, e outro tipo de intervenções "proteccionistas" no mercado da alimentação.
João,
repara que o meu texto era sobre auto-suficência, não sobre liberalismo, no mercado agrícola.
Sim, são coisas diferentes.
E concordo com muito do conteúdo do texto.
Mas existe relação entre as duas coisas. Uma vantagem da auto-suficiência é garantir que não existe escassez alimentar mesmo que as vias de comunicação para fora do país estejam bloqueadas - como pode acontecer em situação de guerra, mas não só. Claro que essa segurança tem custos, e custos muitíssimo elevados, que não podemos comportar (apesar das consequências serem desastrosas, a baixa probabilidade de que isso aconteça a curto/médio prazo faz com que esse risco não seja muito elevado).
Mas entre o extremo da auto-sufiência a todo o custo, e o extremo de deixar tudo entregue aos mercados, existe uma situação intermédia que vê uma autonomia (ou menor dependência do exterior) na produção de bens alimentares essenciais como uma vantagem que justifique gastar alguns recursos públicos, mas poucos.
O pior é que em abstracto é impossível avaliar se estamos além ou aquém do ponto óptimo. Para isso já seriam necessários mais estudos e informações do que os que disponho.
A minha sensação é a de que a crítica concreta que fazes a Maria Antónia Figueiredo neste caso tem razão de ser; mas a de que a crítica generalizada a tudo quanto seja preocupação pela menor dependência de bens alimentares do exterior já pode ser errada.
sim porque se as reservas descem
devido a catástrofes climáticas
e os países auto-suficientes em cereais deixam de os exportar para manter as reservas para as suas populações
come-se o quê?
faz-se racionamento
é que em 1929 provavelmente 3 milhões de portugueses poderiam abastecer-se parcialmente a partir da auto-produção em hortas quintais galinheiros
ainda nos anos 70 muitas casinhotas faziam criação de coelhos e galinhas nas varandas aqui do burgo
eram um suplemento
ia-se pescar não para desporto
mas para ter um bocadito a mais
comprava-se a produção portuguesa vendida nas quintas e à beira da estrada
em vez das importações do pão de açucar
e hoje Portugal tem condições técnicas para suprir as necessidades agrícolas
não há é empresários agrícolas que o façam
nem engenheiros agrícolas com capacidade apesar de haver milhares
e investimento
300 hectares de trigo ou de milho podem definhar se não chover em Fevereiro como foi o caso destes últimos 22 dias
e capacidade de rega fora do Nilo há pouca e o transporte de água gasta gasoil
e as pingas de março abrindo o verão já nã ajudam nada
"O Estado Novo promovia em 1929 a tristemente famosa Campanha do Trigo (considerado unanimemente como o maior crime ambiental alguma vez cometido em Portugal)"
Maior ainda do que o ciclo sazonal de incêndios que o abandono dos campos fomentou?
O maior crime ambiental é não impedir que o campo em Portugal se torne um matagal, regularmente consumido pelas chamas, e ter de comprar os alimentos no outro lado do mundo onde se limpa a floresta tropical para dar de comer ao Miguel Carvalho e ao João Vasco sentados no sofá.
O Nuno Gaspar conhece-me? Sabe onde é que eu compro alimentos ou deixo de comprar? E se em vez dessas confianças, discutisse apenas o assunto do post?
O crime ambiental de que o Miguel fala foi planificado e levado à prática pelo governo.
O "crime ambiental" de que o Nuno Gaspar fala, resulta das decisões individuais das pessoas, que optaram por não viver da terra, em parte por causa do baixíssimo rendimento dessa actividade. É um pouco diferente...
"Sabe onde é que eu compro alimentos ou deixo de comprar?"
Ó João Vasco,
Sei que, se morar em Portugal, mais de metade dos alimentos que compra, directamente ou para alimentar os animais que os produziram, atravessaram um oceano ou um continente, ou mesmo dois, num navio graneleiro ou num contentor frigorífico, movidos a combustível não renovável.
Este crime ambiental é executado por pessoas como o João Vasco e o Miguel Carvalho, ilustram bem um género de opinião pública que acaba por influenciar a política, que desprezam o meio rural e quem nele trabalha. Foram abandonados por muitos anos, sem investigação, sem políticas que incentivem a produção, sem respeito público. E só abriram os olhos, na cidade, quando repararam que já não há mais dinheiro, e não há quem o queira emprestar, para continuar o regabofe.
Nuno Gaspar:
Se acredita que vivendo em Portugal é inevitável que essa descrição me assente, então, assumindo que vive em Portugal, descreva-se a si na situação de «comprar os alimentos no outro lado do mundo onde se limpa a floresta tropical para dar de comer ao [Nuno Gaspar] sentado[] no sofá», antes de vir falar dos outros. Ou então falemos apenas sobre os assuntos, em vez de mandar bitaites sobre os estilos de vida de pessoas que não conhecemos.
Eu não sei onde é que leu que eu desprezo o meio rural e quem nele trabalha, e não sei que raio de políticas é que são infliuenciadas por este "desprezo".
Na verdade, a situação de abandono da agricultura resulta fundamentalmente da liberdade das pessoas, e das escolhas individuais que estas fizeram com a sua liberdade. Eu até defendi nesta conversa alguma intervenção estatal no sentido de promover uma menor dependência do exterior, desde que essa intervenção não fique muito cara.
O que nos leva à questão do "emprestas dinheiro" para o "regabofe". É que o Nuno percebeu ao contrário: ter o interior povoado, e pouca dependência do exterior, é CARO. Se Portugal tivesse, sem violar a liberdade das pessoas, apostado em políticas que garantissem uma muito menor dependência, estaria bem mais endividado.
É que mesmo com os actuais preços dos produtos alimentares, a agricultura é uma actividade que dá muito pouco rendimento. Por isso é que precisa de ser altamente subsidiada nos países ricos. E Portugal não tem propriamente as condições de França - temos um relevo, um clima e uns solos que tornam bem mais difícil a agricultura.
Claro que se as emissões de CO2 fossem devidamente taxadas a nível mundial, como deviam, as exportações reflectiriam melhor os custos para o ambiente, e a agricultura nos países ricos precisaria de menos subsídios para ser competitiva. Mas, sendo favorável a alguma protecção desta actividade, é preciso evitar gastar recursos que não temos.
Evitar o "regabofe" passa por não gastar tantos recursos a promover a auto-suficiência...
João Vasco,
Ou eu escrevo mal ou você não sabe ler. É evidente que quanto utilizo o seu nome não estou a acusá-lo a si em concreto. Todos os portugueses dependem dos alimentos que outros produzem; você, eu (se vivesse em Portugal), o Presidente da Républica...
"ter o interior povoado, e pouca dependência do exterior, é CARO."
Não optimizar a utilização dos recursos naturais disponíveis é ainda mais caro. Os agricultores europeus têm subsidiado o nível de vida de toda a população pela venda dos seus produtos a baixo preço. E têm subsidiado a acumulação de riqueza nos grupos económicos que dominam a distribuição. E ainda amargam com a fama de viver de subsídios. Compare, por exemplo, a evolução de qualquer produto agrícola com a evolução da inflação nos últimos 20 anos. Compare o preço de qualquer produto agrícola à produção com o preço pago pelo consumidor no supermercado.
Essa festa acaba/acabou. A bem ou a mal.
«Os agricultores europeus têm subsidiado o nível de vida de toda a população pela venda dos seus produtos a baixo preço.»
Que definição curiosa para o termo "subsídio".
O Nuno Gaspar não acredita então na economia de mercado, tudo bem. Mas nesse caso, quem deveria fixar o preço a que os agricultores venderiam os seus produtos?
«E ainda amargam com a fama de viver de subsídios.»
Nos países ricos - em economia de mercado - é basicamente impossível produzir bens agrícolas com lucro sem subsídios.
Isto não é uma opinião, ou um mito urbano que circula, é mesmo aquilo que se verifica.
«Compare, por exemplo, a evolução de qualquer produto agrícola com a evolução da inflação nos últimos 20 anos.»
Chama-se concorrência.
«Essa festa acaba/acabou. A bem ou a mal.»
Se os produtos agrícolas ficarem mais caros, a necessidade de subsídios nos países ricos vai diminuir.
Parece duvidoso que desapareça por completo.
"Mas nesse caso, quem deveria fixar o preço a que os agricultores venderiam os seus produtos?"
Em Portugal, no tempo da lei do condicionamento industrial, os preços eram regulados administrativamente. Curiosamente, foi um dos períodos da história recente em que o país apresentou maior crescimento económico.
Outro exemplo, no Brasil, o novo celeiro do mundo, vigora um regime de preços mínimos garantidos à produção.
"Nos países ricos - em economia de mercado - é basicamente impossível produzir bens agrícolas com lucro sem subsídios"
É falso. Há algumas actividades agrícolas e pecuárias que não são subsidiadas (frango, ovos, leite até há pouco tempo, suinos,...). Até são das que exibem maior padrão tecnológico e de organização.
A questão dos subsídios é muito complexa. Na Europa existe uma Política Agrícola Comum e realidades agrícolas muito diferentes. Portugal, sendo deficitário, é governado com políticas de países excedentários. Por isso, os agricultores portugueses são dos que recebem menos subsídios e somos um dos países onde mais cresce o défice de produtos alimentares. Mais do que agricultores, a regulamentação e subsidiação da actividade agrícola tem beneficiado sobretudo uma chusma de políticos e quadros administrativos de Bruxelas que encontraram ne redacção de leis, ora num sentido ora no contrário ao fim de pouco tempo, o seu modo de viver.
"Chama-se concorrência"
Não só. É sobretudo eficácia. Utilizando os mesmos recursos, os agricultores produzem cada vez mais. Assim outros sectores da sociedade apresentassem o mesmo crescimento dos índices de produtividade.
"Se os produtos agrícolas ficarem mais caros, a necessidade de subsídios nos países ricos vai diminuir."
Acabam os subsídios e acabam os regulamentos. E, mesmo assim, não acho provável deixarmos de ouvir falar em fome e revoluções tocadas a falta de pão.
João Vasco:
"existe uma significativa inércia na forma como a produção agrícola funciona"
Não vejo como nem porquê.
Essa inércia existe, isso sim, na produção industrial. Por exemplo, se um país que nunca produziu aço decidir um dia passar a produzi-lo, tem sérias dificuldades nisso. É preciso construir fábricas, o que demora anos; é preciso formar especialistas e trabalhadores, etc.
Na produção agrícola isso não é assim. Em dois meses desbrava-se uma terra que estava inculta. Em mais um mês abre-se um poço para a regar, etc.
Olhe aqui o mercado livre a funcionar tão bem, João Vasco
http://www.cmjornal.xl.pt/detalhe/noticias/exclusivo-cm/biodiesel-sobe-precos220642057
Luís Lavoura:
« Em dois meses desbrava-se uma terra que estava inculta. Em mais um mês abre-se um poço para a regar, etc.»
Isso pode servir para complementar a alimentação com uns produtos da horta. Uma produção pessoal de uns "extras". Estou familiarizado com o conceito, por causa do local onde vivo, tão familiarizado por razões pessoais que achei particularmente irónica a provocação do Nuno Gaspar.
Mas quando falamos em produção "a sério", profissionais que conseguem colocar no mercado os produtos (o que inclui fazer parte de uma logística de abastecimento colectivo), essa inércia existe.
Existe porque nem sequer estamos a falar apenas da formação profissional das pessoas - estamos a falar na sua localização ao longo do território. Se a agricultura rende pouco, o interior fica mais desertificado, existem infra-estruturas que se perdem, e se por acaso os bens alimentares sobem de preço o oredenamento do território não muda de um dia para o outro. A formação, a localização geográfica, a existência de infra-estruturas próprias de um interior povoado, tudo isso demora bem mais tempo do que a construção de uma fábrica e a formação de uns operários perto dos centros urbanos.
Nuno Gaspar,
Já respondo ao primeiro comentário. Mas sobre o segundo só tenho a dizer que considero um disparate essa aposta nos "biodíseis", e que ela não tem nada a ver com mercado livre.
Mercado livre era taxar as externalidades devidas às emissões efectivas, e se o biodisel ficasse competitivo ficava (mas não seria o caso...). Acho que toda a política para o biodísel tem sido disparatada.
«Em Portugal, no tempo da lei do condicionamento industrial, os preços eram regulados administrativamente. Curiosamente, foi um dos períodos da história recente em que o país apresentou maior crescimento económico.»
É curioso, de facto.
A fixação administrativa desses preços, além de acarrectar problemas morais de intromissão à liberdade das pessoas, é prejudicial à actividade económica. Efectivamente o cresimento económico não depende apenas da agricultura, daí essa situação "curiosa".
«Outro exemplo, no Brasil, o novo celeiro do mundo, vigora um regime de preços mínimos garantidos à produção.»
Mas se é o celeiro do mundo, o preço de mercado tem de estar acima desses mínimos, pelo que pouco impacto terão.
Mas que eu estivesse neste blogue a defender os méritos da economia de mercado contra medidas propostas pela esquerda mais radical, sendo curioso, não me surpreende assim tanto. Que seja numa discussão com o Nuno Gaspar, já me espanta um pouco :)
«Há algumas actividades agrícolas e pecuárias que não são subsidiadas»
Sim, sim. Claro que me referia ao global, e não a cada caso particular.
«A questão dos subsídios é muito complexa. Na Europa existe uma Política Agrícola Comum e realidades agrícolas muito diferentes. Portugal, sendo deficitário, é governado com políticas de países excedentários.»
Isto tem muito de verdade, e é uma parte do problema.
Mas a maior parte do problema é a que referi: todos os países ricos seriam extremamente dependentes dos países pobres a nível alimentar a menos que subsidiem fortemente a agricultura.
É fácil de perceber isto: não têm nenhuma vantagem competitiva, só uma mão de obra mais cara. Em muitos países pobres o território está menos fraccionado, e é possível criar latifundios gigantescos nas terras mais férteis, com infra-estruturas tecnologicamente avançadas, com uma mão de obra muitíssimo mais barata.
E, comparando com os países da união europeia, Portugal tem a vantagem competitiva de ter uma mão de obra um pouco mais barata, mas também tem muitas desvantagens competitivas. Nós temos um padrão de pluviosidade que não favorece nada a actividade agrícola "normal" (mais chuva no Inverno que no Verão, ao contrário do normal no resto do mundo), temos um padrão de relevo que torna mais difícil a mecanização (poucas planícies), temos poucos solos muito férteis, e ainda muitos outros.
Podemos adaptar-nos, e ser muito bons em certos nichos - a oliveira, o carvalho, a vinha, etc.. Mas no geral temos sempre um problema significativo, em fazer dinheiro com uma actividade que já de si é pouco rentável em países ricos.
« Utilizando os mesmos recursos, os agricultores produzem cada vez mais.»
Seja. Não obsta ao que afirmei. Isso também aumenta a concorrência.
«não acho provável deixarmos de ouvir falar em fome e revoluções tocadas a falta de pão.»
Também não me parece pouco plausível...
João Vasco,
O exemplo do biodieselera apenas para ilustrar queomercado livre é pouco mais que uma ficção. Cada país defende os seus mercados como pode. E, normalmente, quanto mais rico mais proteccionista é. Se pretende exportar o que produz em excesso clama por mercado livre. Se quer defender-se de importações em excesso inventa o que estiver à mão (barreiras sanitárias, sectores estratégicos, ecologia,...). Veja o caso do etanol brasileiro nos EUA, o algodão, as carnes brasileiras na Europa, os vinhos europeus no Brasil, etc, etc, Veja as brigas constantes na OMC.
Os nossos solos e clima podem não ser os mais adequados para uma série de culturas. Há outras soluções. Podemos procurá-los noutras paragens. Olhe os investimentos que a China e países árabes estão a fazer em terras aráveis em África e na América Latina.
«Cada país defende os seus mercados como pode. E, normalmente, quanto mais rico mais proteccionista é. Se pretende exportar o que produz em excesso clama por mercado livre. Se quer defender-se de importações em excesso inventa o que estiver à mão (barreiras sanitárias, sectores estratégicos, ecologia,...).»
Isso pode ser uma descrição adequada do que é.
Mas não do que devia ser.
JV,
"Isso pode ser uma descrição adequada do que é.
Mas não do que devia ser"
Sim. Mas o tempo não está para grandes ingenuidades.
Não se trata de ingenuidade.
Não devemos justificar um mal com o facto dele ocorrer.
Se está mal, devemos pelo menos tentar mudar.
"Se está mal, devemos pelo menos tentar mudar"
É. E acabar com uma mão à frente outra atrás a pedir ajuda a quem sabe defender os seus interesses primeiro do que os dos demais.
O egoísmo alheio como motivação para um acto imoral não desculpa o egoísmo próprio como motivação para esse mesmo acto.
Se os outros agem mal, há que fazer com que não façam. Não é seguir-lhes o exemplo.
Há uma diferença entre lucidez e imoralidade. Uma grande diferença.
JV,
Onde está a imoralidade em saber defender os seus interesses e a sua própria sobrevivência?
«Onde está a imoralidade em saber defender os seus interesses e a sua própria sobrevivência?»
Pode estar ou não estar.
A lucidez é identificar o que é, e a moralidade é almejar o que devia ser.
Se ao defender os nossos interesses estamos a fazer o que deve ser feito, então a nossa acção é moral.
Se ao defender os nossos interesses estamos a fazer algo que todos fazem, mas não devia ser feito, então estamos a ter uma acção imoral.
Considerar que o que deveria ser feito é diferente não é ingénuo. Ao contrário, é lúcido. E passar dessa consideração à acção é moral.
Isto pode ser algo abstracto, e saír do ambito da agricultura e proteccionismo. Mas parece-me fundamental.
"Pode estar ou não estar."
Pois pode. Por isso não se distrai do essencial: País que não trabalha para a lenha e para o pão mais cedo que tarde acaba no pregão.
Rima e tudo, mas creio que aquilo que tem de bom a previsão de uma crise grave algures no tempo, é que nunca falha.
Por isso, sem discordar dessa afirmação, eu faria outra mais geral:
«País que existe, mais cedo ou mais tarde terá uma crise grave»
Não é muito útil nem rima, mas é bem verdadeira.
João Vasco,
Concordo com a resposta que deu ao Luis Lavoura. Quando se fala em Agricultura e Pecuária em Portugal, muita gente pensa em actividades de subsistência. Ora a Agro-Pecuária é uma actividade empresarial como qualquer outra que exige as mesmas ferramentas de planificação e gestão e investimentos estruturais demorados que determinam a sua viabilidade. Por exemplo, a Barragem do Alqueva não se fez de um dia para o outro. Ou, no Brasil, a Embrapa, instituição que coordena a investigação agrária,levou dezenas de anos a desenvolver as variedades de plantas tropicais adaptadas às suas condições que agora lhe dão a supremacia no mercado mundial.
Ena!
Tinha de haver alguma coisa :)
É. Nunca pensei.
"O Estado Novo promovia em 1929 a tristemente famosa Campanha do Trigo (considerado unanimemente como o maior crime ambiental alguma vez cometido em Portugal)"
Sim, senhor. A Campanha foi há 80 anos mas a desertificação só ocorre agora. Logo agora que os terrenos estão baldios!
http://www.agroportal.pt/x/agronoticias/2011/03/18b.htm
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