quinta-feira, 29 de setembro de 2011

Tribunal da relação de Évora promove violência doméstica

Cito integralmente a seguinte notícia do Público:

«Na primeira instância, o Tribunal Judicial de Setúbal aplicara uma pena de um ano e meio de prisão, com pena suspensa, condenando o arguido por um crime de violência doméstica.

A suspensão da pena ficava dependente do pagamento de 8.000 euros à vítima.

O arguido recorreu e o Tribunal da Relação decidiu condená-lo apenas por um crime de ofensa à integridade física simples, em 800 euros de multa, e fixou em 500 euros o valor a pagar à mulher, por danos não patrimoniais.

O tribunal deu como provado que desde 2004 o arguido em "diversas ocasiões desferia murros e pontapés" e injuriava a mulher, com quem era casado há mais de 30 anos.

A 06 de Junho de 2008, o arguido, agricultor, agrediu a mulher com uma cadeira, dando-lhe uma pancada no peito e provocando-lhe uma contusão da parede torácica, um hematoma na região frontal e na mama e escoriações nos lábios e cotovelo.

Segundo a Relação, esta agressão "não foi suficientemente intensa" para justificar a qualificação do crime como violência doméstica.


O mesmo tribunal diz ainda que a descrição, que consta na sentença da primeira instância, sobre a alegada conduta violenta do arguido desde 2004 "mostra-se algo indefinida, vaga e genérica".

"Não esclarece o número de ocasiões em que as agressões ocorreram, a quantidade de murros e pontapés em causa ou qualquer elemento relativo à forma e intensidade como foram desferidos, ao local do corpo da ofendida atingido e suas consequências, em termos de lesões corporais", refere.

Tendo em conta que o arguido é delinquente primário, que já não vive com a mulher e que "apenas se provou em concreto uma agressão", a Relação considera que a pena de multa "satisfaz as finalidades da punição, isto é, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade".»


Esta notícia dá-me a volta ao estômago, e parece confirmar a frustração de Helena Matos. Afinal de contas, que melhor formar de colocar a ridículo todos aqueles cartazes que apelam à denúncia da violência doméstica, do que esta decisão grotesca do Tribunal da Relação de Évora?

8 comentários :

Luís Lavoura disse...

A função dos tribunais não é receber mensagens da sociedade, nem transmitir mensagens à sociedade. A função dos tribunais é aplicar a lei, tendo sempre em conta que só contam os crimes provados e que a função primária da punição é ajudar à reintegração e ao bom comportamento do réu.

Maquiavel disse...

Ainda podem ir ao Supremo.

Tristeza de "país"... quando é que os alemäes no colonizam?

João Vasco disse...

Luís Lavoura:

O dever dos tribunais é aplicar a lei. Este tribunal evitou aplicar a lei com a seguinte alegação:

«A 06 de Junho de 2008, o arguido, agricultor, agrediu a mulher com uma cadeira, dando-lhe uma pancada no peito e provocando-lhe uma contusão da parede torácica, um hematoma na região frontal e na mama e escoriações nos lábios e cotovelo.

Segundo a Relação, esta agressão "não foi suficientemente intensa" para justificar a qualificação do crime como violência doméstica.»

Não foi «suficientemente intensa»???
Então o que é que estava na mente do legislador em termos de «intensidade»? Um piano ou um sofá?

Isto foi uma forma vergonhosa de evitar aplicar a lei. Com consequências dramáticas quando se apela à denúncia. As pessoas vão denunciar o quê?
Parece que se não morrerem durante a agressão mais vale não se darem ao trabalho.

João Vasco disse...

«Ainda podem ir ao Supremo.»

Espero bem que sim. Que a APAV os apoie, ou alguma instituição do tipo.

Os responsáveis por esta decisão grotesca têm de a ver revista por uma instância superior.
E deveriam sentir peso na consciência pelo que fizeram.

Maquiavel disse...

JV, näo concordo que "deveriam sentir peso na consciência pelo que fizeram"... na minha opiniäo deveriam sentir peso da cadeira nos costados pelo que fizeram. :)

João Vasco disse...

Só se o agressor fosse depois julgado pelos mesmos critérios...

Enfim, claro que a violência não é a resposta neste caso. Mas que é revoltante conhecer esta decisão, lá isso é.

Ricardo Alves disse...

Luís Lavoura,
a função dos tribunais não é «enviar mensagens à sociedade»?!

Não concordo. Pode não estar isso escrito em lado nenhum, mas uma das «mensagens» mais importantes que um tribunal passa à sociedade é mostrar que o crime é punido. Ao não punir ou punir pouco, como neste caso, pode causar alarme social porque indica que certos crimes não são punidos.

Ana Paula Fitas disse...

Caro João Vasco,
Fiz link deste post e agradeço.
Um abraço.