«[Há] dois possíveis fundamentos que podem estar subjacentes [à defesa do liberalismo de direita]:
-Argumentos de índole ética. Alega-se que, sendo a liberdade um valor fundamental, ela está em causa quando o estado tem poder sobre a propriedade das pessoas. Assim, independentemente das consequências práticas da tributação e das funções sociais do estado, estas devem ser reduzidas à sua expressão mínima. (Hayek)
-Argumentos de índole utilitarista. Implicitamente assume-se um ponto de vista utilitarista, e um no qual a prosperidade é uma componente central do bem estar. Depois, mostra-se como as organizações sociais onde o estado tem menos peso na economia promovem a prosperidade global. (Friedmann)
Poucos alegam explicitamente este segundo fundamento para a sua posição pessoal. É sempre o primeiro. Mas, na prática, grande parte do discurso liberal de direita é convincente apenas na medida em que passa esta segunda mensagem. Em teoria apela-se à defesa da liberdade, e a prosperidade é uma consequência natural. Na prática, quase todo o discurso é direccionado para mostrar como o liberalismo de direita traria mais prosperidade à sociedade em que fossem implementado.
Neste blogue já denunciei o primeiro fundamento como erróneo. A defesa vigorosa da propriedade privada não só não leva garantidamente à maior liberdade dos membros da comunidade em que ela acontece, como pode em grande medida restringir essa liberdade.»
Nos textos anteriores (do II ao VII) procurei demonstrar como uma série de modelos económicos descritivos adoptados por defensores do liberalismo de direita falham quando confrontados com os dados empíricos.
Depois passei a descrever como, ao contrário do que está implícito na defesa utilitarista do liberalismo de direita, num país rico o aumento ou diminuição das desigualdades tem um impacto muito maior na qualidade de vida do que a variação da riqueza total.
Neste texto mostrarei como as desigualdades têm um impacto significativo na confiança dos cidadãos uns nos outros, no estatuto da mulher, e mesmo até na solidariedade entre as pessoas.
Começo pelo aspecto da confiança dos cidadãos uns nos outros, que é particularmente importante a dois níveis. Por um lado, ele é uma componente relevante do «capital social», e por isso fundamental para criar condições favoráveis ao empreendedorismo, à criação de novos negócios, à criação de riqueza. Um clima de confiança também torna mais difícil a corrupção (porque o comportamento prevaricador está mais afastado do comportamento social expectável), e assim o desperdício de recursos por esta via. Desta forma, políticas que diminuam as desigualdades acabam por poder encorajar a criação de riqueza através deste processo.
Mas o aspecto mais importante não é económico. Uma sociedade onde as pessoas tendem a confiar mais umas nas outras é uma sociedade onde é mais agradável viver. E abstenho-me de explicar porquê.
No livro «The Spirit Level: Why More Equal Societies Almost Always Do Better» são apresentados alguns dados que aqui partilho:
No que diz respeito a esta correlação significativa, Robert Putman, da Universidade de Harvard, alega que a causalidade ocorre em ambos os sentidos: tanto é verdade que o aumento das desigualdades degrada a confiança, como que o aumento da confiança tende a resultar numa diminuição das desigualdades.
Eric Uslander, da Universidade de Maryland, acredita que a causalidade vai no sentido das desigualdades para a falta de confiança, mas não (ou pelo menos não de forma tão significativa) no sentido oposto. Para defender esta posição, Uslander mostra como nas situações em que ocorreu uma variação rápida das desigualdades devido a factores externos ocorreu pouco depois uma significativa degradação na confiança, e vice-versa.
No que diz respeito ao estatuto da mulher na sociedade - quais as desigualdades salariais entre mulheres e homens, a participação política das mulheres, a autonomia económica e social das mulheres, etc. - também existe uma relação significativa com as desigualdades económicas.
Por fim, é significativo observar que naquilo que diz respeito à solidariedade internacional países com menores desigualdades tendem a ser mais generosos.
2 comentários :
Há uma premissa implicita neste post que alguns liberais poderiam discordar - que o liberalismo fomenta as desigualdades (ou, inversamente, que a intervenção estatal é eficiente a reduzir as desigualdades)
Miguel Madeira,
Eu abordo esse ponto no 4º texto desta série:
http://esquerda-republicana.blogspot.com/2010/01/erros-do-liberalismo-de-direita-iv.html
Mas este texto realmente não faz justiça à quantidade de dados empíricos a favor dessa relação.
Este apresenta mais dados:
http://esquerda-republicana.blogspot.com/2010/10/esquerda-e-as-ditaduras-comunistas-iii.html
Creio que já escrevi um com dados "ainda mais" definitivos, mas não encontro.
O livro a que faço referência em ambos esses textos, do Krugman, mostra como essa relação (de políticas redistributivas num contexto democrático com a diminuição das desigualdades) tem forte sustentação empírica.
De qualquer forma, raramente encontro essa objecção. Em geral creio que os «liberais de direita» mais informados alegam que o liberalismo (de direita) não procura as desigualdades, mas não contestam que geralmente as agrava.
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