sábado, 17 de setembro de 2011

Dualidades perversas - Sabedoria e Volição

Há dinâmicas sociais que dificultam a transformação do mundo num lugar melhor. Elas têm origem na existência de características humanas que tanto têm um lado positivo como negativo, sendo muito raro alguém te-las de tal forma que o lado positivo surge sem o negativo associado; ou a ausência do negativo não corresponde também à ausência do positivo.

Olhemos para a sensatez, a razoabilidade, a sabedoria. A estas características está geralmente associado um elevado espírito crítico. Também a elas está associada uma atitude de dúvida, de abertura para mudar de ideias, de consciência profunda da complexidade do mundo, de consciência do quanto não se sabe, e de como é possível que aquilo que se pensa ser correcto face à informação de que se dispõe, pode verificar-se errado na presença de nova informação.
Esta atitude é algo incompatível com uma demonização maniqueísta daqueles que pensam de forma diferente. Com um medo contagiante daqueles que têm ideias diversas.
É também incompatível com uma convicção inabalável, que não conheça dúvidas. Uma certeza profunda e absoluta de que não há qualquer equívoco quando se defende a alto e bom som aquilo que se pensa, uma confiança que quem ouve pode sentir.


Esta convicção tremenda, ou este medo maniqueísta das ideias contrárias, tende a trazer bem mais volição. O conceito de volição distingue-se do de «motivação» na medida em que a motivação é um processo exclusivamente racional, e a volição é todo ele emocional.
Assim, o convicto cruzado tende a ter mais volição em tudo o que envolve a defesa das suas ideias do que o sábio cheio de dúvidas. O primeiro sabe que está certo, tem medo dos que pensam de forma diferente, e não perde tanto tempo a questionar o que faz, centrando os seus esforços na acção. Os que o ouvem podem discordar dos seus argumentos, mas são frequentemente influenciados e algo persuadidos pela confiança com que exprime suas ideias.

E isto também é verdade ao nível de grupos e associações. Onde existem mais elementos cheios de dúvidas, tende a existir menos convicção e volição, e portanto menos eficácia na defesa dessas ideias. Se as ideias mais correctas tendem a atrair grupos com mais elementos sensatos, sábios razoáveis, isto quer dizer que tendem a atrair grupos compostos por elementos menos eficazes na defesa dessas ideias.

É uma pena.

2 comentários :

Anónimo disse...

À lista de critérios que usou/usa para determinar as "ideias mais correctas" talvez devesse adicionar o critério da exequibilidade:

- aquele que, entre outras coisas, entra em linha de conta com a estupidez (capacidade cognitiva do homo sapiens contemporâneo médio) e caoticidade dos fenómenos sociais.

Recuso-me a subscrever uma lista de critérios com os quais se concluem que as "ideias mais correctas" são aquelas que "não funcionam" porque se esqueceram de adicionar o critério da exequibilidade.

Se adicionar este critério, lamento mas terá de pôr as tais "ideias mais correctas" no caixote de "ideias incorrectas" ou então talvez possa construir um compartimento no caixote: "ideias mais correctas do que as restantes ideias-lixo, mas contudo lixo".

Muito obrigado, e está dito.

João Vasco disse...

ttdsxo:

«Se as ideias mais correctas tendem a atrair grupos com mais elementos sensatos, sábios razoáveis, isto quer dizer que tendem a atrair grupos compostos por elementos menos eficazes na defesa dessas ideias.»

Nada aqui implica que as ideias sejam pouco exequíveis, pelo contrário, os «sábios» mais facilmente terão consideração por esse problema adicional.

O problema é que sendo sábios cheios de dúvidas não têm a mesma volição que os fanáticos do lado oposto.

Veja-se por exemplo a altura em que o nazismo chegou ao poder. Imagino que muitos sábios alemães tenham estado contra o nazismo, mas os fanáticos que estavam a favor tiveram mais força.