quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Republicanos só de lapela

Passos e outros ministros ostentam na lapela um pino com a bandeira da República. Suponho que sabem que aquela bandeira foi adoptada após o 5 de Outubro de 1910, data que, decidiram, deixará de ser feriado nacional. Talvez ignorem que foi pela primeira vez desfraldada no 1 de Dezembro de 1910, feriado também suprimido.

Ao que se diz, as cores da bandeira que lhes orna a lapela foram impostas pela Carbonária ao Conselho de Ministros, que preferiria um conciliador azul e branco. Venceram as cores dos heróis da Rotunda, assumidas como o vermelho revolucionário e o verde positivista, porque o 5 de Outubro (como a azia centenária de certos ministros monárquicos bem sabe) foi uma revolução do povo em armas.

Fica agora legitimada a alteração de feriados, sem maior consenso, em sentido contrário. Qualquer futuro governo poderá repor o 5 de Outubro e suprimir, por exemplo, o 10 de Junho, o símbolo que resta da perversão nacionalista da República feita pelo salazarismo. Será talvez por esse nacionalismo pretérito que eles usam o pino. Certamente não o associam aos ideais de laicismo, independência nacional e emancipação pela instrução dos republicanos de há cem anos, contraditórios com a subserviência governamental à Igreja Católica e o apelo a que os mais qualificados emigrem. Seria portanto mais genuíno e coerente que tirassem o pino republicano da lapela.

21 comentários :

Filipe Moura disse...

Discordo totalmente da conclusão final. Só na tua cabeça, Ricardo, é que ostentar a bandeira nacional é sintoma de "republicanismo", ou seja, algo que pelos vistos deveria estar reservado aos republicanos. Isto digo eu, que nem gosto de ostentações da bandeira nacional.

Ricardo Alves disse...

Lá está. É que não é a «bandeira nacional». É a bandeira da República. Em certo sentido, até é a bandeira da Carbonária (porque só tem aquelas cores porque eram as da Carbonária). Não foi inventada pelo Estado Novo. Foi apropriada.

Luís Lavoura disse...

Até que enfim que vejo alguém falar da possibilidade de extinguir o feriado do 10 de junho, o qual, esse sim, não tem qualquer significado (nem histórico nem nenhum outro).

O 10 de junho, dia da morte de Camões, apenas é feriado porque os primeiros republicanos tinham uma obsessão nacionalista e alcandoraram Camões a herói ou padroeiro dessa obsessão. Abandonado esse nacionalismo doentio e abandonada a identificação póstuma de Camões com ele, nada resta para comemorar no 10 de junho.

Semisovereign People at Large disse...

Luís Lavoura disse...

Até que enfim que vejo alguém
diz-se escrever....

o 10 de junho é o único feriado existente em Portugal que milhões de emigrantes comemoram nas associações pelo mundo fora...

o 10 de Junho passado no império centro africano de Jean Bedel Bokassa com 8 portugueses 6 indianos de goa e de moçambique e uns 30 mercenários guineenses foi a maior manifestação de orgulho nacionalista que já bi...
adevia de ser porque Camões foi o primeiro dominatrix gay dos escravos jau's?

viva o 10 de Junho e o 7 de Junho que continuam a ser feriados e dão pelo menos uns 5 dias de ponte e de baixas no funk cionalismus...

Semisovereign People at Large disse...

e a bandeira da carbonária é nice

era mais nice se a fizessem na covilhã...é que bandeira nacional e cachecol da selecção made in china ou viet na me parece fish

Filipe Moura disse...

"Lá está. É que não é a «bandeira nacional». É a bandeira da República. Em certo sentido, até é a bandeira da Carbonária..."

Espantoso, Ricardo. O que se aprende então nas escolas primárias da República está errado, de acordo contigo. Não vou dizer que me tornaste mais monárquico com o que acabaste de dizer (de monárquico não tenho nada), mas deste um pouco mais de razão aos monárquicos quando afirmam que a República, pelo menos nos moldes em que a entendes, não é para todos os cidadãos. Felizmente os republicanos em geral não são sectários a este respeito, como tu és. Olha, deixo-te com a fotografia do maior republicano que já passou por Portugal. Seguramente a pessoa que mais adeptos trouxe para a República, como tu a concebes (é o senhor do bigode):

http://4.bp.blogspot.com/_O8NEhbiXiI8/TH1JR95FyII/AAAAAAAAE5U/HV8ElDNZ-EA/s1600/Scolari_Ricardo.JPG

Ricardo Alves disse...

Ó entidade dos múltiplos pseudónimos,

«o 10 de junho é o único feriado existente em Portugal que milhões de emigrantes comemoram nas associações pelo mundo fora»,

olhe que não é feriado nos States nem na Párris nem no Luxo-hamburger, e lá por ser feriado ou não cá na terrinha não quer dizer que eles o comemorem. Se é por isso, comemorem o 1 de Dezembro.

E também os emigrés já segunda ou terceira geração... tanto se lhes dá.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
acho que consegues fazer um comentário mais construtivo do que esse.

Filipe Moura disse...

Ricardo, para isso tu deverias começar por escrever um post mais construtivo do que este... É a minha opinião.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
a ideia do governo é destrutiva (esta e outras). Eu tentei ser construtivo explicando que aquele pino representa uma bandeira que vem em linha recta do tal feriado que suprimiram.

Quanto à minha ideia de República:

http://laicidade.wordpress.com/2009/11/28/a-ideia-de-republica-de-1910-aos-nossos-dias/

Filipe Moura disse...

Ricardo, a destrutividade do governo (sobre a qual estamos de acordo) não é agora para aqui chamada. O que me choca é ouvir de um republicano que a bandeira nacional na verdade é a "bandeira da Carbonária", algo que até hoje eu só tinha ouvido da boca de monárquicos. Se essa é assim uma bandeira tão sectária e parcial, eu prefiro a bandeira do Sporting. Diz-me mais.
Já agora, o 5 de Outubro é um feriado nacional ou é o "dia da Carbonária"? É que se é o dia da Carbonária, então não deveria mesmo ser feriado. Seria mais representativo o 1 de Julho, a fundação do Sporting.
(Para mim, é um feriado nacional, e a bandeira é nacional.)
Finalmente prefiro nem comentar as tuas teses sobre a República, pois levar-nos-iam a uma discussão sem fim. Só não percebo como é que alguém pode comparar o Afonso Costa (uma figura de uma revolução de um país periférico) com um pioneiro num capítulo da história mundial como o Vasco da Gama. Tu vives mesmo com a cabeça enfiada num certo período da história e não sais daí - com mais de um século de atraso.

Ricardo Alves disse...

Filipe,
já escrevi em várias ocasiões que detesto a cultura política que herdámos do salazarismo e que ainda hoje é «a referência», mesmo que não assumida, para muita gente e em particular para muitos políticos do regime.

Concretamente, a fixação nas «Descobertas», no Afonso Henriques e no Nuno Álvares Pereira, no «Quinto Império» e no António Vieira, constitui um quadro de referência que acho sobrevalorizado. Na realidade, Portugal hoje é uma República democrática. E isso deve-se a uma cultura política que já vem do liberalismo que triunfou em 1820, do republicanismo de 1910 e do 25 de Abril. Interessam-me muito mais os pensadores e heróis de Pombal para cá do que os heróis do reino medieval com o qual, por muito que as pessoas não se apercebam, pouco temos a ver. Já não somos o «país ultramarino», a «pátria do Minho a Timor» e tal. Dir-me-ás que para muita gente, especialmente os mais velhos, as referências são essas. E o problema é mesmo esse, e isso tem que ser combatido para defender a própria democracia. Um dos fracassos da democracia pós-25/4 está justamente aí: em ter aceitado prolongar heróis e acontecimentos que foram utilizados e promovidos pelo Estado Novo para justificar o Império e a ditadura, e não ter criado uma cultura política de referência própria.

Ricardo Alves disse...

Tudo isto para te dizer que não vivo «enfiado» na 1ª República. No texto que te apontei acho que até explico que não se é republicano em 2012 (ou 2010) como se era republicano em 1912 (ou 1910). Por exemplo, não defendo que os republicanos de há um século tiveram razão em não dar o voto às mulheres. Como não subscrevo certos elementos nacionalistas do programa do PRP, que foram depois apropriados e exacerbados (extremados) pelo Estado Novo. (Mas dou-me ao luxo de estar a criticar esses aspectos 100 anos depois, e sei bem que os de há 100 anos não sabiam o que eu sei hoje.)

A República que eu defendo é a de 2012. Se falo tanto da de 1910-26 é porque estudei esse período e sinto que devo reagir aos disparates que monárquicos e católicos vão tentando fazer passar sobre o que aconteceu há 100 anos. Como às vezes reajo quando certa direita diz disparates sobre o que se passou em 1974-75.

Ah, e sobrevalorizas o Vasco da Gama. Sem o piloto que ele subcontratou à saída de Moçambique, não teria chegado à Índia. E de qualquer modo, faz parte de um ciclo que já terminou: o da colonização/descolonização. O Afonso Costa, pelo contrário, sem ele ainda não poderíamos criticar a ICAR e teríamos todos os padres no funcionalismo público. E ensino misturado com religião. Miudezas?

Ricardo Alves disse...

Quanto à simbólica da bandeira, directamente do site da Presidência da República...

«O certo, porém, é que a primeira bandeira da República desfraldada em Portugal foi "verde e encarnada". Malograda a revolução [do Porto, de 31 de Janeiro de 1891], a bandeira "verde-rubra" torna-se para os republicanos a marca fundamental, o símbolo da República, por ora vencida, mas nunca assumida como tal e que em vinte anos de luta havia de vencer, numa sequência de acções que o próprio Partido Republicano planeou.

De facto, ao longo desse período que decorre entre 1891 e 1910, conhecido na história do republicanismo português como o "Período da Propaganda", o Partido Republicano desenvolve uma luta acesa de propaganda política segundo duas estratégias. Por um lado, uma luta antimonárquica afirmando os grandes slogans ideológicos e políticos do ideal republicano: a "Decadência" a que a Monarquia de Bragança conduzira o País; contrapunham-lhe um nacionalismo patriótico e a restauração das glórias do Império; a coligação do Trono e do Altar, em substituição da qual propunham uma separação da Igreja e do Estado, ao que acrescentavam um pendor laico anticlerical; a "Corrupção" generalizada que grassava pelo País, contra a qual opunham a exigência de "probidade" política; e finalmente, o carácter tirânico do regime monárquico, de que a ditadura de João Franco era a simples concretização; contra a tirania opunham, obviamente, a Democracia. Por outro lado, em simultâneo, obedecendo a uma outra lógica e segundo uma outra estratégia, começa a desenvolver-se outra forma de propaganda - a construção da imagética e da simbólica republicanas.

(...)

Ricardo Alves disse...

Ao longo destes vinte anos, a simbólica verde-rubra da bandeira do 31 de Janeiro inscreve-se definitivamente no ideal republicano. Desde as artes mais nobres aos mais simples objectos de uso quotidiano, em toda a iconografia, que simboliza a República, é o verde e vermelho que a representa. De tal forma, que desde o virar do século a própria imagem da "República-Mulher", passa a trajar de verde-rubro.

E quando chega a jornada revolucionária de 3 a 5 de Outubro de 1910 que havia de implantar a República, a bandeira levantada pelos regimentos e navios revoltados era verde-rubra (bipartida, vermelha junto à tralha e a parte maior verde; esfera armilar de ouro assente em fundo azul; estrela de prata com resplendor em ouro. Foi esta a bandeira de Machado Santos na Rotunda e que, vitoriosa a revolução na manhã de 5 de Outubro, foi hasteada em todos os quartéis e finalmente substituiu a bandeira azul-branca no alto do Castelo de São Jorge.

(...)

Passados os primeiros dias de euforia revolucionária, o Governo Provisório, conhecendo a importância da simbólica política e sobretudo o seu impacte sobre a opinião pública, apressa-se a constituí-la para o novo regime, isto é, a determinar os símbolos em torno dos quais se pudesse formular a nova unidade nacional. Assim, e a par das grandes questões de ordem política que se impunham, a questão dos símbolos nacionais foi uma das prioridades do Governo.

Corria na opinião pública que o Conselho de Ministros se inclinava para a bandeira azul-branca. A Carbonária, porém, usando o peso da sua influência, granjeada na revolução, ter-se-ia oposto veementemente. Perante o impasse, decide o Governo formar uma comissão especialmente destinada ao estudo da bandeira e do hino nacionais.

(...)

Estava determinada a nova bandeira portuguesa. De imediato, e antes mesmo que pudesse ser aprovada pela Assembleia Nacional Constituinte, o Governo Provisório estabelece por decreto o dia 1 de Dezembro como sendo o da Festa da Bandeira.

Na manhã de 1 de Dezembro, frente à Câmara Municipal de Lisboa, lugar onde fora proclamada a República em 5 de Outubro, Escola Naval e Escola do Exército, em parada militar, e ao som de "A Portuguesa", prestam homenagem à bandeira "verde-rubra", agora feita bandeira nacional. O desfile das tropas, engrossado por uma multidão de populares em clima patriótico, sobe as ruas da Baixa lisboeta até aos Restauradores, cujo monumento saúda, e segue Avenida da Liberdade acima, até à Rotunda. À tarde seguiu-se um espectáculo no Teatro Nacional.

A Festa da Bandeira foi assim a primeira grande festa cívica, a primeira liturgia de consagração da República.»

O texto é de Nuno Severiano Teixeira, que, como se vê, não é propriamente um republicano radical.

http://jorgesampaio.arquivo.presidencia.pt/pt/republica/simbolos/simbolica.html

Ricardo Alves disse...

Correndo o risco de explicar o óbvio: sim, não teria havido República sem a Carbonária. E portanto nem a bandeira seria aquela, nem o 5 de Outubro seria feriado há um século. E portanto é incongruente que o mesmo governo que acaba com o feriado do 5 de Outubro ande na lapela com a bandeira.

Filipe Moura disse...

Não me contas nada de novo, no que diz respeito à história. Fiquei a saber que, para ti, a bandeira não é "nacional" mas "da república". Para mim a nação é uma república, e acho perigoso distinguir as duas coisas.
Quanto ao resto, é claro que se deveria estudar muito mais história para além dos descobrimentos (e o Afonso Costa é relevante, sim). Mas não queiras compará-lo e a importância dos seus feitos ao Vasco da Gama. Queiras ou não o tal período "glorificado" pelo salazarismo é mesmo aquele em que Portugal teve um papel mais importante no mundo! (O que não significa de forma nenhuma que só ele deva ser estudado.) Mas acho muito mais natural o país dar mais destaque ao Vasco da Gama que ao Afonso Costa.

Filipe Moura disse...

Prefiro a crónica do Nuno Ramos de Almeida: http://5dias.net/2012/02/03/o-pin-do-chines/

Quem se põe com a bandeira na lapela é nacionalista: não é necessariamente republicano!

Ricardo Alves disse...

Filipe,
última tentativa de explicar o essencial: faz tanto sentido andar de bandeira da República e eliminar o 5 de Outubro como faria andar de cravo na lapela e eliminar o 25 de Abril.

Ricardo Alves disse...

Quanto ao resto...

1) Nação é um povo que constitui uma comunidade política. Essa comunidade política pode estar organizada como uma monarquia, uma ditadura, uma teocracia ou uma República. Nação são pessoas. República são instituições.

2) O problema é mesmo até tu achares que o Vasco da Gama é mais importante para o que Portugal é hoje do que o Afonso Costa. Não é. Portugal hoje é uma República democrática com um território europeu. Não é um reino medieval com colónias «ultramarinas». É nisso que a formação escolar se deveria concentrar.

3) Detectar quando se passa de nacional a nacionalismo ou de república a republicanismo pode não ser óbvio.

4) A crónica do Nuno Ramos de Almeida está boa. Mas, se me permites a imodéstia, desconfio que não teria sido escrita se eu não tivesse levado a minha para a lapela... ;);)

Filipe Moura disse...

Ricardo, última tentativa de explicar o essencial: está na Constituição que a bandeira nacional é um símbolo nacional, ao contrário do cravo de Abril: http://www.presidencia.pt/?idc=38
(Nota que eu bem gostaria que o cravo fosse um símbolo nacional, em vez da - horrível - bandeira da Carbonária. As cores seriam as mesmas e tudo.) Pelo que a tua comparação não faz sentido. Mas o essencial é isto: por muito que isso te custe, NÃO É OBRIGATÓRIO SER-SE UM FERRENHO REPUBLICANO COMO TU PARA USAR A BANDEIRA!

Reconheço perfeitamente que o Afonso Costa é mais importante para o Portugal de hoje que o Vasco da Gama, atenção. Mas não para a história universal! É neste pequeno detalhe que eu discordo do texto que lincaste. Não gosto da forma como está escrito. Tal como não gosto da forma como está escrito o teu texto do I. Prefiro o do Nuno Ramos de Almeida, com que concordo totalmente. Concordamos com as ideias gerais desses textos, mas discordamos no que temos vindo a discutir aqui. E agora dá-me licença - a ver se arranjo tempo de escrever uns posts! (A sério, não vale a pena discutir mais.) Bom fds.