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«Autoridade de Segurança Alimentar e Económica» («A.S.A.E.») noticia no seu
site que logo nos primeiros dias deste mês inspeccionou as feiras de Lagos, Castelo Branco, Brandoa e Esposende.
Na sequência destas operações foram instaurados 59 processos-crime por contrafacção e usurpação de direitos de autor e foram efectuadas 16 detenções.
Foram ainda apreendidos CD’s e DVD’s, peças de vestuário, óculos, sapatos, bonés, cintos, malas, relógios e perfumes.
É inegável, de facto, esta renovada eficácia da «A.S.A.E.», como é inquestionável o efeito dissuasor que tem constituído em todo o país a publicitação das suas actividades.
Pois bem: A fotografia aqui ao lado retrata a fachada de um estabelecimento comercial instalado na Rua de Santa Justa, na Baixa de Lisboa, e que se apresenta ao público com esta fantástica denominação comercial:
«Farmácia Homeopática de Sta. Justa».
Neste estabelecimento comercial são livre e impunemente vendidos, ou melhor, "impingidos" ao público, preparados misteriosos a preços astronómicos, embora sejam mistelas compostas quase só por água e nunca ninguém tenha conseguido demonstrar a sua eficácia ou sequer o seu efeito.
Tanto assim que todos esses preparados contêm obrigatoriamente um rótulo com a seguinte inscrição:
«Produto farmacêutico homeopático, sem indicações terapêuticas comprovadas».
Nalguns deles recomenda-se que sejam afastados da humidade, embora pouco mais sejam do que água, e também que sejam afastados de «fontes electromagnéticas».
E o que é mais curioso é que há gente para tudo. Há até pessoas que são capazes de dar a crianças que estão doentes uma zurrapa que tem escrito no seu próprio rótulo: «sem indicações terapêuticas comprovadas»!
Na verdade, estas mixórdias não têm «indicações terapêuticas comprovadas», nem podiam ter!
Porque o princípio dos «medicamentos homeopáticos» não é mais do que administrar às pessoas que estão doentes o mesmo«mal» que as está a afectar, só que desta vez... diluído em água.
Em muita, muita, muita água.
Ah! Mas só depois de tudo ser muito bem sacudido ritualmente em todos os sentidos, mas também não mais do que duas ou três dezenas de milhão de vezes, de acordo com as instruções específicas que o inventor deste gigantesco logro, um alucinado chamado Samuel Hahnemann, deixou expressas há mais de duzentos anos.
Designa-se isto por «Lei dos Semelhantes».
Funciona assim: um determinado produto dado a um indivíduo sadio, produzirá um conjunto de sinais e sintomas. Então, esse mesmo produto, em pequenas doses muito, muito diluídas (e depois de muito bem sacudido, claro está), produzirá a cura em doentes que tenham sinais e sintomas semelhantes.
É simples! Não é?
É assim que um «medicamento homeopático» destinado a combater insónias, por exemplo, é composto por... isso mesmo:cafeína! Que mais poderia ser?
Mas uma cafeína assim muito bem diluída em água, porque quanto mais diluído estiver o «medicamento», mais eficaz ele é, claro está!
E é por isso que os homeopatas diluem, diluem, diluem, até obter níveis de diluição numa proporção de 10 elevado à potência de 30, 40 ou 50. E então, cá temos um medicamento bem forte. De «alta potência», como lhe chamam os homeopatas.
Tão potente que a proporção de diluição deixou mesmo para trás o «Número de Avogrado»!
Os homeopatas chegam a apresentar medicamentos diluídos em proporções tais que para se fazer uma ideia da sua «potência», basta sabermos que para obter níveis de diluição semelhante, por exemplo, para um grão de arroz, seria necessário termos uma esfera de água do tamanho do Sistema Solar, com o diâmetro da órbita de Plutão, com o Sol no meio e tudo!
Mas onde vai esta gente buscar tanta água???
Mas isto não é nada:
Tomemos como outro exemplo o «medicamento homeopático» mais receitado para a gripe, que se chama «Oscillococcinum» e que é produzido a partir de fígado de pato.
Este preparado é anunciado (decerto com muita honestidade e seriedade) como tendo uma diluição numa proporção de 10 elevado a 400 — ou seja, 1 seguido de 400 zeros.
Mas acontece uma coisa curiosa: há apenas 10 elevado a 80 (1 seguido de 80 zeros) de átomos em todo o universo.
É assim que a homeopatia consegue «medicamentos» com proporções de diluição muito para além do próprio limite de diluição de todo o universo visível!
Mas isto é tudo muito científico e é tudo malta séria!!!
Mas enfim:
De preparados compostos quase exclusivamente de água, e em que se confia que um elemento químico qualquer, apesar de diluído vezes sem conta (e depois de sacudido), permanece na
«memória da água», isto é que a água "memoriza" as propriedades químicas das moléculas que entram em contacto com ela, não se pode esperar que
«façam mal».
A não ser à carteira, porque são normalmente caros como um raio!
Mas também não se pode esperar que
«façam bem»!E então, é aqui que reside precisamente o que há de perigoso nesta aldrabice que se chama homeopatia:
É que, enganadas por uma auto-denominada «medicina» que se «credibiliza» unicamente pelo recurso ao adjectivo
«alternativa», que agora está na moda, muitas pessoas deixam de receber um tratamento médico verdadeiramente adequado, tantas vezes com consequências bem trágicas para a sua saúde. E até para a sua vida.
Mas o que é curioso é que tudo isto se passa nas barbas e com a complacência do
«Infarmed».
O que, de facto e como é de calcular, me deixa muito receoso quantos aos critérios que presidem à definição das competências e das responsabilidades deste Instituto Público, dependente do Ministério da Saúde.
Como posso confiar num organismo estatal que ao mesmo tempo que é responsável pela avaliação dos medicamentos de uso humano, ele próprio
«confessa» sem qualquer vergonha no seu
site que o é também quanto a essas coisas tão curiosas «à base de plantas» e «homeopáticas» e a que ele próprio tem a desfaçatez de chamar...
«medicamentos»?
Ora, e já que não sabemos o que é que aquela gente anda a fazer lá pelo «Infarmed», e como é que os seus brilhantes técnicos e responsáveis avaliam a quantidade de «memória» que um produto químico homeopático deixou na água em que foi diluído, para depois autorizar impunemente a sua venda ao público, assim proporcionando a crescente prosperidade de uma indústria milionária de venda de «banha da cobra», ainda nos resta uma última esperança:
É que a actividade destas coisas chamadas
«Farmácias Homeopáticas» cabe bem dentro do âmbito das competências de fiscalização da
«A.S.A.E.».
Assim sendo, será que a
«A.S.A.E.», entre duas visitas a feiras por esse país fora, e entre duas apreensões de meia dúzia de cd’s piratas ou de camisas «Lacoste» falsas, não tem tempo de dar uma olhadela a esta actividade misteriosa e esotérica com reflexos bem importantes não só na carteira das pessoas mas, muito principalmente, na sua saúde?