segunda-feira, 30 de abril de 2012

O ser humano e a natureza

No que diz respeito à importância relativa do homem face aos outros seres vivos, observo duas posições que considero  profundamente erradas.
Uma, algo ingénua e bem intencionada, mas certamente superficial, é considerar que o homem vale tanto como os restantes seres vivos. Que deve merecer a mesma consideração moral. 
Talvez o absurdo desta perspectiva se torne mais claro fazendo uma ligeira alteração ao esquema:

A sério? O mesmo que uma melga ou uma bactéria? Nesse caso, nem é possível avaliar se qualquer acção do ser Humano sobre o meio ambiente é positiva ou negativa. Quem sabe se o aquecimento global ou um holocausto nuclear não fariam a terra aumentar a sua bio-massa devido à quantidade de novas bactérias e outros seres vivos afins? A morte e sofrimento de galinhas e touros torna-se perfeitamente irrelevante, visto que correspondem a uma pequena quantidade de bio-massa quando comparadas à quantidade de bactérias, fungos e vírus com os quais ninguém se preocupa.

Por outro lado, a posição oposta (esta?), de que apenas o ser humano merece consideração quando se consideram os impactos das acções sobre terceiros, parece-me também equivocada:
Novamente, quero ilustrar o erro desta perspectiva:
Para se afirmar que o ser humano merece consideração moral, mas nenhum outro ser vivo deve ser alvo dessa preocupação, é preciso justificar a diferença com base numa diferença radical que o ser humano tenha face aos outros seres vivos. Para quem acredita no sobrenatural, e que o Homem tem alma mas os outros animais não, essa posição ainda poderia ter razão de ser. Mas na natureza as coisas não são tão simples: as diferenças entre os vários animais correspondem a um contínuo. 

Por uma regulação sensata das touradas

Os debates sobre as touradas são habitualmente polarizados entre os defensores dos «direitos dos animais» (sic) e os «defensores da tradição». Não alinho nem por uns nem por outros: não considero que os animais não humanos sejam sujeitos de Direito, e a defesa da tradição pela tradição ou me é indiferente ou, pelo precedente, perigosa.

A ERC recusou ao BE a interdição da transmissão de touradas na TV pública. É a resposta certa à pergunta errada. Não vejo como se podem proibir as touradas nas TV´s sem se proibir, em coerência, a transmissão de outros espectáculos (por exemplo, o boxe). Mas também me parece difícil de entender que não haja limitações à exibição de touradas, que deveriam ser emitidas em horários menos nobres e sinalizadas como espectáculo violento.

Mas, mais importante: choca-me que as touradas sejam um espectáculo onde podem entrar, legalmente, crianças a partir dos seis anos. Com a mesma idade, não podem assistir a muitos filmes em salas de cinema. E os militantes anti-tourada, se não estivessem entrincheirados no maximalismo de as proibir, poderiam avançar por aí para uma regulação sensata e coerente de um espectáculo a que muitos estão insensibilizados desde crianças.

Grécia: subida dos anti-tróica mas tudo na mesma?

As eleições na Grécia (já no domingo) têm merecido pouca atenção nos media e na blogosfera (com uma excepção). E no entanto, vai a votos o país que vai «um ano à nossa frente» na espiral da crise.

A confirmarem-se as sondagens, os resultados não serão muito tranquilizadores para a esquerda. O PASOK, como era de esperar, será quase varrido do mapa (passará de 44% para uns 15%). A esquerda mais radical beneficia, mas (atendendo às circunstâncias) muito pouco: o KKE (os únicos comunistas da UE «antiga» mais estalinistas do que o PCP) passarão de 7,5% para 10%; já o SYRIZA (o BE lá do sítio) irá de 4,5% para 11%. Portanto, numa situação que já foi descrita quase como «pré-revolucionária», os «revolucionários» terão cerca de 20%. A Esquerda Democrática (equivalente a uma união entre dissidentes do BE e do PS) que se apresenta pela primeira vez e é anti-tróica mas não anticapitalista, terá uns 8%. Ou seja, a esquerda «anti-tróica» ganhará votos e deputados, mas no meio de uma crise criada pelo capitalismo a esquerda como um todo perderá bastante.

A direita até pode ganhar. A Nova Democracia, lado direito do bloco central grego, comprometida como está com o troiquismo, é certo que perde: irá de 33% para uns 23%. Os seus dissidentes «anti-tróica» (o ANEL) terão uns 10%. O LAOS, que era descrito por toda a imprensa como «extrema-direita» antes de ir para o governo, passa de 5,6% para 3,6%, enquanto os neo-nazis (é o termo apropriado) surgem com 5%. A direita anti-tróica também deve ganhar votos e deputados.

Este cenário é confuso para um país em que o bloco central costumava esmagar. A pulverização partidária é agora enorme (há ainda os ecologistas e outros partidos de dissidentes, mas a minha paciência não chega lá). O sistema eleitoral simplifica: com 40 deputados de «jackpot» para o partido mais votado e imensos círculos eleitorais, a proporcionalidade entre votos e deputados nunca existiu e obviamente existirá ainda menos desta vez. O mais provável, ironia das ironias, é que o novo parlamento grego tenha uma maioria pró-tróica com os dois actuais partidos de governo: a Nova Democracia e o PASOK. Ou seja, ficará tudo na mesma. Com a pequena diferença de que os «anti-tróica» terão todos «subidas» para os motivar (e alentar novos protestos).

domingo, 29 de abril de 2012

O Insurgente & etc.

Eu não acho que os neoliberais tenham apreço pela liberdade, ou deixem de ter. Nem acho que os neoliberais tenham uma filosofia. A "filosofia" deles é a "filosofia" da Ayn Rand: possidónia, lambida, infantil, pomposa e dramática. Há 14 anos a ouvi-los aqui no Texas, todos os dias, há muito que deixei de considerar "as ideias" da direita neo-liberal como uma coisa séria. Os argumentos deles são argumentos de miúdos com uma idade mental de sete anos. São contra ou a favor do estado consoante a discussão em que se empenham em cada dado momento. Quando se apanham no governo gastam mais que os socialistass, apertam os direitos dos cidadãos o mais que podem, impõem as ideias da semana com uma raiva evangélica e um desprezo total pela democracia ou pela liberdade. Não há lógica no discurso deles, nem regras, nem coerência interna. Por isso é tão cansativo lê-los e ouvi-los, ou tentar discutir com eles. O discurso da direita neo-liberal é um discurso fora da lógica e das regras do discurso intelectual. Não vale a pena lê-los nem ouvi-los. O Hayek está para a economia como o Paulo Coelho está para o estudo das filosofias orientais. Por isso teve uma vida insignificante até a Margaret Thatcher o desenterrar do esquecimento merecido a que o mundo o tinha votado, e o promover da mesma forma que Alan Greenspan promoveu a Ayn Rand. O Hayek e a Ayn Rand são os Thierrys Guettas da direita.

Liberal Insurgente

Ao ler uma discussão na caixa de comentários do Insurgente, a propósito da oposição de Ricardo Lima (e Miguel Noronha nos comentários) à ocupação da Escola da Fontinha, encontrei palavras de alguém que assina como JoanaOutono que traduzem aquilo que sinto em relação àquele blogue e aos seus autores:

«Na cabeça de um liberal insurgente, o Estado está lá apenas para punir exemplarmente, seja de que modo for. A única liberdade que conhecem é a liberdade de ter. A única iniciativa privada que conhecem é a de ter mais. A única função do estado que conhecem é a de proteger à bastonada o que têm e o que querem ter. Por isso é que ficam neste alvoroço quando suspeitam da liberdade dos outros.»

Para ser sincero, conheço o blogue e seus autores apenas superficialmente, mas precisamente porque, em relação ao que conheci, fiquei com a percepção acima descrita. O Blasfémias ainda tem um ou outro que parecem ter um genuíno apreço à liberdade, mesmo que desses também discorde significativamente em relação a vários assuntos.

Uma imagem sobre a economia norte-americana


sábado, 28 de abril de 2012

A CISPA foi aprovada na Casa dos Representantes

Para a CISPA se tornar lei ainda falta ser aprovada no Senado, e pela Casa Branca, que a pode vetar. No entanto, tendo passado na Casa dos Representantes, parece difícil que não venha a ser aprovada.
Os resultados foram:

Votos favoráveis
Republicanos: 206           Democratas: 42

Votos contrários
Republicanos: 28             Democratas: 140

Abstenções
Republicanos: 7               Democratas: 8

Uma vez que os Democratas detêm a maioria do Senado, e que existe o procedimento parlamentar de obstrução designado por filibuster, ainda há alguma hipótese da lei ser travada nessa Câmara Legislativa. Vai depender, em grande medida, da mobilização que se verificar.
Reforço portanto a minha sugestão anterior.

Duas pessoas são uma manifestação

O caso dos panfletos (uma activista constituída arguida por distribuir panfletos) é descrito no Expresso e surgem algumas informações novas, e até uma correcção. Afinal, o grupo que distribuía panfletos não era composto por 4 pessoas, conforme relatado, mas por 8.

Se o leitor acredita que 4 ou 8 faz pouca diferença, a PSP acompanha-o: ambos os números são superiores a dois, número a partir do qual já se justifica tratar o grupo como uma «manifestação». A PSP defende estas considerações citando a lei:

«A porta-voz da PSP, Carla Duarte, argumenta que perante a lei "duas pessoas já fazem uma manifestação" e que "a PSP não tem de justificar a sua atuação". Acrescenta ainda que no caso em questão se tratou de "um grupo de oito pessoas e não de quatro" e que a notificação da pessoa em causa se deveu a "não ter comunicado à câmara de Lisboa" a organização do protesto.

A PSP invoca o Decreto-Lei n.º 406/74 e um parecer da Procuradoria Geral da República de 1989 que indica que "manifestação será o ajuntamento em lugar público de duas ou mais pessoas com consciência de explicitar uma mensagem dirigida a terceiros".»

Pena não se ter lembrado de citar também a lei fundamental, a nossa Constituição:

«Direito de reunião e de manifestação

1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização.

2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação.»

Estas declarações e omissões da PSP revelam arrogância e desprezo pelos direitos políticos dos cidadãos, além de um vergonhoso desperdício dos recursos públicos. Parecem ter como objectivo a intimidação, o desencorajamento da participação política activa. Espero que tenham o efeito oposto. Para não trair o 25 de Abril.

Uma decisão judicial revolucionária

Um juiz do tribunal de Portalegre decidiu que seria «enriquecimento injustificado» um banco pedir a diferença entre o valor de avaliação (ou da dívida?) e o valor de compra de uma casa comprada com um empréstimo do banco. No caso concreto, o valor da dívida ao banco era de 129 521 euros, o imóvel fora avaliado em 117 500 euros e o banco comprou-o por 82 250 euros. O banco reclamou o pagamento dos restantes 46 356 euros. E o juiz decidiu que não, que o banco não tinha direito a esse dinheiro.

Admito que os contornos do caso não são totalmente claros pela notícia, mas um juiz decidir contra um banco num caso destes é uma excelente novidade.

sexta-feira, 27 de abril de 2012

Activista constituída arguida por distribuir panfletos

Quando li o título da notícia pensei que se trataria daqueles títulos sensacionalistas que acabam depois desmentidos pelo corpo na notícia.

Nem por isso: «Uma activista foi constituída arguida sob a acusação do crime de desobediência. O crime estaria caracterizado pelo facto de a cidadã ter distribuído panfletos numa “manifestação sem autorização” em frente ao Centro de Emprego do Conde Redondo, em Lisboa.

A dita “manifestação” foi uma ação de contacto com desempregados empreendida por quatro ativistas que distribuíram panfletos do Movimento Sem Emprego, no Dia Mundial do Desempregado, uma data que se assinala a 6 de março desde 1930»

Mas que ataque à Democracia é este?

O Brasil racializa-se

Infelizmente, o Supremo Tribunal do Brasil decidiu que é constitucional ter quotas nas universidades para «negros e pardos». Imagino que a justificação de quem promove politicamente esta discriminação seja que é uma discriminação positiva. Mas as discriminações positivas só o são para quem beneficia delas. Para os outros são discriminação negativa. E distinguir «raças» é algo que deveria ter terminado no século 20.

Revista de blogues (27/4/2012)

  • «(...)  A Islândia é hoje um exemplo de recuperação económica. Tem um desemprego de 7%, muito superior ao que está habituada, mas muito abaixo dos países em crise. Teve, o ano passado, um crescimento de 3%. Acima da maioria dos países europeus. Vários sectores da economia estão a saber aproveitar a queda da coroa. Tudo isto, três anos depois de ter vivido o 11º maior colapso financeiro da história mundial. (...) Basta pensar nisto: os três bancos falidos correspondiam a oito vezes o PIB da Islândia.
  • (...) Apesar de terem visto, graças a decisões do governo e da justiça, impensáveis noutro país, as suas dívidas por empréstimo para a compra de casa reduzidas - depois do colapso tinham aumentado entre 40% e o triplo - continua a ser incomportável pagá-las. E é a dívida, e não a crise económica - que ali se sente muitíssimo menos do que aqui - que está a corroer a confiança dos islandeses nas suas instituições democráticas. Mesmo para os que, e são muitos, não as pagam há dois anos.
  • (...) O endividamento das famílias, das empresas e dos Estados tem servido para discursos simplistas, que ignoram a mutação que se operou no capitalismo desde os anos 80. Hoje, toda a economia e toda a sociedade vive para financiar a banca e os mercados financeiros em vez de acontecer o oposto. O que tem de acontecer para voltar a pôr as instituições financeiras no lugar que lhes tem de caber é global e exige uma extraordinária coragem política - aquela que nem aos islandeses está a chegar. A dividocracia (...) é, depois das ideologias totalitárias dos anos 30, o mais poderoso instrumento de subjugação dos cidadãos e dos Estados a poderes não eleitos. Vencer a chantagem do poder financeiro - que alimenta a dívida e se alimenta da dívida - é, neste momento, a primeira de todas as batalhas de quem se considere democrata. É aqui que se fará a trincheira de todos os combates políticos deste início de século.» (Daniel Oliveira)

Manifestações: devem ser feitas e valem a pena?

Já desde há alguns anos que oiço várias pessoas desanimadas com a ideia de participar em manifestações. À direita, a ideia de que a forma «legítima» de exercer o poder é nas urnas, de que tentar condicionar ou pressionar os agentes políticos pela mobilização, militância ou «força» é fundamentalmente anti-democrático. À esquerda a ideia de que «o sistema» já «integrou» as manifestações, e que estas representam uma «válvula de escape» que facilita a alienação e dificulta a mudança, sendo antes de mais um «espectáculo» de hipocrisia.  E entre quem dá pouca atenção à política a ideia mais simples de que «não servem para nada».

Os argumentos de alguma direita contra as manifestações são fracos. As manifestações são uma forma de participar no debate político que deve ser permanente, e não limitado às vésperas das eleições. Não são apenas destinadas aos políticos, mas aos outros eleitores. São uma forma de exprimir o quanto a causa diz aos participantes, de dar relevância jornalística ao que mobiliza os manifestantes, de fazer com que os debates que animam a sociedade sejam suscitados por aquilo a que as pessoas dão importância, e menos pelas escolhas editoriais dos órgãos de comunicação social. As manifestações são um reflexo dessa liberdade fundamental que é a liberdade de expressão; são uma forma de lhe dar uso efectivo - são, em suma, uma forma de discurso. 
Claro que devem influenciar a classe política, na medida em que o discurso influencia: ou porque os decisores políticos se apercebem do mérito daquilo que é proposto (antes podiam nem sequer ter dado atenção ao caso); ou porque se apercebem da influência deste discurso entre os restantes cidadãos, e portanto decidem alterar a forma de os representar. 

Mais delicados são os restantes argumentos que mencionei. As manifestações podem mudar alguma coisa? Têm eficácia? Valem a pena? 

Sim.

Em primeiro lugar interessa-me frisar que, em política, o cinismo em excesso é completamente contra-producente. É uma profecia auto-concretizada. Se «o sistema» não funciona, o cinismo que justifica a inacção é um dos culpados. A verdade é que, na nossa história recente, várias manifestações tiveram uma influência política significativa. Seria de esperar que maior mobilização política melhorasse a qualidade da representação política e vice-versa. 

Mas a força das manifestações vem também de um aspecto em particular à qual poucos parecem dar atenção. Este aspecto explica o medo que as manifestações podem exercer sobre regimes opressivos, que fazem significativos esforços para as impedir. São uma conquista difícil que muitos desvalorizam num cinismo que justifica a preguiça. Segue-se um vídeo de Steven Pinker que explica bem aquilo aquilo a que me refiro:

Chamavam-lhes «Deolindos» e diziam que eram mimados

quinta-feira, 26 de abril de 2012

26 de abril de 1974

A minha coluna de hoje, 26 de abril de 2012, no jornal As Beiras:

Selecções do «Que Treta!»


No blogue «Que Treta!» Ludwig Krippahl escreveu dois interessantes textos que cito parcialmente para encorajar uma leitura integral:

«O problema do défice torna este ponto particularmente relevante: "A Santa Sé, a Conferência Episcopal Portuguesa, as dioceses e demais jurisdições eclesiásticas, bem como outras pessoas jurídicas canónicas constituídas pelas competentes autoridades eclesiásticas para a prossecução de fins religiosos" estão isentas de qualquer imposto ou contribuição sobre "As prestações dos crentes para o exercício do culto e ritos; Os donativos para a realização dos seus fins religiosos; O resultado das colectas públicas com fins religiosos; A distribuição gratuita de publicações com declarações, avisos ou instruções religiosas e sua afixação nos lugares de culto; Os lugares de culto ou outros prédios ou parte deles directamente destinados à realização de fins religiosos; As instalações de apoio directo e exclusivo às actividades com fins religiosos; Os seminários ou quaisquer estabelecimentos destinados à formação eclesiástica ou ao ensino da religião católica; As dependências ou anexos dos prédios [destinados] a uso de instituições particulares de solidariedade social; Os jardins e logradouros [desses prédios]; Os bens móveis de carácter religioso […]; Aquisições onerosas de bens imóveis para fins religiosos; Quaisquer aquisições a título gratuito de bens para fins religiosos; Actos de instituição de fundações"»
Treta da semana: a Concordata.

«Mas há um aspecto importante, mais fundamental ainda, no qual o governo de agora está mesmo a trair um ideal da revolução. Mesmo sem ideias políticas concretas, em 25 de Abril de 1974 havia um ponto no qual a população estava quase toda de acordo. Portugal devia deixar de ser governado por uns poucos que impunham a sua vontade aos restantes e passar a ser governado por representantes da maioria e ao serviço da vontade do povo. Ou seja, passaria a ser uma democracia. [...]
Infelizmente, a maioria de agora parece que não quer saber disso para nada. Essa indiferença e apatia, parece-me, é que é a pior traição ao 25 de Abril. »
25 de Abril traído.

Contas furadas


Este texto de Paulo Morais exprime bem parte daquilo a que me refiro quando escrevo que «[Passos Coelho] não preside a um governo que ponha em prática as políticas e valores da «direita liberal». Lutarei politicamente contra tais políticas, mas não me revolta visceralmente que alguém que prometeu concretizá-las o faça: é o seu mandato democrático. Aquilo que verdadeiramente me indigna é a avassaladora onda de corrupção, desperdício»

Felizmente, não é só a mim. Eis um destaque do dito texto:

«Além do mais, Gaspar falhou as promessas de cortar nas enormes gorduras do Estado, de terminar com os negócios em que o Estado favorece os grupos económicos do regime e de combater a corrupção. Gaspar não renegociou as escandalosas parcerias público-privadas, para não incomodar as concessionárias. Não reestruturou a dívida pública, o que pouparia milhares de milhões, optando por continuar a favorecer os bancos. As finanças nem sequer ousaram reduzir os valores de alugueres e rendas de favor que o Estado paga pelas suas instalações, muito acima do valor de mercado.

Até agora, os únicos beneficiários destas políticas desastrosas são os grupos económicos do regime, que continuam, intocáveis, a lambuzar-se na gamela do Orçamento do Estado. Está pois na hora de mudar de políticas nas finanças e trocar de protagonista.»

Maria José Morgado ao ataque

Presidente da Ongoing deverá ser constituído arguido no caso das “secretas”.

Haja esperança de que a impunidade não seja total.

quarta-feira, 25 de abril de 2012

As portas que não se podem fechar

O regime saído do 25 de Abril legitimou-se pelas armas, pela população nas ruas e pelo voto nas urnas, mas também pelos progressos políticos e sociais inscritos, ou não, na Constituição de 1976.

Nestes incluem-se salário mínimo e subsídio de desemprego, serviço nacional de saúde e alargamento da escolaridade obrigatória, ou ainda liberdade de manifestação e pluralidade da informação. A legitimidade da democracia não depende portanto apenas de eleições, mas também da satisfação das expectativas de melhoria da proteção social, massificação da instrução e universalização de cuidados de saúde quase gratuitos. E o regime tem sido o menos contestado da nossa história por a população sentir que o seu nível de vida subiu, o analfabetismo e a mortalidade infantil caíram, ou que os jovens podem ir para a universidade e ter um emprego sem emigrarem.

A pretexto da troika e do diktat alemão, Passos e Portas atacam no todo ou em parte progressos que estabilizavam há 38 anos o pacto social entre governantes e governados, tornando este governo o menos legítimo histórica e socialmente desde Caetano. Sente-se mesmo algum revanchismo em medidas emblemáticas como o fim do 5 de Outubro, ou até comprazimento no ataque a direitos laborais. Não terminará pelas armas, mas sim com uma nova maioria que garanta à República o regresso ao rumo que mantinha desde 1974.

Nem «donos da democracia» nem monges

Os militares do MFA arriscaram fazer a revolução, muitos foram prejudicados por a fazerem, cumpriram com eleições um ano depois, renunciaram ao Conselho da Revolução, saíram da cena política e globalmente não procuraram fazer carreira política significativa (com a excepção de Eanes, de quem, sintomaticamente, não se fala).

São «donos da democracia»? Não. Nem falam como tal, nomeadamente através da Associação 25 de Abril. Não compreendo portanto o incómodo que geram intervenções como a de há poucos dias. É suposto serem menos cidadãos do que os outros? Irem para casa, colocarem as pantufas e ficarem à frente da televisão? São monges ou eunucos? Não. Têm o direito de fazer intervenção cívica e política. E de dizer o que pensam. Em igualdade com os outros cidadãos, e com a mesma liberdade.

Adenda: «Não somos donos do 25 de Abril. Desde o próprio Dia da Libertação que ele pertence ao povo português! Não abdicamos é de também o considerarmos nosso» (hoje, no Rossio).

Obrigado Miguel


Era leitor fiel da revista Vida Mundial e do semanário Já dirigidos pelo Miguel Portas. Mas foi um artigo no DN sobre a pobreza no Iémene que me chamou a atenção para a personagem. Era uma opinião de esquerda que sobressaía largamente do lote. Sempre que comentava os seus artigos do DN não ficava sem resposta. Da troca de galhardetes surgiu uma amizade que durou até hoje. Quando colaborei com o Miguel no Parlamento Europeu tive o privilégio de assistir à forma intensa, contagiante e mobilizadora como intervia na política europeia. O Miguel era uma daquelas estrelas de brilho raro que ofuscava o céu cinzento da política europeia.
Obrigado Miguel pela forma humana, criativa, entusiasta, bem disposta e inteligente com que encaraste o trabalho de eleito ao serviço do povo.

Viva o 25 de Abril!

terça-feira, 24 de abril de 2012

Revolução no Jumento

Um texto forte, a propósito da chegada do 25 de Abril:

«Aproveitando-se da crise financeira a direita decidiu fazer a sua revolução para “endireitar” o país mais de trinta anos depois do 25 de Abril de 1974. É uma revolução sem grande programa, que segue as instruções de um modesto economista até há pouco desconhecido e anda ao sabor das sondagens. Tal como a revolução de Abril também esta tem os seus três “d”, um “d” de desvalorização social, outro de desemprego e um terceiro de destruição do modelo social.
É uma revolução sem ideias e sem projectos que promete o paraíso a partir das cinzas do modelo social resultante do 25 de Abril, nada se vai construir, os pobres não têm o direito a qualquer ilusão para o futuro, o ensino e o saber não são importantes e devem custar o menos possível, o Estado social deve ser eliminado para libertar recursos para o capital.[...]
Prometem um país novo graças à competitividade, mas a competitividade que tanto anunciam obedece a padrões económicos de meados do século XX, é animada pelos baixos salários sustentados pelo elevado desemprego, estimula as empresas que apostam em mão de obra pouco qualificada. Desta forma libertam-se os fundos aplicados no ensino e investigação, há toda a vantagem em eliminar os apoios sociais aos desempregados e com excesso de mão-de-obra jovem há toda a vantagem em desinvestir no sector da saúde, mais saúde significa mais esperança de vida e mais longevidade acarreta mais gastos em saúde com a terceira idade e mais gastos em pensões.[...]
Esta gente esquece que os pobres, os trabalhadores e a classe média podem voltar a revoltar-se e desta vez pode suceder que tal não aconteça na primavera, época em que há muitas flores para disparar. Esta gente tem tanto de idiota como de irresponsável.»

Soares e Alegre têm razão

Este governo não é um governo como os de Durão Barroso, Santana Lopes ou até Cavaco Silva. O que está em causa na violência dos cortes sociais, na total subserviência ao estrangeiro ou ainda na mudança da atitude da polícia, para já nem falar do simbolismo de o 5 de Outubro deixar de ser feriado, é muito mais do que aquilo que aconteceu durante qualquer desses governos da direita, com a excepção limitada de alguns episódios do cavaquismo (principalmente no seu estertor).

Têm portanto toda a razão Mário Soares e Manuel Alegre em manifestarem o seu protesto ausentando-se das comemorações oficiais do 25 de Abril. E entende-se porque Passos Coelho assobia para o lado...

Abril não desarma


Uma pedrada no charco pertinente, útil e muito necessária. Há que acordar.

segunda-feira, 23 de abril de 2012

25 de Abril sempre?

«Pela primeira vez, a Associação 25 de Abril não vai participar nas celebrações oficiais da Revolução dos Cravos. A justificação: “a linha política seguida pelo actual poder político deixou de reflectir o regime democrático herdeiro do 25 de Abril configurado na Constituição da República Portuguesa”.»

O primeiro parágrafo desta notícia «obriga-me» a ler o resto:

«“O poder político que actualmente governa Portugal configura um outro ciclo político que está contra o 25 de Abril, os seus ideais e os seus valores. Em conformidade, a Associação 25 de Abril anuncia que não participará nos actos oficiais nacionais evocativos do 38.º aniversário do 25 de Abril”[...]
os subscritores do manifesto deixam também um apelo “ao povo português e a todas as suas expressões organizadas para que se mobilizem e ajam, em unidade patriótica, para salvar Portugal, a liberdade, a democracia”. Os militares ressalvam que esta “atitude não visa as instituições de soberania democráticas, não pretendendo confundi-las com os que são seus titulares e exercem o poder”, até porque consideram que “os problemas da democracia se resolvem com mais democracia”[...]
a associação não quer com estas palavras apelar a uma intervenção militar: “De maneira nenhuma, confiamos em que [a instituição militar] saiba comportar-se e não intervenha fora da democracia. Longe de nós qualquer apelo à intervenção militar, antes pelo contrário”, afirmou.[...]
uma “posição clara contra a iniquidade, o medo e conformismo” que consideram estarem a instalar-se na sociedade portuguesa.»

É uma posição forte. Mas os tempos exigem posições fortes.

Sectarismo na esquerda francesa: NPA/LCR e Verdes


A NPA (o novo oleado da LCR) escolheu voluntariamente a via do sectarismo recusando a aliança com Mélenchon, mas muito pior que isso foi a escolha de um candidato absolutamente impreparado para representar o programa da LCR. Mais uma vez a LCR não resistiu ao populismo barato e escolheu um candidato com o único propósito de ir rapar votos a um sector da sociedade sem haver a mínima preocupação de perceber se o candidato estava preparado ou motivado para representar essas ideias. Foi um desastre, Philippe Poutou foi recorrentemente gozado nos debates e entrevistas em que participou pelas inúmeras gafes e desconhecimento completo de alguns dos principais tema políticos e do seu próprio programa político.
Em 2001, em Estrasburgo, tive oportunidade de participar em debates com Alain Krivine. Independentemente de concordarmos ou não com ele, constatei de perto que o homem era uma verdadeira sumidade. Desde então a escolha dos candidatos da LCR/NPA não se processa segundo a capacidade do candidato para transmitir o programa político, mas antes segundo o cálculo do voto que se vai buscar se o candidato é carteiro, ou se usa lenço ou se trabalha na indústria automóvel (ouvir a intervenção Michel Onfray sobre este assunto). O populismo barato e o sectarismo explicam os 1,15% obtidos.


Os Verdes decidiram escolher uma candidata contra Nicolas Hulot, de longe o Verde francês mais popular. Apesar de não se candidatar, há cinco anos as sondagens chegaram a colocá-lo nos 15%. Mas como Nicolas Hulot é um militante recente e não estava suficientemente purificado, a ala mais sectária dos Verdes franceses estendeu-lhe todas as cascas de banana possíveis para evitar a sua escolha como candidato. Conseguiu-o, Eva Jolly foi eleita candidata, mas era uma candidata sem motivação, sem grandes ideias ou estratégias que pudessem encaixar no programa dos Verdes. A sua campanha foi errática, confusa e sem chama como testemunham os 2,3% obtidos. No entanto, é preciso não esquecer que o ponto fraco dos Verdes são as presidenciais, a sua posição contra o sistema presidencialista sempre mobilizou pouco os militantes ecologistas.

Sobre a forma como o Governo americano dá dinheiro à alta finança



A isto não devem ser alheias as contribuições de campanha...

A eleição presidencial francesa, 1ª volta

Sarkozy está a duas semanas de conseguir o prodígio de ser o primeiro presidente da 5ª República francesa a não ser reeleito. É um sinal claro de como a crise europeia já chegou à França, e de como todos as cabeças governantes da Europa vão rolar eleitoralmente, uma a uma.

filha de Le Pen recupera votos que o pai perdera em 2007 (época do cartaz de cima), mas 18,3% não me parece surpreendente: é pouco mais do que na 2ª volta de 2002 (17,8%). Por chocante que seja que um dos países centrais da UE tenha um eleitorado com quase 20% de extremistas de direita, a realidade é essa há um quarto de século. Creio mesmo que se pode dizer que a «desdiabolização» do FN falhou e que dificilmente a Le Pen se sentará num gabinete de poder (ao contrário do que Fini conseguiu).

Hollande carrega a pesada responsabilidade de grande parte da esquerda europeia esperar dele não apenas que seja o primeiro presidente francês de esquerda desde Miterrand, mas até que inverta o rumo da UE. É muito.

Mélenchon posicionou-se para ser o parceiro menor de um governo de esquerda francês, dependendo do resultado de umas próximas legislativas. É incoerente o entusiasmo do BE por alguém que não hesitará em negociar o poder com os socialistas. E que reduziu à insignificância a extrema esquerda francesa (que somou 1,7% agora contra 7,1% em 2007).

A segunda volta será decidida pela vontade que o eleitorado centrista de Bayrou ou extremista da Le Pen tenha de se livrar de Sarkozy ou pelo temor que tenha de arriscar Hollande. Será interessante.

domingo, 22 de abril de 2012

Hollande 28 Sarkozy 26

Segundo a rádio belga Première, sondagens feitas à boca das urnas dariam o primeiro lugar a Hollande com 28%, seguido de Sarkozy com 26%, Marine Le Pen com 16%, Jean-Luc Mélenchon 13% a 14% e François Bayrou cerca de 10%. A abstenção está abaixo dos 20%, o que é notável nos tempos que correm.

Para acabar de vez com a sondagem da católica

Verifica-se facilmente que os respondentes à sondagem da Universidade Católica sobre religião mentiram analisando os resultados para a região norte (ver gráfico na Ecclesia). A soma das percentagens de «católico militante» (12,2%) e «católico observante» (29,0%) dá 41,2%. Ou seja, dois em cada cinco respondentes disseram que vão à missa pelo menos uma vez por semana. Viseu faz parte da região norte, e não é de crer que tenha uma percentagem de «missalizantes» muito inferior à média dessa região. A própria ICAR contou, o ano passado, as cabeças presentes na missa. Eram 20% da população local. E não acredito que tenham subestimado o número. Logo, entre as duas pessoas em cada cinco que disseram ir à missa (sondagem) e haver uma em cada cinco que a diocese de Viseu disse lá estarem... metade dos que disseram ir à missa mentiram.

[Esquerda Republicana/Diário Ateísta]

A palhaçada da «liberdade de escolha»

Há uma década ou mais que os neoliberais nos matracam as meninges com o lema da «liberdade de escolha». Dizem que «querem escolher a escola dos filhos».

Na realidade, sempre puderam. Primeiro, podem escolher entre o ensino privado e o ensino público. Segundo, se escolherem o ensino público podem escolher entre a área de residência e a área de emprego de um dos progenitores. Terceiro, podem seriar cinco escolas na área que escolheram. Há anos que é assim.

Agora, as brilhantemente «liberalistas» cabeças que estão no governo anunciam que «os pais vão ter total liberdade de escolha da escola». Bela treta: a única alteração é que poderão seriar cinco escolas, sejam ou não na área de residência ou de emprego (em meio rural, a oferta é tão pequena que a escolha é inexistente e esta é uma não notícia). E como as escolas não podem aceitar um número infinito de alunos, são evidentemente as escolas que acabam por escolher os alunos, mantendo o critério lógico e natural de os progenitores residirem ou trabalharem na área da escola. E portanto fica tudo na mesma em 98% dos casos. Tanto barulho para isto.

Acontece que a ofensiva da «liberdade de escolha» não termina aqui. Como afirmam claramente os clericais, o objectivo final é alargar o regime de «contratos de associação» de forma a que qualquer escola privada «associada» (com missa obrigatória ou não, com selecção social dos alunos ou não) seja subsidiada pelo Estado na forma do famigerado «cheque ensino». Portanto, os «liberais» querem é subir a renda que as escolas privadas extraem do erário público. O «neoliberalismo», neste e noutros casos, é aumentar a despesa do Estado para engordar os privados.

E como Nuno Crato não hesitou em violar o memorando com a tróica (que previa a redução de despesas públicas com o ensino privado), é de temer que lhes dê o que querem...

sábado, 21 de abril de 2012

A arte da propaganda

A crise actual teve início em 2008. E tinha uma bandeirinha lá no topo: «a desregulamentação financeira provocada pelas políticas associadas ao liberalismo de direita dá nisto». As primeiras reacções à crise foram impressionantes: grande parte da esquerda, triunfante, acreditava que tinha chegado a sua hora: «nós bem avisámos, e vocês não deram ouvidos. A crença cega na eficiência dos mercados dá nisto.», e muita direita, em pânico, reconhecia os seus erros (Alan Greenspan foi um dos exemplos mais célebres).

Mas essa situação não durou muito. Os meios de comunicação social estão cada vez mais concentrados em menos mãos, e uma propaganda bem financiada tem muita força. E para alguns, com meios e recursos para influenciar o discurso político, estas ideias que iam ganhando força não eram nada convenientes.

Hoje grande parte da população está convencida que as políticas preconizadas pelo liberalismo de direita são a solução para a actual crise. As mesmas políticas que a provocaram, e de cujo fracasso a própria existência da crise constitui prova. É essa a arte da propaganda.

Será que começam a surgir respostas transformadoras?

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Sarkozy, Silvia Šarközy

Senhoras e senhores, diretamente da Eslováquia, Silvia Šarközi (lê-se charcouzi), cigana da minoria húngara e vocalista dos Cigánski Diabli. Bom fim de semana.

Continua a dança dos feriados

Novo episódio: CIP contra ICAR.
  • «(...) o presidente da Confederação Empresarial Portuguesa - CIP recordou que a decisão sobre os feriados surgiu na sequência de "equilíbrios possíveis dos parceiros sociais em sede de concertação" social. "Quando agora se alteram as regras de jogo, isso desequilibra o acordo e nesse sentido temos que voltar à concertação social para encontrar os equilíbrios para os desequilíbrios que foram introduzidos" (...) "Quando agora vêm dizer que já não são quatro, que podem ser só dois agora e depois para o ano vemos quais são os dois religiosos que se vão considerar, estamos a adulterar as regras do jogo", considerou. "Se os feriados forem retirados e não entrarem em vigor este ano ou se forem abandonados teremos que ir à concertação social para ver outras medidas que sejam compensadoras", afirmou» (Diário de Notícias)

Revista de imprensa (20/4/2012)

  • «Há muitos anos, numa entrevista televisiva, o já desaparecido empresário António Champalimaud surpreendeu-me por um rasgo de profunda e sóbria humanidade: interrogado por uma jornalista acerca do motivo que o levara a deixar a paixão da caça, Champalimaud limitou-se a responder que começara a sentir uma espécie de náusea quando compreendeu que a caça estava a contribuir para o desaparecimento de muitas espécies. Não consta que Champalimaud tenha sido presidente honorário de nenhuma organização ecologista, como é o caso do rei espanhol D. Juan Carlos. Limitou-se a ser consequente nos actos com aquilo que lhe parecia ser um imperativo ético evidente. É essa a diferença que separa a profundidade da frivolidade. O Rei de Espanha enverga na lapela o emblema da organização conservacionista WWF, mas continua a matar elefantes, uma das espécies mais emblemáticas e ameaçadas do mundo. A vaga de protestos em Espanha contra esta dispendiosa escapadela cinegética para África do rei de um país com 23 % de desempregados, na mira da especulação financeira, e com um problema de separatismo que só aumentará com a brutal redução do orçamento das autonomias, talvez tenha ajudado a derrubar o mito de que só a monarquia salva o Estado espanhol da fragmentação. O tiro de Juan Carlos talvez não tenha derrubado só um elefante. Ele terá ajudado a dissipar os preconceitos que ainda explicam o absurdo de manter monarquias hereditárias em Estados de direito, onde, como dizia Thomas Paine, só "a lei é o rei"... Contra esta frivolidade monárquica, um pouco de austeridade republicana será uma bênção para a Espanha.» (Viriato Soromenho Marques)

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Menu a três euros e meio

Fui jantar a um estabelecimento da baixa coimbrã onde era proposto um menu a três euros e meio: sopa, prato e sobremesa. Li várias vezes "menu a três euros e meio". Para me certificar de não sei o quê, mudei de página e voltei à página inicial e continuava lá escrito "menu a três euros e meio". Quando chegou a empregada a minha escolha foi clara: "quero um menu a três euros e meio". Queria degustar o sabor da crise. A sopa, de legumes, foi o melhor do menu. Nalgumas tascas do norte da Europa poderia facilmente ser cobrada a três euros e meio. Escolhi salsicha com ovo estrelado, era a opção quatro. A opção um era omelete, a dois era um filete de frango e a terceira não me recordo. O acompanhamento era sempre o mesmo: batata frita e salada. Uma salsicha engelhada de lata (não era Nobre nem Izidoro, era pior) acompanhava um ovo borrachóide com a gema cozida. Era tudo mau no prato principal. A sobremesa era uma gelatina de fruta que poderia integrar sem problemas um menu a 5,99 € de uma cadeia de comida rápida ou que poderia ser vendida à peça na Disneylandia na Califórnia a dez dólares mais taxas.

No final daquele repasto que não foi muito delicado com o meu esófago e as minhas paredes intestinais, fiquei a pensar longamente no esforço de todos aqueles habitantes, transeuntes e trabalhadores da baixa cuja única opção para se manterem à tona é aquele menu a três euros e meio. Mas o meu pensamento foi também para a gente séria da banca e da finança, para aqueles voos de jato da empresa, Lisboa-Nova Iorque, para as senhoras dos gestores irem às compras e para os bravos corretores da City que depois de passarem uma árdua jornada de trabalho a carregar em botões onde se joga a sorte de trabalhadores mal pagos a milhares de quilómetros de Londres acabam o dia num clube hípico local fazendo apostas milionárias nas corridas.

O despejo da Es.Col.A


«O Porto chora» com o despejo da Fontinha, afirma o Es.Col.A.

Em relação a isto, subscrevo o comentário de Paulo Raposo:

«[...] A Câmara Municipal do Porto está a tentar matar algo que reabilita a zona do centro do Porto e que tem o apoio da população. Cabe à Câmara defender os interesses da população [...]. Não cabe à Câmara reprimir ideias e projectos cidadãos, de indubitável mérito e valor, ainda para mais levados a cabo em edifícios que se degradavam a olhos vistos e aos quais a Câmara não conferia qualquer uso. [...]»

Seria interessante permitir a continuação deste projecto, é lamentável que sejam gastos recursos a afogar ideias e projectos com potencial.
Dizem que não se pode despejar uma ideia, e que portanto este projecto não morrerá. Apesar da frase sonante, não é claro que isso aconteça. A ver vamos.

Nota adicional: não posso deixar de destacar, no vídeo da reportagem da RTP, as palavras da entrevistada: «Houve mesmo brutalidade policial. Excessiva. A pontos... Eu... Eu nunca tinha presenciado nada igual». Mais um pequeno sintoma de uma evolução preocupante.

Discriminar os mações

Discriminar os mações é apontar a dedo todos os «suspeitos» de o serem, enquanto não se faz o mesmo aos do Opus Dei, aos da Ordem de S. Miguel de Ala, aos Rosa-Cruzes e outros. E tem sido essa a prática sistemática dos media nos últimos meses.

Revista de blogues (19/4/2012)

  • «(...) Jean-Luc Mélenchon soube segurar a trincheira, mas também soube rebelar-se quando foi preciso. Cansado da moleza do Partido Socialista francês, saiu escrevendo um manifesto contra a submissão permanente do centro-esquerda. O título era “agora chega!” — ça suffit comme ça! Mas o seu cansaço, que o levou a formar o Partido de Esquerda e a procurar uma aliança com os comunistas, era tanto contra a moleza do PS como contra a inconsequência da esquerda radical francesa. O Novo Partido Anticapitalista, de Olivier Besancenot, cheio da sua arrogância purista, quis ficar de fora de uma aliança que teria (entre outras conquistas) “roubado” o lugar de eurodeputado a Jean-Marie Le Pen. Hoje desapareceu.
  • Jean-Luc Mélenchon é hoje candidato a “terceiro homem” nas eleições francesas. Nenhuma sondagem lhe dá menos de dez por cento, algumas dão-lhe quinze ou mais, e algumas até o põem à frente de Marine Le Pen, o que desejo fervorosamente que ele consiga. Muita gente declara-se surpreendida. Eu não.
  • (...) Na Grécia, que terá eleições no próximo dia 6 de maio, há uma aventura semelhante — a da Esquerda Democrática. A Esquerda Democrática é uma coligação entre duas cisões, uma vinda dos socialistas e outra da esquerda radical: é como se em Portugal a ala esquerda do PS se aliasse aos bloquistas mais abertos. Em apenas um ano, estão nas sondagens acima dos dez por cento, e já apareceram em primeiro à frente de todos os outros partidos de esquerda.
  • Em Itália, temos a “Esquerda, Ecologia e Liberdade”, de Nicchi Vendola, governador da Puglia. Há diferenças entre esta gente toda. Mas há uma coisa em comum: quiseram correr riscos e fazer parte da solução. Porque hoje há soluções para lá de manter a trincheira. Mas é preciso tentá-las.» (Rui Tavares)

quarta-feira, 18 de abril de 2012

França vista de Portugal



A primeira volta das presidencial francesa será já no domingo. Estranhamente, e apesar de o presidente francês ser de facto o vice-governador da União Europeia, a eleição parece interessar pouco à opinião publicada em Portugal.

Merkozy parece ferido de morte no dia em que escrevo. Dificilmente uma vitória de Hollande permitirá a Merkel manter o rumo actual do espaço político em que, sem referendos nem verdadeiro debate, estamos inseridos desde 1985. O próprio Sarkozy foi forçado pela dinâmica eleitoral a contestar o consenso monetarista europeu, enervando Berlim com sugestões de que o BCE deveria apoiar o crescimento económico.

Há lições portuguesas da política francesa, embora três circunstâncias hexagonais não tenham paralelo por cá (a reduzida expressão da esquerda anticapitalista incapaz de exercer o poder, o peso da extrema-direita da dinastia Le Pen e o eleitorado centrista de Bayrou, decisivo mas imprevisível).

Primeira lição: o quadro europeu não é imutável e uma viragem antineoliberal parece mais próxima, tornando absurda a pressa de Coelho e Seguro de aprovar a emenda constitucional alemã.

Segunda, a esquerda mais radical devia aprender com Mélenchon como é possível apresentar uma proposta credível e moderna a partir do legado republicano e socialista.

Terceira, a esquerda que cede sistematicamente ao BCE e a Berlim vai perder uma desculpa.

Revista de imprensa (18/4/2012)

  • «Max Weber considerava serem três as qualidades que permitem a um ator político tornar-se num estadista. São elas: a paixão; o sentido da responsabilidade; e a capacidade de avaliação. Quem tenha escutado Passos Coelho e Paulo Portas no "debate" parlamentar sobre a ratificação dos Tratados da chanceler Merkel facilmente perceberá que Portugal, nem remotamente, é governado por estadistas. Os Tratados de Merkel não valem nada por si próprios. Nunca serão cumpridos. A Espanha do socialista Zapatero apressou-se a inserir a regra de ouro (do défice orçamental) na Constituição, e o resultado foi um explosivo valor de 8,5% em 2011! A Grécia, que está em estado comatoso, foi o primeiro país a votar o Tratado Orçamental. A falta de capacidade de avaliação de Passos e Portas é tal que nem percebem o ridículo de nos juntarmos aos gregos na pressa de ratificar tratados que nunca iremos cumprir! O sentido da ratificação destes tratados por Portugal não pertence à política, mas à etologia, à ciência do comportamento animal. A UE, agora que o Tratado de Lisboa está enterrado, pode ser comparada a um bando de gorilas, trocando entre si gestos de domínio e submissão. A irresponsabilidade de Passos e Portas apenas diz: "A chanceler manda, e nós obedecemos!" Berlim está a conduzir a Europa de uma situação de crise para a catástrofe geral. Os danos materiais e morais causados pela rigidez germânica na periferia europeia são já de um valor incalculável. A Passos e Portas falta, ainda, uma qualidade mais básica para o bom governo: ser capaz de pressentir o perigo iminente. O País está exangue, face a um abismo onde a sombra da morte do projeto europeu se insinua, avassaladora. Passos e Portas apenas têm paixão para sussurrar ao ouvido de Merkel: "Vamos em frente!"» (Viriato Soromenho Marques)

Submarinos, de novo

Há razões para suspeitar de interferência do poder executivo nas decisões judiciais?

Eu diria que sim. Em primeiro lugar, como já mencionei, o desfecho surpreendente do caso Portucale.

Em segundo lugar, o famoso caso dos submarinos. Relembremo-nos de alguns episódios anteriores: na Alemanha dois ex-gestores da empresa Ferrostaal foram condenados por terem subornado gregos e portugueses, e na Grécia foi preso o ministro da Defesa que esteve envolvido no dito caso. Em Portugal, o processo arrasta-se há anos e Paulo Portas nem sequer foi indiciado.

Agora, o episódio mais recente: «PGR diz que não há dinheiro para perícias e aguarda verbas do governo»: «O procurador-geral da República (PGR) justificou hoje o atraso na investigação do caso da compra por Portugal de dois submarinos à Alemanha com a falta de dinheiro para a realização de perícias.»

É preciso dizer mais?

terça-feira, 17 de abril de 2012

Descoberto o caminho para a saída da crise

O Comité Central do Partido Clerical Português não tem dúvidas:
  • «Portugal afunda-se hoje numa profunda crise económica e social, a que não é alheia a teia legislativa dos últimos seis anos de governação, destruidora dos pilares estruturantes da Sociedade (...)».
E quais foram as causas da crise? Suspenda a respiração, caro leitor, porque combatendo as causas combate-se a crise, e os clericais propõem medidas para resolver a crise de uma penada: basta reverter seis-leis-seis dos últimos anos.
  • «Estas medidas são também instrumentos indispensáveis para saldar o défice e a dívida, assegurar a sustentabilidade do Estado Social e sair da crise em que o Governo anterior nos deixou».
Quais são as medidas que nos permitirão sair da crise, segundo as cabeças pensantes do clericalismo nacional (que incluem Bagão Félix, Manuel Braga da Cruz, Gentil Martins, César das Neves, Isilda Pegado e Soares Loja)? Pois é, caro leitor, a dívida e o défice ficarão «saldados» se se revogarem («no todo ou em parte», veja-se lá a moderação dos nossos ultramontanos) as seguintes leis:
  1. «Reprodução artificial»;
  2. «Liberalização do aborto»;
  3. «Lei do divórcio»;
  4. «Casamento entre pessoas do mesmo sexo»;
  5. «Lei de mudança de sexo»;
  6. «Lei do financiamento do ensino particular e cooperativo».
Se duvida que a revogação destas leis nos permitirá «voltar aos mercados», é porque tem fraca fé, caro leitor.

Ir a tribunal por dizer a verdade

É hoje que o Luís Grave Rodrigues vai a tribunal por dizer a verdade sobre a homeopatia. Parece-me o dia adequado para reproduzir na íntegra o post que gerou o processo (por difamação). Se o obscurantismo quer evitar a reprodução deste post, é mesmo divulgá-lo que é preciso.

«Sem indicações terapêuticas comprovadas



«Autoridade de Segurança Alimentar e Económica» («A.S.A.E.») noticia no seu site que logo nos primeiros dias deste mês inspeccionou as feiras de Lagos, Castelo Branco, Brandoa e Esposende.
Na sequência destas operações foram instaurados 59 processos-crime por contrafacção e usurpação de direitos de autor e foram efectuadas 16 detenções.
Foram ainda apreendidos CD’s e DVD’s, peças de vestuário, óculos, sapatos, bonés, cintos, malas, relógios e perfumes.

É inegável, de facto, esta renovada eficácia da «A.S.A.E.», como é inquestionável o efeito dissuasor que tem constituído em todo o país a publicitação das suas actividades.

Pois bem: 
A fotografia aqui ao lado retrata a fachada de um estabelecimento comercial instalado na Rua de Santa Justa, na Baixa de Lisboa, e que se apresenta ao público com esta fantástica denominação comercial:
«Farmácia Homeopática de Sta. Justa».

Neste estabelecimento comercial são livre e impunemente vendidos, ou melhor, "impingidos" ao público, preparados misteriosos a preços astronómicos, embora sejam mistelas compostas quase só por água e nunca ninguém tenha conseguido demonstrar a sua eficácia ou sequer o seu efeito.

Tanto assim que todos esses preparados contêm obrigatoriamente um rótulo com a seguinte inscrição:
«Produto farmacêutico homeopático, sem indicações terapêuticas comprovadas».
Nalguns deles recomenda-se que sejam afastados da humidade, embora pouco mais sejam do que água, e também que sejam afastados de «fontes electromagnéticas».

E o que é mais curioso é que há gente para tudo. Há até pessoas que são capazes de dar a crianças que estão doentes uma zurrapa que tem escrito no seu próprio rótulo: «sem indicações terapêuticas comprovadas»!

Na verdade, estas mixórdias não têm «indicações terapêuticas comprovadas», nem podiam ter!
Porque o princípio dos «medicamentos homeopáticos» não é mais do que administrar às pessoas que estão doentes o mesmo«mal» que as está a afectar, só que desta vez... diluído em água.
Em muita, muita, muita água.
Ah! Mas só depois de tudo ser muito bem sacudido ritualmente em todos os sentidos, mas também não mais do que duas ou três dezenas de milhão de vezes, de acordo com as instruções específicas que o inventor deste gigantesco logro, um alucinado chamado Samuel Hahnemann, deixou expressas há mais de duzentos anos.

Designa-se isto por «Lei dos Semelhantes».
Funciona assim: um determinado produto dado a um indivíduo sadio, produzirá um conjunto de sinais e sintomas. Então, esse mesmo produto, em pequenas doses muito, muito diluídas (e depois de muito bem sacudido, claro está), produzirá a cura em doentes que tenham sinais e sintomas semelhantes.
É simples! Não é?

É assim que um «medicamento homeopático» destinado a combater insónias, por exemplo, é composto por... isso mesmo:cafeína! Que mais poderia ser?
Mas uma cafeína assim muito bem diluída em água, porque quanto mais diluído estiver o «medicamento», mais eficaz ele é, claro está!

E é por isso que os homeopatas diluem, diluem, diluem, até obter níveis de diluição numa proporção de 10 elevado à potência de 30, 40 ou 50. E então, cá temos um medicamento bem forte. De «alta potência», como lhe chamam os homeopatas.
Tão potente que a proporção de diluição deixou mesmo para trás o «Número de Avogrado»!

Os homeopatas chegam a apresentar medicamentos diluídos em proporções tais que para se fazer uma ideia da sua «potência», basta sabermos que para obter níveis de diluição semelhante, por exemplo, para um grão de arroz, seria necessário termos uma esfera de água do tamanho do Sistema Solar, com o diâmetro da órbita de Plutão, com o Sol no meio e tudo!
Mas onde vai esta gente buscar tanta água???

Mas isto não é nada:
Tomemos como outro exemplo o «medicamento homeopático» mais receitado para a gripe, que se chama «Oscillococcinum» e que é produzido a partir de fígado de pato.
Este preparado é anunciado (decerto com muita honestidade e seriedade) como tendo uma diluição numa proporção de 10 elevado a 400 — ou seja, 1 seguido de 400 zeros.

Mas acontece uma coisa curiosa: há apenas 10 elevado a 80 (1 seguido de 80 zeros) de átomos em todo o universo.
É assim que a homeopatia consegue «medicamentos» com proporções de diluição muito para além do próprio limite de diluição de todo o universo visível!
Mas isto é tudo muito científico e é tudo malta séria!!!

Mas enfim:
De preparados compostos quase exclusivamente de água, e em que se confia que um elemento químico qualquer, apesar de diluído vezes sem conta (e depois de sacudido), permanece na «memória da água», isto é que a água "memoriza" as propriedades químicas das moléculas que entram em contacto com ela, não se pode esperar que «façam mal».
A não ser à carteira, porque são normalmente caros como um raio!

Mas também não se pode esperar que «façam bem»!

E então, é aqui que reside precisamente o que há de perigoso nesta aldrabice que se chama homeopatia:
É que, enganadas por uma auto-denominada «medicina» que se «credibiliza» unicamente pelo recurso ao adjectivo «alternativa», que agora está na moda, muitas pessoas deixam de receber um tratamento médico verdadeiramente adequado, tantas vezes com consequências bem trágicas para a sua saúde. E até para a sua vida.

Mas o que é curioso é que tudo isto se passa nas barbas e com a complacência do «Infarmed».

O que, de facto e como é de calcular, me deixa muito receoso quantos aos critérios que presidem à definição das competências e das responsabilidades deste Instituto Público, dependente do Ministério da Saúde.
Como posso confiar num organismo estatal que ao mesmo tempo que é responsável pela avaliação dos medicamentos de uso humano, ele próprio «confessa» sem qualquer vergonha no seu site que o é também quanto a essas coisas tão curiosas «à base de plantas» e «homeopáticas» e a que ele próprio tem a desfaçatez de chamar... «medicamentos»?

Ora, e já que não sabemos o que é que aquela gente anda a fazer lá pelo «Infarmed», e como é que os seus brilhantes técnicos e responsáveis avaliam a quantidade de «memória» que um produto químico homeopático deixou na água em que foi diluído, para depois autorizar impunemente a sua venda ao público, assim proporcionando a crescente prosperidade de uma indústria milionária de venda de «banha da cobra», ainda nos resta uma última esperança:
É que a actividade destas coisas chamadas «Farmácias Homeopáticas» cabe bem dentro do âmbito das competências de fiscalização da «A.S.A.E.».

Assim sendo, será que a «A.S.A.E.», entre duas visitas a feiras por esse país fora, e entre duas apreensões de meia dúzia de cd’s piratas ou de camisas «Lacoste» falsas, não tem tempo de dar uma olhadela a esta actividade misteriosa e esotérica com reflexos bem importantes não só na carteira das pessoas mas, muito principalmente, na sua saúde?
Ou será que a «A.S.A.E.» anda ainda ocupada com coisas bem mais... importantes?»

Angela Quixote

A Alemanha e a Europa estão a ser governadas por uma pessoa demente. É a única explicação que me sobra para o que o Jornal de Negócios nos conta hoje. Merkel terá afirmado que,
"Os países da Europa que emitiram muita dívida estão de tal forma nas mãos dos mercados financeiros que já não conseguem tomar decisões por si mesmos. Temos de garantir que taxas de juro elevadas não nos levam ao ponto em que também deixamos de ter controlo sobre o nosso futuro".
O país que se fala no momento, Espanha, tinha em 2007 uma dívida equivalente a 36% do PIB - um dos valores historicamente mais baixos entre os países ricos nas últimas décadas.
A Alemanha tem neste momento taxas de juro reais negativas (até as nominais já o foram)! No curto-prazo a Alemanha está a pagar 0,09%. Mesmo a 10 anos tem um valor historicamente baixo de 1,75%. Este último número é importante para mostrar a sua demência, porque nele está contido aquilo que os mercados esperam que aconteça na Alemanha ao longo dos próximos 10 anos. Tanto uma como a outra taxa estão abaixo da inflação que têm vindo a acontecer, ou seja os investidores estão a perder valor ao emprestar a Alemanha. Conclusão da chanceler: a Alemanha precisa de mais austeridade.
A Europa está dominada por uma mulher que de um modo quixotesco luta com inimigos invisíveis, deixando para trás um rasto de crise social que o continente não conhecia há décadas.

As propinas da Universidade Católica vão baixar?

Se a ICAR está tão preocupada com o abandono no Ensino Superior e sugere «não aumentar o valor das propinas, reforçar o montante do Estado para a Acção Social e tornar mais justos os critérios de atribuição de bolsas», não sei porque se dirige ao Estado. Poderia tomar a iniciativa e baixar as propinas na Universidade Católica. Ou aumentar as bolsas nessa Universidade.

Portugal na NPR

Aqui nos EUA a NPR fez antes de ontem uma notícia sobre Portugal e disse que a segurança social estava a acabar, que Portugal era o país mais pobre da UE, que menos de 30% dos portugueses acabou o liceu, que o desemprego está nos 14% (30% para os mais novos), e que a economia vai implodir.

Nem uma palavra sobre a desigualdade, que para os americanos é uma consequência natural da capacidade de cada um (os americanos acreditam que os pobres são pobres porque são estúpidos, preguiçosos, ou estúpidos e preguiçosos).

Vistos daqui os portugueses não são diferentes dos americanos: não se importam de serem roubados e explorados, lambem as botas que lhes dão pontapés e, sempre que podem, reelegem os ladrões.

Todos os americanos que conheço aqui no Texas voltavam a eleger o Nixon em vez do McGovern e acham que o Bush foi um grande presidente. A verdade é que não há sádicos sem masoquistas.

segunda-feira, 16 de abril de 2012

Apontamentos sobre uma sondagem

A Universidade Católica fez, em Novembro, uma sondagem de rua a 3500 pessoas. Os resultados parcelares estão nos jornais de hoje e merecem alguns breves comentários.
  1. A percentagem de pessoas sem religião aumenta relativamente a outro estudo de 1999: passa de 8.2% para 14.2%. Nesse grupo, os ateus passam de 2.7% para 4.1%, os agnósticos de 1.7% para 2.2% e os indiferentes de 1.7% para 2.2%.
  2. As pessoas de outras religiões passam de 2.7% para 5.7% (evangélicos de 0.3% para 2.8%, testemunhas de jeová de 1% para 1.5%, não cristãos de 0.2% para 0.8%).
  3. Os católicos passam de 86.9% para 79.5%.
Estes resultados parecem-me razoáveis e expectáveis. Mas há um segundo conjunto de dados que me parece mais discutível. 
  1. 31.7% dos portugueses (dizem que) vão à missa «pelo menos uma vez por semana» e 14% «pelo menos uma ou duas vezes por mês». Algo de muito estranho se passa aqui: os 31.7% que (dizem que) vão à missa todos os domingos, mais um quarto dos 14% que vão «pelo menos uma vez por mês» (portanto pelo menos um domingo em cada quatro) são uns 35%. A nível nacional, parece imenso. Mas acontece que há poucas semanas a diocese de Viseu da ICAR divulgou uma «contagem de cabeças» que concluiu que a presença na missa dominical tinha caído de 29% para 20% entre 2001 e 2011. É possível que 20% dos viseenses vão à missa todos os domingos e que a média nacional seja 35%? Seria possível se distritos onde vivem muitas mais pessoas tivessem percentagens mais elevadas. Não creio que seja o caso: Viseu deve estar acima da média nacional em presenças na missa. Portanto, os respondentes à sondagem da Católica mentiram(*).
  2. Um terço dos inquiridos não concorda «com a doutrina de nenhuma igreja ou religião» e 22% «discorda das regras morais das igrejas e das religiões». Esse terço (33%) inclui os 14% sem religião, mas inclui também uns 19% que, mesmo assim, se dizem católicos ou de outra confissão religiosa? Quer dizer que 19% da população nacional vai à igreja ou templo evangélico ouvir doutrina com que «não concorda»? Então vai ouvir música e ver o espectáculo? Ou serão todos não praticantes? É cómico.
Nota final: só mesmo o António Marujo para pegar nos dados desmontados acima(*) e produzir o título  triunfalmente católico «Oito em cada dez portugueses são católicos e quase metade vai à missa». Infelizmente, este género de manipulação é habitual neste jornalista militante clerical que já ganhou dois prémios da Fundação Templeton, conhecida por «dar dinheiro a quem tem algo de agradável a dizer sobre a religião» (ler as esclarecedoras opiniões de Daniel Dennett e Anthony Grayling, Massimo Pigliucci e Richard Dawkins sobre a Templeton).

[Diário Ateísta/Esquerda Republicana]

Corruptos, autoritários e hipócritas

Num texto recente afirmei que aquilo que verdadeiramente me revolta na actuação do governo não são as políticas associadas ao «liberalismo de direita» (que considero perniciosas e combaterei politicamente), mas sim a corrupção, o desperdício e o autoritarismo.

Não mencionei um terceiro pilar da revolta que sinto: a mentira e a hipocrisia.


As mentiras de Pedro Passos Coelho, e do seu Governo, são muitas e conhecidas. Quando alguém faz toda uma campanha eleitoral a prometer o fim dos sacrifícios - que afirma excessivos - e da não aceitação da austeridade, para depois governar em nome da mesma austeridade que afirmou combater (indo inclusivamente muito mais longe), a demissão é a única solução honesta.
Se Passos Coelho alega e acredita que a austeridade é inevitável, ele deve assumir que se enganou, que fez toda uma campanha eleitoral em nome de uma falsidade, e deve tirar daí as devidas consequências políticas. Que não o faça e consiga continuar a olhar-se ao espelho parece-me sinal de uma enorme falta de integridade moral.

Não é a primeira vez que apresento este vídeo neste blogue, mas para mim é muito importante que não nos esqueçamos da enorme mentira que foi última campanha eleitoral para as eleições legislativas. Deve ser visto do primeiro ao último segundo:

domingo, 15 de abril de 2012

A Primavera Global está a Chegar!

Comunicado de imprensa lido no Chiado


«Somos a Primavera Global PT. Este não é um manifesto mas um apelo à acção pela reconstrução do comum.

Somos uma rede composta por cidadãos e cidadãs, activistas, movimentos sociais, colectivos e associações,... e por todas e todos os que, em conjunto, de forma pacífica e descentralizada, com diversidade e autonomia, queiram construir e concertar novos modelos de organização, sustentáveis, solidários e mais democráticos.

Promovemos a Igualdade e a Liberdade e somos contra qualquer tipo de discriminação - de género, racista, fascista, xenófoba ou outra.

Somos a Primavera Global PT. A Primavera Portuguesa que se associa à Global Spring - um apelo internacional que lançou uma nova data de Acções Globais - de 12 a 15 de Maio. Chegou a altura de juntarmos uma vez mais as vozes numa acção global.


Por isso, a 12 de Maio sairemos à rua não só em Lisboa mas em várias localidades do país. Propomos a multiplicação de iniciativas que, no mês de Maio, façam confluir novas narrativas inclusivas…narrativas que hão-de emergir das ruas, praças, locais de trabalho, bairros, por pessoas que procuram criar laços comunitários alternativos. Faremos de Maio um mês em que as Ideias Saem À Rua. A Primavera de novas ideias para um futuro diferente.


sexta-feira, 13 de abril de 2012

Corruptos e autoritários

Eu discordo profundamente do «liberalismo de direita», ao ponto de ter dedicado duas séries de textos às razões pelas quais creio que essas políticas trazem maus resultados para as sociedades onde são implementadas:

«Falácias da Ética Neo-Liberal» I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX.

«Erros do Liberalismo de Direita» I, II, III, IV, V, VI, VII, VIII, IX, série ainda incompleta.

No entanto, ao longo da actual governação, descobri que - apesar das alegadas convicções de Pedro Passos Coelho - ele não preside a um governo que ponha em prática as políticas e valores da «direita liberal». Lutarei politicamente contra tais políticas, mas não me revolta visceralmente que alguém que prometeu concretizá-las o faça: é o seu mandato democrático.
Aquilo que verdadeiramente me indigna é a avassaladora onda de corrupção, desperdício e ataques às liberdades democráticas que se tem vindo a verificar. Qualquer liberal - aliás, qualquer cidadão de qualquer quadrante político - deveria ver neste actual Governo uma ameaça.
Sustentei estas afirmações nestes textos em que foco a questão da corrupção e do desperdício, e nestes outros em que foco a questão dos atentados à liberdades democráticas.

E a que propósito volto eu a este assunto? Lembrei-me do tema graças a esta notícia sobre o desfecho do caso Portucale, também desta sobre as alegadas ameaças de processo disciplinar caso António Costa fosse recebido na maternidade Alfredo da Costa. Pode ser que as alegações relativas ao processo disciplinar não tenham fundamento, e pode ser que não tenha havido influência do poder executivo na decisão que envolve dirigentes do CDS, apesar do «essencial da acusação do Caso Portucale [ter sido] dado como provado», e ainda assim terem sido absolvidos todos os arguidos, mas ambas as notícias são bons pretextos para voltar a lembrar-me de um padrão que se vai repetindo, geralmente com indícios ainda mais fortes que estes.

E, a propósito de eu ter escrito o texto «Esta direita contra a Liberdade», uma ilustração tremenda daquilo que denunciei vem da nossa vizinha Espanha: «Convocar manifestações pela Internet vai dar prisão em Espanha». Não resisto a citar, de outras notícias sobre o mesmo tema, o seguinte: «Governo está a equacionar uma série de alterações ao Código Penal. A proposta anunciada hoje pretende, por exemplo, que a resistência passiva nas manifestações seja considerada como atentado à autoridade» e ainda «Alexandre de Sousa Carvalho estabelece uma analogia entre a aprovação de uma lei deste tipo e a existência de activistas icónicos. Esta lei, considera Carvalho, transformaria Martin Luther King e Ghandi em terroristas e anularia o seu poder contestatário.»

Estas ameaças têm de ser levadas a sério por todos aqueles que realmente amam a Liberdade, sejam de Esquerda ou de Direita.