Os EUA querem, o governo português reflecte, o pedido será satisfeito.
O FBI quer consultar os dados constantes dos bilhetes de identidade de todos os portugueses (do registo civil português, sublinhe-se). E para os condenados, quer o registo criminal e os dados biométricos. Tudo para fazer uma super-mega-hiper base de dados que permita combater (tremor de voz ao ler isto) «o terrorismo». (Que, não notaram?, está cada vez mais invisível. Tal como na Oceânia do outro.)
Está um acordo bilateral na Assembleia da República, prontinho para ratificar. Vou ficar muito atento a quem votar a favor e contra. E nem é tanto pela assimetria da relação (não sermos nós a consultar os dados dos americanos e sim o contrário), porque já entendi que querer levantar quem se habituou a estar de joelhos é, muitas vezes, como querer obrigar a velhinha a atravessar a rua. É mais pela questão de princípio. Porque há partilhas que não se fazem. Os dados que entregamos ao Estado português já são demais e demasiado centralizados (quando vamos acabar com a porcaria das impressões digitais nos BI´s?). Que os comecem a deslocalizar é insultuoso. É vender, literalmente, a nossa identidade. A nossa identidade que mais importa, a de cada indivíduo enquanto cidadão.
Pois é. A tragédia é as pessoas lerem o 1984 pensando que aquilo só acontece aos outros. Mas a «luta contra o terrorismo» tem primado pelos recuos em direitos humanos e pelas violações de privacidade. E tem tornado actuais os velhos lemas «guerra é paz», «liberdade é escravatura» e «ignorância é poder».
Acordem agora, ou apenas depois, quando um burocrata de Washington tiver nas mãos a vossa morada e as vossas impressões digitais. As vossas e as de mais dez milhões de portugueses.
5 comentários :
Bem, muito bem, camarada Ricardo Alves.
Ale´m de que é sempre animador ver alguém que o leu, de facto, lembrar Orwell, retomar o seu espírirto anti-supersticioso e a lucidez da sua aposta na gente comum.
Bom ano e cordial abraço
msp
Miguel Serras Pereira,
um dos meus primeiros grandes choques na blogo-esfera foi descobrir que os «liberais» de direita (hierárquicos, clericais, elitistas e tudo o resto) citavam Orwell com admiração. Mas rapidamente percebi que só conheciam dele versões caricaturadas do «1984» (provavelmente em filme). Nem sequer o «Animal Farm». Mas quando o Miguel Madeira começou a citar-lhes os escritos sobre a guerra de Espanha, deixaram rapidamente de citar Orwell, na realidade um dos melhores expoentes da esquerda libertária.
Bom ano e abraço
Mas que dados tão relevantes há no BI? A freguesia onde nascemos, o nome do pai e o da mãe? Não creio. A freguesia onde moramos? Grande coisa... aliás, em muitos BI nem sequer é a verdadeira. A nossa altura? Já é alguma coisa, em matéria de dado biométrico... E que mais? A data de nascimento?
Eu também não concordo, por uma questão de princípio, que esses dados sejam cedidos. Mas não me parece tão grave assim.
Lavoura,
o nosso BI, escandalosamente, continua a ter dados biométricos: as impressões digitais. E a informação anexa ao nosso BI inclui a morada - que creio que será cedida também.
Se não acha grave, pense outra vez: basta que o nosso Estado ceda estes dados uma vez para ficarem para sempre na posse de outros Estados. E legalmente, o que é o mais incrível.
Luís Lavoura,
bastava que fosse apenas o meu nome completo para eu já sentir que o Estado português está a violar a minha privacidade ao divulgá-lo para o "combate ao terrorismo".
E o facto de Portugal nem pedir reprocidade é realmente humilhante.
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