sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Aprender espanhol, desaprender línguas

O espaço reservado às línguas estrangeiras do boletim de inscrição para agente da PVDE (mais tarde PIDE) foi preenchido por Rosa Casaco da seguinte forma: português, espanhol e brasileiro. "Eu era muito desenrascado" foi a forma como justificou o acto posteriormente.

Concordo com a Inês Pedrosa (Revista Ler, Novembro, pag. 85), acho uma aberração aprender espanhol no secundário. Obviamente, excluindo quem segue uma via literária ou um curso superior de espanhol. A forma avassaladora como o francês e o alemão têm vindo a ser substituídos como segunda língua pelo espanhol está a destruir o que de positivo foi conseguido com a introdução do inglês nos primeiros anos do curriculum escolar. Depois de gerações que praticamente não falavam uma única língua estrangeira, produzimos e muito bem desde o 25 de Abril gerações que dominam razoavelmente bem uma língua (mais inglês, francês eram menos) e que se desenrascam, pelos menos na leitura, numa segunda língua (francês e alemão). Depois das minhas experiências no estrangeiro garanto-vos que em matéria línguas estamos acima da média europeia. Actualmente, ao lançarmos uma nova geração que aprende espanhol no secundário, invertemos o rumo para os tempos de Rosa Casaco. Entre três anos a aprender espanhol, "brasileiro" ou lisboês a diferença não é muita.

O espanhol é uma língua interessante e rica, mas francamente, é uma língua que sai nos pacotes de nestum. Na minha área é até negativo enviar um CV onde o espanhol figure entre as línguas estrangeiras (excepto no caso de ex-residentes em países de língua espanhola e no caso estudos superiores em espanhol). Qualquer troca-tintas aprende espanhol se for preciso. É por isso lamentável que em plena era de globalização onde outras línguas ganham uma enorme importância em vez de no secundário acrescentarmos ao francês e ao alemão outras línguas como o chinês ou o russo, se atrofie o ensino ao espanhol.

PS- Acho lamentável num país latino o ensino do latim não ser obrigatório no secundário. Pelo menos dois anos.

20 comentários :

Ricardo Alves disse...

Rui,
acho que não devemos desvalorizar o «Espanhol». Tem mais falantes (como primeira língua) do que o Alemão e o Francês juntos. Mas essa não é a razão para se ter tornado a segunda língua estrangeira mais popular no ensino secundário - a razão principal é que muitos jovens prosseguem estudos universitários em Espanha (ou querem salvaguardar essa hipótese). O caso dos cursos de Medicina é clássico.

E dizermos que «qualquer português se desenrasca a falar castelhano» é um exagero. Achamos que nos desenrascamos. A maior parte das vezes, fazemos figura de tolos.

Quanto ao ensino do Latim, até tendo a estar de acordo. Sempre é uma base para aprender outras línguas.

P Amorim disse...

Discordo completamente.
O facto de se conseguir compreender alguma coisa de castelhano não implica que se se domine esta língua. Se experimentar ler Fernando Savater ou Cervantes no original depressa verá o que quero dizer. Por outro lado os nossos amigos não percebem mesmo quando lhes falam em portunhol. Um dos erros fundamentais dos nossos governos tem sido o virar costas aos nossos vizinhos.

Anónimo disse...

Quem me dera a mim saber falar espanhol fluentemente. E não me importava nada de saber Latim. E já agora alemão, grego, japonês e sei lá mais quantas línguas...

Mas dizer que é aberrante aprender Espanhol enquanto que é uma pena não se aprender Latim é que não faz sentido nenhum! Para não falar de omitir uma língua do CV...

Ou bem que se defende o ensino de línguas pelo que isso acrescenta à cultura dos alunos, e nesse caso defende-se tanto o Espanhol com o Latim, ou então segue-se um caminho mais prático e põe-se o Inglês à frente do Espanhol, e o Latim de lado.

Pedro Fragoso disse...

Eu tive espanhol no meu secundário (2003-2006) e deixarei aqui algumas notas soltas (acabei de escrever um grande texto e apagou-se).

- aprender espanhol foi uma mais-valia para mim e já tive várias situações em que saí beneficiado por isso profissionalmente. Dominar o castelhano é importante para comunicar nessa língua e tive várias colegas que sentiram dificuldades na sua aprendizagem. O seu texto é demasiado radical. O portunhol que defende é uma coisa horrenda.

- a preferência do espanhol em detrimento do francês e alemão tem várias explicações. Em primeiro lugar é localizado. Ou seja, só nos agrupamentos de letras é que isso acontece. Em ciências e economia, os alunos só podem optar por uma língua e aí o inglês ainda predomina.

- onde o espanhol está a ganhar terreno é no ensino básico (do 7º ao 9º ano). muitos alunos que pensam em seguir medicina optam por ter a possibilidade de aprender gratuitamente esta língua que poderá ser muito útil no seu futuro académico logo aos 13anos.

- não se pode esquecer nesta discussão que um aluno ao matricular-se no 10º ano em humanidades (agora tem outra designação) tem que optar por inglês ou francês e espanhol ou alemão. A passagem do francês para segundo plano explica-se muito por aqui e se numa escola apenas houver 7alunos que queiram alemão esses alunos são privados de terem essa disciplina porque há um número mínimo para a disciplina ser leccionada - o mesmo se passa com latim.

- escolher ao 10º ano o programa para os três anos seguintes é um erro. O secundário deveria servir para o aluno ter a possibilidade de ter o maior número de experiências para escolher com maior certeza o seu futuro no ensino superior. Eu tenho uma sugestão muito simples para o caso das humanidades. Ser obrigado a ter inglês durante dois anos e optar por duas de três línguas, francês, espanhol ou alemão, de forma a uma delas ser leccionado no 10º ano, outro no 11º ano e, no 12º ano, o aluno optar pela que gosta mais ou pela que melhor se adequar às suas pretensões futuras.

Em suma, a aprendizagem do espanhol confere várias vantagens. O que tem que mudar urgentemente é a forma como são desenhados os agrupamentos. Os alunos portugueses passam 12 anos de escolaridade sem ter disciplinas como latim ou ciência política, são sujeitados a coisas absurdas como formação cívica ou estudo acompanhado - quem já teve ou sabe o que é leccionado nestas aulas percebe a sua insignificância - e aos 14 anos são obrigados a fazer escolhas que os impedem de ter aulas de economia, biologia ou história conforme o percurso escolhido.

João Branco (JORB) disse...

Portanto a tese é de não vale a pena aprender a 2ª língua mais falada no mundo porque é fácil e se fica a falar bem.

Ao que parece diz que quando se precisa, com portunhol e uns gestos a gente desenrasca-se (não se aplica também do francês que se ensinava antes?)

Eu também pensava isso, mas agora que trabalho para uma empresa espanhola (em Portugal) vejo a clara desvantagem de não poder comunicar com os superiores na língua deles.

dorean paxorales disse...

por falar no ensino de medicina em portugal, a língua mais popular entre os estudantes para muitos dos livros de texto dos primeiros anos é o espanhol: edições portuguesas não há e o inglês original ou não o dominam eles, ou não o domina o professor. curiosamente, fazem gala (ou são aconselhados a isso) em repudiar as traduções brasileiras pois "o vocabulário é esquisito".

João Vasco disse...

.

Filipe Moura disse...

Rui,
ia para comentar isto no teu facebook. Nem vi que estava aqui. Sendo assim, vai aqui mesmo. E é para te dizer que, desta vez, acho que te passaste completamente.

Comecemos pelo PS final, "o latinzinho, a basezinha," como dizia o reverendo d'"Os Maias". Eu falo francês e português (aprendi na escola) e aprendi a falar espanhol por mim. Sem precisar de saber latim para nada. Para estudiosos de línguas concordo que o estudo do latim (e do grego) é indispensável. Agora para a generalidade dos cidadãos comuns, as línguas devem ser ensinadas na ótica do utilizador. Ora na ótica do utilizador basta-te aprenderes línguas vivas (aprendes uma e percebes a estrutura das outras, que é análoga). Não é preciso aprenderes línguas de fachos e padrecos.

Concordo contigo naquele que se calhar é o teu ponto fundamental: é uma pena desvalorizar-se o francês e o alemão. Mas não me admirava que, no futuro, no ocidente só sobrevivam duas línguas: o inglês (a mais simples gramaticalmente) e o espanhol (a mais simples foneticamente). Basta ires aos EUA para te aperceberes da influência crescente do espanhol (que já é uma língua oficial dos EUA). A América Latina é um continente emergente. Também por isso (mas não só) eu fico verdadeiramente aterrado com a tua afirmação de que na tua área é melhor esconder-se que se fala espanhol. Por favor explica isso bem, que soa-me a racismo. Quem é a tua patroa, a Margaret Thatcher? Ela é que disse que a adoção do espanhol como língua oficial representava o fim dos EUA.

Finalmente, eu já escrevi isso várias vezes e não é treta. Cada vez que vou a Espanha todos os espanhóis dizem que falo muito bem a língua deles (na Argentina foi o mesmo) e perguntam onde a aprendi. O único sítio onde aprendi espanhol foi a ver as telenovelas brasileiras, dobradas em espanhol, nos canais de televisão para imigrantes hispânicos, todos os dias à hora do jantar enquanto vivia nos EUA. Ver telenovelas é muito mais educativo que aprender latim.

Filipe Moura disse...

(O Ricardo Alves concorda com aprender "o latinzinho, a basezinha", como o reverendo Bonifácio. Justos céus. Deve ser para ouvir melhor o Ratzinger.)

tempus fugit à pressa disse...

Qualquer troca-tintas aprende espanhol se for preciso....pelo contrário falantes regulares de espanhol são poucos...geralmente misturam palavras e falam o famoso portunhol

qualquer emigrante por baixa que seja a escolaridade (presumo que seja esse o depreciativo troca tintas)
aprende ao fim de uns meses alemão coloquial ou inglês apesar de muitos nunca conseguirem escrever nestas línguas

o francês foi substituido por não haver interesse por parte dos alunos que de resto são pouco
eficientes no inglês

escrevem e falam um pidgin anglo

falar chinês no secundário
ou o latim é pouco prático
quer a nível da inexistência de professores formados

quer da dificuldade da pronúncia da língua chinesa por falantes de línguas indo-europeias

tempus fugit à pressa disse...

muitos alunos do Fundão do Sabugal e da raia saem com o 9ºano e vão trabalhar para espanha

dizer que o espanhol que eles aprendem vendo televisão
mas não aprendem a escrever seria suficiente é redutor
...apanham-se melhor 5 ou 6 canais espanhóis que os 4 portugueses

e há mais de 250 milhões de falantes com muitas variantes do
castelhano....
durante século e meio emigrámos para a américa latina
é um campo comercial pouco explorado actualmente
Venezuela excluída

tempus fugit à pressa disse...

o latim permite conhecer as bases das línguas românicas actuais e daria flexibilidade a quem seguisse cursos de línguas...é gramaticalmente muito complexa

e para quem vá para cursos com filologia seria uma boa base que fosse dada no 12º

a falta de professores dificultará
um pouquinho

ligá-la aos padrecos ou à igreja é estúpido...

Unknown disse...

Ricardo:
eu tenho o maior respeito pela língua espanhola, aliás refiro no texto que é rica e interessante. Quando estudei espanhol (um exercício trivial depois de aprender francês e italiano) aprendi também as curiosíssimas cambiantes fonéticas e do vocabulário do espanhol dos diferentes países da América Latina. A que se juntam as línguas regionais ibéricas. Há poucas línguas no mundo que apresentam essa diversidade.

O exemplo de quem estuda espanhol para integrar cursos de medicina em Espanha, enquadram-se no espírito das excepções que referi. Mas todas essas excepções em que é aceitável aprender espanhol, não justificam a debandada em massa do francês e do alemão para o espanhol. "Queimar" o francês e o alemão, línguas que representam verdadeiros desafios e que abrem muitas portas a todos os níveis (no caso do francês até ajuda a aprender posteriormente o espanhol), em favor do espanhol é limitar os horizontes do aluno. Outra opção seria aumentar o nível de exigência do ensino do espanhol em comparação com as outras línguas, para evitar a escolha do espanhol por ser mais fácil.

tempus fugit à pressa disse...

não justificam a debandada em massa do francês e do alemão

o alemão nunca foi muito funcional em Portugal como disciplina

impor disciplinas aos alunos é difícil

as ciências estão perdendo há anos com as humanidades
em grande parte devido à matemática

impor disciplinas sem alunos para as preencher é utópico

se é para aumentar o nível de exigência
devia-se começar na formação dos professores nas universidades

Ricardo Alves disse...

Ó Filipe,
língua de padres e fachos é o português, até ao século XVIII mais ninguém a escrevia senão frades, até a enumeração dos dias é a mais beata de toda a Europa...

dorean paxorales disse...

"até a enumeração dos dias é a mais beata de toda a Europa..."

laicíssima, não há única referência a deuses ("domingo" pode ser de qq senhor).

Luís Lavoura disse...

Este post fala do assunto como se houvesse uma qualquer política de Estado para eliminar do ensino o francês e o alemão.

Ora, tal política não existe. O que existem são opções livres, por parte de milhares de alunos (e respetivos encarregados de educação), no sentido de escolher aprender uma ou outra língua. Depois, nas escolas, desde que haja um número mínimo de alunos a querer aprender uma língua - seja ela qual fôr - forma-se uma turma para o ensino dessa língua (penso eu que é assim que acontece).

O Rui tem o direito de criticar as opções de alunos individuais, que preferem aprender o castelhano em vez do alemão. Mas, Rui, não há aqui conspiração nenhuma! Cada um escolhe o que quer. Se o Rui tiver filhos, a seu tempo terá o direito de escolher que eles aprendam o alemão em vez do castelhano.

Miguel Madeira disse...

"até a enumeração dos dias é a mais beata de toda a Europa..."

Só se for beata islamica - os dias em português parecem-me a tradução do árabe: segunda-feira / nhar ithneen (dia segundo); terça-feira / nhar talata (dia terceiro); quarta-feira / nhar arbyia (dia quarto); quinta-feira / nhar khamees (dia quinto); sexta-feira / nhar jumah (???); sábado / nhar assabt (dia sétimo); domingo / nhar ahad (???).

Só a sexta e o domingo não são a tradução quase directa do árabe (o a aliteração, no caso do sábado)

Miguel Madeira disse...

[retiro o que escrevi acima - afinal foi mesmo um arcebispo de Braga que inventou os dias portugueses; mas a coincidência é notável]

Ricardo Alves disse...

É. A enumeração dos dias em português foi decidida à sombra da Sé de Braga.

«Por ordem do rei Ariamiro foi realizado o concílio de Braga, entre 1 de Maio de 561 a 563, tendo sido presidido por São Martinho de Dume, bispo titular de Bracara. Deste concílio resultaram grandes reformas, principalmente no mundo eclesiástico e linguístico, destacando-se a criação do ritual bracarense e a abolição de elementos linguísticos pagãos, como os dias da semana Lunae dies, Martis dies, Mercurii dies, Jovis dies, Veneris dies, Saturni dies e Solis dies, por Feria secunda, Feria tertia, Feria quarta, Feria quinta, Feria sexta, Sabbatum, Dominica Dies, donde derivam os modernos dias em língua portuguesa.»

http://gmascarenhas.wordpress.com/2010/05/11/familia-braga/

Note-se que as outras línguas neo-latinas mantêm os dias da semana «pagãos». Por exemplo, em Francês: Lundi, Mardi, Mercredi, Jeudi, Vendredi... E a raiz é a mesma em castelhano (lunes, martes...) ou italiano (lunedi, martedi...).

Ver aqui:

http://pt.wiktionary.org/wiki/Apêndice:Dias_da_semana

(Onde se conclui que o Português é a única língua latina que derivou os dias da semana do latim eclesiástico e não do latim clássico.)