Ao longo desta
série de textos tenho-me referido à forma como vários modelos da realidade económica apresentados por liberais de direita falham em descrevê-la, sendo portanto maus modelos.
Os modelos geralmente são simples, e até algo convincentes na sua simplicidade, mas os factos mostram claramente o seu falhanço. Note-se que não estamos a falar da diferença de valores éticos que podem separar o eleitor de esquerda do liberal de direita, estamos - repito-me - a falar no falhanço objectivo de modelos que pretendem descrever a realidade mas falham quando postos à prova, e que são, apesar disso, referidos como se fossem modelos adequados para descrever a realidade.
No entanto, tal como anunciei no
segundo texto desta série, a falácia descritiva dos liberais de direita não se limita à falácia explícita relacionada com a adopção de modelos errados para a previsão do impacto económico de diferentes medidas.
Outra, mais fundamental, prende-se com o impacto da prosperidade no bem estar.
A prosperidade tem um impacto significativo no nosso bem estar, principalmente quando é escassa. Se passamos fome, se não temos acesso aos cuidados médicos mínimos, se não temos capacidade para gozar qualquer momento de lazer, um pequeno aumento na nossa riqueza corresponde a um aumento significativo da nossa qualidade de vida.
Já quando temos um rendimento elevado, um pequeno aumento na nossa riqueza (igual, em valor absoluto) corresponde a um aumento irrelevante na nossa qualidade de vida.
O rendimento médio dos cidadãos de um determinado país, de forma análoga, tem uma relação muito directa com a esperança média de vida, e mesmo com a felicidade (apenas para dar dois entre inúmeros outros indicadores de "saúde social") quando ambas são escassas. Quando estamos perante um rendimento médio significativo (como o dos cidadãos portugueses - somos um país rico) a relação entre este valor e os indicadores sociais em questão torna-se muito ténue. Quase irrelavante.
Vejam-se os gráficos:
Por outro lado, analisemos, para os países ricos, a relação entre a desigualdade de rendimentos e a esperança média de vida ou uma série de problemas sociais, desde a criminalidade aos suicídios, etc:
Estes dados são algo surpreendentes. Mesmo que fosse verdade que ao diminuir as desigualdades estaríamos necessariamente a tornar mais difícil o aumento do rendimento médio (e, como
mostrei, não é o caso), essa continuaria a ser a forma mais eficaz de criar uma sociedade mais saudável, na qual as pessoas se sintam melhor.
Nos próximos textos desta série explorarei em que medida é que podemos concluír que esta correlação tem raiz numa relação causal, da desigualdade para os diversos indicadores sociais, e que outros indicadores sociais são afectados pela desigualdade, desde a criminalidade à confiança mútua, passando pela depressão, gravidez adolescente, estatuto da mulher na sociedade, etc...
PS- Os gráficos utilizados neste texto constam do livro «
The Spirit Level: Why More Equal Societies Almost Always Do Better», que recomendo vivamente.