quarta-feira, 4 de abril de 2012

República desequilibrada à direita

Na vigência da actual Constituição, houve em Portugal várias maiorias parlamentares da esquerda, mas não houve um único governo da esquerda: houve governos do PS, o que é diferente. As maiorias plurais da direita, pelo contrário, sempre resultaram em governos da direita: vamos na terceira AD.

O eleitorado que vota à esquerda sente-se traído, e com razão: quando a direita governa vira sempre a República mais à direita (o governo actual, com o vento da troika e do BCE, é um exemplo extremo); quando o PS governa, é centrista.

A esquerda do protesto perpétuo (e raramente eficaz) e a esquerda da cedência (e dos avanços tímidos) concordam no diagnóstico: a culpa é dos outros, que são uns sectários. Em boa verdade, registe-se que as rituais disponibilidades dos mais radicais nunca foram claramente articuladas em prioridades realistas e negociáveis e que do lado do PS só circunstancialmente Sampaio, Alegre ou Costa mostraram vontade de unir as esquerdas. Jerónimo e Louçã serão felizes assim: só na Grécia a esquerda radical é maior que a portuguesa. Não entendem que o seu sucesso (relativo) é um fracasso porque os votos não se traduzem em poder. E muito PS será feliz por não partilhar o poder, esquecendo que perde em capacidade transformadora.

Os cidadãos preocupados com o bloqueio da esquerda devem tentar mudar os dados da questão.

(Publicado originalmente no i.)

6 comentários :

nando disse...

Se houvesse uma aliança PS-PCP-BE iríamos, quando muito, ter um código laboral menos liberal, mas a economia seria essencialmente capitalista em todos os aspectos, pois nunca o PS votaria a nacionalização da banca e sectores estratégicos, nem isso seria possível num quadro de união europeia. Eu voto PCP/BE porque acredito na construção do socialismo, não porque quero mais "socialismo" no quadro do possível. Deixá-los estar separados, porque a esquerda radical vai ser precisa, quando o povo acordar e repensar o "possível".

Maquiavel disse...

RA, inclui nas "rituais disponibilidades dos mais radicais nunca foram claramente articuladas em prioridades realistas e negociáveis" a auditoria e renegociaçäo da dívida pública, pedida pelos "radicais" do BE desde há 2 anos?

Isso é o que foi o que foi feito pelo governo islandês, e näo consta que a Isländia se tenha tornado república soviética!
E a renegociaçäo foi feita na Grécia... mas só depois de tudo o resto falhar, como avisado pela "esquerda radical". Näo foi aqui neste blogue que se sacou um artigo que diz que o calote grego, se fosse realizado *nos mesmos montantes que agora* mas há 2 anos, teria evitado o explodir do desemprego e reduziria a dívida a uns melhor administráveis 80% do PIB (em vez dos 140% actuais pós-corte)?

É que hoje em dia, sinceramente, é um radicalismo muito... fofinho. Pois, sintomático é Mélenchon ter sido assessor do Miterrand e agora com o mesmo discurso é da "esquerda radical".

Só espero é que o povo acorde mesmo e veja que o estigma do "radical" é o agitar do papäo, para ver se o povo tem medo e continua a votar a favor das troykas.

Ricardo Alves disse...

«nando»,
o problema é que enquanto vota na «construção do socialismo» está a retirar votos a soluções governativas social-democratas, ou socialistas moderadas. O resultado de subtrair votos de esquerda à governação é empurrar o regime, a cada governo, mais para a direita.

Ricardo Alves disse...

Este artigo foi mesmo escrito contra os estigmas, «Maquiavel».

A resposta à primeira pergunta é «não».

Maquiavel disse...

Estou esclarecido, RA, obrigado pela atençäo!
Pela Esquerda, contra os estigmas, SEMPRE, marchar marchar!

Maquiavel disse...

Nota: "social-democrata" näo tem *nada* a ver com o PSD, para que seja explícito.

Desde quando a «construção do socialismo» está a retirar votos a soluções governativas social-democratas?
Historicamente, häo duas correntes de «construção do socialismo»:
1 - pela evoluçäo, com soluções governativas social-democratas, como queriam os socialistas
2 - pela revoluçäo, como queriam os comunistas

Mas isto foi até há 20 anos.
Com a deriva direitista os comunistas tornaram-se "evolucionários", e hoje mais näo pedem que uma social-democracia, com o Estado a manter posiçöes apenas em sectores estratégicos, como acontece na Alemanha, França, Áustria, ou Escandinávia (entre outros países ricos).