segunda-feira, 30 de abril de 2012

Por uma regulação sensata das touradas

Os debates sobre as touradas são habitualmente polarizados entre os defensores dos «direitos dos animais» (sic) e os «defensores da tradição». Não alinho nem por uns nem por outros: não considero que os animais não humanos sejam sujeitos de Direito, e a defesa da tradição pela tradição ou me é indiferente ou, pelo precedente, perigosa.

A ERC recusou ao BE a interdição da transmissão de touradas na TV pública. É a resposta certa à pergunta errada. Não vejo como se podem proibir as touradas nas TV´s sem se proibir, em coerência, a transmissão de outros espectáculos (por exemplo, o boxe). Mas também me parece difícil de entender que não haja limitações à exibição de touradas, que deveriam ser emitidas em horários menos nobres e sinalizadas como espectáculo violento.

Mas, mais importante: choca-me que as touradas sejam um espectáculo onde podem entrar, legalmente, crianças a partir dos seis anos. Com a mesma idade, não podem assistir a muitos filmes em salas de cinema. E os militantes anti-tourada, se não estivessem entrincheirados no maximalismo de as proibir, poderiam avançar por aí para uma regulação sensata e coerente de um espectáculo a que muitos estão insensibilizados desde crianças.

14 comentários :

Miguel Madeira disse...

Uma diferença entre a tourada e o boxe é que todos os participantes num jogo de boxe escolhem conscientemente lá participar (e penso que não é necessário acreditar na ideia de "direitos dos animais" para considerar que existe essa diferença).

jgomes disse...

Realmente extraordinário comparar tourada com boxe é tão estupido que nem a comento. "não considero que os animais não humanos sejam sujeitos de Direito" realmente outra afirmação que seria normal na minha filha que tem 5 anos. Sabia o Sr. , e já que gosta de comparações, que até á pouco tempo as mulheres e os negros, por exemplo, também não eram sujeitos de direito. Alguém que escreve num blogue chamado Esquerda republicana defende atitudes proprias de regimes fascista e salazarentos. Existe pobreza mas se a escondermos está tudo bem e vivemos todos felizes. O mesmo defende com a transmissão das touradas.É que parece não ter percebido que a questão essencial é o sofrimento dum animal, e vem falar em regulamentar o acesso das crianças-

Ricardo Alves disse...

Nunca pensei que fosse «salazarento» e «fascista» defender que as mulheres e os negros devem ser melhor tratados do que os bois. Enfim, se a sua opinião é que «anti-fascismo» é defender que os bois sejam tratados como as mulheres e os negros, nem sei o que dizer...

António Matos disse...

Sinceramente, não gosto de touradas (embora tenha que confessar algum interesse nos forcados). Se dependesse somente da minha vontade, provavelmente não existiriam. Mas do que gosto menos ainda é de moralismos como os que leio vindos de quem supostamente partilha a minha posição em relação às ditas.
Para que seja ponto assente: não acho que quem gosta de touradas seja moralmente inferior a mim, e repugna-me que outras pessoas achem isto.
E é óbvio (e digo isto como conservacionista, ecologista e biólogo) que não podemos colocar um touro no mesmo patamar que um humano: como bife de vaca, não me considero um canibal e não me considero moralmente inferior a nenhum vegetariano.
Essa conversa do sofrimento animal (que considero que deve, sim, ser minimizado sempre que possível) como mal supremo já soa aquela escola filosófica que advoga a extinção ou alteração de todas as espécies predadoras, afim de acabar com o sofrimento das presas... -.-'

Os que estão a fazere tijolo dizem que bossa senhoria benceu.... disse...

eu bem me parecia que o gaijo era um submarino fascista reaccionário e salazarento....

canhoto

dubbub disse...

António Matos, por essa ordem de ideias - quem advoga o fascismo não pode ser moralmente inferior a si.

Claro que o pressuposto pró direitos dos animais não é a elevação do estatuto moral animal ao ponto do ser humano, mas que independentemente das diferenças interespecíficas, Homo sapiens e Bos taurus merecem as mesmas considerações. Porquê? Se uma tourada/forcado causa dor ou stress ao touro, nem que seja por argumentos evolutivos, conseguimos inferir que o touro não quer ser alvo de dor nem stress.
Eu reconheço que a nossa utilização dos animais, inclusive pecuária, é uma forma de opressão. De uma perspectiva utilitarista, o nosso recurso aos animais para a alimentação é meramente hedonista, isto é, existem alternativas à carne e portanto a carne não é indispensável para a nossa sobrevivência (salvo raros casos, Inuits a título de exemplo).

Anónimo disse...

"não considero que os animais não humanos sejam sujeitos de Direito."

->

"não considero que AS PESSOAS COM QI INFERIOR AO MEU sejam sujeitos de Direito."

Olha que o meu QI é alto. Estamos tramados.

Mesmo tecnicamente, isso de pôr a fronteira de forma arbitrária na espécie humana leva a certos problemas quando nos deslocamos temporalmente. Por exemplo, o ancestral que o humano e a baleia têm em comum, tem ou não tem direitos? E as espécies que terão o Homo sapiens como ancestral, poderão também colocar a fronteira arbitrária na sua espécie particular?

Ricardo Alves disse...

A objecção do QI serve-me para recordar que a discussão é sobre diferenças entre espécies, não entre indivíduos.

A segunda objecção é mais relevante. Por hipótese, se ainda houvesse Neanderthais vivos teríamos que discutir como tratá-los. Conceder-lhes os mesmos direitos que a nós? Ou seriam eles a conceder-nos direitos a nós? Em qualquer dos casos, a diferença importante é que poderíamos discutir com eles (presumo que teriam linguagem e cultura, provavelmente até comum em parte). Fosse como fosse, seria mais fácil dialogar com Neanderthais do que com baleias. E isso faz a diferença.

Anónimo disse...

1) O indivíduo da espécie A e o indivíduo da espécie B. O A tem direitos e o B não tem direitos, porquê? Porque há uma diferença entre indivíduos: um é de uma espécie que tem direitos e outro é de uma espécie que não tem direitos. Não é isto? Ou será que está a usar indivíduo com outro significado? Se sim, tem de explicar bem e em que medida essa distinção é eticamente relevante.

2) A capacidade de dialogar é eticamente relevante? Porquê? E não está a capacidade de dialogar a ser definida de uma perspectiva antropocêntrica? (indo portanto contra a universalizabilidade da ética). Mais digo. Estaria disposto a considerar que um humano com graves problemas mentais e/ou físicos que limitem a sua capacidade de expressão ao ponto de ser tão ininteligível para nós como é um cavalo, não tem direitos?

Anónimo disse...

Onde se lê "o indivíduo da espécie A e o indivíduo da espécie B" devia ler-se "o indivíduo A de uma espécie e o indivíduo B de outra espécie"

Ricardo Alves disse...

1) As leis não são feitas para indivíduos tomados separadamente, são feitos para conjuntos de indivíduos que se supõe terem sensivelmente a mesma capacidade de determinar os seus actos, prever as suas consequências, assumir as suas responsabilidades. A espécie A constitui um grupo, a espécie B outro. E portanto há leis para uma espécie e leis para outra.

2) A minha perspectiva é conscientemente antropocêntrica. E a ética é universalizável na nossa espécie. Duvido que consiga convencer indivíduos das outras espécies realmente existentes a assumirem qualquer ética que queiramos discutir com eles.

António Conceição disse...

Só uma nota: não é verdade que a ERC tenha recusado ao BE a interdição de quaisquer transmissões de touradas na TV pública. Nem tal faria sentido, porque quem tem competência para aprovar ou rejeitar propostas legislativas são os deputados e não a ERC. A Entidade Reguladora limitou-se a dar um parecer sobre o assunto, nos termos legalmente previstos. E nesse parecer não se pronunciou a favor nem contra a transmissão televisiva de touradas. Lembrou apenas que a proibição dessa transmissão, nos termos propostos pelo BE, alterando o artigo 27.º da Lei da Televisão sem alterar o resto da legislação sobre o assunto, quebra a unidade do sistema jurídico, levando-o a uma perda de coerência.
De facto, e como nota o autor do post aqui comentado, como é que é possível admitir que um espectáculo tauromáquico não possa ser visto por um adulto na televisão, mas possa ser visto por uma criança de seis anos ao vivo, como prevê a lei da classificação dos espectáculos?
O parecer da ERC o que chama a atenção é para a necessidade de - como se tornou hábito neste país - não mexer nas leis sem ter em conta que estas não surgem isoladas e avulsas, mas fazem parte de um sistema geral cuja unidade e coerência, para haver Direito, tem que ser salvaguardada. Para quem o queira ler e ter uma visão isenta do seu conteúdo, sem as habituais distorções jornalísticas, o parecer está disponível aqui.

Ricardo Alves disse...

Obrigado pelo esclarecimento.

Anónimo disse...

0) Acho que não percebeu bem o problema técnico do deslocamento temporal. Imagine que daqui a 20 milhões de anos a espécie homo sapiens terá ramificado nas espécies A, B e C. É eticamente defensável os elementos da espécie A circunscreverem a consideração moral aos elementos da sua espécie? Se sim, porquê?

1) A separação em grupos que está a fazer é ilusória. No grupo dos humanos há indivíduos menos capazes de determinar as consequências de uma acção do que um cavalo adulto e normal, e também há indivíduos menos empáticos do que um cavalo (mesmo que consideremos empatia para com humanos). No grupo dos humanos há indivíduos menos capazes e menos sensíveis do que um cavalo adulto e normal. Em que ficamos? Não têm direitos, ou têm direitos porque pertencem à espécie humana e só por pertencerem à espécie humana?

1.1) A capacidade de avaliar as consequências dos actos e a faculdade de conseguir desenvolver um pensamento ético é condição necessária para levarmos em conta os interesses de um indivíduo? Se sim, tanto um recém-nascido como um deficiente mental profundo não são moralmente relevantes.

2) A ética é universalizável na nossa espécie tanto como é universalizável na faixa de QI igual ou superior ao meu.

2.1) A faculdade de pensar eticamente, pelo menos de forma sofisticada, os outros animais parecem não ter (embora tenham certos sistemas pré-éticos). Mas também há humanos que não conseguem pensar eticamente. A faculdade de pensar eticamente é uma condição necessária para os interesses de um indivíduo serem moralmente relevantes? [Ver 1.1] Não vejo porquê. Para mim é apenas necessário para ser um agente moral.