quinta-feira, 14 de junho de 2007

Democracia e laicidade enquanto garantias da neutralidade do Estado

O Daniel Oliveira e o João Miranda desentendem-se a propósito de saber se o Estado poderá ser neutro.

A bem da liberdade efectiva de cada um, o Estado não deve adoptar qualquer religião ou ideologia totalitária alguma. Quem acha que o democratismo ou o laicismo serão ideologias políticas como as outras encontra aqui uma contradição. Mas a democracia não é um sistema de governo como os outros porque permite que cada facção se organize para ser governo temporária e limitadamente, tentando aplicar as suas soluções, ideologicamente inspiradas ou clientelarmente obrigadas (o sistema tem os seus defeitos...). E a laicidade não é um regime como os outros porque deixa a cada cidadão a liberdade de escolher uma religião ou nenhuma, e de tentar convencer os outros a aderirem à sua preferência. Quer a democracia quer a laicidade são modos de funcionar que permitem, respectivamente, a escolha colectiva (temporária) de mais social-democracia ou mais liberalismo, e a escolha individual de mais religião ou mais ateísmo. Nesse sentido, a sua superioridade está justamente em permitir vários modos de funcionar e várias escolhas.

No fundo, a diferença é entre ideologias fechadas que escolhem o palco, o guião e os actores, e ideologias abertas que arrumam o palco e deixam o guião à escolha dos actores.

4 comentários :

João Vasco disse...

Não sei se era esse o espírito do texto do João Miranda, com o qual concordei.

Pelo menos eu interpretei-o como sendo contrário ao uso, por parte do estado, de um discurso (ou atitudes/acções) relativo à "alma nacional" e outras alusões à "nação".
Também prefiro um estado visto como algo administrativo, em certa medida artificial (na medida em que é uma convenção - útil, mas uma convenção) do que como algo orgânico, com uma "alma nacional" e alusões à "cultura, tradições e história do nosso povo" e tretas do tipo.

Uma das coisas que eu mais gosto nos liberais (mesmo os "liberais" do Blasfémias) é a sua aversão ao nacionalismo.

Ricardo Alves disse...

João Vasco,
há «liberais» nada avessos ao nacionalismo. O Rui A. ou o Arroja, por exemplo.

O problema do João Miranda é pensar deliberadamente de forma a-histórica. E portanto acaba a defender que o Estado não tenha História. Ora, não há sociedades sem passado...

João Vasco disse...

Bem, ao Arroja nem "«"«'liberal'»"»" lhe poderia chamar. Bem sei que o usei para demonstrar o quanto o termo podia ser ambíguo, mas olhando para trás entendo que foi um exagero.
O Rui A. não estou bem a ver quem é..

De resto, acho que um estado tem história. E até entendo que celebre alguns marcos importantes dessa história - 25 de Abril, 5 de Outubro, 1 de Dezembro, etc... no nosso caso - mas deve sempre evitar saír do âmbito estritamente institucional. E se deve evitar qualquer presença religiosa e alusões à religião, creio que da mesma forma devem ser evitadas alusões a questões mais culturais, relacionadas com um alegado "povo" que se distingue dos restantes. "Alma nacional"? Não, obrigado.

Ricardo Alves disse...

Justamente, João Vasco. A «alma nacional», o «sentimento nacional» e outras antropomorfizações dos colectivos são perigosas. Uma comunidade política deve limitar-se a celebrar as datas definidoras dessa comunidade política. E, a esse respeito, tenho algumas dúvidas sobre o que se celebra efectivamente a 10 de Junho...